Nós, os latinos, somos tribais?

A leitura do último livro de Isabel Allende, La Summa de los Días, a que fiz referência num artigo de ontem, revela Isabel como uma chefe tribal — que quer ter ao seu redor (aos seus pés?) marido, filhos, genros, noras, netos, ex-genros, ex-noras, filhos do casamento anterior do marido e seus cônjuges, amigos e amigas, psicoterapeutas, contadores e outros prestadores de serviços. Se puder juntar pais, avós, tios e primos à tribo, tanto melhor.

Embora vivendo há anos nos Estados Unidos, Isabel detesta o costume americano (e até certo ponto da Europa do Norte), segundo o qual os filhos saem de casa para ir freqüentar a universidade, ali se emancipam, e, ao se formar, estejam já casados ou não, passam a viver separados (e, de preferência, longe) dos pais. Prefere a bagunça latina em que filhos continuam morando com os pais depois de casados, ou os visitam diariamente, em cujo caso deixam os seus filhos freqüentemente ao cuidado dos avós — ainda que os avós sejam pessoas importantes, ocupadas, cheias de compromissos, como é o caso de Isabel Allende. E em que ela, como chefe da tribo, matriarca do clã, se mete na vida de todos, dá conselhos, oferece emprego às noras, arruma namorada para o filho (quando a mulher dele o deixa para viver com a noiva do pseudo-enteado de Isabel — pseudo porque ele era filho da primeira mulher do segundo marido de Isabel com um marido posterior ao que agora é marido de Isabel — capisco?), e assim vai.

Fiquei pensando nessa idéia de que nós, latinos, somos tribais… Seria esse tipo de tribalismo um sinal de sub-desenvolvimento? Ou seria uma forma superior de vida social?

Vivo aqui no Brasil de forma meio tribal — e a Sueli, minha mulher, é sem dúvida a chefe da tribo, a matriarca do clã. Os filhos se reúnem com freqüência em casa, em Campinas ou em Salto, há pelo menos um neto ou uma neta com a gente com razoável freqüência, os filhos casados não permitem que se desmanchem os seus quartos na minha casa, deixam em minha casa roupas suas, caixas com presentes de casamento, roupas e brinquedos das crianças, pacotes de fraldas, chupetas, mamadeiras, danoninhos, bolachas, etc. O Natal sempre passamos juntos (este ano foi exceção). Muitas vezes passam conosco o Natal também os filhos de casamentos posteriores do ex-marido da Sueli, o Toninho: Hidalgo e Luana (filhos da Neusa), e até mesmo o Thiago (filho da Sandra), que ainda mora com ele em Vitória, mas estuda em São Carlos.

E minha mulher, talqualmente Isabel Allende, se mete na vida de todos — com seu relutante consentimento.

Há uma exceção, que sempre me intrigou. O meu sogro, depois de separado de minha sogra, no início dos anos setenta, teve uma filha, Lisiane (apelidada de Pedrita, porque quando pequenina usava o cabelo no estilo do da boneca Pedrita, então famosa), que teria, hoje, quase a mesma idade da Patrícia, minha filha mais nova (a Patríca é de 1975 e a Lisiane, de 1977). Teria, porque morreu, neste ano de 2007, aos trinta anos, aparentemente de ataque cardíaco. Por uns anos, depois da morte do meu sogro (já faz muito tempo), trouxemos a Lisiane para passar  tempos aqui em casa, e nos dávamos relativamente bem com a Marlene Durau, sua mãe. A Lisiane era meio-irmã da Sueli, mas parecia mais meio-irmã da Patrícia — até nas rivalidades e ciumeiras. Num determinado momento, porém, quando a Lisiane tinha, creio, cerca de sete ou oito anos, a Sueli cortou relações com as duas e não quis mais saber de vê-las. Até hoje não entendi direito por quê. Como é de esperar, o assunto é meio tabu — mais ainda agora, que a Lisiane morreu. Mas deixemos esse assunto de lado. Só esta referência já deve me criar problemas…

A Andrea, minha filha que mora nos Estados Unidos, teria uma vida diferente se a Maria Luiza, sua mãe, não morasse pertinho dela, formando uma tribozinha própria. Neste Natal e Ano Novo estavam na casa da Andrea, além da família dela (Rick, Olivia e Madeline), a Patrícia, minha filha menor, com o Rubens, seu marido, e o Marcelo, filho deles e, naturalmente, meu neto, a Maria Luiza e o Elton (marido dela), a Teresinha, irmã da Maria Luiza, e o José Lázaro, marido dela, o Francisco, a mulher e os filhos (ele um colombiano que trabalha para a Maria Luiza)… Ou seja, uma tribo de proporções razoáveis…

É verdade que o Natal é uma das datas em que mesmo os americanos mais arredios se reúnem. A outra é o Dia de Ação de Graças, que aqui no Brasil não pegou. Mas a casa da Andrea está virando um ponto de encontro, a sugerir que ela esteja em linha para ser, no futuro, a matriarca do sub-clã americano da família.

Para mim não causa surpresa que sejamos assim, nós os latinos. O que me surpreende mais é me dar conta de que a cola que mantém as nossas tribos geralmente é feminina.

Que isso é bom, especialmente depois que vêm os netos, não tenho dúvidas. Não consigo imaginar minha vida sem os netos por perto, vendo-os com freqüência (mas em dosagens controladas). Mas, se é tão evidentemente bom, por que os países desenvolvidos em geral adotam um costume diferente? 

É curioso que, na Europa, são os países latinos do Sul (especialmente Itália, Espanha e Portugal) que ainda preservam um pouco do espírito tribalista. Mas, até bem pouco tempo, eles estavam entre os países menos desenvolvidos do ponto de vista econômico…

Em Campinas, 2 de Janeiro de 2008

Uma resposta

  1. por favor estava procurando uma amiga de infancia que por sinal faz niver hoje 24 de setembro na internet e me deparei com essa notocia d que ela morreu nao sei se é a mesma pessoa… lisiane durau que mora ou morava em sao paulo pedrita. poderia m dar alguma noticia …

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