A lei e a honra

Vou transcrever aqui três posts que escrevi em Novembro de 2006. Todos eles têm, como Sitz im Leben, uma controvérsia entre o professor Emir Sader e o senador Jorge Bornhausen. A controvérsia é relevante ainda, em muitos aspectos. Vou inserir comentários aqui e ali, em colchetes.

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Bem-Aventurados os Pobres de Espírito

Postado em 11 de Novembro de 2006

Apesar de Emir Sader ser um marxista, Jesus o abençoou, “preemptivamente”, quando pronunciou suas bem-aventuranças. Emir Sader é um pobre de espírito – e, como tal, certamente está no grupo dos que Jesus um dia declarou bem-aventurados. Que outra hipótese pode explicar que alguém chegue aos 60 anos dizendo e fazendo as besteiras que ele diz e faz? Sua pobreza de espírito é comprovável de muitas maneiras. Uma delas é a entrevista à imprensa em que ele procura “se defender” de sua condenação judicial.

Vejamos os fatos:

Jorge Bornhausen, senador da República e presidente do PFL [hoje DEM], afirmou, em um evento com empresários, pelo que consta no ano passado, que estava encantado com a crise política brasileira [resultante do Mensalão Petista] e que esperava que, em decorrência dela, nos víssemos livres “desta raça por, pelo menos, 30 anos”. Referia-se, como é evidente pelo contexto, aos petistas.

Emir Sader resolveu publicar um artigo em Carta Maior (revista que parece aceitar qualquer coisa, desde que seja de esquerda) criticando o senador. Uso o termo “criticar”, mas o que Sader fez, como se verá, foi muito mais do que criticar.

Em seu artigo no Carta Maior, Sader afirma, acerca de Bornhausen, várias coisas que a maioria de nós consideraria ofensiva, fossem elas ditas acerca de nós, mas que, a meu ver, não contêm, em si, a acusação de que o senador é criminoso. Diz, por exemplo, Sader:

“O senador Jorge Bornhausen é das pessoas mais repulsivas da burguesia brasileira. Banqueiro, direitista, adepto das ditaduras militares, do governo Collor, do governo FHC, do governo Bush…”.

Não vou me ater, por significar absoluta perda de tempo, ao que Sader pensa de Bornhausen e que qualquer pessoa pode pensar, e dizer, de qualquer outra, sem com isso cometer crime. Eu, por exemplo, penso que o Emir Sader é uma das pessoas mais repulsivas da academia brasileira: sociólogo chinfrim, esquerdista, defensor incondicional do PT e do Lulla, adepto fervoroso e igualmente incondicional de Fidel Castro e defensor de sua tirania em Cuba, etc. Posso pensar e dizer tudo isso do Emir Sader – sem cometer crime.

O problema surgiu quando Sader acusou Bornhausen de ser racista — usando como única evidência a frase que o senador havia dito anteriormente, e que foi citada atrás. Ser racista, no Brasil, é crime — crime tão grave que é apontado na Constituição como punível com pena de prisão, inafiançável. Sader acusou Bornhausen, portanto, de haver cometido um crime – crime seríssimo.

(É preciso ficar claro, aqui entre nós, que acusar alguém de ter cometido um crime e, instado a fazê-lo, não ser capaz de provar a veracidade da acusação feita, também é crime: crime de calúnia, de difamação, de injúria moral, etc. [Mais sobre isso abaixo]).

Diz Sader:

“[Bornhausen é] repulsivo, não por ser loiro, proveniente de uma região do Brasil em que setores das classes dominantes se consideram de uma raça superior, mas por ser racista e odiar o povo brasileiro. Ele toma o embate atual como um embate contra o povo – que ele significativamente trata de ‘raça’”.

Há vários problemas nessa passagem infeliz.

Primeiro, Sader não só chama Bornhausen de racista, como insinua que existem brasileiros que são racistas apenas em decorrência da cor de sua pele (ou cabelos, ou olhos) e da região do país em que vivem.

Segundo, Sader mente ao dizer que Bornhausen, ao usar a expressão “desta raça”, se referia ao “povo brasileiro”, e não ao PT. É evidente que Bornhausen estava falando do PT e não do povo brasileiro em geral.

No parágrafo seguinte Sader reitera a sua mentira ao afirmar que Bornhausen “merece processo por discriminação” por “referir-se ao povo [sic] dessa maneira”.

