Assisti há dois dias – no mesmo dia em que assisti a “2 Filhos de Francisco” – ao filme alemão de 2003 “Good-bye Lenin” (“Adeus Lênin”, em Português).
Achei o filme simplesmente fantástico.
Fiquei tão bem impressionado pelo filme que fui procurar informações sobre ele na Internet. Tive várias surpresas. A maior delas é que o filme é geralmente classificado como comédia… A mim me pareceu que o filme, embora tenha partes engraçadas, é drama — perto de tragédia. Mesmo as piores tragédias podem ter partes engraçadas.
Vou procurar explicar nesta mensagem porque acho o filme um drama próximo da tragédia.
Certamente não considero o filme uma tragédia porque ele descreve os estertores e o fim do comunismo na antiga Alemanha Oriental (ironicamente – e orwelliamente — denominada DDR ou RDA – Deutsche Demokratische Republik ou República Democrática Alemã). Isso foi uma tragédia só para os dirigentes comunistas que mandavam na não-democrática não-república (de verdadeiro no nome do país só o “Alemã”).
A tragédia é de outro tipo, mais sutil. Mas para explicá-la, tenho de resumir o filme – que é dirigido por Wolfgang Becker.
A história começa mostrando uma mãe de família (dois filhos, um rapaz e uma moça) vivendo o que parece ser um processo de abandono pelo marido – que estaria fugindo para a Alemanhã Ocidental (essa sim, república democrática) acompanhado de uma amante. Essa a história oficial que ela conta aos filhos e aos amigos. O filme mostrará, mais tarde, que a história não era bem assim. Nada no filme é “bem assim”…
A mulher, cujo nome no filme é Christiane Becker, e que é representada pela atriz Kathrin Sa, é professora, cidadã ativa e entusiasta do regime da DDR. Depois de perder o marido, o foco de sua vida passa a ser a defesa do regime comunista de seu país. Sem marido, ela se casa com o comunismo. Dedica-se de corpo e alma a essa causa, doutrinando crianças, formando corais patrióticos de crianças, combatendo a opressão capitalista, etc. Assim, torna-se um troféu para os políticos poderosos que dominavam a nação – convivendo, superficialmente, nos mais elevados círculos do poder.
Mas, durante os eventos tumultuosos que antecederam a queda do muro de Berlin, em 1989, a queda do regime comunista na DDR, e eventualmente a reunificação das duas Alemanhas, ela vê seu filho (Alexander, representado por Daniel Brühl) sendo preso e jogado dentro de um caminhão, ensangüentado, numa manifestação de rua em protesto contra o regime. Através de seus contatos políticos ela consegue libertar o filho. Mas seu choque e desgosto foram tão grandes que tem um enfarto e fica em coma, num hospital, durante oito meses, depois dos quais recobra a consciência mas continua inválida numa cama de hospital.
A família foi advertida pelos médicos de que deveria proteger a mãe de qualquer choque emocional – pois, em sua condição, uma alteração emocional maior poderia ser fatal.
Acontece que, durante os oito meses em que Christine Becker ficou em coma no hospital, a DDR virtualmente acabou – só a unificação com a Alemanha Ocidental ainda não aconteceu. O muro de Berlin caiu, o trânsito de alemães da parte ocidental pela Alemanhã Oriental, e vice-versa, passou a ser permitido, a Alemanha Oriental começou a passar por “um choque de democracia e capitalismo”, as instituições comunistas começaram a ruir, a estrutura paternalista (travestida de “aquisições sociais”, “les acquis sociaux” de que falam os franceses) deixou de funcionar, o desemprego aumentou, o caos imperava em muitos aspectos da vida, indústrias multinacionais começaram a entrar no país, muitos alemães orientais, com medo de um retrocesso, fugiram para o Leste enquanto era possível (abandonando casas e apartamentos mobiliados, roupas e outros pertences pessoais), e outros, ainda mais fiéis ao comunismo, por convicção ou interesse, simplesmente estavam perdidos: não sabiam o que fazer – porque o mesmo estava acontecendo nos outros países da Cortina de Ferro e a União Soviética não fazia nada, em parte porque ela mesma atravessava igual processo.
