Ainda o Oscar 2009

Transcrevo abaixo uma matéria de João Pereira Coutinho, publicada na folha de hoje, 24/2/2009. Dos filmes que concorreram na categoria de melhor filme, só vi O Curioso Caso de Benjamin Button e Quem Quer Ser um Milionário. Em relação a eles, concordo, em grande parte, com a análise do autor.

Devo acrescentar que, na minha opinião, Benjamin Button mereceu ganhar alguns Oscars técnicos e o tema da história, como ressalta Coutinho, lida com uma questão que fascina o ser humano. Mas a execução do filme, o desenrolar da história, deixa muito a desejar. Falta enredo, falta trama — o filme se arrasta. Talvez seja um pouco exagerado chamá-lo de não-filme, mas tiro o chapéu para esta frase de Coutinho: "Benjamin não é apenas desprovido de propósito; todo o filme, em sua autocomplacência visual, parece acompanhar o vazio da personagem. Não se trata de um mau filme. Trata-se de um não-filme."

Quanto a Quem Quer Ser um Milionário? vi-o aqui em casa, ontem à tardinha/noitinha, na tela do computador, em formato .avi. Coutinho mais uma vez chega perto da perfeição ao dizer que o filme escolhido como o melhor é (dentre os cinco indicados) "provavelmente o pior de todos: uma história ridiculamente sentimental sobre um indiano das favelas que, em gesto de amor, vai a concurso televisivo para ganhar fortuna redentora". Vai além: Afirma que a "histeria visual de Danny Boyle", o diretor, "é indistinguível de um videoclipe".

Não vi os outros três filmes ainda.

Creio que nem vá ver Milk. Suspeitava que o filme "não consegu[isse] se distanciar do panfleto gay e de seus clichês ideológicos", como afirma Coutinho. E decididamente não gosto de Sean Penn como ator. Não o conheço como pessoa, mas suspeito que não gostaria dele em pessoa também. A adoração que a esquerda cor-de-rosa lhe devota o torna ainda mais indeglutível. E o cor-de-rosa aqui nada tem que ver com os gays: tem que ver com o espectro político. "Esquerda cor-de-rosa", para mim, é a esquerda tipo Martha Suplicy, feita de intelectuais e ricos com dor de consciência…

Provavelmente vá ver O Leitor. A história é interessante e Kate Winslet está linda… Perdeu aquele ar de menina gordinha que tinha em Titanic. Isso compensa outras falhas.

A propósito, Cate Blanchett também está linda em Benjamin. Ela redime algumas falhas do filme (que oculta a melhor coisa que Brad Pitt tem como ator: um visual incomparável)…

Duas mulheres lindas com nome que soa do mesmo jeito — mas é grafado de forma diferente, com K e com C. Kate e Cate.

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Folha de S. Paulo
24 de Fevereiro de 2009

JOÃO PEREIRA COUTINHO

Hollywood: uma autópsia

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Os indicados ao Oscar são prova da estagnação que Hollywood vem denunciando há anos

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OSCAR: VOCÊS conhecem o jogo. Um filme vence, quatro filmes perdem. Aconteceu neste ano: "Quem Quer Ser um Milionário?" levou a estatueta dourada. Mas houve uma derrota suplementar: a derrota do cinema como arte revolucionária e vital, e não falo apenas do filme de Danny Boyle.

Segundo dizem, os cinco indicados ao Oscar de melhor filme representam a excelência que a indústria produziu em 2008. Eu assisti aos cinco, em cinco dias seguidos, para escrever texto crítico a respeito. Puro desperdício. Se o melhor do cinema anglo-americano está em "O Curioso Caso de Benjamin Button", "Milk – A Voz da Igualdade", "Frost/ Nixon", "Quem Quer Ser um Milionário?" e "O Leitor", por favor, preparem a tumba.

Exagero? Antes fosse. Primeiro que tudo, digo em minha defesa: nunca embarquei no desprezo tipicamente terceiro-mundista de olhar para Hollywood com escárnio. Longe disso: o cinema nasceu na Europa mas foi nos Estados Unidos que ele se ergueu como arte distinta, muitas vezes servida por diretores europeus.

