Originalmente publicado no Blog das Editoras Ática e Scipione.
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Este artigo é um desabafo. Um desabafo a propósito de um vídeo de um rapaz português de quinze anos, prestes a completar dezesseis, chamado Marco, que vi no Youtube. O vídeo me foi recomendado por um amigo meu, de Odivelas, perto de Lisboa. Fiquei revoltado com o que vi — e com o que não vi, mas sei que existe. Por isso o desabafo.
O que me revoltou mais foi saber que coisas assim acontecem também aqui no Brasil, em números absolutos bem maiores e, talvez, em números percentuais também superiores aos de Portugal: jovens que chegam aos quinze ou dezesseis anos totalmente analfabetos (e não só analfabetos funcionais), apesar de haverem frequentado a escola desde os sete anos, ou seja, durante pelo menos oito anos.
A imprensa brasileira de vez em quando relata fatos semelhantes. Mas a leitura de uma reportagem de jornal ou do resumo comentado de uma pesquisa parece que não comunica a tragédia que os fatos representam. O relato escrito parece não chocar tanto como um vídeo em que parte da tragédia tem rosto, tem voz…
Quando a gente vê o vídeo que mostra, de forma clara e inequívoca, que oito anos de escolaridade não valeram absolutamente nada para um rapaz, porque durante esse tempo todo ele não aprendeu nada, absolutamente nada, na escola, nem mesmo a ler e escrever, nem a dizer a data em que nasceu, nem a indicar quais são as outras cidades de sua terra natal, Portugal (outras em relação àquela, perto da qual vive), a gente só pode concluir que alguma coisa está errada, muito errada.
Como a escolaridade básica é obrigatória em Portugal, mais ou menos como aqui, podemos dizer que os anos passados por Marco na escola, sem que ele nada aprendesse, simplesmente foram oito anos de vida que ele perdeu: roubaram-lhe esses anos ao obriga-lo a frequentar uma escola em que ele nada aprendeu.
Alguém deveria ter visto, na escola, pelo menos ao final do primeiro semestre de frequência do menino, que ele não estava aprendendo nada. Se ele era deficiente mental, incapaz de aprender o que a escola esperava que seus alunos aprendessem, deveria ter sido encaminhado para uma escola especial. Se era um caso extremo de deficiência, um menino que não iria aprender nada nem mesmo com a ajuda de profissionais especializados em uma escola especial, alguém deveria ter percebido isso, decidido que ele era inescolarizável, requerido a um juiz qualquer que o dispensasse da escola, e enviado o menino para casa. Lá ele certamente teria sido, pelo menos, mais feliz. Teria brincado, uma parte do tempo. Teria ajudado sua família em tarefas simples, na outra parte. Brincando ou trabalhando, quem sabe teria aprendido alguma coisa que lhe interessasse ou que lhe fosse útil.
Vejam o vídeo e me digam se concordam ou não concordam comigo:
o O o
O que dizer de uma tragédia dessas? Por onde começar?
Começo ressaltando que, na minha maneira de ver a coisa, há pelo menos três tragédias aqui — talvez mais.
Há, primeiro, a tragédia pessoal do rapaz. Trata-se de um rapaz evidentemente infeliz. Talvez com problemas sérios de aprendizagem. Uma coisa é clara: ele detesta a escola. Fica apenas sentado lá. Não aprende nada e ninguém parece se preocupar com isso. Marco claramente preferiria trabalhar a estar na escola.
Há, segundo, a tragédia representada pela escola. O que se passa numa escola, como a que foi frequentada por Marco, que um menino (depois adolescente) passa oito anos lá, sem aprender nada, e ninguém toma uma providência? (Minha mulher levanta a hipótese mais trágica ainda de que talvez a professora e a diretora da escola nem estivessem cientes de que o menino / rapaz não estava aprendendo nada…). Do ponto de vista da repercussão e do alcance, essa tragédia, em qualquer de suas versões, é maior ainda do que a tragédia individual do aluno.
