Acho muito interessante o filme "Lost in Translation" de Sofia Coppola (ela dirigiu e escreveu o roteiro), com Bill Murray e Scarlett Johansson. Acho que o nome do filme em Português é "Encontros e Desencontros" — que não indica que o filme em gira em torno de problemas lingüísticos que, por sua vez, se traduzem em problemas culturais.
(Quem não assistiu ao filme pode ver um resumo em http://imdb.com e um trailler em http://mymovies.net)
O filme descreve com muita propriedade as dificuldades que ocidentais têm para entender orientais — especialmente para entender orientais em contextos envolvendo comunicação lingüística.
Nos últimos dois anos vim várias vezes à Asia: Taiwan, três vezes, Hong Kong, duas vezes, Macau, uma vez, Coréia do Sul, uma vez, Cingapura, uma vez — quase sempre passando por Tóquio, cidade cujo aeroporto (Narita) possui todo um setor da United — onde apenas ela controla cerca de 30 portões de embarque.
A maior parte do tempo, quando estou aqui, e quero sair, alguém me acompanha: ou alguém local, que fala a língua local (chinês [mandarin], chinês [cantonês], coreano), ou, então, um grupo de estrangeiros que, embora não falando a língua local, compartilham a ignorância da língua e, assim, socializam qualquer passo em falso…
Ontem, porém, Sábado, dia 6, saí sozinho aqui em Taipei. Não é uma experiência fácil. Estou no Grand Hotel, uma construção de estilo chinês, enorme e magnífica, que fica no alto de um morro, cercada por um bosque que, por sua vez, é cercado por pistas de alta velocidade. Sair do hotel andando, como eu normalmente gosto, é complicado. Logo, saí de taxi.
Problema número um: quase nenhum motorista de taxi aqui em Taiwan fala Inglês (ou qualquer outra língua além do chinês de pronúncia cantonesa]). Exigência número um, portanto: sair do hotel munido de descrições em chinês acerca dos locais aos quais você deseja ir, bem como com um cartão de visitas do hotel, que tenha, em chinês, o nome, o endereço e o telefone do hotel. Na saída do hotel os bell-boys lêem o seu papelzinho, falam com o motorista, anotam em um outro papel o número e a placa do taxi, bem como o nome do motorista e lhe dão. Perguntei a eles para que servia aquilo. Disseram, sorrindo como sempre: para sua segurança. Fiquei na mesma. Na mesma, bem, não: fiquei mais preocupado do que estava. Mas não deixei isso transparecer. Procurei demonstrar segurança. Ao chegar ao destino, o motorista apenas apontou para o taxímetro (na ida foi 125 Taiwan dollars, na volta 140, não sei exatamente por que, pois saí de volta exatamente do mesmo local a que cheguei, apesar de ter rodado pelo centro da cidade). Você paga e ele lha dá o troco. Como você não conhece as notas nem as moedas, coloca tudo no bolso, porque conferir levaria tempo demais.
Problema número dois: muito poucos vendendores nas lojas falam Inglês — e aqueles que falam em geral falam o mínimo indispensável para vender alguma coisa, e, em geral, com uma pronúncia que é muito difícil entender. Eu fui a um local conhecido aqui em Taipei, onde há "trocentas" lojinhas pequenas de eletrônica no espaço de mais ou menos um quarteirão, dispostas quase como estandes de 3×3 ou 2×3 ou até 1×3 numa exposição (como uma feira de informática). Têm de tudo. Mas muitas estavam fechadas. Quando encontrava um vendedor que parecia falar melhor o Inglês, perguntava: "Why so many stores closed?" — Por que tantas lojas fechadas. Recebia em resposta um daqueles olhares indicativos de que a pessoa não entendeu absolutamente nada. Fiquei sem saber se era porque era sábado, se era porque era antes do meio-dia, ou se havia alguma outra razão.