O raciocício do filho Alexander (que nisso não é entusiasticamente acompanhado por sua irmã, Ariane, representada por Maria Simon) o levou a concluir que a única forma de preservar a saúde da mãe era impedindo-a de saber o que estava acontecendo.
O enredo todo do filme, a partir desse ponto, gira em torno dos esforços de Alexandre para criar um “mundo de faz-de-conta” para a mãe, que a poupasse de um choque emocional. É esse esforço que produz algumas cenas muito divertidas, que leva alguns a classificar o filme como comédia. Mas, convenhamos, são cenas engraçadas diante de uma situação trágica.
No aniversário da mãe, Alexander monta uma festinha no quarto do hospital, trazendo antigos líderes políticos, amigos da mãe, agora fora do poder, devidamente “persuadidos” a participar… Traz um pequeno sub-conjunto de um dos ex-corais dirigidos pela mãe – as crianças devidamente uniformizadas, como antigamente.
Cristiane Becker, a mãe, tem vontade de comer os produtos com que estava acostumada (e que agora, sem que ela saiba, não existem mais…) Alexandre e sua namorada (uma loirinha russa linda, que era enfermeira do hospital, chamada Lara [o que mais?], representada por Chulpan Khamatova) começam a vasculhar apartamentos abandonados por seus donos para ver se encontravam os produtos desejados pela mãe (e os encontram).
Mas o pior de tudo é que Christiane Becker, a mãe, resolve que quer assistir à televisão no quarto – em especial ao noticiário das 19h30, a que sempre assistia, como se fosse um dever religioso. O que fazer??? Com a ajuda de um amigo que tinha interesse em se tornar produtor de programas de TV e de uma câmara amadora de mão, Alexander monta, diariamente, um noticiário falso, de 30 minutos, contendo imagens retiradas do noticiário verdadeiro, mas tendo, como âncora, o amigo – ambos sendo responsáveis pela redação do roteiro, que interpreta as imagens. Assim se produz um noticiário falso, que é gravado em fita cassete e exibido na TV através de um aparelho de video-cassete colocado fora da porta do quarto.
O presidente da DDR, explica o noticiário, resolveu abrir as fronteiras para que os alemães do Leste pudessem ver in loco o que é o comunismo. Imagens do muro de Berlin arrebentado são mostradas à mãe no noticiário – junto de imagens de multidões se atropelando para atravessar para o outro lado. O âncora explica que se trata de alemães ocidentais, desiludidos com a opressão capitalista, tentando passar para a Alemanha Oriental para usufruir das benesses do comunismo…
E assim vai. Há inúmeras variações sobre o mesmo tema.
A mãe vê, pela janela, cuja cortina o vento temporariamente afasta, um enorme banner da Coca-Cola. Quer saber o que está acontecendo… Para não deixar o fato inexplicado, Alexander inicialmente diz que aquilo é um reflexo de um edifício do Leste. Mais tarde, porém, o noticiário explica que a empresa de refrigerantes da Alemanha Oriental está em negociações com a Coca-Cola para resolver uma disputa judicial, porque se descobriu que a Coca-Cola copiou a fórmula da companhia comunista… Isso é demais até para a mãe, que diz algo assim: “Mas a Coca-Cola não fabrica Coca-Cola há mais de cem anos? Como pode ter copiado nossa fórmula?”
O problema maior é que nem tudo pode ser controlado. A mãe melhora um pouco. Ao ver a netinha (filha da filha com um de seus inúmeros namorados) andar pela primeira vez, resolve tentar andar de novo – e consegue. (Alguns vêem nesta cena uma metáfora dos primeiros passos do novo país ao lado dos últimos passos, claudicantes, de um país enfermo e condenado à morte…). Enquanto o filho dorme na poltrona, ela sai – e não faz o menor sentido do que vê. Especialmente perplexa lhe deixa a visão de um helicóptero levando embora parte da estátua de Lênin, que parece estar apontando para ela — episódio que acaba dando nome ao filme. Christiane Becker acaba tendo um outro enfarte (que, depois de algum tempo, lhe traz, enfim, a morte há tanto temida, mas antecipada).
