As Batalhas Internas de Trump neste Fim de Ano

Começa hoje, 4 de Setembro de 2018, mais uma batalha de Donald Trump no Senado Americano: a de manter, numericamente, e incrementar, em radicalidade, a pequena vantagem de 5×4 a favor dos liberais-clássicos e seus aliados conservadores na Suprema Corte Americana.

No ano passado, em 7 de abril de 2017, Donald Trump teve a oportunidade de preservar e incrementar o perfil majoritariamente liberal-clássico e conservador da Suprema Corte Americana. Nessa ocasião, foi aprovado pelo Senado Americano, o nome de Neil Gorsuch, de 51 anos, e, portanto, razoavelmente jovem, para substituir Antony Scalia, que faleceu em 2016, aos 80 anos. Scalia era, também, liberal-clássico e conservador, mas bem mais moderado. Os leitores se lembrarão que Barack Obama, no último ano de seu mandato, declinou de indicar o substituto de Scalia, por achar, num raro gesto nobre (mas só aparente), que o próximo presidente o fizesse. Só que ele imaginava que o presidente seguinte seria Hilary Clinton. Danou-se.

Esse perfil liberal-clássico e conservador que a Suprema Corte Americana tem tido nos últimos tempos é alinhado com os Republicanos, que, nos EUA, agrupam, de um lado, os liberais clássicos, estilo laissez-faire na política (estado pequeno), na economia (ausência de controle pelo estado) e na vida privada (visão libertária, beirando ao anarquismo), e, de outro lado, os culturalmente conservadores, que incluem a direita religiosa, que não é nada laissez-faire na vida privada (são contra o aborto, o casamento gay e outros costumes mais favorecidos pela esquerda, como o feminismo, a identidade de gênero, a diversidade racial e cultural, etc. .), que defende um estado forte (quando se trata de defender costumes tradicionais e a religião), etc.

Antes de alcançar a maioria de 5×4, com Juizes-Ministros indicados por Reagan e pelos dois Bushes (pai e filho, George H. W. e George W., respectivamente), a Suprema Corte Americana, teve um perfil majoritariamente social-democrata e progressista por um bom tempo, alinhado com os Democratas, que, nos EUA, apesar de se chamarem liberais, ficam entre, de um lado, os social-democratas, e, do outro lado, os socialistas soft, defendendo causas parecidas com as defendidas aqui no Brasil pelas forças de esquerda.

Em 30 de Julho deste ano de 2018 aposentou-se Anthony Kennedy, de 82 anos, nomeado por Ronald Reagan, em 1987, e que passou nada menos do que 31 anos na Suprema Corte. Kennedy, embora alinhado com os Republicanos, também era razoavelmente moderado. Trump indicou para o seu lugar Brett Kavanaugh, bem mais conservador e bem mais jovem (nasceu em 1965, e, portanto, tem 53 anos). É a batalha de sua confirmação pelo Senado que se inicia hoje, 4 de Setembro.

Joseph Kennedy, que era um Republicano moderado, foi, muitas vezes o fiel da balança da Suprema Corte, ora ficando para cá, ora indo para lá… Se Kavanaugh for aprovado, os Republicanos terão um Juiz/Ministro mais consistente em seu liberalismo-clássico e conservadorismo do que Kennedy.

Daí a importância de mais esta batalha no Senado. Se Trump ganha-la, manterá, numericamente, a vantagem de 5×4 na Suprema Corte e a tornará mais radicalmente liberal-clássica e conservadora.

Os Republicanos, desde a eleição de Trump, controlam as duas casas do Congresso, mas, no Senado, a maioria republicana, originalmente de 51×49, tem sido precária, pois alguns senadores republicanos têm votado, de vez em quando, contra o Trump. Isso se deu, em especial, com Joseph McCain, falecido há poucos dias (falecimento que deve ter alegrado o Trump sobremaneira, apesar da cara compungida que teve de exibir em público).

Assim sendo, sem McCain, que não foi ainda substituído, a maioria republicana está reduzida a 50×49. Os Democratas, na verdade, também têm suas dificuldades. Democratas mesmo são só 47: os dois outros que geralmente se coaligam com eles, se declaram Independentes, e, portanto, podem oscilar.

Para complicar a situação, para os dois partidos, no final deste ano de 2018, 33 dos atuais mandatos expirarão, havendo eleições para eles em 6 de Novembro – que será uma eleição decisiva para que Trump mantenha (ou mesmo aumente) a sua maioria, hoje precária, no Senado, mas que, mesmo precária, ele pode vir a perder.

Em geral, o presidente cujo partido ganha maioria no Congresso durante a eleição presidencial, tem essa maioria reduzida ou mesmo perdida na eleição para o Congresso que tem lugar na metade do mandato presidencial. Isso acontece, em geral, porque apoiadores do Presidente que acham que ele não está sendo suficientemente alinhado com sua plataforma resolvem lhe mandar um “recado” para tomar jeito e mostrar mais serviço…

Eu diria que, apesar das críticas a Trump que a gente lê e ouve na mídia, ele está bem posicionado para, pelo menos, manter a sua base de apoio na eleição de Novembro de 2018.

Assim, nos próximos meses, além das eleições brasileiras, temos de prestar atenção à batalha pelo controle da Suprema Corte Americana no Senado Americano, bem como ao resultado das eleições americanas para o Congresso, eleições essas que terão lugar, como foi dito, daqui a basicamente dois meses, em 6 de Novembro deste ano.

Em 4 de Setembro de 2018

O Liberalismo na Política, Economia e Sociedade e suas Implicações para a Educação: Uma Defesa

O Liberalismo na Política, Economia e Sociedade e suas Implicações para a Educação: Uma Defesa [1]

Eduardo Chaves [2]

Conteúdo

A Intenção deste Artigo. 2

Um Liberalismo ou Vários Liberalismos?. 3

O Liberalismo Clássico ou “Laissez-Faire”. 3

O que se Chama Liberalismo nos Estados Unidos. 4

O Chamado Neo-Liberalismo. 4

O Princípio Fundamental do Liberalismo. 5

O Conceito de Liberdade. 6

Liberdade e Direitos Individuais 8

Restrições Legítimas aos Direitos Individuais. 11

Os Chamados Direitos Sociais 12

O Liberalismo e o Atendimento aos Carentes e Necessitados. 18

A Salvaguarda do Liberalismo: A Constituição Liberal 19

Implicações Básicas do Liberalismo. 21

Liberalismo e Anarquismo. 22

O Liberalismo e a Questão da Segurança. 24

Liberalismo, Social-Democracia e Socialismo. 25

O Liberalismo Posicionado. 27

Implicações do Posicionamento Sugerido. 28

Liberalismo e Totalitarismo (Nazismo, Fascismo, Comunismo) 28

Liberalismo e Autoritarismo (Ditadura Militar Brasileira) 28

Liberalismo e Social-Democracia Brasileira (Governo de FHC) 29

Liberalismo e Conservadorismo. 30

Ensaio Bibliográfico e “Webgráfico”. 30

o O o

“Não sei quanto aos outros, mas no que me diz respeito, ou tenho liberdade, ou prefiro a morte”.

Patrick Henry, 23 de março de 1775

1. A Intenção deste Artigo

Minha intenção neste artigo é modesta.

Procuro aqui expor, de forma simples e didática, a minha visão do Liberalismo, para que os não familiarizados com essa tendência na Filosofia Política possam vê-la exposta por alguém que a aceita e está disposto a defendê-la. [3]

Em muitos aspectos, cubro, neste artigo, terreno semelhante ao que já cobri em outro artigo, escrito em 1997 mas publicado apenas em 2001 (com data de 1999): “Preâmbulo a uma Defesa do Liberalismo” [4]. Apesar de alguma sobreposição inevitável, este artigo representa, entretanto, uma nova tentativa de apresentar o Liberalismo para os educadores brasileiros, em geral contaminados por uma visão socialista, ou claramente socializante, da Filosofia Política. O artigo anterior era mais descritivo: este é mais argumentativo. Trata-se, aqui, de uma defesa do Liberalismo – não uma defesa contra os críticos (como ainda espero produzir), mas, sem dúvida, uma defesa no sentido de exposição justificada do essencial. Muitos aspectos ficarão intocados (em decorrência da falta de espaço), mas o essencial do Liberalismo, como eu o vejo, será coberto.

Não me move, neste artigo ou em outros contextos, o desejo de fazer proselitismo. Tenho tanta convicção de que o Liberalismo é, de todas as tendências da Filosofia Política, a mais sensata, que acredito que uma apresentação clara do Liberalismo, por alguém que está convencido de seus méritos, como é o meu caso, irá convencer muitas pessoas de mente aberta, se não a passar para as suas hostes, pelo menos a estudá-lo com interesse, seriedade, e, talvez, até mesmo simpatia. Suspeito que a forma distorcida e irreconhecível com que o Liberalismo é apresentado pelos seus inimigos decorre do receio de que, se o apresentarem tal qual é, terão perdido o impacto da maior parte de suas críticas.

Acho necessário dizer isso porque a maioria absoluta dos artigos e livros sobre o Liberalismo publicados no Brasil vem de autores que só podem ser descritos como adversários do Liberalismo – inimigos mesmo, que não hesitam em criar um “liberalismo de palha” para poder facilmente descartá-lo em favor de suas tendências preferidas. A maior parte desses autores é marxista – ou se inspirou no Marxismo – e vê o Liberalismo, portanto, através das lentes distorcedoras do Marxismo. Para eles, vendo o mundo a partir da ótica marxista, chamar um autor ou uma postura de liberal equivale a uma condenação, pura e simplesmente. Alguns, na verdade, chamam de liberal qualquer posição que não se enquadre na vulgata marxista, como se, entre Marxismo e Liberalismo, tertium non datur.

Os alunos que saem de nossas universidades, já faz um tempo, só conhecem esse pseudo-Liberalismo criado pelos marxistas para facilitar o seu trabalho de se apresentar aos alunos como única opção teórica e metodológica séria na Filosofia Política. Na verdade, os alunos que saem de nossas universidades, em especial na área de Ciências Humanas, Filosofia e Educação, são objetos de um processo, não de educação, mas de verdadeira doutrinação – da mais perversa porque não só se rotula de educação mas se traveste de “educação crítica”! Como os alunos em geral não têm professores liberais, ou, se os têm, são incentivados a não assistir seus cursos, a única visão do Liberalismo que recebem é aquela em que o termo “liberal” é um termo pejorativo, um rótulo de opróbrio.

Assim, se o texto deste artigo por vezes assume um tom demasiado polêmico, o objetivo não é fazer prosélitos, mas, sim, recuperar o Liberalismo das ridículas distorções de que tem sido vítima aqui no Brasil – nas mãos de autores brasileiros e de autores estrangeiros traduzidos para o Português. [5]

2. Um Liberalismo ou Vários Liberalismos?

É evidente, porém, que não pretendo argumentar que minha visão do Liberalismo é a única visão possível ou a verdadeira. O Liberalismo, enfatizando, como o faz, a liberdade, liberdade essa que torna possível a diversidade e que é a arqui-inimiga das ortodoxias e dos dogmatismos, é visto de formas diversas por muitos autores que, apesar das divergências, merecem ser considerados liberais. Deixando de lado, temporariamente, os inimigos do Liberalismo, que se comprazem em caricaturá-lo, os próprios defensores do Liberalismo discordam nos detalhes de sua caracterização e na forma de justificá-lo. Não existe uma ortodoxia liberal, razão pela qual não se pode falar em revisionismo, desvio ideológico e heresia dentro do Liberalismo – embora haja, naturalmente, alguns princípios básicos que todo liberal aceita e algumas doutrinas adversárias que todo liberal rejeita.

A. O Liberalismo Clássico ou “Laissez-Faire”

O que vou apresentar e defender neste artigo é, portanto, a minha visão pessoal do Liberalismo, amadurecida ao longo dos últimos trinta e poucos anos.

Embora certamente dependa fundamentalmente do trabalho destas pessoas, essa visão não será idêntica à de Adam Smith, ou de Thomas Jefferson, ou de Ludwig von Mises, ou de Friedrich August von Hayek (geralmente conhecido como Friedrich A. Hayek), ou de Milton Friedman, ou mesmo de Ayn Rand – que é a autora que mais me tem servido de mapa e de bússola nessa área, desde que a descobri em 1973 [6].

Prefiro caracterizar o Liberalismo através do que me parece essencial nele e procurar esclarecer a posição liberal em relação à política, à economia, e à sociedade (aqui incluída a educação) de forma coerente com esses princípios essenciais.

Ficará evidente ao leitor atento que o que estou chamando de Liberalismo, tout court, é às vezes chamado de “Liberalismo Clássico”, ou de “Liberalismo Laissez-Faire”, ou, ainda, nos Estados Unidos, de “Libertarianismo”, para que seja distinguido de outras versões do Liberalismo, em especial daquilo que se chama (mas não é) Liberalismo nos Estados Unidos e do que, mais recentemente, vem sendo chamado (em geral por seus oponentes) de Neo-Liberalismo.

B. O que se Chama Liberalismo nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos o termo “Liberalismo” foi usurpado pelos social-democratas [7] (como Edward “Ted” Kennedy e William “Bill” Clinton e, em geral, os membros do Partido Democrata, desde a época do New Deal de Franklin D. Roosevelt), que, lá, se rotulam de liberais. Os que são realmente liberais nos Estados Unidos, para evitar confusão, se viram forçados a se chamar de libertários. [8]

No meu uso do termo, John Rawls, por exemplo, bastante conhecido hoje em dia no Brasil, não é um liberal, estando muito mais perto da Social-Democracia do que do Liberalismo, embora ele próprio se pretenda liberal – mas no sentido “americano” do termo [9]. Tradutores profissionais freqüentemente desconhecem esse fato, e traduzem os termos ingleses “liberal” e “liberalism” por “liberal” e “liberalismo”, sem qualquer ressalva ou explicação, assim confundindo leitores menos avisados.

C. O Chamado Neo-Liberalismo

No mundo inteiro fala-se também muito, hoje em dia, em Neo-Liberalismo. Registre-se, primeiro, que esse termo, em regra, nunca é usado por liberais para se referir a si próprios. Ele normalmente é usado por social-democratas e socialistas (ou simpatizantes) para designar toda e qualquer pessoa ou iniciativa voltada para “reduzir o tamanho do governo”.

O rótulo de neo-liberal é aplicado, portanto, ou a pessoas que defendem o Liberalismo no século XX (como von Mises, von Hayek, Friedman), ou então a iniciativas daqueles que, já tendo estado mais próximos da esquerda no espectro político [10], agora procuram retroceder na direção do Liberalismo, mas tentando preservar, ao mesmo tempo, algumas das chamadas “conquistas sociais” – “les acquis sociaux” em que tanto se fala na França na era pós-Mitterand. (É oportuno mencionar que a maior parte dessas ditas conquistas foi obtida – muitas vezes por outorga e não por real conquista das esquerdas – de governos que nada tinham de esquerdistas, como é o caso, no Brasil, da maior parte do que é hoje é a Consolidação das Leis do Trabalho, que remonta a Getúlio Vargas).

Algumas pessoas ou iniciativas designadas como neo-liberais normalmente estão longe de ser liberais no sentido clássico do termo. Vide adiante a discussão do Governo FHC [11].

3. O Princípio Fundamental do Liberalismo

Isso posto, é preciso deixar claro que o Liberalismo é, basicamente, uma Filosofia Política – ou, como preferem alguns, uma tendência na Filosofia Política. Embora tenha se tornado famoso no final do século XVII e, principalmente, no século XVIII, o Liberalismo tem uma nobre linhagem, com antecedentes que remontam à Antigüidade – aos Gregos e mesmo aos Hebreus (como bem demonstra Lord Acton).

A filosofia liberal se sustenta no princípio fundamental de que quando o indivíduo, ao se associar com outros indivíduos, passa a viver em sociedade, a liberdade se torna o seu bem supremo, que, enquanto tal, tem preponderância sobre qualquer outro bem que possa ser imaginado [12]. Alguém vivendo sozinho em uma ilha deserta pode ter outros bens supremos. Mas para nós, que vivemos em sociedade, a liberdade é essencial para e por nos preservar um espaço privado, inviolável, que não possa ser transgredido pelos nossos semelhantes. A função primordial do estado é garantir a existência e a inviolabilidade desse espaço.

O problema é que o estado, sendo constituído por pessoas, freqüentemente, em vez de garantir esse espaço privado, tenta, ele próprio, invadi-lo, restringi-lo, ou até mesmo eliminá-lo inteiramente. Por isso, o Liberalismo luta para preservar esse espaço privado do indivíduo, seja contra a sua invasão por outros indivíduos, seja contra a sua restrição ou eliminação pelo estado. Assim, a liberdade é, para o Liberalismo, o bem supremo no contexto da relação do indivíduo com seus semelhantes na sociedade e no contexto de sua relação com o estado.

Para o Liberalismo, é imperativo, na nossa vida em sociedade, buscar a maior liberdade possível para cada indivíduo que seja compatível com igual liberdade para todos. O termo “Liberalismo” vem daí: tem a mesma raiz que o termo “liberdade”.

O vínculo primário e essencial do Liberalismo é, portanto, com a liberdade – não com a propriedade privada, como, em geral, entendem e pretendem os marxistas. A defesa do direito do indivíduo à propriedade privada é um corolário do Liberalismo na área econômica, não o conceito principal que define a sua essência. Este lugar pertence à liberdade, um conceito bem mais amplo, que abrange a liberdade do indivíduo não só na área econômica, mas também na área política e social.

Mesmo na área econômica, a defesa do direito à propriedade privada não esgota o que o Liberalismo defende. O chamado Liberalismo Econômico, geralmente denominado Capitalismo, é uma decorrência lógica do princípio básico do Liberalismo, a saber, que em sociedade é desejável buscar a maior liberdade possível para cada um que seja compatível com igual liberdade para todos. Aplicando esse princípio à área econômica, o Liberalismo defende a tese de que o governo deve se abster de toda e qualquer tentativa de atuar diretamente na economia (como estado-empresário), ou mesmo de regular e fiscalizar a economia, ou de nela intervir de qualquer forma (como, por exemplo, para tentar “aperfeiçoar” o mercado).

Na economia o princípio básico do Liberalismo é geralmente resumido na expressão francesa de que o governo, em relação à iniciativa privada, deve “laissez faire”, isto é, deixar fazer, ou, melhor, “sair da frente e deixar a iniciativa privada agir”.

É esse princípio fundamental que sustenta o corolário, agora na área política, de que “melhor é o governo que menos governa” [13], deixando, portanto, aos indivíduos mais liberdade. O melhor estado, assim, é o “estado mínimo”, que deixa aos indivíduos o máximo de liberdade compatível com as exigências da vida em sociedade. Este princípio do estado mínimo é, assim, uma decorrência do princípio da liberdade do indivíduo como bem supremo. Como diz o título de um interessante livro atual, More Liberty Means Less Government [14]: mais liberdade quer dizer menos governo. O oposto também é verdade: mais governo representa menos liberdade.

Ainda na área política, o Liberalismo sustenta a tese de que os direitos fundamentais do indivíduo (que serão enunciados adiante) não podem ser revogados, violados, transigidos ou restringidos nem mesmo, numa sociedade democrática, pela maioria, através de processo parlamentar, mesmo que o processo seja, doutra forma, inteiramente legítimo. Isso porque uma Constituição Liberal deve garantir esses direitos individuais em cláusulas pétreas, “imexíveis”.

Na área social, o Liberalismo, coerentemente, defende a tese de que a ação deve não só ser livre à iniciativa privada de indivíduos ou pessoas jurídicas mas ficar restrita a essa iniciativa. Assim, não cabe ao estado planejar, operar, regular ou fiscalizar atividades relacionadas à prestação de serviços de saúde, de educação, de seguridade, etc. – as chamadas “políticas públicas”. O estado só tem direito de intervir nesses afazeres privados quando se tratar de uma presuntiva violação de direito individual ou quebra de contrato. O estado deve também se abster de regulamentar os contratos que os indivíduos (ou mesmo as personalidades jurídicas) podem estabelecer entre si ou as diversas formas de associação que entre si venham a estabelecer. Até mesmo o casamento é uma questão totalmente privada que, como tal, deve ficar fora do alcance do estado. Por fim, o estado não pode interferir com a liberdade de expressão (incluída aí a de culto) e locomoção dos indivíduos, podendo estes pensar e exprimir o que desejarem e se locomover para onde quiserem – até mesmo para fora dos limites abrangidos pelo estado. Se, no exercício dessa liberdade, forem violados direitos individuais de terceiros ou quebradas cláusulas contratuais estabelecidas, o estado pode intervir para garantir direitos e/ou restabelecer a ordem jurídica quebrada, a pedido dos que se julgarem prejudicados.

4. O Conceito de Liberdade

Sendo a liberdade o conceito mais importante do Liberalismo, é importante ter clareza sobre como esse conceito é entendido pelos liberais.

Ser livre, no Liberalismo, é não ser coagido a agir (a fazer ou a deixar de fazer) – é não ser obrigado a fazer, nem impedido de fazer – por terceiros.