Mais adiante, Sader repete a acusação feita, quando afirma: “Mas não se engane, senhor Bornhausen, banqueiro e racista…”

Mais para o fim, Sader, no embalo, torna a acusação que faz ao senador Bornhausen mais grave ainda, ao dizer que pessoas como Bornhausen governam, ou governaram, o Brasil, “roubando, explorando, assassinando trabalhadores”.

Eis o que Emir Sader literalmente afirma: “Não, senhor Bornhausen, nosso ódio a pessoas abjetas como a sua, não os deixará livre de novo para governar o Brasil como sempre fizeram – roubando, explorando, assassinando trabalhadores.”

Ou seja: além de clara e inequivocamente acusar Bornhausen de ser racista, Sader o acusa também de outros crimes: roubar, explorar e assassinar trabalhadores.

O essencial do artigo do Sader está aí. O resto é perfumaria. Perfume perigoso, mas perfumaria.

Jorge Bornhausen processou Sader, como qualquer pessoa inocente, acusada desses crimes pela imprensa, o faria. O juiz que julgou o caso em primeira instância deu ganho de causa ao senador: quem acusa, prova — e, segundo o juiz, Sader não provou nada. A sentença do juiz condenou Emir Sader a um ano de detenção em regime inicial aberto (pena substituível nas condições que aponta) e à perda do cargo de professor que exerce em universidade pública (a USP).

Eis o que diz a sentença do juiz:

[Condeno o réu] “à pena de um ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída nos termos do artigo 44 do Código Penal por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo de um ano, em jornadas semanais não inferiores a oito horas, a ser individualizada em posterior fase de execução. . . . Pelo disposto nos artigos 48 da Lei nº 5.250/67 e 92, inciso I, do Código Penal, considerando que o querelante valeu-se da condição de professor de universidade pública deste Estado para praticar o crime, como expressamente faz constar no texto publicado, inequivocamente violou dever para com a Administração Pública, segundo os preceitos dos artigos 3º e 241, XIV, da Lei 10.261/68, motivo pelo qual aplico como efeito secundário da sentença a perda do cargo ou função pública e determino a comunicação ao respectivo órgão público em que estiver lotado e condenado, ao trânsito em julgado.”

Da sentença do juiz de primeira instância cabe, naturalmente, recurso.

A sentença caiu como uma bomba nos meios acadêmicos de esquerda. Rapidamente os que adoram se nomear intelectuais (professores, poetas, compositores de samba, artistas de televisão, etc.) fizeram um manifesto e abaixo-assinado de apoio ao professor condenado. Será que os “intelectuais” pretendem reverter uma sentença judicial através “do clamor dos corredores acadêmicos” e não através de uma argumentação circunstanciada no processo?

Emir Sader, ele próprio, depois de um período de silêncio, resolveu dar uma entrevista, se explicando e justificando — e, sem aprender com o que lhe aconteceu, acusou, na entrevista, o juiz de ter agido politicamente.

Afirma ele, na entrevista, entre outras coisas, o seguinte:

“Aleguei que, no artigo que motivou o processo, respondi com indignação a uma agressão feita pelo senador Jorge Bornhausen. Não tinha a intenção de injuriá-lo, como a outra parte alegava.”

Emir Sader, pobrezinho, não teve a intenção de injuriar o senador. O professor tem 63 anos, é professor de uma das mais prestigiadas universidades do país, escreve semanalmente na imprensa, já publicou, pelo que se alardeia, 77 livros – e, coitado, não sabe que dizer todas aquelas coisas contra um senador da República apresenta um risco sério de processo de injúria e difamação. Ele chamou Bornhausen de todas aquelas coisas feias e o acusou de vários crimes, inclusive racismo, que é crime punível com prisão e inafiançável, e não fez isso com a intenção de injuriar o senador? Quanta ingenuidade!!! Ou quanta cara-de-pau!!!

Com base na audiência de que participou, afirma Sader em outra parte da entrevista, ele ficou com “a impressão” de “que não se tipificavam as acusações que se materializaram na sentença, como a de difamação”. Quanta ingenuidade… Quanta pobreza de espírito!!!

Indagado se via “alguma relação entre a sentença e o momento político”, Sader não deixou passar a dica: “Acho que a rapidez dos trâmites e o resultado da disputa eleitoral mostra que estamos diante dos estertores de uma direita desolada, que busca demonstrar o poder que ainda tem.”

O que quer dizer isso, senão que Sader acusa a justiça de ter agido por motivação política no processo do senador contra ele?

O ex-professor é um pobre de espírito — está mais do que comprovado.