E quando me falam nas "teorias de autor", que alegadamente se opõem ao reles comercialismo americano, lembro sempre que o conceito de "autor" é indissociável de Hollywood: de nomes como John Ford ou Howard Hawks, que os intelectuais de Paris teorizaram e, ironia das ironias, importaram de volta para os Estados Unidos.

Scorsese não existiria sem a influência da nouvelle vague. Mas a nouvelle vague não existiria sem o patrimônio fílmico que Hollywood produziu na primeira metade do século 20 e que se ofereceu à geração dos "Cahiers du Cinéma" como laboratório de estudo e subversão.

Tudo isso me parece agora distante e até deslocado. Os cinco filmes indicados ao Oscar são prova do cansaço e da estagnação que Hollywood vem denunciando há vários anos.

Claro que nem todos os filmes são comparáveis. "Quem Quer Ser um Milionário?", apesar da vitória, é provavelmente o pior de todos: uma história ridiculamente sentimental sobre um indiano das favelas que, em gesto de amor, vai a concurso televisivo para ganhar fortuna redentora. O problema não está na natureza fantasiosa da história: se assim fosse, seria preciso desqualificar uma parte importante do patrimônio cinematográfico, de Georges Méliès a Tim Burton. O problema está na histeria visual de Danny Boyle, que constrói uma narrativa sem uma única ideia de cinema a servi-la. O caso não é novo: "Trainspotting – Sem Limites" já anunciava ao mundo que, para Danny Boyle, o cinema é indistinguível de um videoclipe.

Exatamente o contrário do que sucede com "O Curioso Caso de Benjamin Button".

O filme, inspirado vagamente em conto prodigioso de Scott Fitzgerald, pretende oferecer-se como meditação sobre a irreversibilidade do tempo. Mas o que existia de excesso em Danny Boyle é agora ruminação sem sentido em Fincher: o seu Benjamin não é apenas desprovido de propósito; todo o filme, em sua autocomplacência visual, parece acompanhar o vazio da personagem. Não se trata de um mau filme. Trata-se de um não-filme.

Mas a verdadeira desgraça de Hollywood talvez não esteja em "Quem Quer Ser um Milionário?" ou "O Curioso Caso de Benjamin Button": obras falhadas fazem parte de qualquer atividade artística, certo? A desgraça maior talvez esteja em "Milk – A Voz da Igualdade", "Frost/ Nixon" e "O Leitor", três filmes medianos, e medianos por seu academismo vulgar.

"Milk" começa por surpreender exatamente por isso: Gus van Sant tem obras estimáveis no início da carreira, como "Drugstore Cowboy". Em "Milk", biopic sobre o primeiro político assumidamente homossexual a ser eleito para cargo público, Gus van Sant não consegue se distanciar do panfleto gay e de seus clichês ideológicos. Essa preguiça programática é ainda amplificada pelo convencionalismo formal que Gus van Sant imprime a "Milk".

Restam "Frost/Nixon" e "O Leitor", que talvez se salvassem do dilúvio se Ron Howard ou Stephen Daldry fossem, no verdadeiro sentido da palavra, "autores". Não são.

"Frost/Nixon" denuncia as suas origens teatrais, e denuncia da pior forma possível: ao tornar desnecessariamente caricatural o que apenas os palcos eram capazes de suportar. A composição de Frank Langella como Nixon prova-o de forma clara e, para mim, dolorosa.

"O Leitor" apenas prolonga a trivialidade de "Frost/Nixon": o poderoso livro de Bernhard Schlink sobre a relação amorosa entre uma antiga guarda nazista e um jovem estudante na Alemanha do pós-guerra não passa de uma composição desinspirada e televisiva. Disse "televisiva"? Corrijo. O Oscar deste ano confirma, pelo contrário, que a moderna ficção televisiva substituiu há muito, em inventividade e desafio, o papel visual e narrativo que o cinema teve durante um século.

Escrito e transcrito em São Paulo, 24 de Fevereiro de 2009

2 responses

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