Ser livre, portanto, não deve ser confundido com “ter condições materiais de fazer”, “ter recursos para fazer”, “ter poder de fazer”, “ter capacidade de fazer”, alguma coisa.

Esse conceito de liberdade é freqüentemente descrito como um conceito negativo ou formal de liberdade. Negativo, porque a liberdade é definida em termos negativos, como não-coação, sendo livre a pessoa que não é obrigada a fazer, nem impedida de fazer, alguma coisa. Formal, porque uma pessoa livre para fazer algo (porque não coagida ou obrigada a deixar de fazê-lo) pode não conseguir fazê-lo, por lhe faltarem condições materiais, recursos, poder ou capacidade para tanto.

Digamos que eu seja livre para comprar uma Ferrari – livre, porque ninguém está me coagindo ou me obrigando a não fazê-lo (esta a condição negativa, formal). Se, entretanto, eu não tenho dinheiro para comprar a Ferrari, eu sou formalmente livre para fazê-lo, mas, materialmente, não tenho condições de realmente (i.e., positivamente) efetivar aquilo que eu sou livre para fazer.

Alguns autores acham que a liberdade deveria ser concebida apenas no que eles chamam de seu sentido pleno, isto é, positivo e material. Assim, se eu não tenho dinheiro para comprar uma Ferrari, afirmam, não se deveria dizer que sou livre para comprá-la.

Mas essa posição é extremamente problemática. Vou procurar mostrar porquê.

Imaginemos um adolescente (de, digamos, dezesseis anos) que tenha quinhentos reais de dinheiro realmente seu, ganhos em algum trabalho qualquer, e que deseje comprar, com esse dinheiro, uma bicicleta que custa duzentos reais. Imaginemos, porém, que os seus pais, por alguma razão, o proíbam de fazê-lo (podem, por exemplo, ter muito receio de que ele sofra algum acidente com sua bicicleta – digamos que um irmão desse adolescente tenha, no passado, morrido num acidente de bicicleta). Neste caso, o adolescente, sendo menor de idade, e necessitando da autorização de seus pais para fazer a compra, não é livre, no sentido formal, que os liberais adotam, para comprar a bicicleta (embora tenha o dinheiro para fazê-lo). Não é livre porque é coagido, por quem tem autoridade sobre ele, a não comprar a bicicleta.

Imaginemos um outro adolescente, da mesma idade, que deseje comprar a mesma bicicleta, cujos pais apóiam o seu desejo (ele vai usar a bicicleta para ir à escola ou para fazer algum trabalho que a família considera importante), mas que não tem os duzentos reais para comprá-la. Se ele não tem os duzentos reais, os oponentes da visão que o Liberalismo tem da liberdade dirão que ele não é livre para comprar a bicicleta. Mas ele é! A compra da bicicleta pode ser tão importante para ele que ele decide arrumar algum emprego (ou algum “bico”) para ganhar o dinheiro para comprá-la. Como não há nada que proíba alguém de dezesseis anos de arrumar um emprego, ele está livre para procurá-lo. Tendo decidido fazê-lo, sai, arruma o emprego, ganha o dinheiro, e compra a bicicleta. Se não fosse livre para comprar a bicicleta, mesmo não tendo, num primeiro momento, o dinheiro necessário, ele não teria podido comprá-la. Mas comprou – o que comprova a sua liberdade.

Para o liberal é preciso não confundir liberdade com a posse de condições materiais, recursos, poder ou capacidade para o exercício efetivo da liberdade. A liberdade é algo que deve ser garantido a todos pelo sistema político adotado (basicamente pela Constituição). A posse das condições materiais, dos recursos, do poder ou da capacidade para o exercício efetivo da liberdade cabe a cada um obter.

Se, trinta anos atrás (escrevo em 2002), alguém dissesse para uma mulher paraibana pobre que ela era livre para ser Prefeita da maior cidade do Brasil, porque ninguém a proibia de procurar ser, os oponentes do Liberalismo iriam dizer que ela realmente não era livre, porque lhe faltariam as condições materiais para chegar lá. No entanto, chegou – eleita pelos oponentes do Liberalismo, que em geral negam que a liberdade formal seja liberdade real.

Se, trinta anos atrás (continuo a escrever em 2002), alguém dissesse para um migrante nordestino na Grande São Paulo, que ele poderia se tornar Presidente do Brasil, porque ninguém o proibia de procurar ser, os oponentes do Liberalismo iriam dizer que ele realmente não era livre, porque lhe faltariam as condições materiais para chegar lá. No entanto, chegou lá – eleito pelos oponentes do Liberalismo, que em geral negam que a liberdade formal seja liberdade real.

Também é preciso não confundir liberdade com o desejo de fazer aquilo que se é livre para fazer. Alguém pode ser livre para trair seu cônjuge (porque ninguém o coage a não fazê-lo, isto é, a manter-se fiel) e, ainda assim, não desejar fazê-lo e, por isso, nunca tomar a decisão de fazê-lo. Ninguém precisa de fato trair o cônjuge para mostrar que é livre para fazê-lo.

5. Liberdade e Direitos Individuais [15]

O Liberalismo exprime sua defesa da liberdade dos indivíduos através de uma defesa de seus direitos individuais. Os direitos individuais que o Liberalismo reconhece, e que garantem a liberdade do indivíduo, são os seguintes [16]:

  • Direito à integridade da pessoa (ou direito à vida e à segurança da pessoa), isto é, o direito que tem o indivíduo de não ter sua vida e sua segurança removidas, ameaçadas ou colocadas em risco por terceiros);
  • Direito à expressão do pensamento, do modo de ser, do estilo de vida, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de dizer o que pensa, de viver como acha mais interessante ou satisfatório, e de fazer o que queira, e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a dizer o que não pense, a viver como não deseje, e a fazer o que não queira;
  • Direito à locomoção, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de ir e vir, dentro ou fora do território em que viva, para onde ou de onde quer que seja, e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a ficar onde não deseja ficar ou a se locomover para onde não deseja ir e, por fim, de não ser levado, contra sua vontade, para onde não deseja ir;
  • Direito à associação, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido de formar associações com qualquer pessoa que se disponha a participar da associação e de excluir da associação quem nela não for, por qualquer razão, desejado, e de não ser obrigado a participar de qualquer associação ou a aceitar, em associações sob seu controle, quem quer que seja;
  • Direito à ação em busca da felicidade, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de procurar ser feliz da forma que bem entenda, fazendo, para tanto, o que deseja fazer ou o que lhe interessa, satisfaz e faz feliz e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a procurar ser feliz de uma maneira particular;
  • Direito à propriedade, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de produzir qualquer bem ou de adquirir, por troca ou compra, qualquer bem que esteja disponível, para cuja produção ou aquisição tenha recursos, de não ser obrigado por terceiros a produzir ou adquirir qualquer bem, nem a trocar ou vender os bens que já possui, ou a deles se separar contra a sua vontade (incluindo por desapropriação, furto ou roubo), e de não ser privado de seus rendimentos, através de impostos, exceto para finalidades que considere justas e através de processos para os quais dê seu consentimento.

Em relação a esses direitos, é preciso observar, em primeiro lugar, que os direitos de um indivíduo só são limitados pelos direitos de outrem (vide a próxima seção para uma discussão mais detalhada).

Assim, meu direito de buscar a minha felicidade como bem entenda é limitado, por exemplo, não só pelo direito de outros de também buscar a deles, como, também, pelo direito de outros de não serem obrigados a fazer o que não queiram ou a se associarem a mim em minha busca, bem como pelo seu direito de preservar a sua integridade pessoal. Assim, meu direito de buscar a minha felicidade como entenda não me dá o direito de tentar obrigar alguém a, digamos, se casar comigo, porque só serei feliz em sua companhia. O direito que eu tenho é o de buscar a minha felicidade como bem entenda, respeitados iguais direitos dos outros. Nada deve me impedir de buscar a participação de outras pessoas em meu projeto de vida, mas, também, nada deve impedi-las de se recusar a participar, se assim houverem por bem.

É preciso observar ainda, em segundo lugar, que, como a liberdade que ajudam a definir, todos esses direitos são concebidos de forma negativa, como provam as expressões “não ser impedido de”, “não ser obrigado a”, etc., que aparecem em todos eles (tendo sido sublinhadas para destaque).

Os direitos individuais que definem a liberdade do indivíduo são, portanto, direitos negativos, porque, embora direitos de cada indivíduo, o único dever que seu exercício impõe a outros indivíduos é o dever negativo da não interferir. Se os outros indivíduos simplesmente não fizerem nada, estarão me garantindo o exercício de meus direitos. Uma pessoa respeita plenamente os direitos individuais de uma outra pessoa, portanto, quando não faz nada: quando não coloca a vida e a segurança desta pessoa em risco, não a obriga a agir, ou não a impede de agir.

Assim, se, por exemplo, o indivíduo tem direito à vida (parte do direito à integridade da pessoa), isso implica apenas que nenhum outro indivíduo, ou nenhuma organização, tem direito de lhe tirar a vida, ou mesmo de ameaçá-la ou de colocá-la em risco – só ele mesmo pode tirar sua vida ou colocá-la em risco. Esse direito, sendo negativo, não implica (exceto no caso de crianças ou dos que nascem ou se tornam incapacitados) que alguém (indivíduo, organização, ou o próprio estado) tenha o dever de lhe dar os meios de se manter vivo (terra, emprego, alimentação, atenção médica, educação, informações, conhecimentos, treinamento, etc.). Esses meios de subsistência é o próprio indivíduo que tem de prover para si próprio através de seu trabalho. (No caso de crianças, é responsabilidade dos pais, ou dos parentes, não do estado, prover esses meios de subsistência até que as crianças possam provê-los por si próprias; no caso dos que nascem incapacitados, é responsabilidade dos pais ter seguros que cubram essas eventualidades; no caso dos que se incapacitam, depois de adultos, por acidentes ou doenças, é responsabilidade deles mesmos ter seguros que cubram essas eventualidades).

Ainda outro exemplo. O direito à expressão só implica que ninguém pode impedir o indivíduo de pensar o que quer que seja (algo de resto impossível), de dizer o que pensa, de viver como deseja, de expressar sua individualidade como acha mais adequado. Esse direito, sendo negativo, não implica que alguém tenha o dever de lhe fornecer os meios de se exprimir (um fórum, um palanque, um microfone, uma coluna no jornal, etc.), ou de viver como deseja (roupas, moradia, meios de transporte, etc.). Esses meios é o próprio indivíduo que tem de conquistar por si mesmo.

Mais um exemplo (para deixar a questão tão clara quanto possível, embora ela já tenha sido discutida atrás). O direito à ação em busca da felicidade implica apenas que o indivíduo não deve ser impedido de buscar a felicidade na forma que ele julgar mais adequada. Esse direito não implica que alguém tenha o dever de fazê-lo feliz ou de garantir que ele esteja feliz. (Se o direito anterior é de mera expressão, algo que pode ser feito através da forma em que o indivíduo se veste, se penteia, se adorna, etc., aqui o direito é de ação efetiva, que envolve fazer o que queira [educar-se, treinar-se, etc.], trabalhar no que queira, sozinho ou com outros, criar empresas e outras instituições, etc.).

Por fim, mais um exemplo, o final. O direito à propriedade implica tão apenas o que foi descrito atrás. Não implica que alguém tenha o dever de prover ao indivíduo os bens de que necessita ou que deseja: essa é uma responsabilidade exclusivamente sua. Também é responsabilidade exclusivamente sua obter os recursos de que necessita para viver.

Sem o direito à propriedade, os outros direitos ficam esvaziados. Se eu não tenho o direito de propriedade sobre o fruto de meu trabalho, fica comprometido o direito à minha integridade pessoal, à minha expressão, à minha locomoção, à minha associação com outros, e à minha ação em busca da felicidade.

6. Restrições Legítimas aos Direitos Individuais

Como já assinalado, o Liberalismo é zeloso defensor da liberdade dos indivíduos e dos direitos individuais explicitados na seção anterior.

Essa liberdade é sempre concebida, porém, de forma negativa: o indivíduo é tão mais livre quanto menos ele é impedido, por terceiros, de realizar seus objetivos e desejos e quanto menos ele for obrigado, por terceiros, a agir de uma ou outra forma.

A única restrição legítima à liberdade e aos direitos do indivíduo que o Liberalismo admite é, como visto, aquela decorrente do princípio de que todos devem ser igualmente livres. A liberdade de um indivíduo só pode ser restringida, portanto, quando sua não restrição implique restrição indevida da liberdade de outrem. Em suma, a liberdade de um termina onde começa a do outro.

Como definir isso?

Em tese, usa-se um princípio (“regra de bolso”) bastante próximo da lei áurea negativa: não fazer aos outros o que não queremos que eles nos façam. Minha liberdade estará indevidamente interferindo com a liberdade de outrem, e, portanto, poderá ser restringida, se, estando em posição trocada, eu concluir que estará havendo interferência indevida com a minha liberdade. Mas transformar isso em regra objetiva pode ser complicado.

Digamos que eu resolva tocar pistão, sem surdina, à meia-noite, em um prédio de apartamentos, sem o necessário isolamento acústico. Seria essa ação uma interferência indevida com a liberdade dos meus vizinhos? Sim, se eu concluir que, fosse o tocador de pistão o meu vizinho, sua liberdade deveria ser restringida para não perturbar a minha liberdade de dormir (ou fazer qualquer outra coisa) sossegado.

Na prática, esses comportamentos acabam, em geral, sendo regulamentados de forma que todos consideram justa.

Mas pode haver situações em que a regulamentação não seja tão fácil.

Digamos que eu resolva tocar pistão, sem surdina, às dez da manhã, no mesmo prédio e nas mesmas condições. Só que tenho um vizinho que trabalha à noite e dorme de dia… O que fazer?

Ou, então, este caso, mais fácil. Freqüentemente encontramos pessoas que desejam, por exemplo, que as emissoras de televisão sejam censuradas pelo governo, para que não exibam programas que ferem sua sensibilidade, seu senso moral, seus valores (étnicos, nacionais, ou quaisquer outros). No entanto, como em geral há pessoas interessadas em assistir a esses programas, por mais escabrosos que sejam, a censura envolveria uma restrição da liberdade dessas pessoas de assistir ao que desejam assistir. Como o fato de um programa ser transmitido por uma emissora de televisão não obriga ninguém a sintonizar seu televisor naquele canal, e, portanto, não obriga ninguém a assistir ao que não quer, o liberal em regra se opõe a toda e qualquer censura à televisão (ou ao rádio ou à imprensa ou à Internet ou a qualquer meio de expressão ou de comunicação).

Os defensores da censura em geral apelam para o fato de que a transmissão desses programas objetáveis, em especial em horários nobres, torna possível que crianças assistam a eles, fato que pode causar nelas efeitos indesejáveis. O liberal responde dizendo que cabe aos pais definir aquilo a que seus filhos menores podem assistir na televisão e tomar as providências para que não assistam ao que não estão autorizados a assistir.

Outro exemplo, também de resolução teoricamente fácil – embora a solução adotada neste caso não tenha sido a que o Liberalismo recomenda. Recentemente (ano 2001), aqui no Brasil, a revista Playboy foi proibida, pela Justiça, de colocar na sua capa a foto de uma mulher virtualmente nua mas caracterizada como enfermeira (por estar usando um gorro branco com uma cruz vermelha). A Justiça, no caso, atendeu a um pedido do Conselho Nacional de Enfermagem (ou algo do gênero), que procurou argumentar que a foto denegria a imagem de enfermeiras. O liberal se opõe a essa decisão. São indivíduos que têm direitos, não categorias ou grupos. A única pessoa que poderia legitimamente objetar à publicação da foto seria a fotografada, e esta, longe de objetar, havia formalmente autorizado (por contrato) a sua publicação – na verdade, a única razão pela qual a foto foi tirada foi para ser publicada. Se alguma enfermeira, a posteriori, conseguisse argumentar que algum direito individual seu foi violado pela publicação da foto, poderia acionar a revista em juízo – mas é difícil imaginar como a publicação da foto poderia violar direitos individuais de outras pessoas que não a fotografada.

É possível chegar, no plano legislativo e jurídico, a soluções de compromisso em relação a essas questões: só transmitir os programas objetáveis após determinada hora, não vender revistas destinadas a adultos para crianças, etc. Mas o liberal prefere sempre que não se criem leis e regulamentações que façam aquilo que as pessoas deveriam estar fazendo por sua própria iniciativa: monitorando aquilo a que seus filhos menores assistem na televisão ou lêem nas revistas e jornais.

Quanto à televisão, é bem possível que a tecnologia, em breve, venha em ajuda daqueles que querem restringir aquilo a que seus filhos menores assistem na televisão, sem prejuízo dos outros, permitindo que a recepção de determinados canais, ou mesmo de determinados programas, em um dado aparelho televisor, seja controlada por senha.

7. Os Chamados Direitos Sociais [17]

O Liberalismo sempre foi um defensor ferrenho dos direitos individuais descritos na Seção 5. Estes, porém, não devem ser confundidos com os chamados “direitos sociais” propugnados pela Constituição Brasileira (que, nisso, imitou a Declaração de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, indo, porém, muito além do modelo).

Os chamados direitos sociais foram inventados há pouco tempo (é bom que se diga) por pensadores de esquerda, às vezes (mas nem sempre) bem intencionados, que procuraram argumentar que essa seria uma nova e moderna modalidade de direitos. São exemplos deles: o direito à educação escolar, o direito ao tratamento de saúde, o direito à seguridade, o direito à aposentadoria, o direito ao emprego, o direito a uma remuneração mínima e digna (mesmo na ausência de emprego), o direito à moradia, o direito ao transporte, e não sei quantos mais direitos (o número aumenta a cada dia e com assustadora rapidez). Afirmam eles que os direitos individuais (a que correspondem as liberdades negativas ou formais) defendidos pelos liberais de pouco valem sem esses novos direitos. Na verdade, alguns chegam a chamar os direitos de expressão, locomoção, associação, ação e propriedade de “direitos burgueses” – considerando essa expressão uma expressão altamente pejorativa.

Para o Liberalismo os chamados direitos sociais não são direitos, porque, não sendo formais ou negativos, impõem a terceiros deveres positivos que estes não assumiram livremente e que, portanto, violam o seu direito de agir e de dispor como preferirem de seus bens (no caso, de seus recursos financeiros), porque serão obrigados a arcar (com seus impostos) com o custo do atendimento a esses supostos direitos.

Argumentemos.

Se os chamados direitos sociais forem de fato direitos (como alegam os pensadores de esquerda), eles devem impor um dever correspondente sobre todos os seres humanos, em conjunto, e sobre cada um deles, individualmente. Assim, se alguém realmente tem direito a educação escolar e a tratamento médico, e não os está recebendo, alguém tem o dever de provê-los; se alguém tem direito a emprego e está desempregado, alguém tem o dever de lhe dar um emprego ou de lhe pagar uma remuneração digna à guisa de seguro desemprego (mesmo que ele nunca tenha feito tal seguro) ou à guisa de renda mínima que todo ser humano deve ter, mesmo que desempregado. Assim vai o argumento.

Mas quem é esse alguém que teria tais deveres? Você? Se alguém estiver com câncer ou com AIDS e bater à sua porta exigindo que você cumpra o seu dever de lhe dar tratamento médico, você reconhecerá esse seu dever e fará isso? Se alguém estiver desempregado e bater à sua porta exigindo que você cumpra o seu dever de lhe dar um emprego ou uma remuneração digna enquanto estiver desempregado, você reconhecerá esse seu dever e fará isso?

Dificilmente.

As pessoas, em geral, não reconhecem, em suas vidas privadas, que esses deveres existam e que recaiam sobre elas, individualmente. Entretanto, muitos alegam que esses deveres recaem sobre o estado (isto é, sobre o governo). É por isso que a gente vê, constantemente, os seguintes slogans: “Saúde/Educação/Transporte/etc.: direito do cidadão, dever do estado”. Dessa forma, atribuem-se ao estado funções além daquelas que o Liberalismo reconhece como legítimas, das quais o estado só se desincumbe (geralmente mal) confiscando recursos dos cidadãos, através de impostos e taxas, obrigando-os, assim, a custear atividades que podem não desejar custear e, portanto, violando a sua liberdade e o seu direito à propriedade dos seus recursos financeiros.

O governo não tem um centavo que não seja confiscado de você ou de mim – e confiscado quer dizer tomado pela força, pois, se não pagarmos nossos impostos, seremos presos. Assim, se é o governo que tem o dever de dar cobertura a todos os chamados direitos sociais, em última instância somos você e eu que estaremos fazendo isso, através de nossos impostos.

Você concorda com isso? Você acha que tem o dever de, além de pagar pela educação dos seus próprios filhos, pagar, através de impostos, pela educação dos filhos dos outros? Você acha que tem o dever de, além de pagar pelo seu próprio plano de saúde, pagar, através de impostos, pelo atendimento à saúde dos outros?

