Estou aqui na sala VIP da British Airways, em London Heathrow. Estou cansado de 13 horas de vôo, de Kuala Lumpur até aqui, e mais casado ainda de pensar que terei mais 12 horas de vôo daqui até São Paulo — onde chegarei perto das 22h e terei ainda de ir até Campinas.
Dada a canseira, não estou com disposição de trabalhar nuns textos sérios que me esperam… Prefiro ficar aqui observando as pessoas e escrevendo coisa light.
É estranha a fauna que habita as salas VIPs dos aeroportos.
Em frente de mim há um senhor careca e barbudo, parecido com Alexander Solzhenitsyn, usando uma camisa de veludo vermelha, que olha para a tela do seu notebook Toshiba dele há mais de 20 minutos, sem digitar nada… Segura o queixo com as mãos, parece que está meditando, mas não escreve nada, não muda de tela… Tem um mouse roxo, horrível. Acho que o mouse é tão feio que ele não se dispõe a utilizá-lo… O mouse se assenta sobre o seu joelho, abandonado…
Ao lado dele, em contraste, há um sujeito, com uma camisa marca Boss, cor-de-rosa, que digita feita um adoidado. O jeito com que ele digita me faz lembrar do meu neto Gabriel, que, quando fomos aos Estados Unidos, há dois anos, ficava nas Salas VIPs da United, digitando adoidado no laptop de brinquedo dele, fazendo de conta que estava escrevendo e-mails para a sua mãe, imitando as pessoas que ele observava… Antes de sairmos de casa aqui no Brasil ele me perguntou: "Vô, você vai levar o seu notebook?" Diante de minha resposta afirmativa, disse: "Então também vou levar o meu!" E levou. E usou, nas Salas VIP da United, mais do que eu. Começando já em São Paulo.
Mais para trás dos dois, que se sentam bem na minha frente, um senhor meio gordo, de cabelos grisalhos, tem as mãos juntadas no peito e também parece meditar, tal qual um monge budista — mas na realidade dorme, como se fosse o meu amigo Ubiratan d’Ambrósio — com o qual até mesmo parece, agora que ocorreu lembrar do Bira. A única coisa que o diferencia de um monge budista é a postura. Os monges budistas se sentam eretos, não escarrapachados na poltrona como ele.
Um moça loira (oxigenada? parece) brinca com o telefone celular dela. Já mudou de lugar várias vezes, tentando evitar o sol matinal de inverno que entra pelas enormes janelas da sala. O que será que ela tem de tão divertido na tela de um celular comum? Ou será que o celular dela é incomum? Não creio que seja. É incrível como adultos brincam desavergonhadamente em público com seus celulares. Jogam jogos. Mandam torpedos. Ou simplesmente ficam arranjando as coisas, mudando de ringtone, de papel de parede, de descanso de tela… Ou, então, vendo – ou tirando – fotos.
Mais do lado um senhor, com seus 45 anos, lê um pocket book. Não consigo daqui ver o título do livro, cuja capa é dourada. Parece estar realmente interessado na leitura. Não vê nada do que se passa ao seu lado, não come, não toma café. Outro senhor, ao lado dele, mastiga decuidadamente e olha para frente, aparentemente sem ver nada. Uma gordinha passa com uma xícara de chá e um pratinho cheio de guloseimas. Não é à toa que é gordinha… Que Deus a conserve. Não vai exigir muito esforço da parte dele: ela coopera bem. Um cara altão, loiro, vai pegar um pouco de água, com um andar decidido, como se pegar um copo de água fosse a coisa mais importante que alguém pudesse fazer na face da terra.
Por falar em copo de água, irrito-me, sobremaneira, com a nova mania de yuppie de carregar uma garrafinha de água para todo lugar e, a cada cinco ou dez minutos, dar um golinho… Parece que é inadmissível viajar sem a bendita garrafinha. Parece que se, não derem um golinho idiota de água a cada 5 ou 10 minutos, vão morrer desidratados… Queria saber quem foi o gênio de marketing que inventou essa moda. Deve estar ganhando milhões dos fabricantes de água. (E lá água tem fabricante??? Ou será que é só engarrafador?). Parece que é politicamente incorreto não carregar a maldita garrafinha e não tomar o bendito golinho de água. Arre!!!
Uma senhora oriental passa pelas mesas a cada dez minutos, mais ou menos, pegando os copos, as xícaras, os pratos que estão vazios… ou, então, os que foram abandonas meio cheios, ou até mesmo inteiramente cheios. Quando as pessoas não pagam pelo que comem, em geral pegam bem mais do que pretendem comer — e deixam resto. As churrascarias de rodízio já buscaram se precaver contra isso. Já vi em várias que, se você deixar um monte de carne no prato, ela será pesada e o seu valor será cobrado: o que você come, está incluído no preço básico; o que você pega e não come, você paga extra. Bem bolado. Só a plaquinha já funciona como condicionador do comportamento: não é preciso nem realmente cobrar.
A loira se levantou. É alta, está com um vestido preto, e, nas costas do vestido, há um monte de cabelo loiro grudado. Parece que o cabelo dela está caindo — quem sabe é de tanto tingir. Ela foi até o rack de revistas e pegou uma revista chamada Hello!, que, pela capa, se parece muito com a Caras. Faz sentido.
Ouço, sem ver, uma criança que fala, sem parar, "miau, miau, miau" (ou será que, como os gatos anglofonos, ela está realmente dizendo "meow, meow, meow"???)… O gordo careca lá atrás nessa história que se cuide: esse gato ainda vai acabar comendo o mouse dele, se ele não cuidar…
Uma senhora loira, que deve ter uns 50 anos, mas usa um cabelo de quem quer parecer que tem 20, fala ao celular, numa poltrona que acabou de ocupar… Não consigo entender porque mulheres maduras fazem essas coisas ridículas para parecer mocinhas. As mocinhas, fazem de tudo para parecer mais velhas. E as meninas tentam parecer mocinhas… Tenho para mim que as pessoas são muito mais bonitas assumindo a idade que têm do que tentando se fazer de mais novas, ou de mais velhas — afinal de contas, não enganam ninguém, em regra, não é mesmo? Ou você já pensou que uma coroa de 50 ou 60 ou é uma moçoila de 20 ou 25? Nem a Suzana Vieira é capaz de tamanho feito.
Vou parar, antes de falar (mais) besteira… O bom liberal tolera até aquilo que lhe parece ridículo e idiota. Mas não é obrigado a ficar calado, sem criticar… Right?
Em Londres, 10 de dezembro de 2006