1. A Escola e a Sociedade Industrial
A escola moderna surgiu na primeira metade do Século 19. Horace Mann é considerado o seu pai, mas ele apenas deu forma, no Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, e, depois, no país inteiro, a algo que estava no ar: a escola, como hoje a conhecemos, era uma ideia cuja hora havia chegado.
Essa escola permanece firme até hoje, as variações sendo insignificantes de uma época para outra ou de um país para outro, qualquer que seja a entidade que a mantenha. Assim, não há diferença significativa entre a escola inventada na primeira metade do século 19 e a escola de hoje, pública ou particular.
Sua criação visou a atender às necessidades da Sociedade Industrial, que teve seus primórdios no século 18, mas vicejou no século seguinte. Entre essas necessidades destacam-se basicamente estas duas:
a) Capacitar a população que, abandonando o ambiente rural, procurava, nas cidades, emprego nas fábricas, para que ela aprendesse a ler, escrever e contar (fazer as operações aritméticas básicas) e, assim, pudesse entender instruções, diretivos, e manuais simples e se comunicar de forma clara e precisa;
b) Transmitir à população, em geral, mas em especial aos migrantes do campo e aos imigrantes estrangeiros, os conhecimentos, valores, costumes e tradições tidos como essenciais no novo tipo de sociedade em que eram chamados a viver, para que pudessem a ela se ajustar sem maiores problemas, para ela, sociedade, ou para eles, os seus beneficiários.
2. Uma Nova Era
Não é necessário argumentar que o mundo mudou sigificativa e substantivamente desde então, em especial nos últimos 70 anos, desde o final da Segunda Guerra Mundial, e, de forma ainda mais especial, nos últimos 35, desde a invenção e inacreditável popularização dos computadores pessoais e seus derivados (smart phones, tablets, etc.).
Desde que Alvin Toffler publicou seu livro Choque do Futuro (Future Shock), em 1970, sabemos que mudanças passaram a ser a única constante de nossa vida – e que as mudanças tendem a aumentar em quantidade, amplitude, profundidade e ritmo (a velocidade com que se aceleram).
Em seu outro livro, publicado dez anos depois, em 1980, A Terceira Onda (The Third Wave), Tofller anunciou que a civilização estava entrando em uma terceira onda.
Depois de viver como nômades, pegando frutos aqui e ali, caçando e pescando, nossos antepassados se assentaram e deram início à primeira onda de nossa civilização: a sociedade agropecuária, que vivia basicamente da terra.
Já mais perto de nós, teve início a segunda onda: a sociedade industrial, com raízes no século 18, na Europa e nos Estados Unidos. Nessa era, ainda vivia-se da terra, mas os insumos dela retirados (minerais, carvão, etc.) eram processados e transformados, vindo a gerar novos materiais, produtos manufaturados, e meios de transporte.
Embora não tenham ainda sido enterradas em algumas partes do mundo (mesmo aqui no Brasil), a Sociedade Agropecuária e a Sociedade Industrial claramente já estão mortas.
Em meados do século 20, além de Toffler, vários autores anunciaram a terceira onda, a sociedade pós-industrial, inicialmente chamada de Sociedade da Informação, e, depois, de Economia do Conhecimento – uma sociedade diferente, extremamente dinâmica e em rápida evolução.
Mas os principais fatores que possibilitaram o surgimento da Sociedade da Informação e Economia do Conhecimento – as novas Tecnologias da Informação e da Comunicação – também fizeram com que ela fosse rapidamente ultrapassada.
Isso aconteceu porque informações e conhecimentos são bens altamente perecíveis, que se tornam obsoletas muito rapidamente!
Por isso, vem se falando em uma quarta onda, não prevista por Toffler: a Sociedade da Criatividade e da Inovação, na qual aprender, desaprender e reaprender é essencial. Por isso, o rótulo que está se tornando mais adequado para ela é Sociedade da Aprendizagem.
3. Uma Nova Economia
Vários autores, entre os quais John Howkins, em seu livro The Creative Economy: How People Make Money from Ideas (A Economia Criativa: Como as Pessoas Fazem Dinheiro a Partir de Ideias), cuja segunda edição apareceu em 2007, chamam a atenção para o fato de que, nos últimos anos do século 20, os países mais desenvolvidos começaram a viver em uma nova economia…
Curiosos, quando não surpreendentes, são os fatos invocados para demonstrar isso:
- Em 1997 os Estados Unidos produziram 414 bilhões (quase meio trilhão) de dólares em músicas, filmes, vídeos, programas de TV, livros, revistas e software.