Emir Sader não é a vítima de nada, a não ser de sua própria burrice e ignorância. Jorge Bornhausen não agrediu Emir Sader nem o acusou, pessoalmente, de nada. Bornhausen disse apenas que esperava que o país se visse livre dessa raça (referindo-se aos petistas) por, pelo menos, 30 anos — e “ver-se livre”, no caso, quer dizer apenas que ele esperava ver os petistas derrotados politicamente, não significa que ele desejasse ver os petistas condenados “al paredón” (como as vítimas da tirania do ídolo de Sader) ou sequer presos (embora os petistas que cometeram crimes certamente devam [como qualquer outra pessoa] ser condenados e devidamente punidos).

A vítima, nesse caso todo, foi Bornhausen, nunca Sader. Ser racista é crime sério. Ser acusado indevidamente de haver cometido crime, também é crime de difamação e injúria. Quem cometeu crime, no caso, e por ele já foi condenado em primeira instância, foi Emir Sader. Ser condenado por ter cometido um crime não é ser vítima: vítima é aquele contra o qual o crime foi cometido. A esquerda está tentando inverter os papéis.

Bornhausen apenas fez o que qualquer pessoa inocente, indevidamente acusada de um crime, faz: processou o caluniador. Ganhou em primeira instância. Espero que continue ganhando nas demais.

O fato de Emir Sader ser um professor universitário e usar dos privilégios da cátedra para acusar alguém de crime apenas agrava a sua condição, como bem mostrou a sentença do juiz. Liberdade de cátedra não inclui a liberdade de acusar os outros, impunemente, de crimes que eles não cometeram.

No Porto, em 11 de novembro de 2006

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Racismo e Pensamento Coletivizante

Postado em 11 de Novembro de 2006

O racismo é um caso especial de uma forma mais genérica de pensar: o pensamento coletivizante (aquilo que os americanos chamam de “group thinking”).

Quem pensa em termos coletivizantes atribui características às pessoas não com base naquilo que elas de fato são, pensam, fazem – mas com base nos grupos a que pertencem.

No artigo de Emir Sader em Carta Maior, que acabou provocando a sua condenação judicial a um ano de detenção (em regime aberto) e à perda de seu cargo de professor da USP, Emir Sader demonstra, acima de qualquer dúvida, de que é um praticante contumaz do pensamento coletivizante.

No artigo em questão, Emir Sader acusa o senador Jorge Bornhausen de várias coisas, entre elas:

a) De ser burguês, isto é, de ser membro da classe social dos burgueses;

b) De ser banqueiro, isto é, de ser membro da sub-classe dos proprietários de bancos (acusação, pelo que consta, falsa;

c) De ser capitalista, isto é, de defender uma ordem social baseada no respeito aos direitos individuais e na liberdade, inclusive na esfera econômica;

d) De ser direitista, isto é, de defender tendências políticas (como o liberalismo) que ficam à direita do espectro que vai do comunismo, à esquerda, ao anarquismo libertário, no outro lado;

e) De ser fascista, isto é, de defender ou praticar as idéias do fascismo;

f) De ser loiro;

g) De ser do sul do país.

No malfadado artigo, Emir Sader, além de acusar Jorge Bornhausen de todas essas coisas, o acusa de ser racista. E foi aí que a porca torceu o rabo, porque no Brasil racismo é crime sério – punível com prisão e inafiançável. Assim sendo, quem acusa outrem de racismo em geral tem de provar, e provar rapidinho – algo que, a julgar pela sentença judicial, o professor da USP não fez, razão pela qual foi condenado no processo de injúria e difamação que lhe moveu o loiro senador de Santa Catarina, presidente do Partido da Frente Liberal.

Embora o crime de racismo esteja previsto na própria Constituição Brasileira, em nenhum lugar, na Constituição, ele é cuidadosamente definido. Vou argumentar, no que segue, que o racismo é um caso especial do pensamento coletivizante.

Emir Sader, ao acusar Jorge Bornhausen de todas as coisas constantes dos itens “a” a “e”, pensa de forma coletivizante. Segundo Sader, o fato de Bornhausen ser burguês, banqueiro, capitalista, direitista, e fascista provam que ele é uma pessoa repulsiva (na verdade, uma das pessoas mais repulsivas do país) – que é a tese com a qual Sader inicia o seu artigo.

