O suposto neoliberalismo petista

Dou meus parabéns a Tales Alvarenga pelo artigo “O Bode da Esquerda” que publicou na VEJA, Edição 1924, data de capa 28 de setembro de 2005. A chamada do artigo esclarece: “Chamar o governo brasileiro de neoliberal é como apresentar Adam Smith como o fundador do marxismo".

A colocação é perfeita.

A esquerda tenta desesquerdizar qualquer governo que se aparta um pouco de sua vulgata. FHC num determinado momento foi saudado como o primeiro governo de esquerda do Brasil. Depois, com as privatizações e a política econômica, foi rotulado de neo-liberal. O próprio FHC negou. Numa entrevista disse que era neo-social, nunca neo-liberal. Faz muito sentido — mas ninguém, na esquerda ou na impresa, ligou para o que ele disse.

Desesquerdizado FHC, Lulla foi saudado como o primeiro real governo de esquerda do Brasil. Não durou muito. Em pouco tempo, também também foi desesquerdizado – em especial pela política econômica. Acusações de que o governo Lulla é neo-liberal abundam – em especial na ala mais à esquerda do PT, nos partidinhos que esperavam que o PT um dia implantasse o comunismo no Brasil – e, of course, na ala mais esquerda da Igreja Católica, aquela que ainda prega a teologia da libertação.

Tales Alvarenga inicia seu artigo dizendo: “Não sei o que você pensa sobre a esquerda, mas sei o que a esquerda pensa sobre você. A esquerda pensa que você acredita em qualquer lorota.” Na verdade, os intelectuais de esquerda, porque vêm os disciplinados esquerdistas aceitarem qualquer lorota que dizem, perderam o senso do ridículo e hoje dizem em público coisas que há algum tempo só teriam coragem de dizer na célula do partido. Passaram a acreditar que todo mundo é idiota – apenas porque se vêem cercados de idiotas.

Tales Alvarenga ilustra sua tese com uma passagem do ex-petista Francisco de Oliveira. Diz ele: "O ‘escândalo’ maior não reside na revelação das ‘mutretas’ – escandalosa não é a desconstrução do PT, é a construção da vitória de Lula e de seu governo em bases neoliberais". Em outras palavras: o problema não é a roubalheira do governo Lulla – o problema é que o governo Lulla virou neo-liberal.

A revista Carta Maior (a que um amigo meu se refere sempre como Bilhetinho Chinfrin) publicou recentemente um artigo de outra sumidade uspiana, Emir Sader. Mesmo em meio à maior onda de corrupção jamais havida no Brasil, criada, gerida e patrocinada pela esquerda, e raiz da atual crise da esquerda no Brasil, Emir Sader tem a cara-de-pau de atribuir a crise a… um real pra quem advinhar: É verdade, ao neo-liberalismo. Segundo ele, o neoliberalismo mercantilizou a política, que tornou possível a corrupção que gerou e explica a crise. Parece não ocorrer a Sader as seguintes e simples questões: antes do liberalismo não havia corrupção? Fora do liberalismo, na União Soviética e nos países comunistas do Leste Europeu, não havia corrupção? Se havia, o que a explica nessas outras condições?

Para a esquerda, dinheiro ou poder são monopólios do neo-liberalismo. Se houve corrupção, e o motivo foi ganho financeiro, então o neo-liberalismo estava em atuação. Se houve corrupção, e o motivo foi ganho de poder, então a direita estava em atuação. A esquerda socialista é pura: não trafica nem com dinheiro nem com poder. A quem a esquerda pretende enganar? Aos não-esquerdistas essa baboseira nunca enganou. O objetivo dessa conversa mole só pode ser reforçar o engano dos que já se deixaram enganar dentro da própria esquerda.

O modelo capitalista, diz Emir Sader, mostra sinais de se esgotar. Está se esgotando desde que Marx e Engels escreveram o Manifesto Comunista. Hoje é quase hegemônico. É um paradoxo: quanto mais se esgota, mais forte fica.

