Existe um dito, bastante conhecido, segundo o qual “a história é narrada pelos vencedores”. Ele sugere que a História Narrada – aquilo que em alemão geralmente se designa Geschichte – prevalece sobre a História Acontecida – aquilo que em alemão geralmente se designa Historie. Se ninguém narrar algo que de fato aconteceu, parte do que de fato aconteceu não vai aparecer na História Acontecida porque não tem como pertencer à História Narrada – que é a que chega até nós.
Muitos exemplos podem ser dados dessa distinção. A História da Guerra do Paraguai (da guerra entre o Brasil e o Paraguai no século 19) que é contada em nossos livros didáticos e em nossas salas de aula é a História Narrada por nós, brasileiros. É muito provável que os paraguaios tenham uma outra História Narrada da mesma guerra. E onde fica a História Acontecida nessa – bem, nessa história? Ela fica para sempre uma História Escondida? Quem sabe uma História Inacessível? Ou é possível recuperá-la, através de algo que poderia ser chamado de História Científica, ou História Crítica, que consegue atravessar as diversas Histórias Narrativas, alcançar os fatos ocorridos, através da evidência disponível, cientificamente comprovada como tal, e assim chegar a algo que possa ser descrito como, em alemão (pois os alemães criaram esse debate), “Historie, wie es [sie] eigentlich gewesen ist” – a História, como ela de fato aconteceu. Leopold von Ranke (1795-1876) é o historiador alemão que levantou essa lebre. Vide o artigo sobre ele na Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Leopold_von_Ranke.
Mais recentemente, Karl Mannheim (1893-1947), nascido na Hungria, mas que teve, além de uma fase húngara, uma fase alemã e uma fase inglesa, sugere, em sua obra Ideologia e Utopia, que, talvez, não seja o caso de tentar “atravessar as narrativas”, que ele chama de “perspectivas”, mas, sim, de tentar junta-las e integra-las num “todo”, algo que o cientista seria capaz de fazer, por ser capaz de, por sua capacidade crítica, transcender os perspectivismos (representados por nação, região, classe, cultura, religião, época, quem sabe raça e sexo) e o relativismo que eles implicam. O “todo” seria algo “relacional”, mas não “relativo” ou “relativista”.
Mannheim também sugeriu, na mesma obra, que o que chamamos de ideologia deve ser visto, em sua origem, como uma “deliberada tentativa de obscurecer os fatos” – talvez até camuflando-os, quem sabe escondendo-os… O que esse insight parece indicar é que criamos ideologias, para obscurecer, camuflar ou esconder os fatos, quando os fatos não nos parecem aceitáveis – quando é difícil engoli-los e degluti-los… Dentro dessa visão, a História Narrativa seria, possivelmente, uma história cujos fatos são obscurecidos, camuflados e mesmo ocultados para que o de fato acontecido dê lugar ao que gostaríamos de fazer crer que tivesse acontecido (dadas as exigências da nossa ideologia).
Isso o tornou muito mal visto pela maioria dos marxistas, não é muito difícil entender por quê. Vide o artigo sobre Mannheim na Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Karl_Mannheim.