E há, terceiro, a tragédia representada por uma sociedade que vê um sistema escolar em que alunos não aprendem nada, ou aprendem muito pouco, em que não aprendem a ler e escrever, ou não aprendem a ler e escrever direito, durante oito longos anos, e que concorda em manter esses alunos, inocentes de qualquer crime, institucionalizados, presos na escola, sem poder sair de lá até que tenham cumprido sua sentença…
Repetindo: Marco conseguiu chegar aos quinze ou dezesseis anos, nos quais frequentou a escola durante oito, sem aprender a ler e escrever, sem ficar sabendo direito quando nasceu, sem conseguir dizer se conhece alguma outra cidade de Portugal (ele diz que conhece um pouco da França, mas fica em dúvida se essa “cidade” está localizada em Portugal). A escola parece concluir que nada tem que ver com isso… E a sociedade não parece concluir que uma injustiça está sendo cometida, porque um menino (depois adolescente) está sendo mantido preso sem ter cometido nenhum crime…
o O o
O mais ridículo — na verdade, revoltante — é ver a professora do aluno (ou diretora da escola) tentando explicar como é que um analfabeto total pode chegar até o oitavo ano da escola. Ela diz apenas que o aluno “tem tido alguma satisfação com a escola”, e cita como prova o fato de que ele ultimamente tem faltado menos do que antes… Ou seja, ela tenta jogar a culpa no próprio aluno, ao apelar para suas faltas… Ela nem sequer tenta especular por que o aluno faltou (aparentemente) bastante.
O aluno desmente a afirmação da professora de que ele tem tido alguma satisfação com a escola. Diz, taxativamente, que não gosta da escola — talvez seja por isso que falte tanto? Ele esclarece à repórter que, na escola, não faz nada: só fica sentado lá.
A escola (aparentemente) não o molesta. O aluno diz que prefere trabalhar a ir à escola. Pelo jeito a escola também preferiria isso, se não fosse ilegal mandá-lo embora da escola, por incapacidade ou inapetência para aprender
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É compreensível que o aluno prefira trabalhar a frequentar uma escola que lhe é totalmente inútil. Mas não pode, porque a frequência à escola, em Portugal, como aqui no Brasil, é obrigatória, pelo menos até uma certa idade (que, é bom que se diga, pretende-se aumentar aqui no Brasil, tornando o Ensino Médio também obrigatório). Seus pais poderiam ser punidos caso ele desistisse, por decisão pessoal, da escola.
A “ideologia escolária” que é hegemônica em Portugal, no Brasil e no mundo não só quer aumentar a idade de escolaridade obrigatória (hoje de 6 a 14 anos), mas quer também aumentar o número de dias letivos (de 200 para 220) e o número de horas diárias que o aluno é obrigado a permanecer na escola (havendo os proponentes da escola de tempo integral, em que o aluno fica na escola simplesmente o dia inteiro). Além disso, há propostas para que o tempo escolar seja mais bem aproveitado com o ensino, reduzindo-se o tempo usado para a gestão da sala de aula, para o lazer, e para qualquer outra coisa que não seja ensino…
Isso resolve o problema? É evidente que não adianta nada, se o resultado é algo parecido com o que vemos no caso de Marco, o aluno do filme. Ele detesta a escola, não porque a escola lhe exige que aprenda coisas difíceis ou chatas. Ele detesta a escola porque ali perde o seu tempo, não faz nada o tempo todo, além de ficar sentado à sua carteira. Faz bem em detestá-la, porque esse tipo de escola é uma perda total e absoluta de tempo. O fato de que é capaz de concluir isso é prova de que alguma inteligência ele tem, que nem os oito anos de escola conseguiram destruir…
Esse vídeo me evocou algumas observações sobre a escola feitas por autores famosos. Primeiro, uma de Karl Popper, que disse:
“Tem-se dito, e com verdade, que Platão foi o inventor tanto de nossas escolas secundárias como de nossas universidades. Não conheço melhor argumento para uma visão otimista da humanidade, nem melhor prova de seu amor indestrutível pela verdade e pela decência, de sua originalidade, de sua teimosia e de sua saúde, do que o fato de que esse devastador sistema educacional não tenha até hoje sido capaz de arruiná-la completamente“.
(The Open Society and Its Enemies, Vol. I: “The Spell of Plato” [Princeton University Press, Princeton, NJ, 1962, 1966, 1971], p. 136 – ênfase acrescentada. A tradução é minha.)
A outra passagem é de Samuel Butler, que disse:
“Fico às vezes imaginando como é que o mal causado pela escola às crianças e jovens não deixa, a maior parte das vezes, marcas mais claramente perceptíveis, e como é que moços e moças conseguem crescer tão sensatos e bons, a despeito das deliberadas tentativas feitas pela escola de entortar ou mesmo interromper o seu desenvolvimento. Alguns, sem dúvida, sofrem danos de tal monta que sentem seus efeitos até o fim da vida. Mas muitos parecem não se deixar afetar pela vida da escola e uns poucos até se saem bem. A razão disso me parece ser que o instinto natural dos jovens se rebela de forma tão absoluta contra a formação que recebem na escola que, não importa o que possam fazer os professores, nunca conseguem que seus alunos os levem suficientemente a sério”.