Enfim. A história, me parece, longe de ser comédia, é um drama – na verdade, uma tragédia. Na tela é uma tragédia concreta, embora fictícia, que, na forma de parábola, denuncia uma tragédia ainda mais trágica: a dos intelectuais comunistas, socialistas e esquerdizantes (os MSCV — marxistas, socialistas e companheiros de viagem — de que falei em outra mensagem) que criaram para si um mundo fictício que lhes permite não ver a realidade “externa” e, assim, continuar a crer nas ilusões mercadejadas pelos vários tipos de socialismo. Esse mundo fictício tem os seus noticiários próprios, os seus jornais, as suas revistas, a sua literatura de ficção, a sua poesia, a sua música. É um mundo mais fechado do que o de Christiane Becker. Esta desconfia de que pelo menos algumas das coisas noticiadas pelo noticiário de seu mundo não são verdade. O mundo dos intelectuais MSCV não admite dúvidas.
Nesse mundo fictício, Fidel Castro é um grande estadista, amado por seu povo, que está há 46 anos no poder não porque seja um ditador violento e sanguinário, mas porque o povo o ama, entre outras coisas porque conseguiu dar saúde e educação a todos (e porque em Cuba até as putas são sadias e têm diploma de curso superior). A situação de Cuba só não é ainda melhor por causa do “bloqueio” americano que a impede de negociar com os países capitalistas.
Nesse mundo fictício, Hugo Chavez também é um estadista, que está promovendo, por fins pacíficos, a integração do continente sul-americano, quem sabe sendo capaz de trazer a América Central e parte do Caribe para essa enorme frente latinoamericana que vai mostrar sua força “a los hermanos del Norte” – pobres desgraçados que não percebem que vivem debaixo de uma tirania e, em grande parte, na miséria. A parte relativa à miséria vai ser aliviada em breve, porém, pois Chavez pretende vender petróleo a preço de custo aos mais de 30 milhões de pobres americanos (que, coitados, vivem em famílias que, na média, possuem quatro membros com renda de pouco mais de 1.600 dólares por mês).
Os Estados Unidos, nesse mundo fictício, são um país sem liberdade que possui um governo corrupto que foi eleito numa eleição fraudada. É verdade que os que vivem nesse mundo têm um pouco de dificuldade para explicar porque pessoas do mundo inteiro querem ir trabalhar e viver nos Estados Unidos, acreditando que o país é uma terra de liberdade e oportunidade. Para eles, só a ignorância e a mídia mentirosa pode explicar isso.
Para os habitantes desse mundo fictício que vivem aqui no nosso Brasil a crise política que vivemos foi criada pela mídia, sempre subserviente da elite dominante. Na pior das hipóteses, pode ter havido algum descuido de dois ou três dirigentes petistas que podem ter cometido algum erro – ainda não totalmente comprovado. Mas o governo (pete-socialista) não sabia. O presidente Lulla, então, estava muito ocupado promovendo uma política exterior terceiro-mundista para se ocupar de detalhes como quem estava pagando os empréstimos que fez para levar Mme. Lulla à China. Os outros partidos fizeram muito, muito pior quando estiveram no poder. O PT sobreviverá à crise e continuará sendo o paladino da moral contra os corruptos. Estão mal-intencionados aqueles que afirmam que a ética petista nada mais do que a ética revolucionária marxista de que qualquer meio é legítimo se fortalece o partido do “proletariado”, isto é, dos trabalhadores…
Tenho lido por aí que marxistas de persuasão mais ortodoxa, entre os quais alguns colegas de departamento meus na UNICAMP, não conseguiram assistir ao filme até o fim. Literalmente passaram mal.
ET: O marido de Christiane Becker não fugiu para a Alemanha Ocidental com uma amante. Conforme ela própria admite aos filhos, ele e ela haviam feito um plano de que iriam participar de um congresso de um congresso na Alemanha Ocidental e ficariam por lá – tentando, depois, levar os filhos. Por estratégia, ele foi primeiro. Ela, porém, não conseguiu reunir coragem ou convicção suficiente para fugir. Até aí, nesse detalhe, o filme deixa claro que lado estava a mentira.
Em Campinas, 2 de setembro de 2005
a garota russa n eh loira e sim morena.. E ela n tava no hospital qd comemoraram o aniver dela..tirando isso ai ke erraram.. Fiko legal..vou pega p meu trab…bjss
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