Essa questão toda está na ordem do dia. Estamos vendo, hoje, os fatos da história contemporaníssima do Brasil acontecer diante dos nossos olhos, na televisão, e podemos constatar que os discípulos de Marx, 170 anos depois do Manifesto Comunista, continuam a se esforçar por criar narrativas, que se adaptam aos seus preconceitos ideológicos (sua maneira de ver a realidade), para nos fazer crer que os fatos que vemos acontecer não são o que parecem. Na verdade, que os fatos, na realidade, são outros – que nem parecem ser… Aqui, na verdade, a tentativa não é de obscurecer, camuflar e esconder os fatos: a tentativa é de trocar os fatos (digamos, os fatos verídicos, se isso não é pleonasmo) por outros (por fatos falsídicos, inventados para tentar, na marra, impor uma narrativa histórica que descreve, não o que de fato ocorreu (ou que de fato esteja ocorrendo), mas o que eles gostariam de fazer crer que tivesse acontecido (ou estivesse acontecendo). O que está acontecendo, segundo eles, não é um impeachment, como o que de fato aconteceu, em 1992, com o apoio dos petistas, contra o então presidente Collor. O que está acontecendo agora seria um golpe. Mas como um golpe, pergunta-se, se os militares estão nas casernas, se o rito prescrito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo seguido, se o STF, frequentemente chamado a se pronunciar, o mais das vezes pelos petistas, tem sacramentado o que está ocorrendo? Ah, trata-se de um golpe diferente, um golpe especial: um golpe parlamentar, comandado pelo Vice-Presidente (que atualmente não é parlamentar). Mas como um golpe, pergunta-se ainda, se, ao longo dele, a presidente vai passear em Nova York, no avião oficial, com uma enorme comitiva, deixa no cargo o Vice-Presidente supostamente golpista, em Nova York fica hospedada em hotel caríssimo (como sempre), conta um monte de mentiras para os gringos (como sempre), visita uma exposição num museu, onde almoça, à noite pega o avião, volta para o Brasil, e reassume o cargo (que o Vice-Presidente não move um dedo para impedir)? Ah, mas é um golpe, mesmo assim. É, porque é. Ponto.
A única forma de impor uma narrativa falsa é através da mentira. Da mentira, ainda que deslavada, contada com a cara mais limpa. Por isso, os chefes da nossa esquerda petista, Lula e Dilma, são mestres na arte da mentira. Eles acreditam piamente que a mentira repetida mil vezes passa, pelo cansaço gerado pela oitiva da repetição, a ser vista como verdade pela maioria da população.
Vocês já viram um vídeo do Lula admitindo, orgulhosamente, ser um grande artista da mentira? Um artista que inventa números, tirando-os da algibeira, sem critério algum, para enganar os trouxas dos gringos? Vejam em https://www.youtube.com/watch?v=8Kgo-PykDhk o vídeo em que o Lula admite que mentia deslavadamente para os gringos sobre o número de crianças na rua no Brasil, o número de abortos no Brasil, etc. Quando ele mentiu dessa forma, esclarece, estava em companhia do Roberto Marinho e do Jaime Lerner e não tinha a menor vergonha – e os gringos aplaudiam! O Jaime Lerner teve de adverti-lo para não exagerar demais porque uma hora alguém descobre que ele está mentindo. A audiência diante da qual ele admitiu tudo isso também o aplaudiu pela sua capacidade de mentir. Embora o relato que ele fez pudesse também ter sido inventado! Vai-se saber.
No entanto, um tempo depois, já bem mais recentemente, o mesmo Lula teve a coragem de dizer: “Se tem uma coisa [de] que eu me orgulho neste país . . . é que não tem nesse país uma viva alma mais honesta do que eu” (vide https://www.youtube.com/watch?v=H6KIR5VRxyM). Está mentindo agora ou quando disse que era mentiroso? O caso me faz lembrar de uma conversa do Tim Maia com o Jô Soares, no programa deste, em que o Jô lhe perguntou se era verdade que ele tomava drogas, bebia feito uma esponja, era devasso e promíscuo, etc. e ele negou em todos os casos. Daí esclareceu: o único defeito que eu tenho é que eu sou meio chegado a uma mentirinha…
A história real (a que de fato aconteceu) prova que marxistas e petistas têm certa razão em tentar. O “golpe” deles já deu certo algumas vezes. Na História Acontecida, os militares ganharam de fato a guerra contra a esquerda no período de 1964 a 1984. Mas a esquerda ganhou “a guerra das narrativas”. É a narrativa da esquerda que está transcrita nos livros didáticos e é ensinada nas escolas. A esquerda conseguiu impor a sua História Narrativa (porque ela, seguindo a orientação de Gramsci, se infiltrou nos “aparelhos ideológicos do Estado”: a educação, a mídia, a arte…). Recentemente, estando no poder, a esquerda criou até uma comissão para tentar desenterrar, ou, caso isso se mostrasse impossível ou difícil, gerar ou inventar, fatos que comprovassem sua narrativa do regime militar de 64. Em verdadeiro Newspeak (Novilíngua), chamou a comissão criada de Comissão da Verdade. A “verdade”, no caso, quer dizer “a verdade que queremos narrar e perpetuar”. Vide o vídeo sobre a “Comissão da ‘Verdade’”, com Percival Puggina, em https://www.youtube.com/watch?v=7yK4T9XQa6k.
