As falácias da campanha pelo desarmamento

Estamos em plena campanha para votar “Sim” ou “Não” no plebiscito do desarmamento. Eu vou votar “Não” por uma série de razões, que vou explicitar aqui.

A razão básica para o meu voto negativo está no fato de que sou um liberal e, como tal, só aprovaria uma interferência do governo em minha vida no caso de ela ser muitíssimo bem justificada. No caso da proibição da posse e do porte de armas de fogo, os que pretendem que o governo os proíba não me parecem ter nem mesmo uma justificativa fraca.

Ou vejamos.

Como liberal defendo a tese de que a única justificativa defensável da existência de um governo é a garantia, defesa e proteção dos direitos individuais à vida, à liberdade e à propriedade dos cidadãos. Para o liberal, a única função que o governo deve ter é prover a segurança de seus cidadãos – contra quem não respeita os seus direitos individuais. Mas não é preciso ser liberal como eu para concordar que, ainda que não seja a única, essa função do governo é essencial.

Assim, quando o crime aumenta significativamente, em especial o crime contra a pessoa e a sua propriedade, o governo está falhando em sua função essencial – ou em uma de suas funções essenciais: a de prover a segurança de seus cidadãos.

Essa falha pode ter uma série de causas, das quais as três principais são:

·         A legislação contra o crime é fraca ou omissa

·         O aparato policial não consegue dissuadir ou reprimir o crime

·         O sistema judicial não pune de forma certa, adequada e exemplar o crime cometido

Em suma, a causa da falha ou é legislativa, ou é policial ou é judicial – ou abrange uma combinação dessas causas.

Em vez, porém, de pressionar o governo para que se equipe melhor para o exercício da sua função essencial de combater o crime e prover segurança para os cidadãos, grupos de esquerda tentam hoje, aqui no Brasil, criar uma cortina de fumaça alegando que a verdadeira causa da criminalidade não está na incompetência do governo, está na conduta das vítimas… Segundo essa absurda tese, a criminalidade tem aumentado  descontroladamente no Brasil, não porque o governo (incidentalmente, de esquerda) é incompetente, inapto e inepto, mas porque parte da população insiste em manter armas de fogo em casa e em carregá-las consigo quando sai. Logo, a posse e o porte de armas de fogo deve ser proibido.

Que essa tese é absurda se revela com facilidade.

Em primeiro lugar, a principal razão por que parte da população insiste em possuir e portar armas de fogo é, exatamente, para se defender do crime, porque o governo não cumpre a contento a função de protegê-la adequadamente. Se aqueles que se opõem à posse e ao porte de armas de fogo não gostam de saber que alguns cidadãos possuem armas de fogo em casa ou as portam na rua, que façam uma campanha para que o governo melhore a segurança pública. Essa medida sozinha faria mais para reduzir a posse e o porte de armas de fogo do que a campanha que a esquerda vem conduzindo.

Em segundo lugar, admito, sem problemas, que há um percentual pequeno de crimes contra a pessoa que se cometem no calor do momento e que, se não houvesse uma arma de fogo à mão, provavelmente não seriam cometidos com outro tipo de arma. Mas o número desses crimes é, relativamente falando, estatisticamente insignificante. A maior parte dos crimes contra a pessoa e contra a propriedade é cometido por pessoas que os planejam e, nesse processo, buscam os meios necessários para perpetrá-los – entre os quais estão as armas de fogo. A maior parte dos que perpetram crimes nessas condições são criminosos profissionais, pessoas frias que não hesitam em matar, com qualquer arma que tenham à mão. Sabem que, ao fazer o que tencionam, estarão quebrando leis importantes que já proíbem atacar, assaltar, ferir, roubar, estuprar, seqüestrar, matar – sem que essa proibição os detenha ou iniba. As armas de fogo que usam no momento não foram compradas com Nota Fiscal numa casa de armas nem muito menos registradas na polícia. É crível imaginar que o número desses criminosos seria reduzido pela existência de uma lei adicional que proíba a posse e o porte de armas de fogo???

A ingenuidade da proposta da esquerda é evidente. O criminoso profissional, que fez uma opção pela vida de crime, ou a pessoa fria que planeja cometer um crime, se não tiver a arma à mão vai procurá-la: vai roubá-la (ou até mesmo comprá-la!) de um policial, comprá-la no mercado negro, contrabandeá-la do Paraguai ou da Bolívia… O que certamente NÃO vai fazer é comprar uma arma numa casa autorizada a vendê-la. As armas de fogo hoje usadas não são adquiridas legalmente no mercado e registradas na Polícia. Por que imaginar que uma lei idiota como a que se propõe vai alterar esse quadro?

Em terceiro lugar, a experiência de outros países mostra que a proibição da posse e do porte de armas de fogo pela população produz um aumento da criminalidade. Os livros de Thomas Sowell estão cheios de estatísticas a esse respeito. Mas um mero exercício de reflexão comprova isso. Ponha-se no lugar de quem contempla realizar, digamos, um roubo. Se eu sei que a pessoa que pretendo roubar pode estar armada, vou pensar duas vezes. O fato de que a vítima pode estar armada claramente funciona como um dissuasor. Agora, se eu sou um criminoso contemplando um determinado crime, e eu estou seguro de que minha vítima prospectiva vai estar desarmada (porque a punição por andar armado é pior do que a perspectiva de um assalto!), fico muito mais tranqüilo.

Isso tudo parece tão evidente que até me sinto constrangido em afirmá-lo.

A legislação hoje em vigência não obriga ou incentiva nenhum cidadão cumpridor da lei a comprar e portar uma arma. Ela preserva a liberdade de quem não quer comprar e portar e de quem pensa diferente. Os esquerdistas, que têm ojeriza à liberdade, querem, como sempre, remover essa liberdade, tornando a nossa sociedade menos livre.

Em Campinas, 20 de Agosto de 2005