Pode ser que haja quem esteja disposto a fazer isso – mas pode ser, também, que nem você nem eu queiramos fazer isso, ou queiramos ser obrigados, mediante o uso da força, a fazer isso. Pode ser que você e eu concordemos que há muitas pessoas que, se receberem uma remuneração sem trabalhar, não vão procurar emprego muito seriamente. Pode ser que você e eu discordemos de um estatista (não confundir com estadista) como Cristóvam Buarque que acha que toda mulher com filhos, trabalhadora ou desempregada, deve ser remunerada, mesmo sem estar empregada, para que crie os filhos, até que eles passem de cinco anos, achando que, se mais esse suposto direito social vier a ser reconhecido, vai haver muita gente que vai fazer de ter filhos uma profissão (como já acontece nos Estados Unidos, em que mães solteiras recebem casa e alimentação gratuita do governo) – e que a conta vai bater no seu e no meu bolso…

Pode ser que Cristóvam Buarque acredite que não é o governo que deve remunerar  essas mulheres, sem que elas trabalhem, mas, sim, os empregadores dessas mulheres, caso elas estejam empregadas. Você acha isto justo?

Você pagaria o salário de sua empregada doméstica durante cinco anos (ou mais) enquanto ela fica na casa dela cuidando dos filhos dela de até cinco anos? Nesse período você vai ter de contratar outra empregada doméstica. Você acha justo pagar por duas e ter o serviço de apenas uma?

Se você for um pequeno empresário, e empregar várias mulheres, você pagaria os seus salários enquanto elas ficam em casa cuidando dos filhos delas de até cinco anos? Você teria recursos para tanto? Você acha justo ter de fazer isso?

Além disso, se o empregador tiver de arcar com essa obrigação, vai repassar o seu custo para você e para mim, seus clientes.

Para Cristóvam Buarque, porém, até mesmo mulheres desempregadas que tenham filhos pequenos (de até cinco anos) devem receber a remuneração. É óbvio que essa remuneração vai cair diretamente em cima de você e de mim.

Para o Liberalismo, os chamados direitos sociais não são direitos, porque eles impõem a terceiros (a você e a mim) deveres positivos, ou seja, o dever de agir de diferentes formas (e não apenas de não interferir), dever esse que viola a liberdade de ação e o direito à propriedade de seu próprio dinheiro dessas pessoas.

Não pode existir um direito que, para ser implementado, envolva a violação dos direitos individuais de outra pessoa – e, portanto, de suas liberdades básicas. É interessante observar que os defensores dos direitos sociais não se dêem conta dessa incongruência. O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), assinado em San Salvador, em 17 de novembro de 1988, pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), afirma, taxativamente, em seu Preâmbulo, que “as diferentes categorias de direito [incluindo os individuais, que ali são chamados de civis] constituem um todo indissolúvel . . . sem que jamais possa justificar-se a violação de uns a pretexto da realização de outros” [18].

Assim, se, como argumenta Ingo Wolfgang Sarlet (um defensor dos direitos sociais), os direitos fundamentais (que incluem os direitos sociais) devem ser vistos sob a ótica da unidade e da indivisibilidade [19], e, se, como argumenta Juarez Freitas, seu prefaciador, “os princípios fundamentais constituem-se mutuamente e jamais devem se eliminar” [20], então os chamados direitos sociais não podem ser reconhecidos como direitos – a menos que se negue a fundamentalidade dos direitos individuais.

Os únicos, portanto, que teriam direito de argumentar que os direitos sociais são direitos são os que estão dispostos a negar que os direitos individuais são direitos [21]. Poucos estariam dispostos a ir tão longe. Os defensores dos chamados direitos sociais preferem usar de estratagemas, como dizer que os direitos sociais protegem a liberdade real. Mas como podem proteger a liberdade real se violam a liberdade formal?

O Liberalismo não reconhece, portanto, esses direitos sociais.

Resumindo:

  • O chamado direito social à educação escolar não é um direito de a própria pessoa agir para buscar a educação que deseja, mas implica um suposto dever de alguém (diretamente ou através do governo) prover, através de escolas, educação ao titular do presumido direito;
  • O chamado direito social ao tratamento da saúde não é um direito de a própria pessoa agir para buscar a atenção à saúde que deseja, mas implica um suposto dever de alguém (diretamente ou através do governo) prover, através de centros de saúde, hospitais, laboratórios, etc. atendimento à saúde do titular do presumido direito.

E assim por diante.

Se for discutir todos os presumidos direitos sociais que têm sido inventados, cem páginas não bastariam para a discussão [22]. Daqui a pouco vão inventar um direito social à satisfação sexual de todos e, por conseguinte, criar um suposto dever de alguém (possivelmente o governo) criar bordéis públicos gratuitos para homens e mulheres que não encontrem formas de satisfazer suas necessidades e seus desejos sexuais mediante iniciativas privadas. Talvez, tamanho o absurdo, se crie um Ministério da Sexualidade – tenho até uma boa indicação para quem deva ocupá-lo. (Os únicos que sairiam ganhando, fosse minha indicação aceita, seriam os habitantes da capital de São Paulo – escrevo em 2002).

Os defensores dos chamados direitos sociais introduzem uma cunha entre a moralidade pessoal e a moralidade pública. Eles pretendem que seja justo que nós façamos, na esfera pública, através de nossos impostos, aquilo não achamos justo fazer na esfera pessoal [23].

Em nossa vida pessoal você e eu achamos que a sociedade não tem o dever de nos dar o que queremos ou aquilo de que julgamos necessitar. Sejam quais forem nossas circunstâncias individuais, você e eu concordamos que cada um de nós é responsável por obter os recursos necessários para adquirir aquilo que queremos ou de que julgamos necessitar. Somos responsáveis por ir atrás dos recursos que nos permitem viver hoje e nos permitirão viver amanhã. Somos responsáveis não só por fazer o que nos compete nos empregos e nas ocupações que nos remuneram, mas por arrumar e manter esses empregos e essas ocupações e por adquirir as competências e habilidades necessárias para exercê-los. Somos responsáveis por administrar bem os recursos que temos para que eles não venham a nos faltar. Isso inclui poupar parte desses recursos para emergências, fazer seguros, adquirir planos de aposentadoria, etc. Somos responsáveis não só por enviar nossos filhos para uma escola, mas por acompanhar o seu desenvolvimento, para ver se estão adquirindo as competências e as habilidades necessárias para viver as vidas que irão querer viver. Antes disso, somos responsáveis pela decisão de ter ou não filhos, porque a decisão de ter filhos nos obriga a investir tempo e dinheiro em sua educação. Em nossa vida pessoal não achamos que outras pessoas tenham o dever de nos dar aquilo que desejamos ou de que julgamos necessitar, de trabalhar para nós, de nos remunerar quando não pudermos trabalhar, ou de arcar com a criação e a educação dos filhos que resolvermos ter.

Mas aqui vem a esquizofrenia. Em nossa vida pública, muitos aceitam, pacificamente, a tese defendida pelas esquerdas de que nós temos, através de nossos impostos, de dar educação, saúde, pensão, terra, moradia, etc., para os outros. Pagamos pela educação de nossos filhos numa escola privada – e pagamos pela educação dos filhos dos outros em escolas públicas ineficazes e ineficientes; pagamos pelo nosso plano de saúde privado – e pagamos pela saúde dos outros em um sistema corrupto e incompetente de saúde. Pagamos pelo nosso plano de aposentadoria privado – e pagamos por um sistema de seguridade social corrupto e incompetente que não garante a nossa aposentadoria. Pagamos pelo terreno em que vamos construir a nossa casa e pela casa que construímos nele – e pagamos pelos terrenos e pelas casas dados a quem invade propriedade alheia.  E assim vai.

Os defensores do Liberalismo estão perfeitamente conscientes de que muitas vezes somos vítimas das circunstâncias e vamos a depender dos outros para nos colocar de pé novamente. Mas eles reconhecem que, em casos assim, estamos à mercê da generosidade alheia. Não se trata, nesses casos, de direito. Trata-se de generosidade – e não há como mascara-la pretendendo a existência de direitos no caso.

Os defensores dos chamados direitos sociais acham, no entanto, que algumas pessoas têm o direito de receber serviços e bens (educação, saúde, etc.) sem pagar por eles e que outras pessoas (você e eu) têm o dever de custear esses serviços e bens, através de seus impostos, queiram ou não, achem ou não que é seu dever moral fazê-lo, tenham ou não destino melhor a dar aos recursos que adquirem com o seu trabalho (que, afinal de contas, são delas, não do governo, por mais que o governo pense que pode lançar mão desses recursos ao seu bel-prazer).

Os defensores dos chamados direitos sociais insistem que mesmo que os recursos envolvidos nessa maciça transferência forçada e involuntária de recursos (por eles chamada de redistribuição de renda) fosse aplicada em filantropia por seus legítimos possuidores, o efeito não seria o mesmo, por se trataria, nesse caso, de assistencialismo, não de atendimento de um direito. O assistencialismo, segundo eles, reduz a auto-estima dos recipientes – enquanto fazer valer um direito supostamente a aumentaria. Ou seja, para não reduzir a auto-estima de quem não consegue se sustentar a si próprio, os defensores dos chamados direitos sociais não hesitam em violar os verdadeiros direitos de cidadãos produtivos e responsáveis [24].

Note-se que os defensores dos chamados direitos sociais não chegam a ter a desvergonha de dizer que tirar dinheiro de alguns, contra a sua vontade, para dar a outros, seja justo, sem maiores qualificativos. Inventaram, para se justificar, uma outra noção, tão espúria quanto a noção de direito social: a de justiça social. Justiça social, em outras palavras, nada mais é do que a velha injustiça. George Orwell ficaria encantado com a novilíngua das esquerdas.

Mas por que estariam as esquerdas dispostas a violar os direitos de outras pessoas e a manipular conceitos de forma tão evidente? Por convicção moral?

Disse atrás que esses chamados direitos sociais vieram sendo inventados, nos dois últimos séculos, por pensadores de esquerda, às vezes bem intencionados. Friso: às vezes, dando a alguns deles o benefício da dúvida. Na maior parte, porém, as esquerdas não têm nenhuma boa intenção. O que interessa às esquerdas não é o bem-estar alheio – mas a sua chegada ao poder. As esquerdas lutam o tempo todo para criar e aumentar impostos e para expandir o tamanho do estado porque elas se vêem na função de administradoras – distribuidoras – dos recursos gerados com os impostos. Depois de constatar que o Socialismo é totalmente incapaz na área da produção, as esquerdas descobriram que é muito melhor deixar o Capitalismo produzir os recursos – e elas os distribuírem!

É por isso que os socialistas estão deixando de ser vermelhos para ficar cor-de-rosa e os social-democratas estão procurando passar por liberais: porque a luta agora não é pela socialização (ou nacionalização) dos meios de produção, mas, sim, pela redistribuição da renda gerada por meios de produção razoavelmente (ainda que não inteiramente) livres.

Na sociedade idealizada pelas esquerdas, os que fracassam são recompensados – e os que são bem sucedidos são punidos com impostos cada vez mais elevados. E as esquerdas são aqueles que tiram de uns para dar para outros (sempre ficando com o seu quinhão no processo – afinal, ninguém é de ferro e todo mundo é filho de Deus, não é mesmo? Que o diga o Lulinha). Mas mais importante do que sua própria “remuneração” ao longo do processo redistributivo, é o poder que as esquerdas alcançam de restringir as nossas liberdades (para elas puramente burguesas) e de meter a mão em nossos bolsos [25].

8. O Liberalismo e o Atendimento aos Carentes e Necessitados

Os inimigos do Liberalismo geralmente procuram pintá-lo de cores negras, afirmando que os liberais são desalmados, que deixariam os pobres morrer de fome, de frio, ao desabrigo, sem atendimento médico, e que deixariam os mais necessitados sem casa, sem escolas, etc.

Nada mais falso.

Liberais convictos têm estado entre os maiores filantropos que este mundo já conheceu. Os liberais se preocupam, e muito, com a sorte dos pobres e dos necessitados. Os orfanatos, os asilos de velhos, as Santas Casas, as Casas de Saúde, etc., que até há bem pouco tempo eram as únicas formas de atender aos carentes e necessitados, não foram instituídos pelo estado e só recentemente passaram a contar com alguma subvenção governamental (contra a vontade daqueles que acham que apenas o governo deveria atender aos cidadãos). O Exército da Salvação, por exemplo, é uma iniciativa muito conhecida para merecer destaque.

Se iniciativas como essas têm ultimamente diminuído, a causa mais óbvia deve ser vista na reivindicação da esquerda de que é o estado que deve cuidar de tudo e na criação desenfreada de impostos e encargos para fazer face a essas novas funções do estado (que, ao tentar exercê-las, geralmente mal, acaba por negligenciar as suas funções reais, que têm que ver com a segurança física dos cidadãos).

Fica, portanto, claro que os liberais não se opõem ao atendimento dos carentes e necessitados. Muito pelo contrário. Opõem-se, isto sim, a que o estado faça isto, confiscando, pela força, o nosso dinheiro para fazê-lo. E a razão é simples: quando o estado atende aos carentes e necessitados, ele é obrigado a retirar dinheiro, mediante impostos e contribuições, dos indivíduos (e das empresas) para cumprir (e mal) suas funções. Assim obriga todos, mesmo os que não desejam contribuir (ou não desejam contribuir com as quantidades impostas), a ajudar os outros. O Liberalismo, zeloso defensor da liberdade, acredita que devemos ajudar os que precisam – mas voluntariamente. E que temos o direito de escolher aqueles a quem damos o nosso dinheiro.

Um exemplo que, entretanto, não envolve impostos, mas envolve a liberdade de ação, ilustra bem a diferença. Chamou a atenção de muita gente o fato de que o governo brasileiro, algum tempo atrás, fez passar uma lei que tornava todo indivíduo um doador de órgãos obrigatório, na hipótese de ser declarado legalmente morto. Os liberais, sem exceção, e mesmo muitos não liberais, se opuseram a essa lei. Isso não quer dizer que os opositores da lei fossem contra a doação de órgãos: muitos eram favoráveis, mas à doação voluntária. Opunham-se, corretamente, à obrigação de doar (caso não houvesse declaração em contrário). O certo teria sido a medida oposta, já em vigência por omissão: ninguém é doador – a menos que tenha expressamente declarado essa intenção.

A ajuda feita aos carentes e necessitados pela iniciativa privada geralmente é preferida, pela população, à suposta ajuda do governo. Ninguém que possa estudar nas escolas, por exemplo, da Fundação Bradesco prefere estudar na escola pública – embora em ambos os casos a pessoa nada pague.

O Liberalismo não é, nem de longe, insensível aos problemas sociais e defende todas as iniciativas feitas para resolvê-los que envolvam a participação voluntária das pessoas.

O Liberalismo se opõe a que o governo procure solucionar esses problemas, fundamentalmente porque, quando o governo intervém, ele obriga, pelo uso da força ou pela ameaça do uso da força, as pessoas a contribuir, mesmo contra a sua vontade, violando assim a sua liberdade e o seu direito à sua propriedade (recursos financeiros).

9. A Salvaguarda do Liberalismo: A Constituição Liberal

Para o Liberalismo, se não houver estado, e, por conseguinte, governo, é muito mais provável que sejamos coagidos por aqueles que são mais fortes do que nós. Por isso, o papel do estado é, através do governo, criar as condições para que não sejamos coagidos por terceiros. A única entidade a que se atribui o poder de coagir (uso da força) na sociedade é o estado.

Mas se o estado não tiver um freio, algo que eficaz e eficientemente o limite, sua tendência é acrescentar funções e, conseqüentemente, crescer até o ponto em que não tem mais nenhuma semelhança com o estado mínimo dos liberais. O Liberalismo vê essa garantia do Liberalismo, que freia o crescimento do estado, numa Constituição Liberal.

Assim, para que o governo não coaja mais do que é necessário, precisa ser rigidamente controlado por uma Constituição Liberal e constantemente monitorado pela população. Como disse Thomas Jefferson, o preço da liberdade é a eterna vigilância. Ou, como disse Edmund Burke, a única coisa necessária para que o mal triunfe é nada fazerem os homens de bem.

A Constituição, para ser liberal, deve garantir a todos os cidadãos os direitos individuais mencionados atrás, que devem ser considerados como se fossem naturais, ou (como preferem alguns) concedidos por Deus, sendo inalienáveis e imprescritíveis, não podendo, portanto, ser revogados, suspensos, violados, transigidos ou restringidos nem mesmo pelo governo. A Constituição deve dispor claramente, em cláusula pétrea, inalterável, que o governo não poderá jamais fazer nenhuma lei que revogue, suspenda, viole, transija ou restrinja esses direitos.

A Constituição Liberal é, portanto, a garantia do estado liberal.

A Constituição Brasileira está longe de ser liberal – talvez seja a mais anti-liberal de todas as constituições vigentes hoje em dia. A Constituição Americana é o melhor modelo de constituição liberal que temos – e mesmo ela não conseguiu impedir que o estado americano ficasse tão inflado a ponto de se tornar irreconhecível como estado liberal.

O que torna a Constituição Americana peculiar é que grande parte dela (a chamada “Carta de Direitos” [“Bill of Rights”], que apareceu inicialmente na Constituição do Estado de Virginia, redigida em 1776), é gasta limitando os poderes do estado diante do indivíduo – isto é, especificando um conjunto de áreas em que o estado (no caso, o governo) está terminantemente proibido de interferir pela legislação.

Assim, o Congresso Americano se vê impossibilitado de exercer sua fúria legislativa em inúmeras áreas. Se legislar, a legislação provavelmente será declarada inconstitucional com presteza pelo poder judiciário americano.

Mas não pode o Congresso Americano alterar a Constituição? O processo de alteração constitucional nos Estados Unidos é extremamente complicado. A Constituição Americana levou cerca de dez anos (de 1781 a 1791) para ser formulada, o período mais importante sendo o da Convenção Constitucional de Filadélfia (que durou quatro meses, de Maio a Setembro de 1787). Os quatro anos restantes, de 1787 a 1791, foram gastos tentando obter a ratificação dos treze estados, o que só aconteceu em 1791 (embora a Constituição, em si, tenha entrado em vigor em 1789, quando ainda faltava a ratificação de North Carolina [ratificou em 1790] e Rhode Island [ratificou em 1791]).

Para facilitar a ratificação dos estados, a Constituição aprovada pelo Congresso já veio com dez emendas aprovadas pelo Congresso em Setembro de 1789 – que caracterizam a chamada “Carta de Direitos” (Bill of Rights). Todas elas foram aprovadas por pelo menos três quartos dos estados até Dezembro de 1791.

Uma pequena alteração na Constituição Americana pode levar anos e até décadas para entrar em vigor, porque, para ser considerada, a proposta de emenda constitucional deve vir referendada por dois terços dos estados ou por dois terços dos votos das duas casas do Congresso. Independentemente da forma em que é proposta, a emenda constitucional, caso aceita pelo Congresso, tem de ser referendada pelos legislativos ou por convenções constitucionais de três quartos dos estados americanos para entrar em vigor. Assim, a menos que haja quase absoluto consenso sobre a medida, é extremamente difícil alterar a Constituição Americana. Ela é a “lei acima da lei”, a norma através da qual as outras leis são julgadas, o conjunto de princípios básicos que nem o governo consegue alterar com facilidade. Uma constituição assim faz, hoje, o papel que o direito natural exerceu no passado.

E a Constituição Americana é relativamente simples (especialmente quando comparada com a nossa): tem apenas sete artigos, quando não se incluem as emendas, que, impressos, compreendem cerca de onze páginas. Todas as emendas não compreendem mais do que outro tanto (as dez emendas originais compreendendo apenas duas páginas). Depois de um breve preâmbulo (“We the people…”), o primeiro artigo trata do Congresso, o segundo do Executivo, o terceiro do Judiciário, o quarto dos estados da federação, o quinto do procedimento a ser adotado no caso de emendas, o sexto de disposições gerais e transitórias e o sétimo do processo de ratificação da própria Constituição.

10. Implicações Básicas do Liberalismo

Resumindo, o Liberalismo tem as seguintes características básicas:

  • Quando aplicado à área política, o Liberalismo sustenta a tese de que o melhor estado é o que menos governa, e, portanto, de que um estado menor é melhor do que um estado maior – respeitadas as funções básicas do chamado “Estado Mínimo”;
  • Quando aplicado à área econômica, o Liberalismo sustenta a tese de que a livre iniciativa das pessoas no atendimento de suas necessidades, na busca de seus interesses e na tentativa de satisfazer os seus desejos (que, no coletivo, é o que caracteriza o mercado) é o melhor regulador da atividade econômica, e que o estado deve, portanto, se abster de envolvimento na economia, tanto no que diz respeito à produção como no que diz respeito à distribuição de riquezas, ou mesmo à regulamentação do processo;
  • Quando aplicado à chamada área social, o Liberalismo sustenta a tese de que é a iniciativa privada que deve prover, com exclusividade, serviços e eventualmente bens na área da educação, da saúde, do trabalho, da seguridade social, de infra-estrutura, do meio ambiente, etc. O estado deve se abster não só de prover serviços e bens nessas áreas como de regulamentar (através de legislação e normatização) as atividades que nelas são exercidas pela iniciativa privada;
  • Quando aplicado à área educacional, o Liberalismo sustenta as seguintes teses:
    • Sendo a educação um caso especial da área social, é a iniciativa privada que deve prover, com exclusividade, serviços e eventualmente bens na área da educação, devendo o estado se abster não só de prover serviços e bens nessa área como de regulamentar (através de legislação e normatização) as atividades que nela são exercidas pela iniciativa privada;
    • Sendo o provimento de serviços e bens educacionais pela iniciativa privada uma forma não-diferenciada de participação no mercado, é perfeitamente legítimo que esse provimento seja cobrado daqueles que dele vão se beneficiar, sendo um contra-senso a noção de que a educação deve ser gratuita;
    • Embora a educação seja um bem que, em tese, todos deveriam perseguir, ninguém deve ser obrigado a buscar nem mesmo o seu próprio bem, tese essa que tem como corolário a não-obrigatoriedade da educação;
    • Dada a diversidade que existe entre as necessidades, os interesses e os desejos dos seres humanos, e dado o respeito que o Liberalismo tem pela liberdade individual, é sob todos os aspectos conveniente que as pessoas e instituições que se dedicam a educar respeitem essa diversidade e essa liberdade, sendo, portanto, incompatível com os princípios liberais a existência de um só tipo de escola, um só tipo de currículo, uma só metodologia de aprendizagem, um só ritmo a que todos os aprendentes devem se adequar.

