Chamando as coisas pelo nome certo: "Ação Afirmativa" é discriminação racial contra os brancos

Os defensores do sistema chamado de “Ação Afirmativa” (que inclui as famigeradas cotas) para ingresso nas universidades brasileiras – especialmente nas públicas – procuram apresentar sua proposta como sendo voltada para combater os efeitos da discriminação – com base em raça e cor – que, alega-se, continua sendo praticada no país contra negros e pardos.

Essa caracterização do sistema de cotas não sobrevive a uma análise histórica dessa prática.  

Tanto o sistema como o nome “Ação Afirmativa” são importados dos Estados Unidos (como tantas outras coisas ruins – as boas coisas dos Estados Unidos em geral são criticadas aqui). A maior parte dos brasileiros que tem escrito sobre o assunto, desconhecendo a história do ensino superior nos Estados Unidos, imagina que esse sistema foi introduzido naquele país a partir da segunda metade dos anos 60 (na época da luta dos “direitos civis”) para combater os efeitos da discriminação racial contra os negros (que lá, sem dúvida existiu: hoje o que existe lá é discriminação racial contra os brancos de origem não hispânica).

O que aconteceu nos Estados Unidos a partir dos anos sessenta, entretanto, foi uma reintrodução do sistema de “Ação Afirmativa” no ensino superior americano. A introdução originalmente havia sido feita dos anos 20 aos anos 50 num contexto que para muitos será surpreendente.

O final do século XIX e o início do século XX foram um período em que houve uma enorme imigração para os Estados Unidos. Entre os imigrantes estavam judeus ortodoxos (Ashkenazim) da Europa Central (e, em parte, do Sul da Europa) que se concentraram em grande parte (cerca de 90%) na cidade de Nova York. Esses judeus pouco assimilaram da cultura americana. Em sua aparência (cabelos semi-longos, com trancinhas, chapéus, roupas pretas), em seus hábitos culturais (continuavam a falar o Ídiche em casa, seguiam a tradição religiosa judaica à risca, guardando o Sabbath, e, portanto, não trabalhando a partir do pôr-do-sol de Sexta-Feira, guardando os feriados judaicos, mantendo hábitos alimentares que pareciam estranhos aos americanos, etc.), e em suas relações sociais (relacionavam-se predominantemente entre si, evitando contatos mais profundos e significativos com a população gentia – o casamento com gentios era tabu), esses imigrantes judeus formavam um grupo à parte dentro da sociedade americana, em plena época do “melting pot”.

As condições de vida desses judeus era extremamente baixa. Eles eram muito pobres, tinham famílias enormes, e praticamente viviam em cortiços nos guetos judaicos. Os que estavam nos Estados Unidos há mais tempo empregavam os recém-chegados e assim a comunidade se mantinha coesa, sem necessidade de grande integração com o restante da sociedade americana.

Dadas as condições econômicas desses judeus, seus filhos estudavam em escola pública. Mas nem esse fato promovia integração com o restante da sociedade americana, pois as escolas públicas dos bairros em que moravam eram freqüentadas predominantemente (em alguns casos, num percentual até de 90%) por eles próprios, pois a população de outras etnias fugia para outros bairros quando esses judeus começavam a “invadir” a vizinhança.

Até aí, tudo bem: se os judeus oriundos da Europa Central não queriam se integrar ao restante da sociedade americana, esta, por sua vez, não fazia questão nenhuma de assimilá-los, ignorando-os, na melhor das hipóteses, desde que ficassem quietos “em seu lugar”, ou, então, praticando uma discriminação mais agressiva contra eles.

Mas logo surgiu o que foi percebido como um problema sério…

A Costa Nordeste americana possui oito tradicionais e famosas instituições de ensino superior de elite (sete universidades e um “college”), conhecidas como “a Liga da Hera” (“the Ivy League”). São elas: Harvard (Cambridge, MA, fundada em 1636), Yale (New Haven, CO, fundada em 1701), Princeton (Princeton, NJ, fundada em 1746), Pennsylvania (Philadelphia, PA, fundada em 1749), Columbia (New York, NY, fundada em 1754), Brown (Providence, RI, fundada em 1764), Dartmouth (Hanover, NH, fundada em 1769), e Cornell (Ithaca, NY, fundada em 1865). Note-se que as sete primeiras foram fundadas ainda no período colonial, antes, portanto, da Independência do país. Dessas, as três primeiras, Harvard, Yale e Princeton, são geralmente chamadas de “as Três Grandes” (“the Big Three”). O problema que mencionei foi sentido primeiro nelas.