Problema número três: a Joyce Weng, que é a diretora da empresa que organizou a logística do Congresso do qual vim participar, me disse: não pague o que eles lhe pedirem, barganhe. Eu lhe disse: barganhar como??? Ela me disse: quando você achar algo que lhe interessa, aponte para a coisa e pergunte o preço — dizendo "How much?" (isso eles entendem) ou raspando o polegar no indicador ou no pai-de-todos, para indicar dinheiro (que parece ser um gesto com significado universal). Eles vão lhe responder pegando uma calculadora grande e digitando nela o preço. Você pega a calculadora das mãos deles, calcula, digamos, 80% do preço, e mostra pra eles. E por aí vai. Fiquei preocupado. Em geral não sou bom negociador — e barganhar desse jeito parece estar além da minha capacidade. E se eu não me lembrasse de como se calcula porcentagens na calculadora???
Mas encurtemos a história.
Na primeira lojinha que encontrei, logo na entrada no complexo (que tem cerca de 15 enormes barracões, todos com ar condicionado, banheiro, caixas eletrônicos, etc., direitinho), encontrei algo que estava procurando: discos rígidos de 2,5 polegadas. Eles em geral são vendidos pelados, sem o estojo. Você tem de comprar o disco pelado, o estojo do disco, pedir para eles instalarem o disco no estojo, formatar o disco e lhe mostrar que o disco está funcionando e tem a capacidade anunciada. Além disso, se você é como eu, você vai querer comprar uma capinha de couro (ainda que seja couro "genérico") para guardar o seu minúsculo disco rígido (menor do que um Palm). Você tem de comprá-la em separado. (Sei disso por que anteriormente já comprei três desses, dois de 80 GB e um de 120 GB — mas comprei-os quando estava acompanhado de gente que falava a língua e barganhava por mim…).
Na lojinha em questão um jovem gordo e careca falava ao telefone exatamente no balcão onde estavam os discos. Tentei chamar a atenção de um outro vendedor, que estava sem fazer nada, mas ele fez sinal de não com a mão, apontando para o gorducho. Enquanto este terminava a ligação, olhei as caixinhas na vitrina. Havia caixinha de disco de 40 GB, de 60 GB e de 80 GB. Eu queria, naturalmente, o de 120 GB. Apontei para as caixinhas e perguntei: One hundred and twenty gig? Ele me respondeu, Ya. Eu perguntei: How much? O desgraçado não seguiu o script. Ele pegou a calculadora, ligou, e a virou para mim, sem digitar nada. Olhei para ele assim com a minha melhor cara de perdidão. Não adiantou. Fiz um gesto de quem não havia entendido. Ele me respondeu: Make offer — faça uma oferta. Já disse que não sou bom em negociação. Mas quando alguém me dá um preço, em geral sou capaz de oferecer algo assim como cinco por cento abaixo. Mas eu começar dando preço à mercadoria do outro é algo que definitivamente não gosto de fazer. Fiz um sinal de esqueça e fui saindo… O gordão estava rindo, condescendentemente — e levemente sacuindo sua cabeça negativamente. Parecia estar dizendo que ocidentais não sabem negociar. É verdade. Orientais e árabes são muito melhor nisso do que a gente.
Fiquei umas quatro horas por lá. Desenvolvi uma dorzinha de cabeça chata. E não comprei quase nada. Razão: basicamente, insegurança — tanto para a compra parca como para a dorzinha de cabeça. Quando o preço era mais ou menos bom, eu perguntava: Brand? – Marca? E a marca era uma marca taiwanesa, totalmente desconhecida. Quando a marca era Sony, Fujitsu, Samsung, o preço me parecia alto demais — o que me obrigaria a barganhar bastante, coisa que, convenhamos, eu não estava muito disposto a fazer. O pior é você fazer uma pergunta simples e eles ficarem dois minutos conversando em chinês entre eles antes de lhe dar uma resposta — ou, ainda pior, cair na risada sem que você saiba por quê…
O filme de Sofia Coppola lida com essas realidades. Vivenciar meio-dia sozinho num mercado de tecnologia em Taiwan me ajudou a elevar mais a minha avaliação do filme. Não o percam, caso ainda não o tenham visto. Se não gostarem da história, os homens, pelo menos, vão adorar Scarlett Johansson: a menina de 20 anos, por aí, que todo cinqüentão, como Bill Murray, pediu a Deus — e o idiota do marido dela virtualmente a jogou nos braços dele. Mas já conto o final: exceto por um beijo, o caso incipiente dos dois não foi a lugar nenhum: terminou quando ele voltou de Tóquio para os Estados Unidos. Comme il faudrait, peut-être.
Em Taipei, 7 de maio de 2006