Na área educacional o Liberalismo defende a tese de que o governo deve se abster de toda e qualquer tentativa de atuar diretamente, ministrando educação, ou de regular ou de qualquer forma intervir na educação.

O Liberalismo se opõe ainda a que o governo obrigue os cidadãos a freqüentar a escola, não se opondo a que as famílias eduquem seus filhos em casa ou através de tutores, ou mesmo não os eduquem, se assim hão por bem.

Como medida de temporária e de transição, alguns liberais, como Milton e Rose Friedman, têm proposto que o governo dê “vouchers” (vales) às famílias que permitam que estas escolham a escola em que desejam colocar seus filhos, mesmo que particular. George W. Bush hoje favorece esta medida nos Estados Unidos.

No que diz respeito à educação, pode-se perceber, por esse breve resumo, que o Liberalismo é, em princípio, contrário a teses como a da obrigatoriedade da educação e a do dever do estado de oferecer educação (mesmo que não gratuita). Para o Liberalismo, não é função do estado oferecer nem mesmo regulamentar a educação, que só deve ser regulada pelo mercado. Por aí se vê que o Liberalismo se contrapõe a alguns dos principais movimentos e tendências da educação atual. O Progressivismo e o chamado Movimento da Escola Nova, por exemplo, embora compatíveis com o Liberalismo em vários aspectos, não são liberais na medida em que encampa(ra)m a luta pela escola pública.

11. Liberalismo e Anarquismo

Poder-se-ia imaginar, porém, que o ordenamento social mais compatível com a preservação da maior liberdade possível do indivíduo fosse aquele em que não existisse estado – ou seja, o ordenamento social em que as pessoas se auto-governassem sem necessidade de instituições políticas (governos). Os liberais afirmam que o melhor governo é aquele que governa menos; os anarquistas vão além e afirmam que o melhor governo é aquele que não governa. A alternativa anarquista tem sempre tido uma atração especial para os liberais. A única razão pela qual os liberais rejeitam a alternativa anarquista é que o Liberalismo tem uma visão razoavelmente pessimista da natureza humana (em relação à visão da natureza humana pressuposta pelos anarquistas). Os liberais acreditam que, sendo a natureza humana o que é, não é possível preservar a liberdade dos indivíduos sem um estado que defenda o indivíduo contra violações de sua liberdade por outros indivíduos, que sirva de árbitro para julgar desavenças entre indivíduos, e que se ocupe em defender a liberdade dos seus cidadãos contra agressões externas.

Essas funções do estado, relacionadas com a proteção dos indivíduos uns contra os outros (função policial), com a arbitragem de desavenças (função judicial) e com a proteção dos indivíduos contra agressão externa (função militar), tudo isso com base em regras básicas e mínimas de convivência, são, portanto, para os liberais, necessárias e legítimas, indispensáveis para a preservação do máximo de liberdade possível para os indivíduos no ordenamento social. Sem um estado que as desempenhe, os indivíduos ficarão presa fácil dos mais fortes ou mais espertos, tanto dentro como fora da comunidade em que vivem.

Mas não sendo otimista em relação à natureza humana, o liberal também não o é em relação ao estado, que é gerido por seres humanos, e, assim, ao mesmo tempo que reconhece a necessidade do estado, procura limitar drasticamente as suas funções e colocar um freio aos seus poderes (através de uma constituição que basicamente garanta os direitos básicos do indivíduo, que são constitutivos de sua liberdade, e terminantemente proíba o estado de, através de legislação, revogar, suspender, violar, transigir ou restringir esses direitos).

Tendo definido aquelas três como funções necessárias e legítimas do estado, os liberais vão, portanto, além e sustentam que elas são as únicas funções que o estado deve exercer.

É preciso registrar, aqui, que, na relação indivíduo-estado, tanto o Liberalismo como o Anarquismo são implacáveis defensores da liberdade do indivíduo. Para ambos a liberdade do indivíduo é o bem supremo. Ambos estão unidos, portanto, em relação ao objetivo final: a maximização da liberdade do indivíduo. Divergem, entretanto, quanto aos meios de alcançar esse objetivo maior. Os anarquistas acreditam que a não existência do estado é a melhor forma de maximizar a liberdade do indivíduo, visto que consideram possível a vida social regulada apenas pelos próprios indivíduos, voluntariamente, sem necessidade de um poder maior que os coaja ou submeta a coerção. Os liberais, menos otimistas (ou mais realistas) em relação à natureza humana, acreditam que, sem um estado que garanta a liberdade de todos os indivíduos, essa liberdade tende, facilmente, a se reduzir e, eventualmente, a desaparecer. Liberais e anarquistas concordam, portanto, em relação ao fim: divergem apenas em relação aos meios. Na luta contra as outras filosofias políticas tendem a ficar do mesmo lado.

Nada impede, porém, que indivíduos possam livremente se associar para a consecução de objetivos comuns, e que, com esse propósito, resolvam juntar seus esforços e suas propriedades, no que poderia ser chamado, por não estar o estado de modo algum envolvido, de “Socialismo Anarco-Comunitário”. Essa forma de convivência e organização social é perfeitamente compatível com os princípios liberais aqui descritos.

12. O Liberalismo e a Questão da Segurança

Mas se Liberalismo defende que o atendimento a carentes e necessitados deve ser feito pela iniciativa privada, porque não, também, a segurança interna e externa? Por que atribuir ao estado essa função?

Alguns críticos do Liberalismo têm procurado demonstrar que há uma incongruência na posição do liberal. Para ser coerente, afirmam, o Liberalismo não deveria defender a tese de que é função do estado prover segurança aos seus cidadãos: deveria, isto sim, defender a tese de que também a segurança pode e deve ser prestada através de agentes privados.

A aceitação dessa sugestão acabaria reduzindo o Liberalismo ao Anarquismo. Não resta dúvida de que a tese é, de certo modo, atraente para o liberal. Todo liberal suspeita do estado, e, portanto, se conseguisse se convencer de que até mesmo o estado mínimo pode ser dispensado, o faria – e se tornaria um anarquista.

Para o liberal, os anarquistas, de um lado, e, de outro lado, em menor ou maior grau, os social-democratas e socialistas, têm algo em comum: a confiança na bondade natural do ser humano.

Os anarquistas acham que todo ser humano possui essa inclinação natural para o bem, e que, deixados sós, sem estado, os seres humanos conseguirão resolver suas divergências pacificamente, sem recurso à força.

Os social-democratas e os socialistas, por outro lado, não acreditam na bondade natural de todos: acreditam apenas que aqueles no poder são dotados de inclinações altruístas e de maior perspicácia, combinação que os tornam capazes de agir em benefício alheio com recursos de terceiros. Por isso, confiam-lhes seu dinheiro (recolhido por impostos e taxas) para que os burocratas do estado previdenciário ou socialista o distribuam pelos carentes (sem embolsar nada…).

O liberal não acredita na bondade natural do ser humano. Acredita, sim, que, para que os seres humanos vivam em sociedade, é necessário que se submetam a normas consensualmente aceitas (leis) que viabilizem a vida em sociedade e que alguma instituição detenha o monopólio do uso da força para prevenir e punir a violação dessas normas [26]. O liberal acha que esse órgão que tem o monopólio do uso da força não pode ser privado, porque, se o fosse, poderia haver vários deles, concorrendo entre si, e o que teríamos é uma série de milícias particulares que poderiam até mesmo chegar ao confronto. Por isso o liberal acredita que o estado deve existir, mas ser mínimo: deve prover segurança (função judicial, policial e militar) e nada mais. Sem segurança, não há convivência social livre – e é a liberdade que o liberal preza acima de tudo.

Por isso, é errado atribuir ao Liberalismo a tese de que o estado é um mal necessário (como até mesmo um grande liberal como Roberto Campos de vez em quando faz). Para o liberal o estado, desde que corretamente concebido e dimensionado, é um bem necessário.

13. Liberalismo, Social-Democracia e Socialismo

Assim, se o Liberalismo se distingue, de um lado, do Anarquismo, por defender a necessidade do estado, distingue-se, de outro, tanto da Social-Democracia como do Socialismo, por negar, contra a primeira (Social-Democracia), que o estado deva ter funções sociais (na área da educação, saúde, trabalho, seguridade social, infra-estrutura, meio ambiente, etc.) ou funções reguladoras da atividade econômica (definindo normas que restrinjam ou ordenem a liberdade dos agentes econômicos), e, contra o segundo (Socialismo), que o estado deva, ou possa, ter participação direta e ativa na economia (como detentor, total ou mesmo parcial, dos meios de produção). Assim, os liberais sustentam que o estado não deve ter funções sociais nem, muito menos, funções econômicas, na sociedade, restringindo-se suas funções às três apontadas atrás: a função policial, a função judicial e a função militar.

Os grandes inimigos do Liberalismo são as filosofias políticas que procuram aumentar as funções do estado. Dentre estas, as duas principais são a Social-Democracia e o Socialismo (já mencionados).

Na verdade, é plausível argumentar que, do outro lado das trincheiras, o Socialismo representa, em relação à Social-Democracia, a mesma função que o Anarquismo representa em relação ao Liberalismo. Do lado do Anarquismo o estado é reduzido a nada – do lado do Socialismo sua função é inflada de tal forma que o estado passa a ser tudo (nada do que acontece na sociedade está fora da esfera de alcance do estado). Didaticamente, portanto, é mais fácil entender a Social-Democracia depois de compreender o Socialismo.

O Socialismo, como o Liberalismo, é uma filosofia política que se tornou popular principalmente no século XIX, embora tenha importantes antecedentes no século XVIII e mesmo antes. O Socialismo defende a tese de que o estado deve controlar ao máximo a sociedade (“governar o máximo possível”), planejando, de forma centralizada, toda a atividade econômica, chegando até mesmo ao ponto de ser proprietário de todos os meios de produção, e, portanto, ficando na posição não só de planejador, mas, também, de executor da atividade econômica. Nesta formulação radical, a propriedade privada dos meios de produção seria terminantemente proibida num regime socialista: todo trabalhador seria, em princípio, um funcionário público que faria apenas aquilo que o estado determinasse. A remuneração dos trabalhadores seria fixada levando em conta as necessidades do indivíduo, não a sua capacidade, produtividade, ou mesmo o número de horas que dedicasse ao trabalho. O princípio consagrado na Crítica do Programa Gotha (já citado [27]) é: “De cada um segundo as suas habilidades; a cada um segundo as suas necessidades”. Como se supõe que as necessidades dos indivíduos sejam basicamente semelhantes, não haveria maiores diferenciais na escala salarial, não importa que trabalho o indivíduo fizesse nem qual fosse a sua habilidade ou produtividade ao realizá-lo [28].

Colocado, assim, nesta forma crua, o Socialismo dificilmente seria atraente, porque parece plausível imaginar que, quanto mais se aumentem as funções do estado, tanto menor se torna o espaço reservado à liberdade dos indivíduos – e, normalmente, os indivíduos prezam a sua liberdade. A estratégia usada pelo Socialismo para enfrentar essa dificuldade tem sido argumentar que há bens maiores do que a liberdade. Entre esses bens maiores destacam-se as assim chamadas igualdade e justiça social (que, na verdade, em última instância acabam sendo a mesma coisa para os socialistas [29]). Argumentam os socialistas que o Liberalismo, ao enfatizar a liberdade, inclusive na área econômica, deixa a porta aberta para o surgimento de desigualdades econômicas e, conseqüentemente, sociais (algo que, de resto, nenhum verdadeiro liberal jamais negou). Sustentam, ainda, que essas desigualdades são injustas [30] – colocando-se, portando, como defensores da justiça (que freqüentemente qualificam denominam de justiça social, para distingui-la da “velha justiça”, segundo a qual o justo seria dar a cada um o que lhe é devido em função de que fez).

Os liberais, embora admitam que sistemas políticos liberais produzam grandes desigualdades econômicas e sociais, negam que essas desigualdades sejam, por isso, necessariamente injustas – segundo o conceito tradicional de justiça. Assim, dourando a pílula, o Socialismo defende a tese de que o estado, como detentor de todos os meios de produção, não poderia deixar de ser, também, o grande agente na área social, provendo aos cidadãos (gratuitamente) os serviços e bens necessários nas áreas da educação, da saúde, da seguridade social, do transporte, da moradia, da infra-estrutura, etc. Assim todos os indivíduos teriam, basicamente, acesso aos mesmos serviços e bens na área social, havendo, portanto, além de igualdade econômica, igualdade social.

Exceto pelo uso da força bruta, a única forma que o Socialismo encontrou de persuadir os indivíduos a abrirem mão de suas liberdades, assim permitindo a implantação do ideário socialista, foi prometendo-lhes um bem supostamente maior: a igualdade (econômica e social) e, com ela, a justiça (qualificada de social). Historicamente, porém, todas as vezes que se tentou implantar o Socialismo, a liberdade individual não foi apenas reduzida: foi totalmente eliminada (União Soviética a partir de 1917, Leste Europeu depois da Segunda Guerra Mundial, Cuba, a partir de 1960, etc.). A sede de liberdade, entretanto, parece ser maior, nos indivíduos, do que o desejo de igualdade. Os últimos quinze anos parecem ter provado isso (escrevo em 2002).

A Social-Democracia pretende ser uma forma mais branda de Socialismo: um Socialismo parcial e democrático, que, como tal, mantém uma quantidade módica de liberdade. A Social-Democracia abre mão da propriedade de todos os meios de produção pelo estado e mesmo da tese do planejamento centralizado de toda a economia. A Social-Democracia alega que deixa a produção, tanto quanto possível, nas mãos da iniciativa privada, só intervindo no setor produtivo para regulamentá-lo, em especial em seus aspectos distributivos, e para suprir lacunas ou omissões (áreas em que a iniciativa privada não teria interesse). O que realmente interessa à Social-Democracia é a chamada distribuição das riquezas produzidas pela atividade econômica, ainda que privada, algo que ela se propõe fazer através de legislação tributária que rotula de “progressista”. (É interessante notar que os social-democratas geralmente falam em “redistribuição das riquezas”, como se o mercado houvesse feito uma primeira distribuição que agora, em nome da justiça social, é preciso corrigir).

O ideário da Social-Democracia inventou um sem número de conceitos e mecanismos para convencer os indivíduos de que devem, democraticamente (isto é, sem que seja necessário fazer uso da força bruta), concordar em abrir mão de parte de seus bens (dinheiro) em benefício dos “desfavorecidos”, das vítimas das “injustiças sociais”, assim colaborando para a criação de uma sociedade mais igualitária e menos injusta. A democracia social inventou a tese de que ninguém é realmente livre enquanto é pobre e criou um sem número de “direitos sociais”: direito à educação, à saúde, ao trabalho, à seguridade social, ao transporte, à moradia, etc.

Registre-se, aqui, que a aceitação da Social-Democracia pode até se fazer sem força bruta (tanques, fuzis, “Gulags”, “paredóns”, etc.), mas certamente não se faz sem força – como qualquer cidadão que decidir não pagar impostos destinados a funções estatais que ele considera indefensáveis facilmente descobrirá, como o fez Henry David Thoreau, no século passado, nos Estados Unidos.

14. O Liberalismo Posicionado

Apresento a seguir um esquema de como posiciono o Liberalismo em relação a outras tendências de filosofia política que com ele concorrem: Anarquismo, Social-Democracia, Socialismo e Comunismo.

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Chamo de esquerda as posições ou tendências que estão à esquerda do centro nessa linha, e de direita as que se situam do lado oposto. A Social-Democracia tenta, a meu ver, ficar com um pé na esquerda e outro na direita, sendo centrista. Se acrescentarmos o Neo-Liberalismo à direita da Social-Democracia, colocaremos a Social-Democracia na centro-esquerda e o Neo-Liberalismo na centro-direita.

O critério básico que determina o posicionamento de uma tendência à esquerda, à direita ou ao centro é, a meu ver, o seguinte: Quem tem mais – ou mais importantes – funções na sociedade: o estado (governo) ou a iniciativa privada? O posicionamento das várias tendências de filosofia política mais à esquerda ou mais à direita nesse espectro depende exclusivamente de como cada tendência se posiciona diante dessa questão. Na extrema direita está a tendência que atribui maior importância à iniciativa privada, o Anarquismo. Na extrema esquerda está a tendência que atribui mais importância ao estado (governo), o Comunismo. As outras três tendências estão distribuídas entre essas duas.

15. Implicações do Posicionamento Sugerido

A. Liberalismo e Totalitarismo (Nazismo, Fascismo, Comunismo)

Marxistas vão certamente estranhar e refugar o critério usado no posicionamento, especialmente em função dos “parentescos” que ele produz. Regimes ditatoriais que aumentaram consideravelmente a presença do estado na sociedade, como é o caso da Alemanha nazista e da Itália fascista, certamente ficarão bem à esquerda no espectro proposto. Embora os marxistas se recusem a aceitar essa proximidade, apontando, às vezes, para o fato de que foram os comunistas da União Soviética que acabaram tendo papel decisivo na queda do Terceiro Reich, não resta dúvida de que a Hitler e Stalin assinaram pacto de não-agressão (violado por Hitler e não por Stalin) e controlavam estados em que o governo se intrometia em quase todos os aspectos da vida social.

B. Liberalismo e Autoritarismo (Ditadura Militar Brasileira)

Marxistas brasileiros também vão refugar a conclusão, embutida no esquema, de que o governo militar brasileiro, no período de 1964 a 1984, por eles considerado como de direita, fica, no espectro, à esquerda, visto que o governo, durante o regime militar, se intrometia em quase todos os aspectos da vida social brasileira. Considerando o Liberalismo, como consideram, uma tendência de direita na filosofia política, e considerando o governo militar como também de direita, os marxistas tendem a concluir, erroneamente, que o governo militar estaria mais próximo do Liberalismo do que do Socialismo.

Equivocam-se os marxistas neste caso (como em outros). O Liberalismo, como já observado, tem na liberdade o seu conceito essencial e mais importante.

Na área política, nenhum governo brasileiro foi menos liberal do que o governo militar (com exceção, talvez, do governo Vargas durante os anos do Estado Novo). Os direitos individuais foram sistematicamente violados durante o governo militar, a liberdade de expressão, associação, locomoção e ação política foi drasticamente reduzida, a integridade (física e emocional) e a segurança das pessoas foram desrespeitadas ao extremo – tudo isso fazendo com que o governo militar dos anos 1964 a 1984 seja classificado como, no plano político e social, o menos liberal dos governos que o Brasil já teve (repito, com a possível exceção do governo Vargas no Estado Novo).

Na área econômica, o governo militar foi um governo que interveio diretamente na economia, agindo como empresário, decretando monopólios e áreas estratégicas, fazendo reservas de mercado, controlando e manipulando taxas de câmbio e inflação, procurando seduzir, quando não subornar, o empresariado para parcerias que basicamente eliminavam o livre funcionamento do mercado. Embora a retórica do governo militar fosse, no plano político, anti-comunista, em nenhum período da história do Brasil a presença do estado na economia cresceu tanto quanto durante o governo militar. Também na área econômica, portanto, é impossível considerar o governo militar como liberal.

Na área social, a presença do estado nas áreas da educação, da cultura, da saúde, da seguridade social, da infra-estrutura (minas e energia, transporte, moradia, comunicações, etc.), só cresceu durante o governo militar. Os espaços reservados para a livre iniciativa privada diminuíram consideravelmente. Assim, também aqui é impossível considerar o governo militar como liberal.

Por fim, na área da educação, o governo baixou, de forma autoritária, uma reforma da educação superior (Lei nº 5540/68) e da educação básica (Lei nº 5692/91). Através de Atos Institucionais e vários decretos restringiu a liberdade de professores e estudantes, aposentou arbitrariamente professores, e expulsou alunos das escolas. Também aumentou consideravelmente o número de universidades federais, expandiu o ensino público na área da educação básica, criou programas governamentais de alfabetização de adultos (MOBRAL, por exemplo) e de ensino supletivo. Estendeu a faixa etária em que a escolaridade era obrigatória para oito anos (sete a quatorze anos). Se permitiu o crescimento do ensino superior privado, fê-lo às custas da autonomia deste, que ficou atrelado ao Ministério da Educação e ao então Conselho Federal da Educação. Nenhuma dessas medidas é de natureza liberal.