Até o início do século XX essas instituições atendiam quase que exclusivamente à mais fina elite sócio-política dos Estados Unidos (especialmente da Costa Leste, e, dentro desta, com destaque para a Nova Inglaterra). Nenhuma delas tinha um número fixo de vagas: elas aceitavam todos os candidatos que passassem os seus testes (que incluíam Latim, Grego, Inglês, Matemática, Ciências e, às vezes, até mesmo Francês e Alemão. Por volta de 1900 elas se uniram numa associação, chamada de o “College Entrance Examination Board” (CEEB), que teria a finalidade precípua de elaborar um conjunto de exames, de dificuldade uniforme, e de definir procedimentos para que as provas fossem avaliadas por critérios objetivos que obedecessem a diretrizes claramente formuladas. O ingresso era, entretanto, mesmo antes desses exames, exclusivamente por mérito acadêmico. O que mudou, a partir de 1900, foi o fato de os instrumentos de avaliação dos candidatos a ingresso foram uniformizados e padronizados. Isso permitiu que as universidades elaborassem e comparassem estatísticas. 

Em 1877 apenas 266 mil judeus viviam nos Estados Unidos. Esse número rapidamente se elevou para 400 mil em 1888, 938 mil em 1897, 1.778 mil em 1907 e 3.389 em 1917.

Por volta de 1920 as universidades da Ivy League começaram notar que o número de filhos dos imigrantes judeus do Leste Europeu – e até mesmo alguns imigrantes – que estavam matriculados em seus cursos, como diziam, preocupantes, pois extrapolavam de muito o percentual que essa etnia representava na população… Em 1919, por exemplo, eram judeus 20% dos alunos de Harvard e de Brown, 25% da Pennsylvania, e 40% da Columbia (que ficava em Nova York) – e a curva era ascendente. Além disso, se os judeus estavam super-representados na população estudantil como um todo, eles estão mais do que super-representados entre os melhores alunos (que ganhavam a maior parte das bolsas). Houve anos, em algumas universidades, como, por exemplo, Yale, que os judeus receberam todas as bolsas disponíveis. Se algo não fosse feito, em pouco tempo as universidades de elite dos Estados Unidos estariam sendo freqüentadas exclusivamente por judeus – algo que os ex-alunos, que contribuíam, como ainda contribuem, para a manutenção dessas universidades consideravam totalmente inadmissível.

Dado o clima cultural dos Estados Unidos naquela época, que dava grande valor ao mérito, no caso ao desempenho acadêmico medido pelo resultado de testes rigorosos, e, ao mesmo tempo, acreditava que o país deveria manter igualdade de oportunidades, era virtualmente impossível implantar um sistema transparente de cotas, que colocasse um teto no número de judeus que seriam admitidos.

A saída encontrada foi mais sutil – e mais hipócrita – e envolveu dois aspectos. Primeiro, as universidades resolveram fixar um número de alunos ingressantes para cada ano – digamos, mil alunos. Esse número deveria ser inferior ao número dos alunos que se estimava seriam aprovados nos exames do CEEB. Como seriam aprovados, por critérios estritamente acadêmicos, mais alunos do que a universidade havia decidido admitir, algum outro critério teria de ser invocado para decidir quais, dentre os aprovados, seriam admitidos. É aqui que entra o segundo elemento. A solução óbvia, de admitir aqueles que haviam tirado melhores notas, não era aceitável – porque isso continuaria a beneficiar os judeus. Logo, era preciso ser mais criativo… Talvez uma bateria de critérios permitisse maior flexibilidade.

Um critério que imediatamente se impôs foi o dar pontos adicionais aos alunos egressos de escolas particulares (sic). Como os judeus, pobres que eram, não podiam pagar escolas particulares, freqüentando exclusivamente as públicas, eles não ganhariam esses pontos.