[Nota: A crítica que faço aqui vai além da que fez à “Comissão da ‘Verdade’” o meu amigo Eliezer Rizzo de Oliveira, em seu livro Além da Anistia, Aquém da Verdade: O Percurso da Comissão Nacional da Verdade. Ele criticou a “Comissão da ‘Verdade’” por ter escolhido investigar apenas um lado, o dos militares, não o outro, o dos terroristas. Assim, criticou a comissão por ter ficado “aquém da verdade”, por ter deixado verdade fora (sem questionar se o que ela concluiu que era verdade de fato o era). Eu critico a tentativa de criar uma narrativa oficial, de reescrever a história, de ir “além da verdade” ou até mesmo procurar criar uma narrativa, “em vez da verdade”, mas uma narrativa que viesse a ficar universalmente reconhecida como a “História Oficial”. A esquerda faz isso ao mesmo tempo que critica a narrativa dos militares como sendo a “História Oficial”. Vide o filme argentino com esse nome. Descrição na Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Hist%C3%B3ria_Oficial]
Antes de criar a “Comissão da ‘Verdade’” para tentar “comprovar” a narrativa da esquerda petista, esta já havia transformado os guerrilheiros que queriam implantar a ditadura do proletariado no Brasil em “combatentes pela democracia”, em “heróis da resistência democrática”. De igual modo, durante a Guerra Fria, as ditaduras comunistas na Europa Oriental eram chamadas de “Repúblicas Democráticas”, conspurcando não só o termo “democracia” como o termo “república”…
Essas coisas se passam diante de nossos olhos. Vejamos um post que circula no Facebook descrevendo o que aconteceu ontem, 29 de Abril de 2016, no Senado Federal. A advogada Janaína Paschoal estava defendendo o impeachment da presidente quando foi interrompida por uma senadora petista do Rio Grande do Norte, chamada Fátima Bezerra. Disse a senadora, criticando a advogada por pedir o impeachment “de uma presidenta eleita”:
“Não é uma presidente qualquer. É uma mulher que traz no corpo as marcas da tortura que sofreu POR DEFENDER A DEMOCRACIA no Brasil.”
Foi esta a resposta da advogada Janaína Paschoal:
“Prezada senadora: se Dilma foi ou não torturada, não sei. Ela diz que foi, mas ela também diz que nunca soube de corrupção na Petrobras; a senhora decide se a palavra dela merece ou não seu crédito, senadora. Agora, quanto a ter Dilma lutado pela democracia, prezada senadora, veja se consegue entender: Dilma foi membro da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), organização MARXISTA-LENINISTA (a senhora sabe o que é isso, certo?) que praticava assaltos, atentados e sequestros. Tais ações tinham como finalidade (que constava dos estatutos da referida organização, a senhora pode pesquisar) implantar no Brasil uma ditadura do proletariado, um regime de partido único que não permite liberdade de expressão, liberdade de associação partidária, imprensa livre, eleições, nada que vagamente se assemelhe à democracia que a senhora mencionou.”
É isso…
Percival Puggina, em artigo recentíssimo (29/4/2016), critica “O Compromisso com a Mentira”. Diz ele:
“É de autoria da jovem escritora norte-americana Veronica Roth a observação, tão interessante quanto significativa, que determinou o título deste artigo: a mentira exige compromisso. De fato, quem mente faz um pacto com essa falsidade, agravando de modo crescente seus efeitos e a corrupção da própria consciência. O que descrevi ganha enorme significado no campo político. Neste caso, a mentira pode fraudar a democracia e determinar as mãos para onde vai o poder; pode frear e inibir a Justiça; pode promover a injustiça e pode causar severos danos aos indivíduos e ao interesse público.