É forçoso concluir, portanto, que a ditadura militar brasileira nos anos de 1964 a 1984 era qualquer coisa menos liberal. Se o Liberalismo fica à direita do espectro que definimos, o governo militar brasileiro precisa ficar no extremo oposto. Na realidade, o controle que ele exerceu sobre a política, a economia e a sociedade brasileira foi de tal monta que ele fica em boa companhia ao lado de regimes totalitários como o nazista, na Alemanha, o fascista, na Itália, e o comunista, na União Soviética, no Leste Europeu e em outros países de menor importância (Coréia do Norte, Cuba, Vietnam, etc.) – que, no entanto, foram muito mais violentos.

C. Liberalismo e Social-Democracia Brasileira (Governo de FHC)

O Presidente Fernando Henrique Cardoso (escrevo em 2002), ex-socialista, hoje social-democrata, têm sido rotulado de neo-liberal pela esquerda brasileira. Ele próprio fez uma tímida tentativa de negar, dizendo-se neo-social, não neo-liberal. Esta é uma das poucas afirmações do Presidente com a qual concordo. As iniciativas que lhe valeram o ódio da esquerda socializante foram, principalmente, as que envolveram a venda de empresas estatais. Ora, se a conceituação que fizemos está correta, o governo FHC, ao vender as estatais, está, na realidade, procurando dizer ao povo que o Presidente, anteriormente socialista, está vindo mais para o centro, na direção da Social-Democracia, em que a participação do estado na setor produtivo não é considerada essencial. Em nenhum momento, porém, o governo FHC deixou de propugnar por um ativo envolvimento do estado na área social e por sua ativa participação na distribuição das riquezas produzidas e na regulamentação do setor produtivo. Por isso, o rótulo de “neo-social” é muito mais apropriado do que o de “neo-liberal”. Liberal, sem qualificativos, é algo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso absolutamente não é.  (Muito menos o Presidente Lula – digo-o revisando o texto em 2006).

D. Liberalismo e Conservadorismo

O Liberalismo é sempre identificado, pela esquerda, com o Conservadorismo. Especialmente nos Estados Unidos, o Liberalismo tem sido associado, por seus oponentes, com o fundamentalismo religioso protestante de muitos estados do Sul, com sua visão teocrática da sociedade e seu moralismo autoritário.

Dois comentários breves são necessários sobre essa questão.

Primeiro, o Liberalismo, ao defender a liberdade e o direito de as pessoas buscarem sua felicidade como o desejarem, desde que, naturalmente, respeitem os iguais direitos dos demais, é uma filosofia política laissez-faire e, portanto, não-autoritária e não moralista. Assim, está muito distante dos fundamentalistas religiosos com sua moral sexual rígida e autoritária, com sua oposição ao aborto, com sua crítica ao homossexualismo, com sua negação da liberdade humana.

Segundo, o Liberalismo defende a liberdade e os direitos individuais. Se se trata de um contexto que preza a liberdade e os direitos individuais, então certamente o Liberalismo tem todo interesse em conservá-lo. Mas se o contexto é, como nos Estados Unidos e o Brasil hoje, predominantemente orientado para restringir a liberdade e violar os direitos individuais das pessoas, em nome da igualdade, o Liberalismo, longe de ser uma força conservadora, é uma força revolucionária (da mesma forma que o foi na época das monarquias absolutas que sufocavam a liberdade dos indivíduos por não lhes reconhecer os direitos políticos que dão sustentação à liberdade). Condorcet, na época da Revolução Francesa, afirmou que “a palavra ‘revolucionário’ só pode ser aplicada a revoluções cujo objetivo é a liberdade” [31]. Se ele está certo, não há nada tão revolucionário quanto o Liberalismo.

16. Ensaio Bibliográfico e “Webgráfico”

Como mencionado no início deste trabalho (Nota 5), considero como fazendo parte do “primeiro time do Liberalismo” seis autores: Adam Smith e Thomas Jefferson, entre os clássicos, e Ludwig von Mises, Friedrich August von Hayek, Milton Friedman, e Ayn Rand, entre os contemporâneos (dois dos quais foram agraciados com o Prêmio Nobel de Economia: von Hayek e Friedman, em 1974 e 1976, respectivamente).

Considero como fazendo parte do “segundo time do Liberalismo” (do mesmo nível que o primeiro) mais seis autores: John Locke e John Stuart Mill, entre os clássicos, e Karl Raymund Popper, Murray Newton Rothbard, Robert Nozick, e Charles Murray, entre os contemporâneos.

Doze, ao todo.

Vou procurar aqui fazer referência aos trabalhos de cada um que sejam relevantes ao tema deste artigo. Em seguida, procurarei listar os principais web sites dedicados à obra de cada um (quando houver).

A principal obra de Adam Smith (1723-1790), publicada em 1776, é An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, traduzida para o Português como A Riqueza das Nações. O texto completo desse livro, em Inglês, em formato html, pode ser encontrado na Internet, em mais de um lugar, mas um bom texto é o que se encontra no site http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/smith/wealth/index.html. A data de publicação desse livro coincide com a data da Independência dos Estados Unidos e com a data da morte de David Hume (1711-1776), melhor amigo de Adam Smith e, como ele, escocês. Eu me interessei por Adam Smith a partir da leitura das cartas entre ele e David Hume, filósofo sobre o qual escrevi minha tese de doutoramento.  O outro livro bastante conhecido de Adam Smith, publicado dezessete anos antes, é The Theory of Moral Sentiments (1759). Esse livro pode ser encontrado, em Inglês, em formato html, no mesmo site: http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/smith/moral.html.

Thomas Jefferson (1743-1826), autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e terceiro presidente daquele país, deixou um importante legado liberal. Embora ele tenha alcançado fama mais como uma figura pública do que como um filósofo político, deixou um livro (Notes on the State of Virginia [32]) e uma grande quantidade de documentos (panfletos, cartas, projetos de lei e anotações) que revelam suas idéias – dos quais a Declaração de Independência é apenas o mais famoso [33]. Entre os panfletos (na verdade uma conjunto de instruções destinadas aos representantes de Virginia à primeira reunião do Congresso Continental que iria ter lugar em Filadélfia em Setembro daquele ano – e que se reuniu, na verdade, de 5 de Setembro a 26 de Outubro) se encontra A Summary View of the Rights of British America (1774 [34]), o primeiro trabalho publicado de Jefferson e geralmente considerado um precursor da Declaração de Independência. Como membro do Congresso de Virginia Jefferson apresentou vários projetos de lei, em especial o Bill for Establishing Religious Freedom (apresentado em 1779 e adotado em 1786 [35]) e o Bill for the More General Diffusion of Knowledge (apresentado também em 1779, mas nunca adotado [36]). Jefferson, que além de Presidente dos Estados Unidos, foi Embaixador na França, Secretário de Estado (de George Washington, primeiro Presidente dos Estados Unidos), e Senador da República, teve grande participação política em seu estado natal, Virginia, onde foi Governador e membro da Assembléia Estadual. Quando era, em 1785, Ministro Plenipotenciário dos Estados Unidos na França, para firmar acordos comerciais com a França e os demais países europeus, Benjamin Franklin, então Embaixador Americano na França, se aposentou e Jefferson assumiu seu lugar, ocupando o cargo até Outubro de 1789, e, portanto, estando na França por ocasião do início da Revolução Francesa [37]. Finalmente, no final de sua vida Jefferson foi o idealizador e fundador (ou, como ele preferia, “o pai”) da Universidade de Virginia, bem como seu primeiro Reitor [38]. A dimensão intelectual de Jefferson pode ser aquilatada pela observação, certamente jocosa, mas nem por isso menos verdadeira, de John Kennedy, quando disse, em um jantar que a Casa Branca ofereceu a ganhadores do Prêmio Nobel, que ali estava “a coleção mais extraordinária de talento e conhecimento humano que jamais foi possível reunir na Casa Branca – com a possível exceção das ocasiões em que Thomas Jefferson ali jantou sozinho” [39]. Pode-se dizer que ele foi, além de estadista e filósofo, advogado, jurista, biólogo, astrônomo, arquiteto, desenhista, agrimensor, e músico [40].

A obra de Ludwig von Mises (1881-1973), hoje tido como a principal figura da chamada Escola Austríaca de Economia, é vastíssima. Destaco, neste contexto, o incomparável Human Action: A Treatise on Economics (Yale University Press, New Haven, 1949; a 3ª edição, revista e definitiva, foi publicada em 1966, por Henry Regnery Co., e reimpressa por Contemporary Books, Chicago) e as duas obras mais didáticas, Socialism: An Economic and Sociological Analysis (originalmente publicado em Alemão em 1922, sob o título Die Gemeinwirtschaft: Untersuchungen über den Sozialismus; segunda edição, revista, em 1932, tradução para o Inglês de J. Kahane, distribuída por Liberty Classics, Indianapolis, 1979) e Liberalism – in the Classical Tradition (originalmente publicado em Alemão em 1927, sob o título Liberalismus, traduzido para o Inglês por Ralph Raico, publicada em 1962; a terceira edição é distribuída pelo Institute of Humane Studies, New York; a tradução brasileira é de Haydn Coutinho Pimenta e tem o título de Liberalismo Segundo a Tradição Clássica, e foi publicada pela José Olympio Editora em convênio com o Instituto Liberal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1987). O texto de Human Action, em Inglês, no formato pdf, pode ser encontrado no site http://www.mises.org/humanaction/pdf/humanaction.pdf. O texto de Socialism, em Inglês, no formato html, pode ser encontrado no site http://www.econlib.org/library/Mises/msSContents.html. O texto de Liberalism, em Inglês, no formato pdf, pode ser encontrado no site http://www.mises.org/liberal/liberalism.pdf. É uma injustiça que Ludwig von Mises não tenha ganho um Prêmio Nobel de Economia, como aconteceu com os dois outros (Friedrich August von Hayek e Milton Friedman).

De Friedrich August von Hayek (1899-1992), Prêmio Nobel de Economia em 1974 (vide  http://www.nobel.se/economics/laureates/1974/hayek-cv.html), aluno de Ludwig von Mises, destaco, para a finalidade presente, The Road to Serfdom (1944, The University of Chicago Press, Chicago, reimpresso inúmeras vezes, com um novo Prefácio do autor em 1976; a edição brasileira, traduzida por Anna Maria Copovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro, foi publicada, com o título O Caminho da Servidão, pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1990), The Constitution of Liberty (1960, The University of Chicago Press, Chicago; a edição brasileira, traduzida por Anna Maria Copovilla e José Ítalo Stelle, foi publicada, com o título Os Fundamentos da Liberdade, pela Editora Universidade de Brasília, em convênio com a Editora da Revista Visão, Brasília e São Paulo, 1983), e Law, Legislation and Liberty: A New Statement of the Liberal Principles of Justice and Political Economy, em três volumes: I – Rules and Order; II – The Mirage of Social Justice; III – The Political Order of a Free People (The University of Chicago Press, Chicago, 1973; a edição brasileira, traduzida por Anna Maria Copovilla, José Ítalo Stelle, Manoel Paulo Ferreira e Maria Luiza X. de A. Borges, foi publicada, com o título Direito, Legislação e Liberdade: Vol. I – Normas e Ordem, Vol. II – A Miragem da Justiça Social, Vol. III – A Ordem Política de um Povo Livre, pela Editora da Revista Visão, São Paulo, 1985).

Milton Friedman (1912- ), também Prêmio Nobel de Economia, em 1976 (vide http://www.nobel.se/economics/laureates/1976/friedman-autobio.html), comemora 90 anos no momento em que estou escrevendo este trabalho (2002). Dele destaco, para a finalidade presente, Capitalism and Freedom (The University of Chicago Press, Chicago, 1962, 1982), (com sua mulher, Rose D. Friedman) Free to Choose: A Personal Statement (Harcourt, Brace & Co., New York, 1980), traduzido para o Português como Liberdade de Escolher (Editora Record, Rio de Janeiro, s.d.), e (também com sua mulher, Rose D. Friedman) Tyranny of the Status Quo (Harcourt Brace Jovanovich, New York, 1983, 1984). Vale a pena também consultar Milton e Rose D. Friedman, Two Lucky People: Memoirs (The University of Chicago Press, Chicago, 1998, 1999), que é a autobiografia do casal.

Ayn Rand (1905-1981) é uma romancista-filósofa nascida na Rússia, mas que escreveu toda sua obra literária e filosófica nos Estados Unidos. Vide, a respeito dela, meu site http://www.aynrand.com.br. Ela se tornou famosa, nos Estados Unidos e, depois, mundialmente, com seus romances The Fountainhead (Macmillan Publishing Company, New York, 1943) e Atlas Shrugged (Random House, New York, 1957) – traduções brasileiras, respectivamente, de Beatriz Viégas-Faria, sob o título A Nascente (Editora Ortiz e Ateneu Objetivista, Porto Alegre, 1993), e de Paulo Henriques Britto, sob o título Quem é John Galt? (Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1987). O título do primeiro livro em Espanhol é mais sugestivo do conteúdo da obra: El Manancial. Na área de Filosofia Política seus principais livros são coletâneas de artigos: The Virtue of Selfishness e Capitalism: The Unknown Ideal. O primeiro está traduzido para o Português como A Virtude do Egoísmo (tradução de Online-Assessoria em Idiomas, revisão de Winston Ling e Cândido Mendes Prunes, Editora Ortiz, Porto Alegre, 1991). Os dois romances de Ayn Rand já venderam mais de 50 milhões de cópias. O primeiro foi transformado em filme em 1949, estrelado por Gary Cooper e Patricia Neal. O segundo deve ser transformado em mini-série de TV, mas as negociações aparentemente andam complicadas.

Na perspectiva clássica, dois outros nomes importantes na história do Liberalismo precisam ser mencionados, um do século XVII, outro século XIX, para contrabalançar os dois do século XVIII já mencionados (Adam Smith e Thomas Jefferson): John Locke e John Stuart Mill.

John Locke (1632-1704) é, de certo modo, o pai do Liberalismo. Seus principais livros, neste contexto, são The Second Treatise on Civil Government (The Library of Liberal Arts, Indianapolis, 1952), originalmente publicado em 1690, e A Letter Concerning Toleration, originalmente publicada em 1689. O texto do primeiro livro, em Inglês, junto com o do primeiro tratado, pode ser encontrado, em formato pdf, no site http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/locke/government.pdf. O texto do segundo livro, em Inglês, pode ser encontrado, também em formato pdf, no site http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/locke/toleration.pdf.

John Stuart Mill (1806-1873) defende teses liberais – junto de outras não tanto… (Von Mises, von Hayek e Rand o castigam como socialista!) Mas eu tenho uma dívida pessoal com ele: minha iniciação ao Liberalismo se deu, em 1966, ao ler o seu famoso On Liberty, hoje distribuído por The Library of Liberal Arts (Indianapolis), originalmente publicado em 1859. Há tradução brasileira desse livro sob o título Da Liberdade (Ibrasa, São Paulo, 1963). O texto desse livro, em Inglês, no formato txt, pode ser encontrado no site http://www.constitution.org/jsm/liberty.txt. Vide também Principles of Political Economy, with Some of their Applications to Social Philosophy, originalmente publicado em 1848, e Considerations on Representative Government, originalmente publicado em 1861, do qual há tradução brasileira sob o título Considerações sobre o Governo Representativo (Editora da Universidade de Brasília, Brasília, 1980). O texto do primeiro livro, em Inglês, no formato html, pode ser encontrado na Internet no site http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/~econ/ugcm/3ll3/mill/prin/index.html, e o texto do segundo livro, também em Inglês, no formato txt, pode ser encontrado no site http://eserver.org/philosophy/mill-representative-govt.txt. Também relevante é o texto The Subjection of Women, originalmente publicado em 1869. O texto desse livro, em Inglês, no formato html, pode ser encontrado no site http://etext.library.adelaide.edu.au/m/m645s.

Na perspectiva atual, outros importantes autores liberais são Karl Raymund Popper, Murray Newton Rothbard, Robert Nozick e Charles Murray.

Os principais livros de Karl Popper (1902-1994) neste contexto são The Open Society and Its Enemies (Routledge & Kegan Paul, London, 1945 – 2 vols) e The Poverty of Historicism (Routledge & Kegan Paul, London, 1957 – originalmente publicado em  Economica, 1944-1945). Meu orientador de doutorado, William Warren Bartley III (1934-1990), foi orientando – e discípulo amado – de Popper, tendo ficado como seu testamenteiro intelectual (função que exerceu até sua morte prematura, em 1990). Bartley foi também testamenteiro intelectual de von Hayek.

Os principais livros de Murray Newton Rothbard (1926-1995) neste contexto são Man, Economy, and State: A Treatise on Economic Principles (Ludwig von Mises Institute, Auburn, AL, 11962, 1970, 1993), com quase mil páginas, For a New Liberty: The Libertarian Manifesto (Collier Books, New York, 1973, 1978), e Education: Free and Compulsory (Ludwig von Mises Institute, Auburn, AL, 1999, originalmente publicado em The Individualist, April e July-August de 1971).  Vide também sua provocante coletânea de ensaios, Egalitarism as a Revolt Agains Nature – and Other Essays (2nd Ed., Ludwig von Mises Institute, Auburn, AL, 1974, 2000).

O principal livro de Robert Nozick (1938-2002) neste contexto é Anarchy, State and Utopia (Basic Books, New York, 1974; tradução brasileira de Ruy Jungmann, publicada sob o título Anarquia, Estado e Utopia (Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1991). Outros importantes livros de sua autoria são The Nature of Rationality (Princeton University Press, Princeton, NJ, 1993), The Examined Life: Philosophical Meditations (1990) e Invariances: The Structure of the Objective World (2001).

Os principais livros de Charles Murray (1943-  ) neste contexto são What It Means to Be a Libertarian: A Personal Interpretation (Broadway Books, New York, NY, 1997, 1998) e In Pursuit of Happiness and Good Government (1988, 1994).

Há sites na Internet especialmente dedicados a quase todos esses autores.

Para John Locke e Adam Smith vide o site de The LockeSmith Institute at Valmont University (http://www.belmont.edu/lockesmith/index.html).

Para John Locke, em particular, vide o site de The Locke Foundation (http://www.johnlocke.org).

Para Adam Smith, em particular, vide o site de The Adam Smith Institute (http://www.adamsmith.org.uk).

Para Thomas Jefferson, vide o site Thomas Jefferson Digital Archive (http://etext.lib.virginia.edu/jefferson).

Para John Stuart Mill, vide o site de The John Stuart Mill Institute (http://websites.ntl.com/~julian.wates/JSMI_Site).

Para von Mises, vide o site de The Ludwig von Mises Institute (http://www.mises.org) e o da Foundation for Economic Education (http://www.fee.org).

Para von Hayek, vide o site de The Hayek Center for Multidisciplinary Research (http://www.hayekcenter.org).

Para Friedman, vide o site de The Milton & Rose D. Friedman Foundation (http://www.friedmanfoundation.org).

Para Rand vide o site de The Ayn Rand Institute – The Center for the Advancement of Objectivism (http://www.aynrand.org) e o de The Objectivist Center (http://www.theobjectivistcenter.org).

Para Popper, vide The Karl Popper Web (http://www.eeng.dcu.ie/~tkpw/).

Para Rothbard, vide o site de The Center for Libertarian Studies (http://www.libertarianstudies.org), fundado por ele, e o site Murray Rothbard: Archives (http://www.lewrockwell.com/rothbard/rothbard-arch.html).

Para Nozick e Murray, não encontrei nenhum site específico, mas uma busca em http://www.google.com oferece inúmeras referências a eles. Nozick faleceu recentemente. Murray está vivo.

Por fim, o leitor interessado não deve deixar de ver o site de The Mont Pelérin Society, criada por von Hayek, em http://www.montpelerin.org.

Os livros dos autores do século XX (von Mises, von Hayek, Friedman e Rand) podem ser facilmente adquiridos online na Laissez Faire Books (http://www.laissezfairebooks.com). Os clássicos (Adam Smith e outros) podem ser adquiridos de The Liberty Fund (http://www.libertyfund.org), a preços altamente convidativos, em edições primorosas. O leitor interessado em livros de autores liberais pode também consultar The Libertarian Press (http://libertarianpress.com). Para os livros de Ayn Rand, a consulta obrigatória é The Ayn Rand Bookstore (http://www.aynrandbookstore.com).  Amazon Books (http://www.amazon.com) e Barnes and Noble (http://www.bn.com) têm, naturalmente, todos eles.