Admito que muitas das conquisas do capitalismo se deveram não a conquistas genuínas (com perdão da má palavra) suas mas, sim, à notória incompetência da esquerda. Mas – para usar uma metáfora futebolística tão do gosto do nosso ex-presidente – um time se torna campeão não só porque ganha todos os jogos, mas também porque os adversários perdem mais do que ele…

Emir Sader quer ainda que o país seja legislado por plebiscitos… Perdeu a esperança nos políticos de esquerda, que estão se devorando uns aos outros. Prega a unidade das esquerdas, quando nem o Campo Majoritário, que é uma tendência dentro de um dos partidos de esquerda, consegue se manter unida, dando evidências de sacanagens políticas explícitar diante das câmeras.

O artigo de Emir Sader se chama "O Mundo pelo Avesso". O infeliz não percebeu que é ele quem está pelo avesso.

Diz Tales de Alverenga no artigo mencionado:

“Na semana passada, apareceu um novo culpado pelo achincalhamento petista. O problema, segundo essa nova interpretação, não é roubalheira do PT. O pecado original foi a cúpula do PT ter aderido à direita.

A academia fugiu da escola. Os professores não sabem mais do que estão falando. O neoliberalismo prega a redução do Estado na economia e na sociedade e uma ampla abertura ao exterior. O Estado, para ser neoliberal, deveria cuidar só da Justiça, polícia, Exército, diplomacia, arrecadação de impostos e mais uma ou duas tarefas típicas do ente governamental. Isso não é o que se vê no Brasil. O oposto do neoliberalismo é o Estado forte que nada concede ao mercado. Alguns dos mais extremados expoentes dessa categoria são os modelos cubano e norte-coreano, além dos sistemas implantados no século passado por Stalin, Mao, Pol Pot e Hitler. Pode-se ter certeza de que o professor Francisco de Oliveira, sumidade em seu campo de estudo, não está sugerindo que o Brasil siga esses exemplos. Frei Betto, o guia espiritual de Lula, acha que o Brasil deveria mirar-se no exemplo de Fidel Castro, mas Frei Betto não é nenhum Francisco de Oliveira. Então, o que estaria pregando o eminente sociólogo da USP? Um Brasil, por assim dizer, capitalista mas nem tanto?”

Tales de Alvarenga conclui o seu brilhante artigo com dados que não é possível contestar:

“Informo aos detratores da utopia neoliberal, como Francisco de Oliveira, que o Brasil é um dos países menos neoliberais do mundo. Há formas objetivas de medir isso. O governo brasileiro, fechado e centralizado, se apossa de 36% do PIB em impostos. Toma para si 68% da poupança destinada ao crédito no país. Tem a mais alta carga de juros do planeta. É um dos países mais burocratizados do mundo. Cobra 100% de encargos sobre os salários dos trabalhadores, contra 9,5% no Chile. "Em 2003, o Brasil foi o sétimo país com menor fluxo de comércio e o terceiro com menores importações, como proporção do PIB, de um conjunto de 145 países", escreve Armando Castelar Pinheiro, economista do Ipea. Num levantamento deste ano sobre o grau de liberdade econômica feito pelo Instituto Fraser, do Canadá, o Brasil aparece como um dos menos livres do mundo, em 88º lugar, numa lista encabeçada por Hong Kong, o mais aberto, Cingapura, Nova Zelândia, Suíça e Estados Unidos. O Brasil, no fim do ranking, é mais fechado do que a China comunista e a Índia, de tradição socialista. Chamar o governo brasileiro de neoliberal é como apresentar Adam Smith como o fundador do marxismo. E, para não perder o fio da meada, o mal do PT não foi o neoliberalismo. Foi roubalheira mesmo.”

É isso.

Em Campinas, 24 de setembro de 2005

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