Bornhausen pode até ser repulsivo. Não cabe entrar no mérito da questão aqui. Mas cabe entrar numa questão que podemos chamar de metodológica: se ele é ou não repulsivo é determinado (a) por quem ele é, como pessoa, e pelo que ele pensa e faz, como indivíduo, ou (b) pelos grupos ou “coletivos” do qual ele faz parte?

Eu sou defensor da postura metodológica indicada em “a”: pensamento individualizante. Sader é defensor da postura metodológica indicada em “b”: pensamento coletivizante.

Para mim, se uma pessoa, como o senador Bornhausen, é isso ou aquilo, só pode ser determinado com base naquilo que o senador Bornhausen é, como pessoa, pensa ou faz, como indivíduo. O fato de ele ser membro de classes, categorias ou grupos (“coletivos”) como a burguesia, os banqueiros, os capitalistas, os direitistas, ou mesmo os fascistas, não é suficiente (nem necessário) para que ele seja quem é, pense o que pensa, ou faça o que faça. Há pessoas que exibem todas essas características e não são repulsivas – como há pessoas repulsivas que não exibem nenhuma dessas características.

Para Sader, basta afirmar que fulano é burguês, banqueiro, direitista, capitalista, fascista para incriminá-lo.

O problema que Sader enfrentou foi que ele presumiu que quem é tudo aquilo que ele disse nos itens “a” a “e”, e, além de tudo, é loiro e catarinense, só pode ser racista. Logo, ele acusou Bornhausen de ser também racista – pegando, como pretexto, o fato de que Bornhausen, um ano antes, havia expressado contentamento diante da possibildade de que nos víssemos livres do que ele chamou de essa “raça” – os petistas. Acusou Bornhausen de cometer o crime de racismo, foi processado, e foi condenado por ter cometido o crime de injúria e difamação. Emir Sader achou que bastava listar os supostos fatos “a” a “g” (alguns não são nem fatos, como “b” e “e”) e estaria provado, para o juiz, que Bornhausen era racista.

Enganou-se.

Mas estou rodeando o toco e não estou definindo racismo. Antes de fazê-lo, vou procurar esclarecer alguns preliminares.

O racismo, como já disse, é um caso especial do pensamento coletivizante. Preliminarmente, ser racista é pensar, e agir de forma coerente com esse pensamento, que alguém tem uma determinada característica, ou um determinado conjunto de características, simplesmente por pertencer a uma determinada raça.

Afinal de contas, racismo tem que ver com raça.

Hoje em dia se tornou moda negar que existam raças, ou pretender que “raça” não seja um conceito científico, sendo apenas um conceito cultural. No entanto, no modo de pensar da maioria das pessoas, raças existem – mesmo que o conceito não seja muito preciso e rigoroso – e estão relacionadas com algumas características físicas: cor da pele (branca, negra, amarela, vermelha, etc.), tipo de olhos, lábios, cabelo, etc.

Refinando um pouco minha conceituação inicial, imaginemos que eu afirme que os orientais (chineses, japoneses, coreanos, etc.) são mais inteligentes e/ou esforçados do que pessoas de outras raças, porque nos exames vestibulares e outros sempre tiram notas maiores do que os demais. Se eu, ex hypothesi, afirmar isso, poderei ser acusado de racismo?

Aqui a coisa começa a se complicar. Sem dúvida, ao afirmar isso estou pensando de forma coletivizante (com base nas estatísticas divulgadas), mas a minha intenção não é ofender os orientais – muito pelo contrário: ao afirmar ique são mais inteligentes e/ou esforçados do que os demais, eu estou, na verdade, elogiando ou louvando os orientais. Duvido que algum chinês, japonês ou coreano se disponha a me processar por crime de racismo se eu disser isso.

Tomemos um segundo exemplo. Imaginemos que eu afirme que os orientais (chineses, japoneses, coreanos, etc.) têm olhos puxadinhos. Sem dúvida, ao afirmar isso estou pensando de forma coletivizante (com base nas minhas observações e leituras), mas a minha intenção não é ofender os orientais – embora, neste caso, também não os esteja necessariamente elogiando ou louvando: estou simplesmente constatando e relatando um fato.

Tomemos um terceiro exemplo. Imaginemos que eu afirme que os orientais (chineses, japoneses, coreanos, etc.) são fingidos, dissimulados, pouco confiáveis, etc. Sem dúvida, ao afirmar isso estou pensando de forma coletivizante (com base seja lá no que for). Minha intenção, no caso, dificilmente pode ser caracterizada como sendo simplesmente constatar e relatar um fato, muito menos elogiar e louvar os orientais: minha intenção, nessa hipótese, provavelmente é usar uma generalização que, a meu ver, se aplica a uma raça inteira para ofender uma pessoa específica que seja oriental.

