Entende-se a categoria de nossos julgamentos morais de várias maneiras.
Certamente fazemos julgamentos sobre o que é certo e errado de várias perspectivas. Uma é a perspectiva do costume (é errado namorar três pessoas diferentes ao mesmo tempo); outra é a da lei (é errado dirigir do lado esquerdo numa estrada brasileira de duas mãos); outra é a da etiqueta (é errado falar com a boca cheia); outra é a da moda (é errado ir a uma festa chic usando terno, gravata e tênis).
Mas é um fato quase universal que há certos julgamentos sobre o que é certo e errado que se colocam num plano diferente de todos esses: os julgamentos morais: é errado matar os outros (por exemplo).
Há certos julgamentos sobre o que é certo e errado acerca dos quais temos dúvida sobre que categoria ocupam.
É errado mentir, por exemplo. Certamente é parte do costume da maior parte das culturas considerar a mentira como algo errado, censurável. Mas é moralmente errado? Mentir, durante a Segunda Guerra, para salvar a vida de uma família de judeus que se escondia da Gestapo — seria algo moralmente errado (ou, pelo contrário, algo eminentemente certo do ponto de vista moral?). A lei brasileira não pune a mentira — exceto em situações em que a lei exige ou espera que você fale a verdade (você sendo culpado de "falsidade ideológica" se não disser a verdade naquelas situações…).
É errado trair o cônjuge, seria um outro exemplo. Isso é parte do costume apenas ou é uma proibição moral? A lei brasileira não pune mais o adultério como crime.
E assim vai.
Mas interessante do que esses casos de enquadramento difícil é a base de nossos julgamentos morais. Com base em quê julgamos algumas formas de conduta moralmente certas e outras moralmente erradas?
Tradicionalmente, a religião (a Bíblia no caso dos cristãos, ou, em última instância, Deus) era considerada a regra de conduta moral. Se a Bíblia sancionava uma conduta, ela era moralmente certa; se a condenava, era moralmente errada; se não dizia nem sim nem não, a conduta não tinha importe moral (era parte do que se chamava, em grego, adiaphora: o tanto faz como tanto fez). Mas hoje em dia a religião não tem mais tanta importância na vida das pessoas para ocupar essa posição importante. E há religiões diferentes. E há ateus (convictos, como eu, e práticos).
Ainda tradicionalmente, muitos autores têm defendido o ponto de vista de que a sociedade é quem decide o que é certo e o que é errado do ponto de vista moral. Esse ponto de vista, porém, faz com que se perca a distinção entre a moralidade e os costumes. Os relativistas, porém, gostam de adotar esse ponto de vista — para poder argumentar que o certo e o errado do ponto de vista moral depende das circunstâncias (do tempo e do espaço). Foi essa questão (no artigo da Danuza Leão) que nos trouxe à discussão desse tópico.
Outros autores, como Kant, acham que temos um faculdade, a razão, que nos permite decidir, para qualquer ação contemplada, se é moralmente certa ou moralmente errada. Kant sugeriu um princípio — a universalização — para nos ajudar a decidir (princípio esse parecido com a Lei Áurea — da qual é derivado): uma ação é moralmente certa se, ao executá-la, podemos sinceramente desejar que qualquer pessoa, confrontada com aquelas circunstâncias, fizesse o mesmo.
Ainda outros autores acham que temos um "sentido moral", um tipo de intuição moral, que nos diz o que é moralmente certo e o que é moralmente errado sem que tenhamos de usar nossa razão.
E assim vai.
Eu adoto uma postura chamada de naturalista — que poucos autores adotam hoje. Para mim a moralidade não é algo imposto por Deus ou pela sociedade. É algo que é derivado de nossa própria condição e natureza humana. Nós, humanos, somos seres não só mortais mas facilmente perecíveis. Porque podemos perdê-la tão facilmente, e porque ela é condição de possibilidade para tudo o mais que queiramos ser ou fazer, nossa vida é o nosso bem maior. Mas a vida nos é um bem não só enquanto sobrevida (sobrevivência à morte) — mas pelas possibilidades de realização pessoal que ela nos oferece. Podemos escolher o que vamos ser, o que vamos fazer de nossa vida. Temos liberdade de escolha — e o que vamos ser, o que vamos fazer de nossa vida, depende dessa liberdade.
Parece-me evidente que certas condutas humanas contribuem para a preservação de nossa vida e para a realização de nosso projeto de vida — e que outras condutas humanas levam para a destruição de nossa vida e para a impossibilitação da realização de nosso projeto de vida. Para mim, a primeira categoria de conduta compreende o que é moralmente certo; a segunda, o que é moralmente errado. O moralmente certo envolve um imperativo categórico de realização pessoal: meu primeiro dever moral é a busca de minha realização, com base em meus valores — ou, em outras palavras, a minha felicidade.
Sem uma moralidade desse tipo perecemos (em cujo caso tudo se acaba) ou nos tornamos parasitas (que têm de ser cuidados, ou mantidos vivos, por terceiros. Em nenhuma dessas duas hipóteses temos uma realização pessoal com base num projeto de vida construído em cima de nossos valores.
Em Campinas, 5 de dezembro de 2005
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