Notas

[1] NOTA ACRESCENTADA EM 18/03/2018, quando da publicação deste artigo no blog do autor, intitulado Liberal Space, na URL https://liberal.space. A primeira versão deste artigo foi escrita ao longo do ano 2000 e, em alguns trechos, aproveitou material que eu havia escrito anteriormente. Essa primeira versão foi usada como base para o seminário mencionado Nota 3. Subsequentemente, meus colegas José Claudinei Lombardi e José Luís Sanfelice resolveram publicar em forma de livro as diversas contribuições apresentadas no seminário e me pediram para revisar minha primeira versão, incorporando, tanto quanto possível, questões levantadas na discussão. O resultado é esta versão que aqui apresento e que, sem esta primeira nota, foi publicada no livro, organizado pelos dois professores, com o título Liberalismo e Educação em Debate (Autores Associados, Campinas, 2007), pp.1-60. É para facilitar o acesso a este material que o publico, agora, neste meu blog, que contém vários outros materiais que ampliam e aprofundam algumas das questões aqui discutidas. Neste blog também é possível encontrar os artigos mencionados na Nota 4 e na Nota 29, ambos publicados na revista Pro-Posições, editada pela Faculdade de Educação da UNICAMP, instituição da qual eu tive o privilégio de ser Diretor, primeiro Associado, depois Titular, em seus primórdios, de 1976 a 1984, em dois mandatos de quatro anos. O texto não foi alterado para esta publicação do artigo em meio digital, com a exceção de pequenos acréscimos, colocados entre colchetes, depois da indicação “EC-2018:” e de pequenas correções que removem imperfeições estilísticas e não afetam o conteúdo.

[2] Ph.D., Universidade de Pittsburgh, Pittsburgh, EUA, 1972, Professor Titular (aposentado a partir de 2007) do Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, onde trabalhou desde 1974. Consultor do Instituto Ayrton Senna (IAS), São Paulo, SP, e da Microsoft Corporation, Redmond, WA (EUA).

[3] O artigo procura reconstituir, tanto quanto possível, um seminário que dei, com o mesmo título do artigo, para os membros do Grupo de Pesquisa HISTEDBR, da Faculdade de Educação da UNICAMP, no dia 29 de março de 2001, na Sala da Congregação da Faculdade. O grupo resolveu discutir o Liberalismo em seminários mensais ao longo do ano de 2001 e tive o privilégio de ser o primeiro apresentador, embora não pertença ao grupo.

[4] Pro-Posições, vol. 8, nº 2 [23], Março de 1999, pp. 43-57. Esse artigo foi entregue para publicação cerca de dois antes da data que saiu na capa da revista, Março de 1999 – e mais de quatro anos antes da data em que o número de Março de 1999 efetivamente foi publicado (Junho de 2001).

[5] Nesse sentido, não posso deixar de registrar minha apreciação aos organizadores do seminário mencionado na Nota 3 e deste livro, por terem me convidado a participar. Fazendo isso, impediram que mais um livro sobre o Liberalismo fosse publicado sem que nele estivesse presente a voz de um defensor do Liberalismo. É verdade que me sinto meio assim como (se me perdoam a analogia) negro em festa de branco no sul racista dos Estados Unidos: evidência (“token”) de uma tolerância que é mais simbólica.

[6] Considero esses seis (Adam Smith, Thomas Jefferson, Ludwig von Mises, Friedrich August von Hayek, Milton Friedman, e Ayn Rand) o “primeiro time do Liberalismo”: dois clássicos e quatro contemporâneos (entre os quais, dois Prêmios Nobel de Economia: von Hayek e Friedman). Mas meu elenco tem um “segundo time” (do mesmo nível que o primeiro), também composto de seis membros – de novo, dois clássicos e quatro contemporâneos: entre os clássicos, John Locke e John Stuart Mill; entre os contemporâneos, Karl Raymund Popper, Murray Newton Rothbard, Robert Nozick, e Charles Murray. Doze, ao todo. Vide o Ensaio Bibliográfico e “Webgráfico”, no final deste artigo, para referências à obra desses autores e a sites dedicados a promover essa obra. Incluo Mill apesar de ele haver em muitos aspectos abandonado o Liberalismo – e, por isso, atraído a ira de von Mises, von Hayek e Rand (entre outros).

[7] Muitos vão discordar de minha afirmação de que os “liberais” americanos sejam social-democratas. Há quem argumente até mesmo que a Social-Democracia inexiste nos Estados Unidos. Certamente há diferenças entre a Social-Democracia americana e a Social-Democracia européia. Entre outras razões, porque nos Estados Unidos o Socialismo nunca foi uma opção real – muito menos o Socialismo Marxista-Leninista (Comunismo) e, portanto, a Social-Democracia americana não apareceu como uma alternativa democrática ao Socialismo. Mas, como espero venha a ficar evidente adiante, faz sentido chamar a posição – o Tertium Quid – que fica entre o Liberalismo e o Socialismo de Social-Democracia. Vide, a esse respeito, Sidney Hook, Leszek Kolakowski, Seymour M. Lipset e Michael Harrington, A Social-Democracia nos Estados Unidos (Coleção Pensamento Social-democrata, Instituto Teotônio Vilela, Brasília, 1999), e Seymour Martin Lipset e Gary Marks, Por que não Vingou? História do Socialismo nos Estados Unidos (Coleção Pensamento Social-democrata, Instituto Teotônio Vilela, Brasília, 2000). Vide, também, adiante, minha tentativa de fazer uma distribuição das várias tendências da Filosofia Política num continuum, apresentada adiante neste artigo.

[8] Sobre o Libertarianismo vide o site Libertarian.org (http://www.libertarian.org) e o site do Partido Libertário americano (http://www.lp.org). O candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Libertário nas eleições de 2000 foi Harry Browne (vide http://www.harrybrowne2000.org).

[9] O principal livro de John Rawls é A Theory of Justice (Harvard University Press, Cambridge, MA, 1971). Outros livros de John Rawls são citados na Nota 22.

[10] O uso dos termos “esquerda” e “direita” é controvertido, mas útil. O termo “esquerda” pode ser tomado, aqui, em seu sentido mais convencional, que abarca posições que vão da Social-Democracia até o Comunismo, passando pelo Socialismo que se pretende democrático, posições essas que dão mais ênfase à igualdade econômica do que à liberdade.

[11] Ao revisar o texto (em 2006) fui forçado a incluir a menção do fato de que o próprio governo Lula vem sendo considerado neo-liberal.

[12] Apesar de Erich Fromm (Escape from Freedom [Rinehart & Co., New York, 1941], tradução brasileira de Octávio Alves Velho, sob o título Medo à Liberdade, [Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1960, 3ª ed., 1964]) dizer que o homem tem medo da liberdade, eu, pessoalmente, tenho plena convicção de que a liberdade é o bem maior que o homem almeja. Por isso coloquei como moto deste artigo a linda passagem de Patrick Henry: “Não sei quanto aos outros, mas no que me diz respeito, ou tenho liberdade, ou prefiro a morte” (“I know not what course others may take; but as for me, give me liberty or give me death!”). Essa passagem vem de seu famoso discurso de 23 de março de 1775, às vésperas da Revolução Americana, e seu texto completo pode ser encontrado em http://libertyonline.hypermall.com/henry-liberty.html. A principal razão pela qual a liberdade é o bem supremo do homem está no fato de que a liberdade é conditio sine qua non para qualquer outra coisa que ele queira fazer. Embora seja inegável que a liberdade seja condição necessária para qualquer coisa que o homem queira fazer, ela certamente não é condição suficiente. Para conseguir fazer o que queremos, precisamos, além de liberdade, motivação, ambição, capacidade, circunstâncias, oportunidades, recursos, sorte… Algumas dessas coisas independem de nós, mas a maioria está, ou pode vir a estar, sob nosso controle. É interessante que, enquanto Patrick Henry disse “Liberdade ou Morte!”, Dom Pedro I, quase 50 anos depois, teria dito “Independência ou Morte!”. Independência, no caso, significava apenas o corte dos laços entre Brasil e Portugal – não significava, necessariamente, liberdade para o povo, que poderia continuar, como continuou, sob um governo que não reconhecia, como o americano, os direitos individuais básicos da pessoa humana.

[13] A máxima de que “melhor é o governo que menos governa” é geralmente atribuída a Thomas Jefferson. Cp. Samuel Eliot Morison, The Oxford History of the American People (Oxford University Press, New York, 1965), p. 313.

[14] Walter Williams, More Liberty Means Less Government: Our Founders Knew This Well (Hoover Institution Press, Stanford, 1999). A despeito do título, esse livro não é uma análise histórica do pensamento dos fundadores da república americana, mas, sim, uma aplicação do princípio a questões da atualidade.

[15] Estou chamando de direitos individuais o que alguns autores chamam de direitos civis e outros de direitos naturais. A terminologia às vezes fica complicada, especialmente depois de a expressão “direitos humanos” (com outro sentido) ter se tornado corrente, mas o que tenho em mente ficará explícito no texto. Cumpre esclarecer aqui que os direitos individuais não devem ser confundidos nem com o que alguns autores chamam de direitos políticos (direito de ser representado politicamente, direito de votar e ser votado, direito de exercer cargos públicos, etc.) nem, muito menos, com os chamados direitos sociais (que serão discutidos adiante e que, como se verá, às vezes são diferenciados em direitos econômicos, direitos sociais [propriamente ditos] e direitos culturais). Os direitos políticos são direitos legítimos, mas já estão incluídos, para o Liberalismo, dentro dos direitos individuais. A expressão direitos humanos geralmente se refere a todo tipo de direito (incluindo os individuais, os políticos, e os sociais). Alguns autores introduzem novos conceitos, que complicam ainda mais a discussão. Ingo Wolfgang Sarlet, em A Eficácia dos Direitos Fundamentais (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2ª edição revista e atualizada, 2001), fala também em direitos fundamentais, dando o seguinte esclarecimento (que reflete sua ótica de jurista): “Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)” (p.33).

[16] Há autores que, de forma resumida, reduzem os direitos aqui listados a três. Na Declaração de Independência dos Estados Unidos Thomas Jefferson lista os seguintes: o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade (Life, Liberty and the Pursuit of Happiness). Hanna Arendt menciona o direito à vida (que inclui segurança), à liberdade (que inclui expressão, locomoção, associação e busca da felicidade), e à propriedade. (Vide Hannah Arendt, On Revolution [The Viking Press, New York, 1963, 1965], pp. 24,123). Em outros contextos tenho usado essa formulação mais sucinta. Esses três direitos já haviam sido afirmados pelo Congresso Continental das Colônias americanas, em sua primeira reunião, em Filadélfia, em Setembro/Outubro de 1774 (vide Noble E. Cunningham, Jr, In Pursuit of Reason: The Life of Thomas Jefferson [Ballantine Books, New York, 1987], p. 31). A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa lista quatro direitos: à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência à opressão (“Ces droits sont la liberté, la propriété, la sûreté et la résistance à l’oppression”). Obviamente, não se trata de “economizar” na lista de direitos. Se fosse esse o caso, bastaria listar o direito à liberdade, que inclui todos os demais, até mesmo o direito à vida, à busca da felicidade, à propriedade e à resistência à opressão.

[17] Estou aqui usando a expressão para me referir, de forma genérica, a todos os presumidos direitos positivos, incluindo os que a ONU chama de “direitos econômicos, sociais e culturais”, bem como os que na literatura às vezes são chamados de “direitos de segunda, terceira e quarta geração” (ou “dimensão”). Sigo, nesse aspecto, a Constituição Brasileira, que denominou também de sociais os presumidos direitos econômicos e culturais. Para os vários pronunciamentos da ONU e de outros organismos internacionais sobre o assunto, vide Oscar Vieira Vilhena, Organizador, Direitos Humanos: Normativa Internacional (Max Limonad, ILANUD, São Paulo, 2001). Para uma discussão exaustiva das várias gerações de direitos, vide Ingo Wolfgang Sarlet, op.cit., especialmente pp. 48-66.

[18] Oscar Vieira Vilhena, op.cit., p. 282.

[19] Ingo Wolfgang Sarlet, op.cit., p.49.

[20] Ingo Wolfgang Sarlet, op.cit., p.15

[21] Cp. David Kelley, A Life of One’s Own (Cato Institute, Washington, DC, 1998), Cap. 5, pp. 91-118. Para os que assim argumentam, a liberdade não é um direito fundamental que possa se contrapor ao dever ético – e altruístico – da benevolência.

[22] As discussões mais interessantes dos chamados direitos sociais, na perspectiva de quem acredita neles e está disposto a defendê-los (embora sem sucesso, na minha opinião), se encontram, a meu ver, na obra de John Rawls, Ronald Dworkin e Amartya Sen (este, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998). Para Ralws, vide A Theory of Justice (Harvard University Press, Cambridge, MA, 1971; tradução brasileira de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves, sob o título Uma Teoria da Justiça [Martins Fontes, São Paulo, 2000]); Political Liberalism (Columbia University Press, New York, 1993; tradução brasileira de Dinah de Abreu Azevedo, com revisão técnica de Álvaro de Vita, sob o título O Liberalismo Político [Editora Ática, São Paulo, 2ª edição, 2000); Justice as Fairness: A Restatement (Harvard University Press, Cambridge, MA, 2001); e a coletânea de artigos, organizada por Catherine Audard, publicada originalmente em Francês, Justice et Démocratie (Editions du Seuil, Paris, 1978; tradução brasileira de Irene A. Paternot, sob o título Justiça e Democracia [Martins Fontes, São Paulo, 2000]). Para Dworking, vide Taking Rights Seriously (Duckworth & Company, London, 1977); A Matter of Principle (Harvard University Press, Cambridge, MA, 1985; tradução brasileira de Luís Carlos Borges, sob o título de Uma Questão de Princípio [Martins Fontes, São Paulo, 2000]); e Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality (Harvard University Press, Cambridge, MA, 2000). E, finalmente, para Sen, vide especialmente Development as Freedom (Random House, New York, 1999; tradução brasileira de Laura Teixeira Motta, revisão técnica de Ricardo Doninelli Mendes, sob o título Desenvolvimento como Liberdade [Companhia das Letras e Instituto Ayrton Senna, São Paulo, SP, 2000, 2001]); On Economic Inequality (Clarendon Press, Oxford, 1973, edição expandida e com um anexo co-autorado por James E. Foster, 1997); Inequality Reexamined (Russell Sage Foundation e Harvard University Press, New York e Cambridge, MA, 1992); e Rationality and Freedom (Harvard University Press, Cambridge, MA, 2002). Mesmo o liberal Charles Murray se sente obrigado a reconhecer o direito à educação: vide What It Means to Be a Libertarian: A Personal Interpretation (Broadway Books, New York, NY, 1997, 1998).

[23] Cp. David Kelley, op.cit., pp. 1-2.

[24] “Se um estranho aparecesse em nossa casa exigindo que lhe déssemos um lugar para morar, ou que pagássemos as suas contas médicas, ou que déssemos uma contribuição para o seu fundo de aposentadoria ou para a educação de seus filhos – se ele exigisse isso como uma questão de direito, independentemente de nós querermos ou podermos ajudá-lo, e sem sentir qualquer obrigação de nos agradecer pela ajuda – nós ficaríamos justificadamente ofendidos. Nós reconheceríamos sua ação como um ato de monumental presunção. No entanto, na vida pública, aceitamos essas exigências naturalmente. Os beneficiários dos programas de bem-estar social, e aqueles que falam por eles, apresentam suas necessidades como se elas fossem um cheque emitido contra a fazenda pública, isto é, contra os membros produtivos da sociedade, que são os que pagam impostos. Às vezes eles não são atendidos porque o governo não tem dinheiro para atendê-los; às vezes, porque o governo não acha que deva atender a essa demanda nesse momento. Mas raramente essa pretensões de direito são contestadas com base em sua ilegitimidade. Nos debates sobre a questão social assume-se, sem questionar, a tese de que as necessidades dos recipientes têm precedência sobre os direitos dos produtores: aqueles com a habilidade de produzir têm o dever de servir, e os que têm necessidade têm o direito de exigir.” Cp. David Kelley, op.cit., p. 2 [minha tradução]. Apesar do enorme fracasso do Comunismo, continuamos a aceitar, sem maiores protestos, o princípio: “De cada um segundo as suas habilidades, a cada um segundo as suas necessidades”. A fórmula se encontra na primeira seção da Crítica do Programa Gotha. Vide “Critique of the Gotha Program”, em Marx & Engels: Basic Writings on Politics and Philosophy, editado por Lewis S. Feuer (Doubleday & Company, Inc., Anchor Books, New York, 1959), p.119. O programa criticado foi o do congresso unido dos dois partidos socialistas alemães que se realizou em Gotha em 1875. A melhor crítica que eu conheço desse princípio marxiano está em Ayn Rand, em seu monumental romance Atlas Shrugged (Random House, New York, 1957), tradução brasileira de Paulo Henriques Britto, sob o título Quem é John Galt? (Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1987). [EC-2018: Há uma nova tradução no mercado com o título de A Revolta de Atlas (Editora Arqueiro).] O trecho pertinente, baseado na tradução brasileira, está transcrito no meu site sobre Ayn Rand, em https://aynrand.com.br [EC-2018: hoje também em https://aynrand.space], na Seção “Trechos da Obra”. A transcrição é segundo o texto da [EC-2018: primeira] tradução, pp. 510-517, com trechos omitidos.

[25] Ao longo de 2002 houve no Brasil uma briga entre o PFL (Partido da Frente Liberal) e o PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira), que teve reflexos interessantes. Em decorrência dessa briga houve um imposto, a CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira), que ficou, por certo tempo, sem ser renovado e correndo o risco de não ser renovado. O então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e o seu bobo da corte, Arnaldo Jabor, em discursos afinados e sincronizados, foram aos meios de comunicação para dizer quase textualmente a mesma coisa: “Pressionem os seus parlamentares, porque o Brasil está perdendo 400 milhões de reais por semana: esse é um dinheiro que está sendo roubado de você, de mim…”. Ora, ora: de onde saiu essa? Quando, por uma briguinha entre eles, o seu e o meu dinheiro ficam no nosso bolso, é aí que nós estamos sendo roubados? O que é isso? Estamos presenciando mais um caso da Novilíngua de 1984 em sua versão tucana em 2002: quando não sou roubado, então é que sou roubado! O Brasil não estava, naquela ocasião, perdendo 400 milhões de reais por semana. O Brasil, que somos nós, estava ganhando esse dinheiro! Quem o estava perdendo era o governo, que é outra coisa inteiramente. Através de uma lógica orwelliana, o governo acha que, sem mais, tem o direito de meter a mão em nosso bolso toda hora que acha que precisa reforçar seu caixa. Note-se também o procedimento que o governo adotou em relação ao reajuste da tabela do Imposto de Renda. Por cerca de oito anos (de 1994 a 2002) o governo não reajustou essa tabela, embora tenha reajustado os preços de tudo o que é produto e serviço das empresas estatais ou das empresas submetidas a controle de preços, fazendo com que o brasileiro sofresse duas vezes: uma pelo aumento dos preços de produtos e serviços controlados pelo governo, e outra pelo aumento cavalar de impostos que o não-reajuste da tabela do Imposto de Renda acarretou. Quando se tentou corrigir, em parte, a injustiça, o governo tentou meter a mão em outro bolso nosso, aumentando a CSL (Contribuição Social sobre o Lucro) das empresas. O governo se acostumou tanto a roubar que, quando se lhe proíbe (parcialmente) de roubar, quer ser ressarcido “do prejuízo”!!! Seria de rir – se não fosse de chorar… Aproveitando a menção à chamada Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), é interessante registrar que, no Brasil, a Receita Federal chama o pagador de impostos de “contribuinte”, para dar a impressão de que ele paga os impostos de boa vontade, como uma contribuição voluntária ao que ela tenta caracterizar como o bem comum. Nada mais falso. Nos Estados Unidos, usa-se o termo correto, “tax payer”, pagador de impostos, que deixa bem claro quem banca a conta dos gastos governamentais e não procura obnubilar o processo chamando de contribuição o que na realidade é imposto, arrecadado mediante o uso da força. Se imposto fosse contribuição, não precisaria ser imposto: as pessoas o pagariam livre e espontaneamente.

[26] É bom que se registre que para os liberais essa não é uma questão moral: a aceitação dos princípios básicos que regem o estado liberal é, para eles, equivalente à anuência a um contrato social tácito entre todos celebrado.

[27] Marx & Engels: Basic Writings on Politics and Philosophy, op.cit., loc.cit. Vide a Nota 23 aqui neste trabalho.

[28] Como já mencionei (Nota 24), a melhor crítica desse princípio que eu conheço está em Atlas Shrugged, de Ayn Rand, op.cit., que é leitura altamente recomendada para os que realmente querem entender a natureza da oposição liberal ao Socialismo.

[29] Compare-se, neste contexto, meu artigo “Justiça Social, Igualitarismo e Inveja: A Propósito do Livro de Gonzalo Fernández de la Mora”, publicado na revista Pro-Posições, Nº IV, Março de 1991, pp. 26-40. Há uma versão revisada e mais ampla desse artigo em meu site pessoal, no endereço http://chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/Inveja-new.htm. A versão original também pode ser encontrada nesse site, no endereço http://chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/Inveja.htm. [EC-2018: esse site não mais existe, tendo sido substituído por um conjunto de blogs. A versão revisada e ampliada está em dois artigos do meu blog Liberal Space, URL https://liberal.space/2007/12/08/justica-social-igualitarismo-e-inveja-parte-1/ e URL https://liberal.space/2007/12/08/justica-social-igualitarismo-e-inveja-parte-2/. A versão original do artigo não está mais disponível.]