Neste caso, consubstancia-se o crime de racismo. O racismo, numa conceituação mais precisa, se caracteriza pelo uso do pensamento coletivizante para ofender ou injuriar alguém por pertencer (real ou presumivelmente) a uma determinada raça (qualquer que seja).

Aqui surgem algumas outras dificuldades.

Se eu disser que os bahianos são preguiçosos e vagabundos, estarei cometendo o crime de racismo? Não, segundo esta conceituação, porque ser bahiano não é pertencer a uma raça.

Se eu disser que os corinthianos são arruaceiros e tendentes ao crime, estarei cometendo o crime de racismo? Não, segundo esta conceituação, porque ser corinthiano não é pertencer a uma raça.

Nesses dois últimos casos, se alguém, baiano ou corintiano, se julgar injuriado pelo que eu disse, pode me processar por injúria ou difamação. Não é apenas a acusação de racismo que dá causa e motivo para esse tipo de processo. Bornhausen não acusou Sader de ser racista: acusou-o de crime de injúria e difamação.

Uma última observação. Se eu acusar alguém de ser racista (ou ladrão, corruptor de menores, etc.), e, no processo, conseguir provar, com evidências, testemunhos ou argumentos, que a acusação é correta e se justifica, eu não poderei ser acusado de crime de injúria ou difamação.

No Porto, 11 de novembro de 2006

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Calúnia, Difamação e Injúria

Postado em 14 de Novembro de 2006

Terminei meu artiguinho sobre racismo, aqui neste space, dizendo:

“Uma última observação. Se eu acusar alguém de ser racista (ou ladrão, corruptor de menores, etc.), e, no processo, conseguir provar, com evidências, testemunhos ou argumentos, que a acusação é correta e se justifica, eu não poderei ser acusado de crime de injúria ou difamação.”

Um comentarista anônimo (ao qual eu aqui agradeço) teceu o seguinte comentário a essa observação — na verdade, é uma correção, não um comentário.

Diz ele que a chamada “exceção de verdade” — se eu provo que o que eu disse é verdade, não posso ser acusado de calúnia, difamação ou injúria por tê-lo dito– a “exceção de verdade” só cabe no caso de calúnia, não no caso de difamação e injúria.

O comentarista esclarece (o exemplo é dele): se A afirma que B é corno, e B processa A por difamação e injúria, A é punível, ainda que B seja verdade que B, de fato, é corno.

Ele faz uma ressalva. No caso de difamação e injúria, esclarece, a exceção de verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Meu entendimento dessa ressalva é o seguinte. Nessa hipótese, se A afirma que B, um funcionário público, é ladrão, pois rouba no exercício de suas funções, se B processa A por difamação e injúria, mas, no processo, A prova que B de fato é ladrão no exercício do cargo, A não seria punível — a exceção de verdade se aplica neste caso, porque B é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Voltando ao caso de calúnia. Refletindo sobre a questão, imagino que caluniar é dizer algo não só ruim mas falso acerca de outrem — e é por isso que a exceção de verdade se aplica aqui. Se A diz algo ruim acerca de B, e B processa A por calúnia (que implicaria que A teria dito uma falsidade a seu respeito), mas A prova, no processo, a veracidade do que disse, A provou, nesse caso, que não caluniou.

Difamação e injúria, por outro lado, podem acontecer mesmo quando A afirma acerca de B algo que é verdadeiro, mas que afeta a fama (reputação) de B e lhe causa injúria (como no exemplo dado pelo comentarista: o caso do corno).

Preciso estudar mais essas coisas… São mais complicadas do que eu inicialmente imaginei. De imediato me surge a questão: se A afirma em público que B é corno, e é processado por B por difamação e injúria, e, no processo, A prova não só que o que disse é verdadeiro, mas também é público e notório, conhecido de todo mundo, cabe a condenação por difamação e injúria? Pode A difamar alguém que já tem pública e notória má fama?

Procurando na Internet encontrei um site (ABUSAR.ORG – http://www.abusar.org/manual_de_sobrevivencia_na_selva.html) em que há um artigo de em que se esclarecem algumas dessas coisas.

Cito, a partir daqui, e até indicar que parei de citar:

Os tipos de responsabilidade jurídica

Um comentário ofensivo pode gerar dois tipos diferentes de responsabilidade jurídica: a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil.

