Ariano Suassuna de vez em quando diz, ao ver algo amarelo: não fosse pelo mau gosto, o que seria do amarelo? Hoje fui à Festa Junina do meu neto Gabriel, de quase oito anos e me lembrei da frase. O que seria da Festa Junina se não fosse o amor de pais e avôs (e algumas vezes também de tios)?
As músicas são horrendas e o som ensurdecedor. Os movimentos nas quadras só podem ser chamados de danças mediante licença lingüística. A coreografia é a mesma, independente da música e da idade dos dançantes. As roupas com que eles se vestem lhes dão vergonha, quando crescem e olham as fotografias. (Pela primeira vez o meu neto não dançou, este ano, com um remendo, na forma de coração, costurado no fundilho das calças).
Mas o pior é a audiência, composta em sua maioria de adultos. Na arquibancada da quadra, há lugar para todos se sentarem. A cerca que separa a arquibancada da quadra, esta mais embaixo, tem avisos, a cada 150 cm, dizendo: “Favor não parar aqui”. Mas não há um espaço que não esteja tomado por um pai, uma mãe, um avô, uma avó tentando tirar fotografias ou filmar – meio agaxadinhos, para não levar uma bronca de quem está na primeira fila e tem a visão atrapalhada.
Cada vez que termina uma dança, uma boa parte da audiência sai: os pais e parentes dos que acabaram de dançar. Eles chegaram mais cedo, não para ver as outras crianças dançarem, mas, sim, para não perder um minuto sequer da dança de seus pimpolhos. Acabada esta, adiós. Enquanto esta não chega, conversam, riem, levantam-se (atrapalhando os detrás).
De volta ao pátio, a luta é para comprar algo para comer. As mesas e cadeiras estão todas tomadas — ou, então, guardadas, esse irritante costume brasileiro de impedir que quem chega na hora consiga se sentar, porque alguns espertinhos designaram um infeliz para chegar mais cedo e guardar as cadeiras para os que vão chegar mais tarde. Em alguns casos havia umas cinco mesas e quinze cadeiras todas elas guardadas por um cão de guarda – um senhor sizudo, mal-encarado, ainda por cima de bigode espesso. Estivéssemos ainda na Ditadura e ele estivesse de óculos escuro, à la Costa e Silva, seria imediatamente identificado como agente do DOPS. Quem é que se aventuraria a comprar briga com ele??? Mas, para nós, não foi preciso comprar briga com ninguém. Como também somos brasileiros, um dos meus genros quardava mesas e cadeiras para nós.
Saí e fui comprar os “junitos” – dinheiro usado nas barracas de comidas e bebidas. Um junito valia 0,50 centavos – e se vendem cartelas de 20 ou 40 junitos. Comprei 80 junitos (éramos uma turma grande) e fui ver o que queriam. Um queria sanduíche de pernil, o outro, sanduíche de calabresa, o outro um sanduíche de churrasco, a outra um salsichão alemão com mostarda. Além disso, seria necessário comprar alguns pastéis e algumas porções de batatas fritas (as crianças também são filhos de Deus). E refrigerantes e cervejas. A rodada se repetiu algumas vezes. De sobremesa, churros com doce de leite — que sobremesa poderia ser mais adequada do que essa nesse contexto?
Caminhar pelo pátio é uma aventura. Você tromba com gente carregando coisas para comer e beber, é abordado pelas meninas que fazem o Correio Elegante (que coisa mais antiga!), tem de se desviar daqueles que ficam parados, de pé, nas passagens, na vã esperança de que alguém abandone uma cadeira…
O preço para entrar na festa – sim, tem preço, não é de graça! – foi um quilo de mantimento (termo antigo este também, não?) não perecível. A despensa era o lugar onde se guardavam os mantimentos. Os mantimentos a granel (arroz, feijão, açúcar, café) eram guardados em umas latas redondas de alumínio. Bons tempos. Hoje as latas redondas de alumínio foram substituídas por umas coisinhas de plástico – por cima ainda quadradas…
Eu esperava que, saindo da quadra onde as crianças dançavam, o barulho diminuisse. Ledo engano. No pátio havia um grupo de rock, tocando tão alto quanto as gravações de música caipira lá dentro. Fui ficando meio zonzo… Sinal de que deveria logo sair dali.
Comentei que aquilo era a coisa mais próxima de inferno que eu conhecia. Levei uma bronca severa, como era de esperar. O inferno, me garantiram, é ainda muito pior. Ainda bem que ele não existe. As Festas Juninas existem — em profusão — e se repetem todo ano, sem nenhuma inovação.
Em Campinas, 16 de junho de 2007