- Nessa época, o conjunto desses produtos se tornou o principal produto de exportação daquele país, superando suas exportações de roupas, produtos químicos, automóveis, aviões e computadores (hardware).
- Na Grã-Bretanha, nessa mesma época, apenas a indústria de música empregou mais gente e ganhou mais dinheiro do que as indústrias britânicas de automóveis, aço e tecidos.
- Voltando aos Estados Unidos, só em 1999 o US Patent and Trademark Office emitiu mais de 169.000 patentes – um récorde. Mais surpreendente, não foram apenas invenções de artefatos e outros produtos tangíveis que receberam patentes: formas de fazer negócios também, como, por exemplo, a forma de vender computadores (Dell) ou a forma de vender livros e CDs (Amazon), também foram patenteadas…
Todos esses fatos têm algo em comum:
- Eles não são o resultado da exploração e comercialização de produtos minerais, agrícolas e pecuários (força motora do que Toffler chamou de “Primeira Onda” da civilização);
- Eles não são o resultado da manufatura e comercialização de produtos industriais (força motora do que Toffler chamou de “Segunda Onda” da civilização);
- Eles não são nem mesmo o resultado da prestação de serviços convencionais, como comércio, educação, saúde, limpeza, hospedagem, restauração, turismo, transportes, etc. (força motora do que Toffler chamou de “Terceira Onda”);
- Eles são o resultado do exercício, por parte de indivíduos, de sua imaginação e de sua criatividade, e de sua capacidade de explorar, de forma inovadora, o valor econômico de suas ideias (daquilo que podemos chamar de “Quarta Onda” – a “onda” em que nos encontramos).
A área que efetivamente mais cresce na economia atual é a protegida por direitos autorais: música (edição, gravação, execução), fotografia, vídeo e cinema, rádio e TV, video games, livros, revistas e outros conteúdos, especialmente em formato digital, publicidade (advertising), design (de qualquer coisa) e software – com o possível acréscimo das artes e da arquitetura (esta mais e mais se afastando da engenharia e se tornando design).
Mesmo nas áreas convencionais da economia, como a extração mineral, a agricultura, a pecuária, a indústria e os serviços convencionais, o crescimento significativo se dá apenas pela criatividade e inovação que tornam possível a invenção de novos processos e metodologias, e até mesmo de novos materiais, que vão gerar novos produtos, até aquele ponto, inimagináveis.
Em outras palavras: o que move a economia hoje não são mais a terra, os insumos naturais, a indústria manufatureira ou de transformação, ou mesmo os serviços convencionais: são a criatividade e a inovação.
4. A Centralidade da Aprendizagem na Economia
Mudanças, como já dito, são a única constante da sociedade impulsionada por essa nova economia. Informações e conhecimentos são especialmente suscetíveis a mudanças: são altamente perecíveis, tornam-se obsoletos com enorme rapidez. O jornal de ontem e a revista da semana passada são simplesmente descartados porque de nada servem…
Nessa nova sociedade, aprender, o tempo todo, ao longo da vida inteira, se tornou o grande desafio, porque o que se aprendeu poucos anos antes precisa ser desaprendido e reaprendido – e desaprender para reaprender são processos muitas vezes mais difíceis e dolorosos do que aprender pela primeira vez, porque o processo implica deixar de lado algo com que convivemos, às vezes por muito tempo, a que nos acostumamos, que se tornou caro e importante para nós – e que, por isso, é difícil abandonar!
Por esta razão, a economia da criatividade e da inovação tem sido considerada, em um sentido ainda mais básico, uma economia da aprendizagem, em que o maior talento está na capacidade mudar paradigmas e mindsets, abandonar referências e desaprender os conhecimentos previamente aprendidos, deixar de lado hábitos velhos, para aprender de novo, para reaprender – e esse reaprender é, cada vez mais, um caso típico de aprender sem que ninguém nos ensine, porque ninguém sabe exatamente o que deve ser aprendido e como se pode aprende-lo, visto que estamos tratando de criar algo novo, de inovar, no sentido mais radical do termo.