A condenação criminal, em regra, resulta na prisão do culpado, mas em crimes leves – como nos casos de crimes contra a honra – a prisão pode ser substituída por prestação de serviços à comunidade e/ou multa.

A condenação civil é sempre patrimonial e consiste no pagamento de uma indenização à vítima pelos danos sofridos.

Os tribunais têm entendido, corretamente, que somente a pessoa física pode ser vítima de crimes contra a honra. As empresas, portanto, não podem ser vítimas de crimes contra a honra e somente poderão acionar o autor das ofensas no juízo cível.

Responsabilidade penal

Três são as modalidades de crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria.

A calúnia (art. 138 do Código Penal) é a imputação falsa de fato criminoso a alguém. Para a sua caracterização é necessária a descrição do falso crime. Ex: uma postagem na qual o autor afirma que viu Tião Medonho furtando livros na biblioteca na noite anterior. O uso de expressões como “ladrão”, “bandido”, “corrupto”, etc, caracteriza o delito de injúria, não o de calúnia.

A difamação (art. 139 do Código Penal) é a imputação de fato ofensivo à reputação de alguém. Ao contrário da calúnia, aqui não há necessidade de que os fatos sejam falsos. Ex: uma postagem na qual o autor afirma que viu Patrícia Angélica se prostituindo na noite anterior. Mesmo que a informação seja verdadeira, caracteriza-se a difamação. É bom frisar que a simples postagem “Patrícia Angélica é uma prostituta” configura a injúria, pois na difamação deve haver a descrição do fato desonroso.

A injúria (art. 140 do Código Penal) é qualquer ofensa à dignidade de alguém. Na injúria, ao contrário das hipóteses anteriores, não se imputa um fato, mas uma opinião. É caracterizada principalmente pelo uso de palavras fortes: ladrão, prostituta, idiota e, muitas vezes por expressões de baixo calão. Ressalte-se ainda que a injúria terá a pena aumentada se praticada com elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem.

Evidentemente, em todos os casos acima, para a caracterização dos crimes é necessário que as ofensas sejam proferidas contra uma vítima determinada. A afirmação vaga de que “há uma colega na minha sala que é prostituta”, sem a possibilidade de determinar a quem o autor se refere, não configura o crime.

Responsabilidade civil

A ação de indenização por dano moral tem por fim uma reparação econômica pela desonra sofrida.

Inicialmente destinada às pessoas físicas, acabou sendo reconhecida também como instrumento de tutela dos direitos da pessoa jurídica (Súmula 227 do STJ).

Ao contrário da esfera criminal, na qual estão expressamente previstas as condutas proibidas, na esfera cível há tão-somente a determinação que:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (art.186 do Código Civil)

Conclui-se, pois, que são necessários os seguintes pressupostos:

1. Ação ou omissão: tanto o autor dos escritos quanto o responsável pelo blog que permitiu a postagem de comentários ofensivos à honra de alguém podem ser responsabilizados pelo dano moral;

2. Dolo ou culpa: age com dolo o agente que agiu ou omitiu-se intencionalmente. Age com culpa quem não desejava o resultado, mas por negligência ou imprudência gerou o dano;

3. Dano: não há responsabilidade civil sem dano. O dano pode ser material (ex: a vítima deixar de fechar um contrato milionário em virtude dos escritos) ou moral (ex: a vítima ter sua respeitabilidade maculada pelos escritos);

4. Nexo de causalidade: é imprescindível comprovar que a ação ou omissão do agente foi a causadora do dano material ou moral. Nota-se que, por sua própria natureza, a responsabilidade civil é, ao contrário da esfera criminal, absolutamente indeterminada, sendo definida pelo juiz na análise de cada caso.

A sugestão de valor de indenização por danos morais feita por advogados não é, por si só, indicativa do valor da indenização ao fim do processo. Esse valor é decidido exclusivamente pelo juiz, após analisar todas as provas juntadas aos autos, inclusive as que comprovarem o prejuízo sofrido.”

[Fim da citação]

Os autores da passagem citada acima são Túlio Lima Vianna (professor de Direito Penal da PUC-MG, Doutorando [UFPR], Mestre [UFMG] em Direito e Editor do site www.tuliovianna.org) e Cynthia Semíramis Vianna (Mestre em Direito [PUC-MG] e Editora do site www.direitoinformatico.org). A eles o devido crédito.

No Porto, 14 de novembro de 2006

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Transcrito aqui em São Paulo, 2 de Novembro de 2010

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