Liderança (ou: O Monge e o Executivo…)

Ganhei de presente, na última quarta-feira (12/7/2007), o livro O Monge e o Executivo: Uma História sobre a Essência da Liderança, de James C. Hunter. Não é o tipo de livro que eu normalmente compraria. Mesmo assim, na sexta-feira já havia terminado sua leitura. Muita coisa interessante ali. Mas muita coisa de que discordo também.

Minha discordância básica é, no fundo, com a visão de mundo do autor – com os pressupostos mais fundamentais que sustentam o seu trabalho. Quando se trata de detalhes, concordo com ele em muitos casos.

No último capítulo (fora o Epílogo), o Irmão Simeão (o protagonista da história) enuncia, quase no fim da discussão, a sua visão de mundo:

“Estou convencido de que nosso objetivo aqui [no mundo] não é necessariamente ser felizes ou nos satisfazer pessoalmente. Nosso objetivo aqui como seres humanos é evoluir para a maturidade espiritual e psicológica” [pp.135-136].

Imediatamente depois de dizer isso ele acrescenta:

“Isso é o que agrada a Deus. Amar, servir e doar-se pelos outros nos forçam sair do egocentrismo. Amar aos outros nos faz sair de nós mesmos. Amar aos outros nos força a crescer” [p.136].

Esses os pressupostos fundamentais do Irmão Simeão. É deles que discordo. Vou explicitá-los.

a)      Nossa vida como seres humanos tem um objetivo que nos é metafisicamente dado, i.e., que não é definido por nós;

b)      Esse objetivo, que nos é dado por Deus, não é ser felizes ou alcançar realização pessoal: é “evoluir para a maturidade espiritual e psicológica”;

c)       Alcançamos maturidade espiritual e psicológica quando amamos e servimos aos outros, e nos sacrificamos por eles, pois assim saímos do egocentrismo que nos caracteriza quando crianças imaturas e evoluímos para a referida maturidade espiritual e psicológica.

Discordo frontalmente desses três princípios. Minha visão de mundo contém os seguintes elementos, frontalmente contrários aos pressupostos fundamentais do Irmão Simeão:

a)      Se nossa vida tem algum objetivo, este não é metafisicamente dado: é definido, para si próprio, por cada um de nós;

b)       O objetivo mais sensato que podemos nos dar é buscar nossa felicidade e realização pessoal (conceitos que são basicamente sinônimos), que se constroem em cima de um projeto de vida livremente escolhido;

c)       Se o objetivo de nossa vida é buscar nossa felicidade e realização pessoal, o egoísmo, que nos manda colocar em primeiro lugar nossos interesses, é uma virtude, não um vício.

Esclarecidas as discordâncias fundamentais, passo a discutir alguns pontos em que concordo com o Irmão Simeão – pelo menos em parte.

Não tenho maiores objeções à definição de liderança fornecida no capítulo primeiro e usada através de todo o livro:

“Liderança [é] a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir aos objetivos identificados como sendo para o bem comum” [p.25].

Meu único reparo significativo a essa definição é em relação à noção de bem comum. Prefiro adotar a seguinte definição:

Liderança [é] a habilidade de influenciar pessoas para trabalhar de bom grado para alcançar objetivos considerados importantes em um determinado contexto institucional ou social.

Concordo, também, que para definir o que se entende por influência é preciso distinguir entre poder e autoridade. São estas as definições do Irmão Simeão:

“Poder [é] e a faculdade de forçar ou coagir alguém a fazer a sua vontade, por causa de sua posição ou força, mesmo que a pessoa preferisse não o fazer” [p.26].

“Autoridade [é] a habilidade de levar as pessoas a fazerem de boa vontade o que você quer por causa de sua influência pessoal” [p.26].