(Samuel Butler, em Erewhon, passagem citada por Karl Popper como moto de uma seção de “Replies to My Critics”, in The Philosophy of Karl Popper, org. por Paul Arthur Schilpp [Open Court, La Salle, IL, 1974], Vol. II, p. 1174 – ênfase acrescentada. A tradução é minha.)
Mas a passagem mais relevante à espécie (como dizem os advogados) nos vem de Leon Tolstói. É uma passagem longa, mas vale a pena citá-la por inteiro:
“As crianças, em todos os lugares do mundo, são obrigadas, pela força, a frequentar a escola. Na verdade, os pais são obrigados a enviar seus filhos à escola, seja pela severidade da lei, seja porque se lhes prometem vantagens, seja por uma retórica que os ludibria. Fora da escola, as pessoas, em geral, em todos os lugares do mundo, aprendem e estudam por vontade e iniciativa própria e consideram a educação como algo bom. Como é que isso se dá? A necessidade da educação é sentida por todos os homens. As pessoas adoram aprender, amam a educação e a buscam, da mesma forma que amam e buscam o ar que respiram. O governo e a sociedade têm enorme desejo de educar o povo. E, todavia, a despeito do uso da força, da persistência do governo e da sociedade, e de todas tentativas de ludibriar o povo a aceitar a importância da escola, as pessoas do povo constantemente manifestam insatisfação com a educação que lhes é fornecida na escola e só se submetem a ela pela força, quando a escolarização é tornada obrigatória. É possível provar a justeza do método atual de escolaridade compulsória? É difícil descobrir se há métodos melhores, porque até aqui as escolas nunca foram realmente livres. É verdade que no nível mais alto do processo de escolarização – a universidade – se tenta implantar um regime mais livre. Será que, talvez, nos níveis inferiores a escolarização deva ser realmente obrigatória? Será que, talvez, a experiência um dia ainda nos vá provar que escolas de frequência compulsória são boas? Vamos examinar essas escolas, não pela consulta às tabelas estatísticas que nos são fornecidas, mas tentando descobrir o que elas realmente são e fazem e qual o seu real impacto sobre as crianças do povo. Quando voltamos nosso olhar para as escolas de frequência obrigatória, é isto que a realidade nos mostra: as escolas se apresentam às crianças como uma instituição destinada a torturá-las – uma instituição em que elas são privadas de seu principal prazer e necessidade: a movimentação livre; em que obediência e silêncio são exigidos como condição de permanência; em que elas precisam de autorização especial para ‘sair um minutinho’ da sala de aula; em que qualquer ação errada é de pronto punida. Quanto aos resultados da ação da escola sobre as crianças do povo, se atentarmos para a realidade e não para as tabelas estatísticas, somos forçados a concluir: nove décimos da população escolar retiram da escola apenas um conhecimento mecânico da leitura e da escrita; por outro lado, saem da escola com uma aversão tão grande para com os caminhos do conhecimento que foram obrigados a trilhar que nunca mais na vida botam as mãos em um livro. A escola não apenas consegue inculcar nos alunos a aversão para com a educação, ela também os induz a praticar a hipocrisia e a trapaça, em decorrência da posição não-natural em que os coloca. A educação deve ser apenas uma busca de resposta às questões que a vida nos coloca. Mas a escola não só não permite que os alunos ali levantem questões que lhes interessam como se nega a tentar ajudar os alunos a responder as questões que a vida fora da escola os força a confrontar. Ela fica eternamente respondendo às mesmas questões – mas essas são questões que não são levantadas pela mente das crianças. Basta olhar para uma mesma criança, de um lado, em casa e na rua, e, de outro lado, na escola. Em casa e na rua você observa uma criança vivaz, curiosa, com um sorriso nos lábios, explorando e tentando aprender tudo, da mesma forma que explora e busca prazeres, expressando seus pensamentos em suas próprias palavras, com clareza e, freqüentemente, com força e eloqüência. Na escola, você observa um ser como que aposentado da vida, cansado e com uma expressão de fatiga, tédio, enfado e por vezes terror, repetindo palavras estranhas em uma língua estranha – um ser cuja alma, como num caracol, se esconde dentro da própria casa. Basta comparar essas duas condições em que podemos observar a criança para constatar, sem sombra de dúvida, qual delas é mais vantajosa para o seu desenvolvimento. A natureza compulsória da freqüência à escola impede que a criança ali se eduque.”