5. A Economia da Aprendizagem e a Educação Escolar
Como é que tudo isso se aplica à educação, em especial à educação escolar?
Apesar de todas essas mudanças na sociedade em que a escola existe, ela, de alguma maneira, conseguiu permanecer inatingida pelo que acontecia fora dela. Continuou a mesma. Manteve seu vínculo com o modelo industrial inventado pela sociedade que tambem a inventou.
O olhar dessa escola, estruturada segundo o modelo da fábrica industrial, continua voltado para para o passado (preservação e reprodução da cultura da sociedade) e para o presente (capacitação para o trabalho e para o exercício das formas básicas de convivência em sociedade).
Por causa disso, a escola se tornou, de um lado, um elemento preservador, reprodutor, transmissor da cultura: dos conhecimentos, dos valores, das técnicas, dos costumes, das tradições – em outras palavras, uma instituição conservadora, não uma instituição criativa e inovadora.
Aprender, no contexto da escola, é ainda entendido como absorver e assimilar a herança cultural da sociedade, socializar-se, aculturar-se, adaptar-se – muitas vezes em nichos altamente especializados.
Como é que essa escola vai sobreviver numa era que privilegia o novo, que é caracterizada pela complexidade e pela incerteza, que olha para o futuro, na qual a capacidade de desaprender e reaprender exige desapego aos velhos paradigmas e mindsets, em que aprender é mais criar, inventar inovar, dar à luz o novo, do que absorver, assimilar e aplicar o velho?
Seymour Papert, que recentemente comemorou 84 anos, disse, um dia, há não muito tempo atrás:
“No dia de hoje não basta que os alunos aprendam bem o que a escola lhes ensina e consigam aplicar esse aprendizado no mundo do trabalho. Hoje se espera que os alunos consigam fazer coisas na vida que nunca lhes foram ensinadas, seja na escola, seja fora dela.”
A razão por que as coisas que os alunos vão precisar fazer no futuro nunca lhes foram ensinadas é que ninguém parece saber ao certo quais são essas coisas nem como são feitas – porque os alunos vão estar lidando como uma realidade que ainda não existe e que será criada, em grande medida, por eles próprios…
Por isso a ênfase, hoje, na aprendizagem como uma forma de construção… Construção de conhecimentos (mais do que a absorção de conhecimentos passados), construção de competências (mais do que a construção de conhecimentos), construção de novas atitudes e valores (para fazer face às novas realidades).
6. A Escola Centrada na Aprendizagem do Aluno
O foco da escola de que a Economia da Aprendizagem necessita está, naturalmente, como não poderia deixar de ser, na aprendizagem.
Mas aprender, nessa escola nova, que precisa ainda ser inventada, não é simplesmente absorver e assimilar informações e conhecimentos. É, acima de tudo, construir capacidades – vale dizer, desenvolver competências.
“Aprender”, diz-nos Peter Senger em The Fifth Discipline (A Quinta Disciplina), “é se tornar capaz de fazer aquilo que, antes, não se conseguia fazer”.
Aprender, nessa visão, que é a visão da Economia da Aprendizagem, não é simplesmente adqurir saberes: é, fundamental e essencialmente, construir competências.
Uma escola centrada na aprendizagem do aluno é, portanto, uma escola focada em ajudar os seus alunos a desenvolver as competências que lhes possibilitem fazer aquilo que antes não conseguiam fazer e que é essencial para a realização de seu projeto de vida.
Isso quer dizer que a competência número um que a escola deve ajudar cada aluno a desenvolver é capacidade de assumir controle de sua vida – capacidade que implica examinar e conhecer seus talentos e seus interesses (suas “paixões”) para, com base neles, definir um projeto de vida – vir a situar-se em seu “elemento”, como diz Sir Ken Robinson.
As demais competências a serem desenvolvidas serão aquelas necessárias para transformar esse projeto de vida em realidade – em vida vivida. (Definir quais são essas competências e como elas se relacionam e organizam se tornou o grande projeto de investicação e estudo do século 21).
Eduardo Chaves, redigido em 16 de Maio de 2013, transcrito aqui em 05 de Setembro de 2013
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