A Escola e o Futuro

Cada vez fico mais convencido de que a escola não tem futuro, porque o futuro não terá escolas.

Se a gente tivesse tido coragem, o presente já não teria escolas, porque teríamos prestado atenção ao que disse Ivan Illich, 45 anos atrás, em 1970, quando escreveu um livro nos conclamando a acreditar que uma sociedade sem escolas era possível – mais do que isso, necessária – e propondo que, portanto, desescolarizássemos a sociedade.

Se isso já parecia viável a Illich, um religioso, vivendo em Cuernavaca, no México, quase 50 anos atrás, quanto mais hoje, com toda a tecnologia de que dispomos, toda ela interconectada, com a Internet, com comunicação multimídia móvel e instantânea – ficando mais rápida a cada dia…

Falo em tecnologia, não porque ache que a tecnologia vai substituir a escola. A tecnologia de hoje, como Bill Gates já percebeu há muito tempo, quando escrevia seu primeiro livro, existe para permitir que pessoa se conecte com pessoa e que, interconectados, tenhamos amplo acesso às informações de que precisamos, ou que queremos, para fazer seja lá o que for que queiramos fazer. O que vai substituir a escola são redes – não de computadores, mas de gente: redes sociais. Os computadores viabilizaram essas redes, mas quem as criou fomos nós. Mike Zuckerberg teve a ideia, montou a estrutura, mas quem transformou Facebook em uma rede de bem mais de um bilhão de pessoas fomos nós. A maior parte de nós trabalha de graça no Facebook, conversando um com o outro, trocando ideias, fotos e vídeos, produzindo, compartilhando, criticando informações – só pelo prazer, pela satisfação, pelo sentimento de realização que isso nos dá – ou por outra razão últil qualquer.

As redes sociais que nós estamos montando vão substituir a escola – mas serão tão diferentes da escola que conhecemos que nós provavelmente abandonaremos o termo. Os prédios que hoje são escolas, da mesma forma que os cinemas que antigamente estavam por todo lugar e andavam sempre cheios, um dia serão destruídos (já estão sendo) ou se transformarão templos das igrejas dos sucessores dos Edir Macedos de hoje. A menos que as igrejas também sejam substituídas por redes sociais – por que não? Elas são locais em que pessoas se encontram para receber e transmitir informações e para sentir prazer com a companhia alheia… Tudo isso pode ser feito através de redes sociais atuais – e será muito mais viável e efetivo com as redes sociais que estão ali adiante, bastando virar a esquina. O Edir Macedo, que entende muito mais do que se pode fazer com tecnologia do que qualquer um de nós já esparramou “pastores virtuais” pela Internet, que ouvem e conversam com gente que tem problema, que está ansiosa, preocupada, aflita, usando a Internet como confessionário…

Uma das coisas mais importantes (para eles) que crianças, adolescentes e jovens fazem hoje é jogar – brincar usando videogame. Hoje, eles não jogam com o videogame: usam o videogame para jogar com outras pessoas. Os que fazem isso intensamente são uma confraria secular. Aprender a jogar bem um videogame desses que fascinam as novas gerações não é fácil (para um adulto). É muito mais difícil do que aprender a usar bem a língua portuguesa. Mas as jovens gerações de hoje aprendem a jogar esses jogos fascinantes de forma extremamente rápida e com inacreditável competência. Por eles, viram a noite jogando. E aprendem de forma ativa, interativa, comunicativa, colaborativa, significativa… Como dizia Paulo Freire, ninguém ensina ninguém, mas ninguém aprende sozinho: nós nos educamos uns aos outros “em comunhão”, mediatizados pelos nossos interesses comuns no mundo… A igreja dos anos 60 aprendeu que o lugar de adorar a Deus é no mundo, não no templo… Paulo Freire pegou essa ideia e a pedagogizou: o lugar de nos educarmos uns aos outros é no mundo, não na escola. Paulo Freire era amigo de Ivan Illich – e ambos eram amigos de Rubem Alves, o nosso teólogo-educador-poeta-em-prosa maior, que nos ajudou a entender, lá nos anos setenta, que a teologia era uma coisa muito chata, mas a teopoesia era uma coisa encantadora… Ele também fez uma transposição do mundo da religião para o mundo da aprendência: aprender o que não se quer e, o que ainda é pior, através do ensino de um professor de saco cheio é uma merda – mas aprender o que se tem interesse em aprender, brincando juntos, poetizando juntos, até mesmo teopoetizando juntos, é encantador. Escolas são gaiolas. Rubem Alves nos ajudou a ver isso. Elas matam os pássaros que prendemos nelas – mesmo quando o fazemos com a melhor das intenções. Rubem Alves certamente havia lido um livro de alguém que descreveu o tempo de escolarização obrigatória como uma sentença de 12 anos que condena nossas crianças, adolescentes e jovens a desperdiçar numa instituição autoritária o melhor tempo de suas vidas, o tempo em que deveriam estar explorando o mundo, aprendendo enquanto jogavam, se divertiam, curtiam a vida… [*]

Fui obrigado a ir à escola, disse Mark Twain – mas nunca deixei que a escola atrapalhasse a minha educação. Ainda bem. É isso. Na escola perdemos tempo – tempo precioso que deveria estar sendo usado em nossa educação.

Karl Popper disse que tinha fé no ser humano – e que essa fé se fundamentava no fato de que essa maldita escola, que, segundo ele, foi inventada e nos foi legada por Platão e que foi conservada quase sem mudança até hoje, ainda não conseguiu destruir de todo a nossa curiosidade, a nossa vontade de aprender, o nosso amor ao saber e ao saber-fazer, a nossa capacidade de não perder de vista o que importa, mesmo quando a escola tenta desviar o nosso olhar para o desimportante…

A escola está à morte. Que tenha uma longa vida a educação.

Em São Paulo, 6 de Outubro de 2015

[*] O livro a que me refiro é The Twelve-Year Sentence: Radical Views on Compulsory Education, de William Rickenbacker. Infelizmente, apesar to título chamativo, Rickenbacker não é suficientemente radical. Ele se opõe basicamente à educação compulsória (em especial a que tem lugar na escola pública). Na verdade, ele se opõe à escolarização obrigatória imposta pelo governo. Eu me oponho a isso também. Mas minha tese é mais ampla e mais radical: ela afirma que a escola, como locus privilegiado da educação, é uma ideia a ser combatida, seja a escola compulsória ou não, seja a escola pública ou não. O locus da educação é o mundo, isto é, a sociedade, o ambiente de trabalho, o ambiente de lazer, a comunidade, a casa (o lar), o quarto do indivíduo, o seu telefone… Todos esses ambientes de aprendizagem estão hoje interconectados — na verdade, estão tão entrelaçados que a gente trabalha em casa, se diverte no trabalho, brinca e se entretem com as mesmas ferramentas com que trabalha — e aprende em todos esses locianywhat, anywhy, anywhen, anywhere, anyhow…

Uma resposta

  1. Gostei muito da reflexão sobre a inoperância da instituição “escola” no mundo de hoje. Há que se fazer uma mudança radical na concepção de ensino/aprendizagem no mundo informatizado em que vivemos. Bola prá frente!

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