Um outro critério, que acabava tendo resultado semelhante, era valorizar diversidade regional. Como os judeus estavam concentrados em Nova York, e as universidades da Ivy League ficam de certo modo ao redor da cidade, a valorização de locais de origem diferentes dessa região fatalmente reduziria o número de judeus – embora, nesse caso, não significasse um aumento no número de alunos não-judeus pertencentes à elite socio-política da Costa Nordeste americana…

Um terceiro critério era mais complicado: envolvia valorizar, nos candidatos, características não relacionadas ao desempenho acadêmico propriamente dito, como, por exemplo, capacidade de liderança, tendência à iniciativa, força de caráter, conduta moral ilibada, refinamento de maneiras, etc. Que essas características fossem notoriamente difíceis de medir ou até mesmo de detectar não preocupava as universidades.

Em decorrência dessas inovações, as universidades acabaram tendo que criar uma unidade de admissões – que antes não tinham, por serem totalmente desnecessárias. Essas unidades desenvolveram formulários de inscrição para os candidatos – em que se perguntava o nome do pai e o nome da mãe, se indagava se havia havido mudança de nomes na família (muitos judeus americanizavam um pouco seus nomes), se pedia que declarassem sua religião, etc. Todas essas informações ajudavam os oficiais de admissão a detectar judeus.

Uma outra mudança foi de enfoque. Ao divulgar os novos procedimentos, as universidades naturalmente esconderam seu real objetivo. Foi aí que surgiu a ênfase na importância da “diversidade”. Até que o ingresso maciço de judeus extremamente inteligentes e bem preparados ameaçasse as elites, ninguém havia se preocupado com diversidade. Quando os judeus trouxeram alguma diversidade aos campus, aí se resolveu buscar uma suposta diversidade que reduzisse o número de judeus (sob a alegação de que, se fossem mantidos critérios de ingresso puramente acadêmicos, em pouco tempo as universidades de elite dos Estados Unidos só teriam alunos judeus).

Para disfarçar melhor o seu objetivo, as universidades também alegaram que iriam sair de sua postura passiva e reativa de esperar que os interessados em ingressar nelas se manifestassem e assumir uma postura mais positiva de “ação afirmativa”  na busca e no recrutamento de alunos com o perfil desejado (aqueles com capacidade de se tornarem os futuros líderes do país e que demonstrassem firmeza de caráter, conduta moral e refinamento de maneiras…).

Esse breve resumo é suficiente para mostrar como nasceu a “Ação Afirmativa” nos Estados Unidos: no seio de universidades privadas, e sem a interferência do governo,  para dificultar ou mesmo impedir o ingresso na universidade de uma categoria de alunos mais bem preparados em favor de uma categoria de alunos que não conseguia, com base em critérios exclusivamente acadêmicos e meritocráticos, competir com a categoria anterior.

No caso americano, no período que destaquei, praticou-se inegavelmente discriminação contra os judeus – e essa discriminação tinha base racial, embora se tenha feito um esforço enorme não só para disfarçar a sua base racial como para apresentá-la sob uma luz positiva, como se, além de não ser racial, nem discriminação fosse.

Muda-se a época, muda-se o país. No Brasil, neste início de século XXI, a tentativa de implantar programas de “Ação Afirmativa” no ensino superior acontecem para favorecer a raça negra e aqueles de cor escura – em detrimento dos brancos. Aqueles contra quem se discrimina com essas medidas têm desempenho melhor nos mecanismos de seleção. Por isso, se tenta limitar o seu número na universidade, dando preferência àqueles que, quando se usam critérios puramente acadêmicos e meritocráticos, não conseguem entrar.

Aqui no Brasil nem se tenta justificar a medida de modo a ocultar seu caráter discriminatório contra os brancos. O caráter discriminatório dos programas de “Ação Afirmativa” no Brasil é tão evidente que nem se busca justificá-lo apelando para os supostos aspectos positivos da diversidade, ou invocando a capacidade de liderança e o caráter moral daqueles a quem se dá a preferência, preterindo aqueles que são mais bem qualificados.

Em Hong Kong, 5 de fevereiro de 2006

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