(Leon Tolstói, “Sobre Educação Popular”, em Artigos Pedagógicos, 1862, traduzido do Russo para o Inglês por Leo Wiener [Dana Estes & Co., Boston, 1904], passagens retiradas das pp. 7-18 [ênfases acrescentadas]. Citado apud Daniel Greenberg, Announcing a New School: A Personal Account of the Beginnings of the Sudbury Valley School [The Sudbury Valley School Press, Framingham, MA, 1973, p. 175]. A tradução é minha.)
Forte, não? Mas será que quem vê o vídeo tem condições de argumentar que há alguma coisa errada naquilo que diz Tolstói?
o O o
Alguma coisa está seriamente errada, sim, mas não com o que Tolstói diz, nem necessariamente com o menino do vídeo, e nem só com a escola, mas com toda uma sociedade que valoriza a escolaridade independentemente da qualidade da aprendizagem que ali tem lugar (se é que alguma aprendizagem importante ocorre ali), e que acha bom aplicar a crianças inocentes, que não cometeram nenhum crime, uma sentença de prisão de nove a doze anos em que um rapaz como esse não aprende nada, perde seu tempo, tempo esse que poderia estar sendo gasto em alguma atividade produtiva que lhe rendesse algo e na qual ele aprendesse a fazer coisas úteis que lhe permitissem oportunamente melhorar de vida.
É isso que faz a obrigatoriedade da frequência à escola, mesmo que a escola seja ruim, mesmo que o aluno nada aprenda ali e, em decorrência disso, deteste ficar ali, preferindo até trabalhar a ficar sem fazer nada dentro da sala de aula: a obrigatoriedade da frequência a uma escola ruim faz com que o aluno deixe de acreditar na importância e no valor da aprendizagem e da educação. É esse o principal recado de Tolstói.
Vivemos, como disse, sob o jugo de uma “ideologia escolária”, uma ideologia que promove a escolarização — quando deveríamos estar promovendo a aprendizagem ativa, interativa, significativa e, por conseguinte, a educação incorporada (embedded) na vida, vale dizer, uma aprendizagem e uma educação que a gente constrói no lazer, enquanto brinca, e no trabalho, enquanto faz alguma coisa útil. No gueto escolar típico nem se brinca, nem se trabalha, e, por isso, não se aprende grande coisa de útil.
Como já disse em artigo anterior neste blog, Cristóvam Buarque, que me parece uma pessoa honesta e bem intencionada, uma vez disse, quando era Ministro da Educação, que qualquer escola é melhor do que nenhuma escola. Para ser franco e sincero, nunca ouvi uma bobagem pedagógica tão grande. Queria ver Cristóvam Buarque responder por que é que os oito anos desperdiçados na escola por Marco, o rapaz do vídeo, representam algo melhor do que oito anos em que o rapaz brincasse e curtisse a vida, ou trabalhasse e ganhasse algum dinheiro para si e para seus pais (fatalmente aprendendo alguma coisa útil, seja no brinquedo, seja no trabalho)…
Repito: escola ruim, além de representar desperdício de tempo e de dinheiro, causa um mal ainda pior do que esse desperdício: convence as pessoas de que a aprendizagem e a educação não valem nada, de nada servem para o seu desenvolvimento, não fazem diferença em sua vida…
A “ideologia escolária”, quando aplicada a uma escola ruim, prega um verdadeiro conto do vigário, de que são vítimas especialmente os pobres. A escola é obrigatória. Todo mundo parece achar isso bom. Nunca encontrei alguém aqui no Brasil que fosse contra a obrigatoriedade da escola para quem está na faixa etária de 6 a 14 anos. O governo, no caso do Brasil, ainda paga aos pobres para que enviem seus filhos à escola. O fato de a escola ser obrigatória não é suficiente para que as pessoas enviem seus filhos a ela: eles ainda precisam ser subornados a fazê-lo com uma esmola monetária do governo. Tudo isso porque, como se alega, a escola vai mudar para melhor a vida das crianças sentenciadas a frequentá-la durante longos anos.
Mas, como Tolstói deixa claro, é mentira que a mera frequência à escola, ainda que ela seja ruim, vá melhorar a vida dos pobres alunos… A escola ruim, a escola em que não aprende, não muda a vida de ninguém. Só entedia e revolta os alunos. Só os leva a crer que a aprendizagem e a educação, tal qual a escola, também não servem de nada.