[30] Contrário ao Liberalismo, o Socialismo pretende ter uma base moral.

[31] Condorcet, “Sur le Sens du Mot Révolutionnaire”, in Oeuvres, 1847-1849, vol. XII, citado apud Hannah Arendt, op.cit., p. 21.

[32] Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., 76-79, 94-96.

[33] O texto que o Congresso Continental das (ex-) Colônias Americanas aprovou no dia 4 de Julho de 1776 naturalmente não é idêntico ao texto que saiu da pena de Jefferson. Jefferson fazia parte do Comitê nomeado em 11 de Junho para redigir a proposta de Declaração, do qual também faziam parte Benjamin Franklin, John Adams e outros. O Comitê, por sua vez, encarregou Jefferson de redigir a proposta. O texto que saiu de sua pena foi apreciado e emendado, primeiro, por Franklin e Adams (a quem ele, por deferência, submeteu o texto antes de apresentá-lo ao Comitê), depois pelos demais membros do Comitê, agora reunido como um todo, e, por fim, pelo Plenário do Congresso Continental. Jefferson nunca reivindicou originalidade para o documento. Segundo ele, a Declaração de Independência foi escrita com a intenção de representar a “mente americana”, isto é, de expressar idéias que eram geralmente aceitas pelos colonos da “América Britânica” naquela época – antes de se tornar evidente a necessidade da separação e da independência. Cp. Noble E. Cunningham, Jr., op.cit., pp. 46-51. Apesar das alterações, Jefferson é legitimamente considerado o autor da Declaração de Independência.

[34] Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., pp. 27-31.

[35] Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., p. 55.

[36] Esse projeto de lei era uma tentativa de estruturar um sistema de educação para o Estado de Virginia. Nunca foi aprovado como tal, embora alguns de seus elementos tenham sido aproveitados no projeto de criação da University of Virginia, também obra de Jefferson. Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., pp. 58-60. Na verdade, Jefferson foi nomeado presidente de um Comitê encarregado de revisar todas as leis do Estado de Virginia. Alguns dos projetos de lei foram aprovados, outros, como é o caso deste, não. Vide em relação a isso todo o Capítulo V, “Virginia Reformer”, de Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., pp. 52-63.

[37] Na verdade, Jefferson foi mais do que observador dos eventos que tinham lugar na França. Sua amizade com Lafayette o tornou conselheiro do revolucionário francês, especialmente na elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e na elaboração da Constituição Francesa, e sua interferência nos eventos foi a ponto de oferecer almoço a membros da Assembléia Nacional com o intuito de resolver suas diferenças. Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., o capítulo X, “Witness to Revolution in France”, pp. 113-130.

[38] Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., o capítulo XXII, “A Final Legacy”, pp. 336-349. O epitáfio de Jefferson, preparado por ele próprio, diz simplesmente: “Aqui foi enterrado Thomas Jefferson, Autor da Declaração de Independência Americana, do Estatuto sobre Liberdade Religiosa do Estado de Virginia, e Pai da Universidade de Virginia”. Cp. Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., p. 349.

[39] O relato foi feito em The Washington Post, 30 de Abril de 1962, p.B-5, e é aqui citado apud Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., p. xii.

[40] Cp. Noble E. Cunningham, Jr, op.cit., p. 79.

Transcrito aqui neste blog em Salto, 18 de Março de 2018

A Suposta Injustiça do Capitalismo

Algumas ideias entram no que os alemães chamam de Zeitgeist, o espírito de uma época, e, depois, parecem não querer sair mais, ali ficando como se fossem eternas. . .

Fuçando em algumas revistas velhas que eu insisto em não jogar fora, encontrei uma Exame de 11/6/2014 que tem, como matéria de capa, a seguinte pergunta – seguida de duas afirmações que também cito:

“Por que o Capitalismo é tão injusto?

A distância entre pobres e ricos no mundo só aumenta – por que isso é um mal e o que se pode fazer.

Cresce o número de empresários que defendem a reforma do capitalismo para combater a desigualdade.”

Aí está uma das ideias que entraram no Zeitgeist do mundo ocidental em meados do século 19 – vamos arbitrar que no fatídico ano de 1848 – e que nele permanece até hoje, a ponto de uma revista séria como a Exame se propor a fazer um artigo de capa sobre ela: a suposta injustiça do capitalismo. Parece impossível erradicar essa ideia, não importa quantos artigos e livros sejam escritos para desmantela-la.

O artigo de capa (que tem início na p.32 da revista) começa com uma observação bastante sensata. Diz ele:

Se a história pode servir de baliza, não há dúvida: a busca pela igualdade total de renda é completamente insana. Não há exemplo de povo que tenha evoluído ao instituir um modelo de remuneração desligado do esforço, da ambição, e do talento individual. Os países da esfera comunista tiveram sete décadas para provar que seu modelo poderia funcionar. Em 70 anos, nem um único produto de consumo de sucesso saiu de trás da Cortina de Ferro. Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, os alemães-orientais invadiram as estradas do lado ocidental com seus Trabant, carrinhos com motor de dois tempos e velocidade máxima de 90 quilômetros por hora. Muitos desses Trabi, como eram chamados carinhosamente, foram simplesmente abandonados pelas ruas.” [Ênfases acrescentadas].

Verdade. Tivesse parado aí, o autor do artigo da Exame não teria dito nenhuma sandice: teria simplesmente repetido uma constatação que já se tornou lugar comum entre os bem informados. Mas ele vai adiante, tentando fazer um contraponto:

“Mas nem por isso o polo oposto – uma sociedade marcada pela disparidade extrema – não merece repulsa semelhante. A opulência de uns pode ser estímulo poderoso às massas, desde que a maioria não esteja presa em um círculo de miséria ou se considere fora do jogo. Se no século 20 cabia ao comunismo comprovar sua viabilidade, no século 21 é o capitalismo que está sob escrutínio. Não pela capacidade de gerar riqueza, bem entendido.  . . . O ponto é outro. O que, sim, está sendo cada vez mais debatido é a forma como a renda gerada é distribuída na sociedade. A pergunta de nossos tempos: Por que o capitalismo é tão injusto? Por que perseguimos há mais de 200 anos o ideal de uma sociedade menos desigual – e continuamos falhando miseravelmente?” [Ênfases acrescentadas].

Ao lado de uma ou outra afirmação correta, várias outra afirmações totalmente injustificadas são feitas ou sugeridas nesse pequeno parágrafo.

Antes de discuti-las, duas dúvidas.

Em primeiro lugar, o que o autor quer dizer por “polo oposto“? Seria “a busca pela desigualdade total de renda” ou “pela disparidade extrema”, como diz o autor? Se for isso, nenhum capitalista jamais defendeu a busca da desigualdade de renda, muito menos a busca da desigualdade total ou da disparidade extrema (seja lá o que essas expressões signifiquem: é possível entender o que seja “igualdade total”, mas “desigualdade total” e “disparidade extrema” é difícil imaginar o que sejam ou impliquem).

Em segundo lugar, esse “polo oposto” merece “repulsa semelhante” — semelhante a quê? À repulsa que o mundo revelou pelo Comunismo (com sua ideia de buscar “a igualdade total de renda”), inclusive naquelas partes do mundo que viviam sob o jugo comunista? Não fica claro. Mas isso não é tão importante quanto o que o autor diz depois. Parece que ele se contenta em lutar, não pela igualdade total de renda, mas “pelo ideal de uma sociedade menos desigual“. Menos mal. [Viviane Senna, em suas falas, manifesta-se contrária, não a toda e qualquer desigualdade de renda, mas apenas a desigualdades que, a seu ver, seriam intoleráveis – sem explicitar quais seriam elas.]

Discutamos agora as ideias que o autor do artigo afirma ou pressupõe que me parecem,  a mim, autor destas críticas, injustificadas.

Primeiro: Os que adotam e defendem o capitalismo não buscam a desigualdade de renda: eles buscam a liberdade. Como veremos, o capitalismo é apenas uma forma de organizar a sociedade que deixa aos indivíduos, que são os agentes dessa sociedade, a maior liberdade possível para decidir (entre outras coisas) como gerar riquezas e, tendo-as gerado, como emprega-las. A desigualdade de renda nas sociedades capitalistas é consequência do fato de que as pessoas são diferentes umas das outras, para usar, em parte, palavras do próprio autor do artigo da Exame, em seu projeto de vida, seu talento, sua ambição (ou motivação) e seu esforço. Tendo objetivos, talentos, ambição (motivação) e disposição para trabalhar diferentes, é inevitável que, em uma sociedade que lhes dá liberdade para decidir como gerar riquezas  e como emprega-las, sua renda, com toda probabilidade, será diferente – ou desigual — da renda dos outros.   Seria um milagre, nesse pressuposto, que fosse igual. Mas o objetivo dos que adotam e defendem o capitalismo não é criar uma sociedade de desiguais no tocante a renda: é criar uma sociedade em que todos são igualmente livres para definir seu projeto de vida, para aperfeiçoar e aplicar seus talentos da forma que acharem melhor, para ter ambição (ou motivação) no nível que considerarem mais adequado, e para decidir quanto tempo e esforço irão dedicar ao trabalho e quanto tempo irão gastar em atividades não relacionadas ao trabalho: ao lazer, à família, ao descanso – tudo isso, sem qualquer interferência do estado ou do governo. Por isso o capitalismo clássico é chamado de capitalismo laissez-faire (capitalismo “deixai-fazer”) porque os que adotam e defendem querem poder decidir e fazer essas coisas sem que ninguém se meta, muito menos o estado ou o governo.

Segundo: Os que adotam e defendem o capitalismo são contra o socialismo porque estão convictos de que, dadas as diferenças entre os objetivos, talentos, ambição (motivação) e disposição que existem entre os indivíduos, a busca pela igualdade de renda, total ou maior, ou a luta contra a desigualdade de renda, tolerável ou não, para que essa desigualdade ou desapareça totalmente ou seja reduzida, só é viável se houver uma correspondente redução na liberdade das pessoas: maior igualdade, ou menor desigualdade, fatalmente significa(m) menos liberdade.

Terceiro: Buscar promover maior liberdade nas relações humanas, inclusive nas relações que têm que ver com o trabalho, nada tem de injusto. Os que adotam e defendem o capitalismo aceitam o conceito clássico e tradicional de justiça. Esse conceito, que existe desde a Antiguidade Clássica, se baseia nos princípios de que:

(a) cada indivíduo é livre para produzir, inclusive para decidir o que vai produzir, em que quantidade, em que nível de qualidade;

(b) cada indivíduo, havendo produzido mais do que precisa ou do que deseja guardar para si próprio, é livre para vender no mercado o excedente de sua produção;

(c)  cada indivíduo, dispondo ainda de tempo, é livre para vender seus serviços ao mercado;

(d) cada indivíduo tem o direito de ser remunerado de forma justa por aquilo que está disposto a vender no mercado, seja produto, seja serviço;

(e) cada indivíduo tem o direito de guardar (manter) ou usar (gastar) aquilo que produziu ou que recebeu em troca por aquilo que produziu ou pelo seu serviço.

Os três primeiros princípios dizem respeito a liberdade; os outros dois, a direito. Os dois últimos parecem ser os princípios que enfrentam maior crítica.

Analisemos o quarto princípio. A justiça (no sentido clássico do termo) exige que cada um seja recompensado em proporção ao que contribuiu, de acordo com aquilo a que fez jus, segundo aquilo que fez por merecer e que, portanto, lhe é devido, por direito. A expressão “fazer jus”, em Português, inclui o termo latino “jus, juris”, que está na raiz tanto do termo “justiça” como do termo “jurisprudência”. A cada um, portanto, de acordo com aquilo a que ele fez jus – é esse entendimento clássico de justiça que o liberal adota.

Assim, uma ordem social em que cada um, por direito, produz aquilo que escolheu produzir, de acordo com seus interesses e sua capacidade (no sentido visto), e recebe retribuições ou retornos proporcionais ao que produziu, ou ao serviço que prestou, é uma ordem social eminentemente justa. Essa retribuição ou esse retorno é, por direito, do indivíduo, e ele, portanto, tem direito (segundo agora o quinto princípio) de mantê-lo ou gastá-lo, conforme precisar ou simplesmente desejar.

Como é evidente que alguns possuem maiores talentos ou capacidades (por tê-los herdado ou por tê-los adquirido) e/ou despendem maiores esforços na consecução de seus objetivos e de suas metas, resta também evidente que a sociedade mais justa será desigual nos retornos finais de cada um.

Esse o sentido de justiça que toda a humanidade aceitou desde tempos imemoriais.

De acordo com esse conceito, justo é cada um receber (e manter ou gastar) aquilo a que ele fez jus, através de seu trabalho produtivo, aquilo que, com base no que fez, lhe é de direito (de jure) — e, portanto, devido.

Reduzir a retribuição ou o retorno de alguém que fez por merecê-lo, para dar (ou aumentar) a retribuição e o retorno de alguém que não fez por merecê-lo, contra a vontade do primeiro, é, pura e simplesmente, eminentemente injusto – na verdade, uma violência — um atentado contra a sua liberdade.

No entanto, é isso que o socialismo busca, quando afirma, em seu princípio básico, “De cada um, segundo suas capacidades; a cada um, segundo suas necessidades”. Esse princípio é extremamente injusto, segundo a visão clássica da justiça, pois ao propor que a distribuição da riqueza seja feita com base na necessidade de cada um, nega a tese de que é justo que cada um seja recompensado ou remunerado na justa proporção de sua participação (através de seus talentos, de sua motivação, de seus esforços,  de sua dedicação, etc.) na geração dessa riqueza.

Na visão clássica da justiça, quando um indivíduo trabalha ele está diretamente contribuindo para sua própria sobrevivência e seu próprio bem-estar, e para a sobrevivência e o bem-estar daqueles que dependem dele, por escolha e decisão dele. Quando isso acontece, o indivíduo, indiretamente, está contribuindo para a sociedade ao garantir que não vai precisar depender da generosidade e da caridade alheia e, assim, não estará sendo um encargo para ela.

No liberalismo o indivíduo contribui para a sociedade ou para o bem comum dessa sociedade na justa medida em que não se torna um encargo para essa sociedade.

A ordenação da sociedade segundo princípios liberais é, por conseguinte, eminentemente justa – e ela virtuosamente leva os indivíduos a desejarem desenvolver características pessoais que contribuem para uma maior produtividade, porque maior produtividade trará maior remuneração e retribuição, que o indivíduo que receber poderá guardar ou gastar, conforme desejar.

No socialismo, por outro lado, a distribuição nada tem que ver com a participação dos indivíduos no processo de produção, pois é baseada na necessidade. Assim, os indivíduos envolvidos na produção não têm qualquer motivação para produzir mais e melhor, pois não vão receber mais se o fizerem. O socialismo assim, como a história prova, acaba por fazer todos igualmente pobres, pois ninguém é estimulado a dar o melhor de si no trabalho. O socialismo produz indivíduos dependentes e indolentes – algo muito distante de virtuoso.

Quarto: Os livros de Lógica em geral registram a existência de uma falácia informal que é caracterizada por uma pergunta típica: “Por que você bate em sua mulher?” A pergunta não faz nenhum sentido e não há como responder a ela na forma em que é formulada, SE você não bate em sua mulher – ou, então, SE você nem mesmo é casado. A pergunta parte do pressuposto de que você bate em sua mulher e o autor da pergunta nem sequer cogita de questiona-lo.

A pergunta que o autor do artigo da Exame faz é logicamente equivalente: “Por que o capitalismo é tão injusto?” A pergunta não faz o menor sentido SE você não considera o capitalismo injusto, como eu não considero. O que o autor precisava ter demonstrado, antes de mais nada, era uma prova da tese de que o capitalismo é injusto. Mas ele parece achar que essa demonstração é desnecessária – provavelmente porque, para ele a injustiça do capitalismo é evidente. Eu, por exemplo, não considero o capitalismo injusto – por isso, não teria condições de responder oferecendo razões por que ele seria injusto. Isso é claro e evidente. Para mim o artigo da Exame simplesmente não faz sentido.

Quinto: O autor do artigo deixa claro que o capitalismo não é injusto porque gera riquezas – nesse ponto, o artigo parece pressupor que o capitalismo só merece louvores por permitir a geração de mais riquezas do que qualquer outro sistema econômico. Nenhuma crítica é feita a ele no plano da produção, ou da geração de riquezas. O capitalismo seria injusto porque, segundo o autor do artigo, distribui mal (de forma desigual) as riquezas que gera.

No entanto, o próprio artigo deixa claro que “a busca pela igualdade total de renda é completamente insana”. Se a “igualdade total de renda” é impossível, por que o capitalismo seria considerado injusto por permitir que a riqueza gerada seja distribuída de forma desigual?

Sexto: O autor do artigo parece pressupor que o capitalismo é um agente que opera na sociedade: ele gera riquezas (e o faz muito bem), e distribui as riquezas que gera (fazendo-o muito mal, pois as distribui de forma “desigual” – ainda que seja impossível distribuí-la de forma totalmente igual).

Mas o capitalismo não é um agente social. Na verdade, nem sequer é um agente individual atuando na sociedade. O capitalismo simplesmente não é um agente. Agentes somos apenas nós os seres humanos. O capitalismo é apenas uma forma de organizar a sociedade que deixa aos indivíduos, que são os agentes dessa sociedade, a maior liberdade possível para decidir como gerar riquezas e, tendo-as gerado, como emprega-las. Ponto final.

Aqui chegamos ao âmago da questão (que já foi indicado atrás).

Se o capitalismo não age, nem gerando nem distribuído riquezas, não há como considera-lo injusto –  ou, talvez, nem justo. Justiça e injustiça são, essencialmente, atributos de ações humanas. Aplicam-se esses conceitos a formas de organização de uma sociedade de forma apenas derivada, e não cabe aplica-los a processos que não são decorrentes da ação humana. Um tsunami não é nem justo nem injusto. E, no entanto, ele pode causar malefícios (sua destruição) a uns e não a outros, e, no tocante aos atingidos, pode causar prejuízos, ou mesmo a morte, de forma desigual. Uns nem são atingidos e, portanto, não perdem nada; outros perdem tudo, até mesmo a vida;  e ainda outros permanecem no meio, sem perderem tudo mas também sem passar pelo acontecimento incólumes. A natureza é justa ou injusta? Nem um nem outro – apesar de que algumas crianças nascem sadias, fortes, vivas, alertas, curiosas, bonitas, quiçá inteligentes, etc., enquanto outras nascem e morrem, ou, então, nascem doentias, fraquinhas, indiferentes ao que se passa ao seu redor, molinhas, sem curiosidade alguma, feinhas, com QI abaixo da média, etc. Vamos colocar a natureza do banco dos réus e condena-la como injusta por gerar seres humanos física e mentalmente desiguais? Ou por distribuir características positivas com tanta parcimônia? Não há como — a menos que se creia em um Deus pessoal e se acredite que tudo o que acontece decorre de sua ação direta ou indireta (através das pessoas), como defendem os que acreditam na predestinação / eleição / providência divina (esta última por vezes classificada em geral, que se aplicaria à natureza, especial, que se aplicaria aos seres humanos sem distinção, e especialíssima, que se aplicaria exclusivamente aos eleitos).

A resposta mais eficaz a esse tipo de consideração é que a forma de organizar a sociedade não é algo natural como um tsunami ou as características que uma criança tem ao nascer, mas é algo decorrente da ação humana consciente, e que, portanto, pode, sim, ser considerada algo justo ou injusto. Essa resposta coloca as coisas em seu devido lugar: não se trata de julgar “o capitalismo” por ser injusto, mas, sim, de analisar se é justa ou injusta a decisão humana de organizar a sociedade de modo a deixar aos indivíduos a maior liberdade possível para decidir como gerar riquezas e, tendo-as gerado, como emprega-las, segundo seus interesses e valores.

Eu, pessoalmente, estou convicto de que a decisão de criar uma sociedade liberal  foi e continua sendo totalmente justa – mais do que isso: foi também virtuosa (como já visto).

A decisão de organizar a sociedade de acordo com o capitalismo é justa porque ela permite que as pessoas sejam recompensadas segundo seus méritos, de acordo com aquilo a que elas fizeram jus, proporcionalmente ao que fizeram por merecer.

A decisão de organizar a sociedade de acordo com o capitalismo é virtuosa porque ela permite que aflorem e se desenvolvam, no indivíduo, características essenciais para que  ele se torne uma pessoa que realmente contribua para o bem de todos. Algumas dessas características são iniciativa, proatividade, disposição de chamar para si a responsabilidade de agir, coragem de enfrentar riscos, resiliência para tentar de novo depois de fracassos, até que o sucesso chegue…

Essas características que o capitalismo incita e instiga os indivíduos a desenvolver propiciam a existência de uma sociedade melhor e mais justa do que características como passividade, sentimento que os outros têm obrigação de nos ajudar, fuga da assunção de responsabilidade sobre o próprio destino, fatalismo ou, então, atribuição a outros das causas dos próprios fracassos, desânimo diante de fracassos, ou, então, sentido de rebelião e disposição de tomar pela força aquilo que não foi obtido por meios normais e regulares, etc.