Imagine agora, leitor, quanto mal pode advir quando a mentira, corrupção da verdade, é repetida milhões de vezes por multidões que, deliberada ou iludidamente, a reproduzem sem cessar como papagaios de barbearia. Temos visto muito disso por aqui. Impeachment é um instrumento constitucional da democracia, de rito lento e severo definido pelo STF, que exige quorum elevadíssimo em sucessivas deliberações nas duas casas do Congresso. No entanto, sua legitimidade vem sendo contestada através de uma mentira que me recuso a reproduzir aqui em respeito ao leitor cujos ouvidos, certamente, já doem de tanto a escutar.
Agora, um novo mantra está em fase de propagação. É o tema deste artigo. Ouvi-o pela primeira vez há poucos dias: “Se Temer assumir vai acabar com a Lava Jato”. Ué! Em seguida ouvi novamente. E de novo, e de novo. A mentira passou a ser difundida por uma nuvem de papagaios. Em bem pouco tempo, como era de se prever, de tão repetida a mentira virou assunto de entrevistas e comentários em rádio e TV. Ora, quem ouviu a mentira várias vezes proferida por repetidores comprometidos, viva voz ou nas redes sociais, e logo vê o tema sendo abordado em meios de comunicação, aos poucos passa a entender como informação aquilo que repetidamente ouviu. É gigantesca a disparidade de forças entre a verdade e a mentira incansavelmente proferida!
Vamos à verdade. Quem tentou controlar a operação Lava Jato foi o governo. Quem manifestamente odeia o juiz Sérgio Moro são: a presidente Dilma, o ex-presidente Lula, seu partido, seu governo e seus seguidores. Eram os parlamentares do governo que assediavam José Eduardo Cardozo enquanto foi ministro da Justiça para que contivesse as ações da Polícia Federal. Foi por pressão partidária, especialmente de Lula, que ele deixou o ministério onde seu sucessor, o ministro Aragão, já no dia da posse, começou a ameaçar a Polícia Federal. Ou não? Num país onde os absurdos se sucedem abundantes, em cascata e por dispersão, as pessoas esquecem essas coisas e abre-se o campo para quem mantenha relação descomprometida e inamistosa com a verdade.
Ninguém pode deter a operação Lava Jato. Ainda que alguns parlamentares investigados por ela tenham se mudado do governo para a oposição, a operação funciona numa esfera que não pode ser alcançada por cordéis acessíveis aos comandos políticos. O governo, que descobriu ser inútil sonhar com isso, também sabe que pode se valer da ideia para propagar uma falsidade que lhe convém.
[http://www.puggina.org/artigo/puggina/compromisso-com-a-mentira/7849; os grifos são meus]
Na verdade, como sugere Puggina, os mentirosos compulsivos, de tanto mentir, acabam acreditando nas próprias mentiras, acabam por considera-las verdades – mais que isso, verdades evidentes, que apenas a maldade (“o direitismo”, “o reacionarismo”, etc.) dos que as negam os levam a negar.
Vou terminar no mesmo tema, mas noutro tom…
Rudolf Bultmann, um dos maiores teólogos protestantes do século 20, crítico do chamado Historicismo, afirmou, em um dos seus livros, contrariando de certo modo São Paulo (que disse que, “se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” – I Cor 15:14), que, mesmo que a ressurreição não tivesse sido um fato histórico (historisch), e mesmo que Jesus não houvesse realmente vivido, o que importa é o kerygma (a mensagem, a pregação) da igreja, que é baseada na crença na ressurreição, a narrativa da ressurreição – ou seja, a História Narrada (geschichtlich), não a História Acontecida. Se se perguntar a ele como é que surgiu a crença na ressurreição, se ela não foi decorrente do fato da ressurreição (como descreve a “narrativa oficial” da Igreja, contida no Novo Testamento), ele provavelmente dirá que não está interessado nessa questão – que é, novamente, historisch, relacionada aos fatos, não à narrativa. Pode ter sido deliberadamente inventada pelos discípulos, ou alguém mais a inventou e iludiu os discípulos, que ingenuamente acreditaram nele. O importante, para ele, Bultmann, é a História Narrada – não a História (de fato) Acontecida.