Mas quando os alunos acabam por acreditar nisso, que a aprendizagem e a educação não lhes serve para nada, eles passam a acreditar em outra mentira, porque a aprendizagem e a educação são úteis — na verdade, são indispensáveis — para o desenvolvimento humano, no plano pessoal, social e profissional. O problema é uma escola que não educa, em que não se aprende, em que o potencial dos alunos não se desenvolve. Uma escola que faz dos que passam por ela perpétuos bonsais humanos — não do ponto de vista do tamanho físico, mas do ponto de vista do ser, do conviver, do empreender, do aprender.
o O o
Mas resta uma pergunta, que não quer calar… E a escola em que o aluno aprende um bocado de coisas, daquelas que conseguem que o aluno, ao sair delas, saiba o suficiente para entrar numa universidade (quem sabe uma universidade particular, através do ProUni) e para obter, um dia, um diploma universitário? Essa escola é útil?
Bom… esse tipo de escola admitidamente é útil para que seus alunos entrem na universidade. Mas entrar na universidade é necessariamente bom? Bom para todos? A resposta correta talvez seja: Talvez… Dois talvezes intencionais, porque depende da universidade, depende da pessoa… Esse é um outro problema de nossa sociedade: ela sugere que todos devem ir para a universidade, incentiva todos a fazerem isso… Será que a universidade é para todo mundo, independente de seus interesses e capacidades? Será, no espírito de Cristóvam Buarque, que qualquer universidade é melhor do que nenhuma universidade?
Muita escola de Ensino Básico no Brasil é considerada boa apenas porque permite que o aluno continue a frequentar a escola depois de sair dela, agora em nível mais alto… Mas nem ela, nem a universidade que o aluno irá frequentar, necessariamente preparam o aluno para a vida, no plano pessoal, interpessoal e profissional. Nem ela nem a universidade ajudam o aluno a alcançar auto-realização…
A situação, portanto, é complicada.
Uma simples reforma, uma mera “melhorada” nesse sistema escolar não vai ser suficiente para torná-lo realmente valioso, em termos de aprendizagem, educação, e desenvolvimento humano.
Hoje se fala muito em dar uma “repaginada” em alguma coisa. Repaginar parece ser o verbo da moda, prestigiado por escritores afetados: o Carrefour está “repaginando” suas lojas, diz um jornalzinho distribuído de graça no ABC; a prefeitura de Barcelona deu uma boa “repaginada” na cidade com apenas 22 bilhões de Euros quando dos Jogos Olímpicos de Barcelona, diz alguém em entrevista na CBN… Uma “repaginada” era o que a gente antigamente chamava de uma “guaribada” e que mais recentemente se chamou de um “tapa”… Qualquer que seja o nome, uma melhorada, uma guaribada, um tapa, uma repaginada não bastam para tornar a escola útil para a a aprendizagem, para a educação, para o desenvolvimento humano, para a vida.
Falo aqui não da escola admitidamente ruim, mas da escola considerada relativamente boa (aquela que ajuda o aluno a entrar pelo menos anuma universidade conveniada com o ProUni). A escola reconhecidamente ruim é inutil, como vimos, até mesmo para ajudar o aluno a aprender a ler e escrever — algo admitidamente útil para a sua educação, para o seu desenvolvimento humano, para a sua vida — mas esse básico do básico é muito pouco para justificar tanto gasto, tanto discurso, tanto faz-de-conta.
Precisamos, não “repaginar” a escola, mas reinventá-la, a partir do zero. É indispensável inventar ambientes de aprendizagem novos. A tecnologia nos ajudará a fazer isso, mas só a tecnologia não basta: a tecnologia, deixada a si mesma, ou deixada exclusivamente na mão de engenheiros, cria réplicas fiéis de ambientes de aprendizagem tipicamente escolares, nos quais, por paradoxal que pareça, não se aprende muita coisa de útil.
Até que essa reinvenção aconteça, precisamos encontrar formas de colocar um basta nesse desperdício de tempo (do aluno) e de dinheiro (do país, do aluno, de seus pais, mesmo que o aluno e os pais não paguem nada, porque o rapaz está deixando de ganhar dinheiro enquanto frequenta uma escola em que não aprende nada) que são as escolas ruins, em que nada se aprende.
Quem sabe um Código do Aprendente, que responsabilize e puna a escola, na pessoa de seus gestores e professores, quando seus alunos não aprendem?
Escrito em São Paulo, 17 de outubro de 2011, transcrito aqui neste blog em 28 de Dezembro de 2011
Obrigado pelo artigo, uma reflexão necessária, uma reinvenção imprescindível. Embora tenha cursado boas escolas e universidade, estou convicto de que minha educação ocorreu fora delas, no hábito da leitura, na curiosidade científica, na resolução de tarefas diárias, particulares e profissionais, que exigiam (e exigem) conhecimentos e capacitações específicos. Testemunho o mesmo ocorrer com meus filhos, cujo desenvolvimento educacional efetivo se dá agora, após “cumprirem a tabela” escolar e “cairem na vida”.
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