No dia 25/8/2005 foi divulgado o Relatório de 2005 das Nações Unidas sobre a Situação Social do Mundo (The United Nations Report on the World Social Situation 2005), com o título de A Condição de Desigualdade (The Inequality Predicament). Sua elaboração foi é de responsabilidade do Departamento de Questões Econômicas e Sociais (Department of Economic and Social Affairs), que é coordenado por José Antonio Ocampo, que porta a ilustre denominação funcional de Sub-Secretário Geral (Under-Secretary-General) da organização (assim com todos os hífens no original em Inglês). O relatório em Inglês pode ser baixado, em formato pdf, no site http://www.un.org/esa/socdev/rwss/media%2005/cd-docs/media.htm.
O lançamento do relatório mereceu cobertura dos jornais. A matéria da Folha, assinada por Luciana Coelho, tem como título “Reduzir pobreza é ilusão, diz pesquisador”, e como sub-título “Desigualdade é mais grave”. Segundo a Folha, o responsável pelo relatório é um brasileiro: Roberto Guimarães. Ele tem dois trabalhos citados na bibliografia – mas não recebe crédito como responsável pelo trabalho no relatório.
Em entrevista dada à Folha por telefone Roberto Guimarães afirma que “a desigualdade é um problema mais grave do que a pobreza". Segundo ele, a desigualdade deixou de ser privilégio de países pobres, estando presente em países ricos, como os Estados Unidos, o Canadá e os países nórdicos. [Ele não menciona o fato de que os Estados Unidos e o Canadá sempre foram países em que houve desigualdade. Dá a impressão de que passaram a ter desigualdade agora].
Ainda na entrevista Guimarães admite que “o índice de pobreza no mundo caiu” – mas afirma que essa queda, na realidade, é uma miragem, porque ela se explicaria por um único fator: a redução da pobreza na China.
Nesse contexto Roberto Guimarães solta uma pérola de raciocínio lógico:
“Porque um país reduziu a pobreza, o planeta reduziu o número de pobres que vivem com menos de US$ 1 por dia. Só que aumentou a pobreza entre os que têm menos de US$ 2 por dia. Ou seja, que pobreza é essa que diminuiu? Nenhuma”.
Apesar da aparência ao contrário, esse argumento é digno de consideração. O argumento é o seguinte:
a) A redução da pobreza na China fez com que o número de pobres que vive com menos de US$ 1 por dia fosse reduzido;
b) Os que viviam com menos de US$ 1 por dia agora vivem com menos de US$ 2 por dia;
c) Assim, ao ser reduzida a categoria dos pobres que viviam com menos de US$ 1 por dia foi aumentada em igual número a categoria dos pobres que vivem com menos de US$ 2 por dia;
d) Logo, não houve nenhuma redução da pobreza no mundo.
Fantástico o argumento, não? É inegável que a pobreza do mundo, considerada sem nenhum qualificativo, não desapareceu. Mas isso não quer dizer que, falando-se em médias (que é o de que se trata), o mundo não se tenha tornado menos pobre – a confiar nos números do relatório, pelo esforço de um só país, a China (se bem que um país que tem uma população correspondente a cerca de um quinto da população do mundo). Na média, a renda da população mais pobre sem dúvida aumentou. O referencial usado para determinar quem vive na miséria passou de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia para pessoas que vivem com menos de US$ 2 por dia.
Aqui entre nós: se esse “menos de US$ 2 por dia” fosse mais perto de um dólar do que de dois, o autor teria ressaltado (dada sua tendência ideológica). Se não o mencionou, é porque o referencial usado para medir a miséria no mundo virtualmente dobrou – e dobrar quer dizer aumentar em 100%.
Para o entrevistado, contudo, não houve nenhuma redução da pobreza.
Na verdade, a China, apesar de sozinha ser responsável (segundo alega o Roberto Guimarães) pela redução da pobreza que as estatísticas mostram, recebe as críticas do entrevistado. Diz ele:
"O problema é que todo mundo acha que sem crescimento não se resolve pobreza. Só que a China, o campeão de crescimento na década de 90, já é um dos países mais desiguais do mundo".
Ora, vamos colocar os pingos nos is.
a) Pobreza é uma coisa, desigualdade outra;
b) Houve significativa redução da pobreza na China em decorrência do seu crescimento econômico, tão significativa que o entrevistado afirma que a redução da pobreza que aconteceu lá foi capaz de elevar o referencial da miséria global de menos US$ 1 para menos US$ 2;
b) O fato de que, enquanto havia drástica redução da pobreza na China, também houve crescimento da desigualdade é de esperar: o país tinha um nível de renda baixíssimo para todos (exceto os burocratas do governo comunista); ao adotar, em parte, uma economia de mercado, cresceu significativamente a renda do país, reduziu-se significativamente a pobreza, e alguns foram capazes de ficar bastante ricos, aumentando, assim, a desigualdade social — fenômeno que sempre ocorre toda vez que se abre o mercado e se expande a liberdade de ação dos agentes econômicos.
Como venho dizendo há décadas, o fato que deve nos preocupar, em escala mundial e nacional, não é a existência de desigualdade, mas o fato de que ainda existe pobreza – ou, pior do que a pobreza, a miséria. Ao concentrar suas baterias na redução da desigualdade, e não no combate à pobreza, o relatório e o entrevistado da Folha admitem que o que desejam reduzir não é a pobreza dos pobres, mas, sim, a riqueza dos ricos. Não estão satisfeitos de que o crescimento econômico tenha tornado os pobres menos pobres. Gostariam de encontrar uma forma de fazer os pobres ficarem menos pobres enquanto os ricos ficam menos ricos. [Vide meu artigo "Justiça Social, Igualitarismo e Inveja", no meu site pessoal (Seção "Escritos", em http://chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/Inveja-new.htm)].
Mas isso não existe – pelo menos num clima de respeito à liberdade.
Em próximos artigos vou comentar em mais detalhe o relatório da ONU.
Em Campinas, 29 de agosto de 2005.
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