Informações, conhecimentos e competências

Hoje em dia é comum se dizer – eu mesmo o digo com freqüência – que a educação não tem que ver com a transmissão de informações ou com a "entrega de conteúdos" ("content delivery") aos alunos por parte dos professores, mas, sim, com o desenvolvimento de competências.

Mas o que fazer em relação com a transmissão de informações? E com a chamada "construção" de conhecimentos? Como isso se relaciona com o desenvolvimento de competências? É isso que vou tentar esclarecer um pouco neste curto artigo.

Informação é o tipo de coisa que pode ser deliberadamente transmitida ou transferida de um para outro.

Isso pode acontecer, por exemplo, quando alguém responde a uma pergunta nossa. "Como faço para chegar daqui até o estádio do Morumbi?", pergunto eu a alguém na saída da Marginal do Pinheiros em São Paulo. A resposata do meu interlocutor será um conjunto de informações.

A transmissão ou transferência de informações também pode se dar quando alguém dá uma aula, uma palestra, uma conferência a um grupo de alunos ou a uma audiência. Aulas, palestras e conferências são processos de transmissão ou transferência de informações. Como no caso anterior, o processo aqui é "face-a-face", presencial, como hoje se convencionou chamar. Quem transmite e quem recebe a informação precisa, aqui, estar no mesmo lugar e na mesma hora para que a transmissão se efetive.

Mas informações também podem ser transmitidas ou transferidas, e, do outro lado, adquiridas, sem contato pessoal, em contextos não-presenciais. Quando compro um jornal, uma revista ou um livro, ou quando estou navegando pela Internet, estou adquirindo informações.

Também posso adquirir informações sem que alguém deliberada e intencionalmente as transmita ou transfira, simplesmente observando as coisas e os outros.

Em grande parte em decorrência das tecnologias de informação e comunicação, a quantidade de informações hoje existente no mundo aumentou tanto a ponto de se tornar incalculável — e o acesso às informações se tornou extremamente fácil.

Mas e conhecimentos? A quantidade de conhecimentos, infelizmente, não aumenta na mesma proporção que a quantidade de informações, por uma razão muito simples. Informação é algo que tem existência objetiva, na forma de livros, jornais, revistas, fitas, discos, Internet, etc.. Conhecimento, por outro lado, é algo que se constrói dentro da mente das pessoas. Nunca seríamos capazes de lidar com a quantidade incalculável de informações a que temos acesso a cada minuto se não fôssemos capazes de construir esquemas ou modelos mentais de como é a realidade, de como ela funciona, etc., que nos permitem organizar e resumir as informações pertinentes.  

Há uma diferença muito importante entre "ter a cabeça cheia" (ter muitas informações) e "ter a cabeça bem-feita" (ser capazes de construir esquemas e modelos que permitam que as coisas façam sentido pra nós). As duas expressões vêm de Edgar Morin. Ele tem um livrinho, traduzido para o português, chamado "A Cabeça Bem-Feita". Vale a pena ler.

Rubem Alves, em muitas de suas crônicas, critica a escola porque esta parece acreditar que educar é encher a cabeça das crianças com informações. Segundo ele, estamos produzindo crianças mentalmente obesas, cheias de informação, e não crianças ágeis, que sabem saltar daqui para ali na busca do que lhes interessa… Paulo Freire também criticou a visão bancária da educação: aquela visão que parece pressupor que educar é transferir informações de uma cabeça pra outra (da mesma forma que se transfere dinheiro de uma conta pra outra)… A escola, nesse caso, seria a agência bancária, em que se dão as transferências!

E as competências?

Há uma diferença entre receber informações (em geral indesejadas, porque não atendem a um interesse e nem se sabe para que servem) e buscar as informações necessárias para algo que se deseja fazer…

Uma competência é mais do que uma mera posse de informação.  Uma competência também é algo que vai além de conhecimentos ou "saberes". Competências, na realidade, são "saber-fazeres".

Saber buscar as informações necessárias para algo que se deseja fazer é uma competência. É um saber-fazer. Saber construir esquemas e modelos (e, assim, construir conhecimentos) também é uma competência. É outro saber-fazer. Desenvolver competências, portanto, é algo mais básico do que construir conhecimentos. Sem o primeiro, não teríamos o segundo.

Não precisamos transmitir informações aos nossos alunos – hoje eles têm acesso fácil e eficiente a muito mais informação do que existia no mundo quando eu nasci, em 1943. Precisamos, isto sim, ajudá-los a se desenvolver. Eles se desenvolvem aprendendo. E aprender é tornar-se capaz de fazer aquilo que antes não se conseguia fazer. Aprender, portanto, é desenvolver competências, é se tornar competente: é passar a saber como fazer isso ou aquilo.

Ninguém consegue aprender tudo o que é possível aprender – ou desenvolver todas as competências que é possível ao ser humano desenvolver. O que nos permite selecionar as competências que vamos desenvolver são nossos interesses — em uma palavra, nosso projeto de vida. Quem quer se tornar um músico, um compositor, um autor de ficção, um dançarino, um filósofo, precisa desenvolver competências muito diferentes daquelas que precisa desenvolver quem pretende ser um engenheiro civil, um astronauta, um geneticista, um programador de computadores, um matemático…

Se isso é verdade, faz sentido exigir de todos que "consumam" as mesmas informações que a escola lhes tenta passar? Não deveria a nossa educação escolar ser centrada nas necessidades dos demandantes em vez de na especialização dos ofertantes?

Em Campinas, 25 de outubro de 2005

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