Seria Bultmann um petista, estivesse ele vivo e vivesse ele no Brasil de hoje?
Em Salto, 1 de Maio de 2016.
P.S.
Quatorze dias depois de eu escrever o post acima, encontrei um artigo do Senador Cristovam Buarque, em O Globo de 14/5/2016, que aborda o mesmo tema discutindo a diferença entre “Teses e Narrativas”.
Teses, afirma ele, são itens de programas que se pretende defender — é algo que se pretende construir.
Narrativas são mentiras e invenções acerca de algo que ocorreu que se pretende ver adotadas como se fossem verdade histórica. Não é história ocorrida: é a história narrada que não leva em conta a história ocorrida, mas atende aos interesses do grupo que constroi a narrativa.
O artigo de Cristovam Buarque está disponível em http://oglobo.globo.com/opiniao/teses-narrativas-19304817. Eis o seu texto completo.
Teses e narrativas
O Partido dos Trabalhadores adotou, durante anos, a prática democrática de debater teses apresentadas por seus grupos organizados, chamados de “tendências”. Ao chegar ao poder, esta prática foi reduzida pela centralização criada para fazer o governo funcionar. As “tendências” foram perdendo força e suas teses, aos poucos, abandonadas.
Nos últimos meses, o partido passou a adotar “narrativas”, criadas conforme a interpretação de alguns dirigentes ou seus marqueteiros, para serem transformadas em lendas acreditadas sem contestações, o contrário do debate de teses. À exceção de alguns poucos líderes, a exemplo de Tarso Genro, que se mantêm fiéis a teses.
Foi propalada a lenda de que os programas de transferência de renda foram inventados e criados, em 2004, pelo governo Lula. A narrativa ignora o programa Bolsa Escola, criado pelo governo do PT no Distrito Federal, em 1995, espalhado para diversas cidades, inclusive São Paulo, no governo da Marta Suplicy, e depois adotado pelo governo Fernando Henrique, em 2001. O programa foi ampliado com o nome de Bolsa Família, mas, ao relegar o aspecto educacional, transformou-se em instrumento de assistência social.
Em 2009, foi criada a narrativa de que o pré-sal era um produto do governo Lula e que suas receitas salvariam o Brasil, especialmente educação e saúde. Anos depois, estes setores não viram os resultados prometidos, e a Petrobras luta para sobreviver após a rapinagem do petrolão.
Vendeu-se a narrativa de que o Brasil havia superado o quadro de pobreza e que 35 milhões ingressaram na classe média, como a família que recebesse em 2012 renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.091. Este baixo valor e a elevada e persistente inflação desmoralizaram a narrativa.
Apresentaram a lenda de que as generosas desonerações fiscais seriam capazes de transformar a crise mundial em uma marolinha brasileira. Graças às cotas, positivas, mas localizadas e restritas a raras pessoas, houve a narrativa de que os filhos de todos os pobres tinham vagas nas universidades, mesmo sem a melhoria da educação básica, porque raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade.
Agora, passa-se a narrativa de que o impeachment é golpe, mesmo se for comprovado crime de responsabilidade previsto na Constituição. Individualmente, cada um pode ter razões para duvidar se as gravidades dos fatos apresentados na petição do impeachment justificam a destituição de uma presidente eleita por mais de 53 milhões de votos. Mas não há razão para acreditar na narrativa de golpe, se o procedimento estiver seguindo as normas, leis e ritos constitucionais, conforme seguiu no caso do ex-presidente Fernando Collor.
Esta narrativa é, porém, um direito do partido na estratégia eleitoral para 2018. É lamentável, porém, que o partido das “teses” tenha se transformado no partido das “narrativas”.
Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)