Concordo, também, com a lista de características de um bom líder (que, aqui, modifico um pouco [vide p.32]):

·  É honesto, verdadeiro e confiável

·  Interessa-se pelas pessoas e as trata com respeito

·  Sabe ouvir e sabe dizer o que é preciso

·  É intrinsecamente motivado e sabe motivar

·  Assume compromissos e honra os compromissos assumidos

·  Sabe focar a atenção dos liderados nos objetivos a alcançar

·  Sabe extrair dos liderados compromisso com os objetivos a alcançar

·  Sabe apoiar os liderados e cobrar compromissos assumidos

·  É paciente e persistente, não se desencorajando com fracassos pessoais e do grupo

·  Sabe celebrar os sucessos alcançados e recompensar desempenhos excepcionais

Concordo, ainda, que todas essas características são habilidades adquiridas, isto é, comportamentos que decorrem de escolhas que fazemos [pp.32-33].

Concordo, também, que algumas dessas características demonstram foco no relacionamento humano e outras demonstram foco nos objetivos a alcançar ou nas tarefas a realizar [cp. pp.33-34].

Concordo, ainda, que para ter bom relacionamento com as pessoas é preciso entender suas necessidades básicas e que estas (distintas de seus desejos e quereres) estão razoavelmente bem descritas na pirâmide de necessidades básicas de Abraham Maslow [cp. pp.36-37,54].

Com relação à pirâmide invertida (cliente no topo, presidente na parte de baixo), concordo que o foco, no caso de uma empresa (ou de um órgão governamental), deva estar no cliente. Mas esse foco pode significar tanto o atendimento de suas necessidades como a satisfação de seus desejos e quereres…

Discordo, porém, que a o melhor estilo de liderança, ou seja, a melhor forma de fazer com que uma empresa (ou um órgão governamental) mantenha o foco no cliente, seja o presidente servir seus vice-presidentes e se sacrificar por eles, estes fazerem o mesmo pelos gerentes, os gerentes fazerem o mesmo pelos supervisores, e os supervisores fazerem o mesmo pelos empregados que supervisionam…

Irmão Simeão afirma no livro que esse estilo de liderança – liderança centrada no serviço e baseada no auto-sacrifício – não foi desenvolvido por ele (que, na história, antes de ser frade havia sido um executivo de sucesso), mas, sim, por Jesus Cristo, que, segundo ele, é o maior líder que já houve, porque sua influência perdura até hoje, quase dois mil anos depois de sua morte, e se manifesta, além dos aspectos religiosos e morais, em coisas práticas, como o número de pessoas que professam o cristianismo ainda hoje, o calendário que adotamos, as principais festas que celebramos, etc. [cp. pp.60-61].

O líder eficaz é aquele que cria condições para que objetivos institucionais ou sociais sejam alcançados pelos liderados ao mesmo tempo em que eles buscam atingir seus objetivos pessoais. Um líder que prega o auto-sacrifício de seus liderados em favor de terceiros está destinado a fracassar na promoção dos objetivos institucionais ou sociais. Estes só são alcançados quando a sua busca é compatível com a realização pessoal de todos os envolvidos. Na verdade, é talvez até mais do que isso: quando sua busca se faz através da realização pessoal de todos os envolvidos.

Tomemos o casamento como exemplo, que é, talvez, a menor sociedade criada para alcançar determinados objetivos. Se, no casamento, cada um dos cônjuges serve, abnega-se, se auto-sacrifica em favor do outro, provavelmente teremos, em pouco tempo, dois infelizes e um casamento fracassado. O casamento só sobrevive se, ao buscar os objetivos da sociedade matrimonial, cada um dos cônjuges consegue, também, alcançar seus objetivos pessoais, realizar-se como pessoa, ser feliz.

A manobra que permite ao Irmão Simeão dar uma aparência de plausibilidade às suas teses é exatamente aquela que só é revelada no finalzinho do livro: sugerir que o objetivo de nossa vida (dado, metafisicamente, por Deus) não é a felicidade e a realização pessoal, mas sim, um suposto crescimento psicológico e espiritual que só se alcança através do serviço, da abnegação, do auto-sacrifício, do altruísmo, do abandono do egoísmo e do auto-interesse, e, portanto, da renúncia à felicidade entendida como realização pessoal baseada na definição, pelo próprio interessado, de seu projeto de vida.

Em Salto, 15 de julho de 2007

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