Os críticos atuais do capitalismo já abandonaram o ideal de uma sociedade totalmente planejada, em que um bando de iluminados decide o que vai ser produzido na sociedade, em que quantidade, onde, por quem, com que recursos, etc. Eles agora admitem que a ideia de fazer isso é, como bem disse o autor do artigo da Exame, simplesmente “insana”. Eles estão dispostos a reconhecer que a produção de riqueza não é algo que se planeja e coordena pelas “mãos visíveis” dos integrantes de um comitê central de planejamento (mas, sim, pelas “mãos invisíveis” do mercado). Para que riquezas sejam geradas em quantidade suficiente para permitir que uma sociedade seja considerada desenvolvida, essa produção só pode ser feita por homens livres, cada um explorando por si as oportunidades que lhe parecem dignas de investimento e, em alguns casos gerando riquezas suficientes para sustentar quem as produziu, em outros falhando e precisando viver de caridade, até que uma nova tentativa gere resultados melhores, e, em alguns poucos casos, gerando riquezas monstruosas, mais do que suficientes para sustentar quem as produziu — e que permite aos ricos exercer voluntariamente (i.e., se assim o desejarem) a filantropia.

A decisão de organizar uma sociedade com base nesses princípios foi (e continua sendo) justa ou injusta? Já respondi que a considero justa e virtuosa.

Parece que os críticos do capitalismo, embora hesitem em designa-la de justa e virtuosa, reconhecem que essa forma de organizar funciona, no plano da produção, pois admitem que o capitalismo produz muito mais riqueza que a forma de organizar a sociedade que foi adotada pelos comunistas – o planejamento centralizada por um bando de supostamente iluminados.

Os defensores do capitalismo, como Ayn Rand e eu próprio (que me considero, nesta questão, um discípulo de John Locke, Adam Smith, Thomas Jefferson e Ayn Rand), não hesitam nem por um momento em considerar essa forma de organizar a sociedade justa, e a consideram justa não com base em um critério pragmático (porque produz resultados), mas (a) porque ela respeita a natureza livre do homem de escolher e decidir como ele vai viver, como ele vai sustentar a si próprio e à sua família; (b) porque, em condições normais, ela permite que a visão, a inteligência, a motivação, o esforço, a persistência, a resiliências humana sejam devidamente recompensados.

Se o capitalismo funciona, como admitem até mesmo os seus críticos, no plano da geração de riquezas (produção), apesar de (ou, na realidade, em virtude de) produzir riquezas de forma desigual, uns produzindo muito mais do que outros, que produzem pouco ou quase nada, por que não parar aí e admitir que a desigualdade nada tem que ver com justiça e injustiça, pois justiça (como já sabiam os antigos) é deixar que cada um seja recompensado na proporção em que produziu?

Marx já admitia (Vide sua Crítica do Programa de Gotha) que indivíduos tinham capacidades ou habilidades diferentes de produzir riquezas, e que era possível esperar de cada um que produzisse o máximo que suas capacidades e habilidades permitissem.

Por que não deixar que cada um desfrute das riquezas que produziu? Isso também não seria totalmente justo? Quem produziu mais, que desfrute de maior riqueza; quem produziu menos, que desfrute de riqueza menor; quem nada produziu, que dependa da caridade alheia ou sofra as consequências de sua inaptidão, pouca vontade para o trabalho produtivo, ou simplesmente má sorte.

[Talvez aqui seja o momento de registrar que o capitalismo não é, de forma alguma, contrário à caridade e à filantropia, desde que exercidas por entes privados, de forma totalmente voluntária, e destinadas a beneficiários escolhidos por quem as está promovendo. O liberalismo é contrário à caridade e à filantropia forçadas, embutidas em programas sociais definidos e criados por burocratas anônimos no seio do governo, e custeadas através de impostos forçosamente extraídos da população pelo governo, impostos esses que acabam por beneficiar pessoas que os pagadores de impostos (a fonte dos recursos) podem nem sequer considerar merecedoras de sua ajuda (sem falar na calamidade que é a corrupção entre os agentes estatais e governamentais). Na verdade, capitalistas estão entre os maiores filantropos e praticadores de caridade no mundo. A caridade e a filantropia praticadas pelo governo com o dinheiro dos cidadãos que pagam mais impostos gera duas consequências negativas nos  beneficiários dessas ações. Primeiro: eles passam a vê-las (até mesmo por instigação do estado / governo) como direito seu e dever dos demais o atendimento de todas as suas necessidades, e passam a exigir, muitas vezes de forma arrogante, esse atendimento. Segundo, e como decorrência da primeira consequência: eles não sentem nenhuma humildade por precisar da ajuda alheia, nem, muito menos, se sentem agradecidos quando essa ajuda aparece, porque erroneamente acreditam que é um direito seu que está sendo atendido e que, atendê-lo não passa de um dever dos demais, por cujo exercício não se sentem obrigados a manifestar qualquer gratidão.]

Se um sistema de produção é tão melhor quanto mais livre for, algo que os comunistas e socialistas hoje parecem admitir, porque a liberdade é essencial para a geração da maior riqueza possível, por que esse mesmo princípio não é aplicado no plano da “distribuição” das riquezas? Não é mais justo o sistema que permite que cada um fique com as riquezas que ele próprio gerou?

O socialismo marxista clássico (comunismo) impedia os mais competentes, mais motivados, mais ambiciosos, mais esforçados, etc. de atuar livremente no mercado. O socialismo atual lhes permite fazerem o que quiserem – mas lhes nega o direito de se apropriarem plenamente daquilo que produziram, do resultado da aplicação de seus talentos, ambição, motivação, esforços, etc. O socialismo atual quer que todos deem o melhor de si — mas não remunera ou recompensa a todos de acordo com sua contribuição, vale dizer, com seus méritos. De uns ele tira para dar a quem ele acha que precisa mais… Isto é injusto – mais do que injusto, uma enorme sacanagem, porque tira de quem produziu e deveria receber e aniquila a sua motivação para continuar dando o melhor de si, porque os benefícios desse esforço, pelo menos a partir de certo ponto, não recairão sobre ele, que fez por merece-los.

Sétimo: É aqui que o comunismo e o socialismo mostram sua cara feia… As riquezas geradas pelos indivíduos, dizem eles, não pertencem a quem as gerou, mas, sim, à sociedade como um todo. A “distribuição natural” das riquezas, em que cada um fica com as riquezas que ele próprio produziu, é injusta porque seria desigual (dada a disparidade nas capacidades e habilidades de quem as gerou)… É preciso corrigir o sistema natural, criando um sistema artificial de distribuição, que recompense as pessoas, não segundo aquilo que elas produziram, mas, sim, segundo aquilo que elas precisam (vale dizer: consideram necessário).

Mas, pergunte-se, se não há problema em permitir que cada um produza, desigualmente, o máximo de que é capaz, porque seria injusta a distribuição natural, proporcional ao que cada um produziu?

A resposta do comunismo e do socialismo é que a riqueza produzida é da sociedade como um todo, não dos indivíduos que a geraram, e que a sociedade, portanto, tem o direito, de, através dos mecanismos que a governam, redistribuir a riqueza que foi gerada.

Mas se a desigualdade na produção de riquezas não é injusta, nem condenável, muito menos intolerável, porque a desigualdade na distribuição dessas mesmas riquezas o seria? Por que a desigualdade é admissível num contexto e injusta e intolerável no outro?

Simplesmente não há resposta convincente para essa pergunta. Pode-se tentar argumentar afirmando que a riqueza não é gerada pelo capitalista, mas, sim, pelos trabalhadores que, dadas as suas necessidades, são obrigados a vender seus serviços para ele por menos do que valem. Assim, nessa hipótese, o capitalista não seria o verdadeiro gerador de valor, e, por conseguinte de riqueza, mas, sim, um expropriador do valor do trabalho dos seus empregados e, por conseguinte, da riqueza que deveria ser deles, não dele. Não vou discutir essa questão aqui porque essa tese comunista, já foi totalmente refutada e esgotada no livro A Revolta de Atlas, de Ayn Rand. Quem tem alguma dúvida, que leia o livro dela. Se não tiver muito tempo ou paciência, que leia meu artigo “Ayn Rand e a Revolta de Atlas (Atlas Shrugged)”, aqui neste blog, no URL https://liberal.space/2016/06/01/ayn-rand-e-a-revolta-de-atlas-atlas-shrugged/.

Para tentar dar uma aura de plausibilidade à sua defesa da igualdade no plano da distribuição de riquezas (igualdade hoje alcançável mediante tributação progressiva e outros mecanismos como políticas públicas e programas sociais diferenciados, não universais, que beneficiam apenas alguns, não todos, os comunistas e socialistas inventaram um conceito de justiça – a chamada justiça social – que inverte o conceito natural de justiça, posto que considera injusto (socialmente) que cada um receba ou retenha a riqueza que lhe coube ou que ele gerou em decorrência, e na proporção, de suas capacidades, habilidades e esforço (que é exatamente o que é justo na concepção clássica de justiça).

Os socialistas, como sempre, e como muito bem notou George Orwell em 1984, estão sempre “desconstruindo e reconstruindo a linguagem” e criando novas formas de designar as coisas (newspeak, como Orwell as chamou). A social democracia esquerdista é chamada de liberalismo nos Estados Unidos; as ditaduras comunistas do Leste Europeu eram chamadas de “Repúblicas Democráticas”. A ditadura comunista na Alemanha Oriental era chamada de República Democrática, enquanto a república democrática da Alemanha Ocidental era chamada simplesmente de República Federal… Parece piada de mau gosto. Agora, aqui. O que era justiça passa a ser denominado de injustiça e cria-se uma “nova justiça (social)” que não passa da velha injustiça com um rótulo novo – mas falso. Mas, para eles, mentira é o que serve de obstáculo ao socialismo e verdade tudo o que contribui para promovê-lo… Torna-se impossível argumentar com quem pensa assim.

Deixando de provar que o capitalismo de fato é injusto, o autor do artigo da Exame, ao tentar examinar por que ele seria injusto, construiu um castelo no ar, sem nenhum fundamento. Um piparote de desdém o demole.

Argumentos equivalentes aos aqui desenvolvidos em relação a indivíduos podem ser construídos para combater a tentativa de busca de igualdade (melhor diria: de imposição de uma tentativa de igualdade) entre os estados de uma confederação.

Em Salto, 28 de Julho de 2016, com revisões nos dias 29 e 30 de Julho de 2016 e, em São Paulo, em 23 de Maio de 2018 — dia em que se rememora a morte dos mártires da Pátria Paulista.

A Falência da Social Democracia

[Artigo parcialmente escrito em 14-16/01/2012, mas não totalmente concluído; revisto e concluído em 30/06-2/7/2016]

“O que caracteriza a esquerda social democrata é um entusiasmo sem limites para gastar o dinheiro dos outros.” [Adaptado de Kenneth Minogue, The Liberal Mind (“liberal” no sentido americano, em que o termo quer dizer “social democrata”).

Em outras palavras: fazer caridade com o dinheiro dos outros é fácil. [Eu, Eduardo Chaves]

Conteúdo

  1. A Crise Econômica Atual
  2. A Economia
  3. A Social Democracia
  4. Os Direitos no Liberalismo
    1. Direito à Integridade da Pessoa
    2. Direito à Expressão
    3. Direito à Locomoção
    4. Direito à Associação
    5. Direito à Ação
    6. Direito à Propriedade
  5. Direitos e Deveres na Social Democracia
    1. O Princípio Básico dos Socialismos (Inclusive da Democracia Social)
    2. A Chamada Justiça Social
    3. Os Alegados Direitos Sociais
    4. Os Supostos Deveres do Estado na área do Bem Estar Social
    5. Os Meios: Redistribuição de Riquezas, Taxação Progressiva, e Políticas Públicas
    6. Os Meios dos Meios: Conquista e Controle da Opinião Pública e Doutrinação
  6. As Consequências da Social Democracia
  7. Epílogo 1: Transcrição de um Artigo de Quase Cinco Anos Atrás
  8. Epílogo 2: Transcrição de “An Untitled Letter”, de Ayn Rand
  9. Notas

 

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1. A Crise Econômica Atual

Autores que se posicionam à esquerda do espectro político gostam de afirmar que a crise econômica que o mundo atravessa, e que, desde 2013, nos afeta em cheio, é uma crise do Liberalismo Econômico ou Neoliberalismo, vale dizer, do Capitalismo.

Estão errados: não é. E estão errados, ou porque foram enganados, de boa fé, vindo a realmente acreditar nesse mito, ou porque sabem que estão dizendo uma mentira e tentam enganar os incautos, procurando debitar na conta do Liberalismo, que nada tem que ver com a esquerda, um ônus que recai totalmente sobre a esquerda – isto é, sobre eles mesmos.

A crise econômica atual é uma crise da Social Democracia, que, não resta a menor dúvida, é uma tendência de esquerda – vale dizer, é uma crise de um movimento político-econômico conhecido também por vários outros nomes, como, por exemplo, Via Media, Terceira Via, Economia Mista, Estado Previdenciário, Estado do Bem Estar Social, etc. O movimento, que adota todos esses nomes, conforme a ocasião ou a preferência de quem escreve, visa a proporcionar uma “via media”, ou uma “terceira via”, entre o Comunismo (Socialismo Marxista) e o Liberalismo. Não consegue, porque claramente fica muito mais próximo do Comunismo do que do Liberalismo. A Social Democracia é uma modalidade de Socialismo, que, entretanto, dispensa a exigência da estatização dos meios de produção pela via revolucionária que caracterizou o Comunismo, optando, segundo pretende, pela via democrática, que emprega defende a redistribuição de riquezas mediante taxação, políticas públicas e conquista e controle da opinião pública.

Na verdade, a crise que ora o Ocidente enfrenta é evidência da total falência da Social Democracia. E, como disse, e faço questão de repetir, a Social Democracia está à esquerda do espectro político – não importa o que pensem os que se pretendem mais radicais do que ela, colocando-se, portanto, à sua esquerda, que procuram negar a “esquerdicidade” da Social Democracia e, assim, livrar a esquerda do ônus de sua falência. (No Brasil, o PSOL nos pretende fazer crer que a Social Democracia não passa de Neoliberalismo, debitando, assim, o fracasso das gestões no governo federal do PSDB e do PT, que virou Social Democracia, na conta do Liberalismo.)

Só não vê quem não quer. Entender a crise econômica atual é simples: uma questão de honestidade intelectual (aqui não há grau), de um mínimo de rigor conceitual, e de uma dose razoável de bom senso.

Em um artigo na Folha de S. Paulo de 11 de Janeiro deste ano, que tem o título “O mundo como ele é”, Antonio Delfim Neto, que está velhinho, mostra que ainda não perdeu de todo o juízo. Diz ele duas coisas importantes:

  • Primeira: “A crise que estamos vivendo não é uma daquelas ínsitas no particular sistema de economia de mercado, cujo codinome de guerra é ‘capitalismo’” [ênfase acrescentada].
  • Segunda: “É hora . . . de reafirmar que existem mesmo princípios econômicos e realidades insuperáveis. Por exemplo, que há uma troca permanente e incontornável entre o consumo maior e o investimento menor no presente em contraposição a um consumo menor e a um emprego menor no futuro. Ou que é uma grande tolice tentar violar as identidades da contabilidade nacional” [ênfase novamente acrescentada].

No primeiro caso, rigor conceitual e capacidade de percepção acima da média. No segundo caso, boa epistemologia e bom senso apurado.

2. A Economia

Interpreto a segunda observação de Delfim Neto, sobre os princípios e realidades insuperáveis da economia, da seguinte maneira.

A economia é um sistema objetivo de trocas. As pessoas e instituições produzem bens e serviços, em geral se especializam numa área produtiva, e trocam entre si os bens e serviços que produzem.

Numa economia complexa baseada no dinheiro, como a nossa, o dinheiro é uma ferramenta que facilita as trocas. Você produz algo que eu quero, e apesar de eu não ter produzido nada que você quer, podemos fazer uma troca: eu lhe dou dinheiro, que, posteriormente, você pode usar para adquirir qualquer coisa que lhe interesse, produzida por quem quer que seja.

Deixando de lado os ladrões e os corruptos (que no fundo são a mesma coisa, exceto pelo fato que ladrões em geral reconhecem que estão roubando, e, portanto, são um pouco mais honestos), o dinheiro de qualquer agente econômico (pessoa física ou jurídica) é ganho dessa forma. Até mesmo no caso do governo, pagamos impostos em troca (supostamente) de serviços relevantes que o governo deverá nos prestar, nos quais temos interesse (segurança pública, por exemplo, ou instituições que definam normas de convivência, ou que ajam como árbitros em divergências na aplicação das normas, etc.).

Faço aqui um breve parêntese, que não deixa de ser relevante por ser parêntese. Na visão liberal, é uma distorção do sistema alguém ter de pagar por serviços do governo que ele não usa (como acontece no Brasil). Uma pessoa adulta solteira, ou um casal que não tem filhos, ou mesmo um casal com filhos que prefere colocar seus filhos na escola privada, paga, não deveria ser obrigado a pagar pela parcela dos recursos arrecadados pelo governo que é destinada à educação. Os dois primeiros pagam por um serviço do qual não têm condições de usufruir. O terceiro paga por um serviço que optou, por livre e espontânea vontade, por não usar, por preferir usar um outro. Os dois primeiros pagam sem receber nada em troca. O terceiro paga duas vezes pelo que recebe apenas uma vez. A única “defesa” dessa aberração é fornecida pela Social Democracia – e é uma “defesa indefensável”, como se verá. Fim do parêntese.

Para qualquer agente econômico (indivíduo, organização, ou governo), o dinheiro que ele merecidamente ganha (earn, faz por merecer) ou recebe (sem fazer jus) é, em princípio, o limitador de seus gastos. Se, num determinado momento ou período de tempo, gastamos menos do que ganhamos, e não tínhamos nenhuma dívida anterior, economizamos: fazemos o que hoje se chama de poupança. Só conseguimos gastar mais do que ganhamos e/ou previamente economizamos se nos endividarmos, isto é, se tomarmos dinheiro emprestado de terceiros. (E empréstimo, como todos sabemos, custa dinheiro, cobrado na forma de juros).

Se tomamos dinheiro emprestado, ficamos endividados. Em algum momento, no curto, médio ou longo prazo, teremos de pagar o montante que tomamos emprestado mais os juros que nos comprometemos a pagar. (Duas observações. a) Numa economia viciada em inflação, pode ser que tenhamos de pagar também a taxa da inflação do período, na forma de correção monetária. b) Se tomamos o empréstimo em moeda estrangeira, pode ser que tenhamos de pagar eventual variação de câmbio favorável ao credor, para que o credor receba o mesmo valor, mais juros, na moeda em que nos emprestou; se a variação do câmbio for favorável a nós, devedores, sorte nossa.) Se, no momento aprazado, não tivermos dinheiro para pagar a dívida assumida mais os juros (e outros eventuais custos: inflação, variação de câmbio, etc.), ficamos insolventes e quebramos. Para não quebrar, temos algumas alternativas provisórias: podemos tentar renegociar a dívida: reivindicar um prazo maior, ou um parcelamento na forma de pagamento, ou uma taxa de juros mais amena, etc. Se ainda tivermos credibilidade junto aos credores, essa renegociação pode ser bem sucedida: uma vez, talvez duas. Mas se precisarmos renegociar nossas dívidas o tempo todo, chega a hora em que o credor nos dá um ultimato: se não pagarmos, ele nos aciona, e, neste caso, ou pagamos a dívida com os nossos bens, se os tivermos, ou somos declarados oficialmente insolventes: em outras palavras, quebramos (e ou pagamos com nossos bens, se os tivermos, ou ficamos com o nome manchado – sujo – na praça ).

Se ficamos endividados é porque gastamos mais do que ganhamos e/ou previamente economizamos. Para pagar uma dívida, precisamos economizar dinheiro regularmente (periodicamente, se o pagamento da dívida for parcelado, ou fazendo reservas financeiras ao longo do tempo para pagar a dívida toda de uma vez quando vencer o prazo). Se já  gastávamos mais do que ganhávamos ou tínhamos, e agora ainda temos de economizar para pagar a dívida, em parcelas ou de uma vez, vamos ter de mudar de estilo de vida: gastar muito menos do que ganhamos (porque, além dos gastos normais, temos de economizar para pagar a dívida) e/ou arrumar mais um emprego, ou um emprego que nos pague bem mais, coisas assim. Simplesmente reduzir um pouquinho a quantidade de dinheiro que gastamos, mas continuar gastando mais do que ganhamos, claramente não vai funcionar.

O que se aplica no plano individual e familiar, e que não passa de bom senso, aplica-se também, sem tirar nem pôr, a uma nação.

Como disse, tudo isso é bom senso. Pessoas que nunca estudaram economia na universidade sabem bem disso. O quitandeiro e o dono da banca de jornal da esquina sabem disso. Eleitores sabem disso. Por isso, eleitores que pagam impostos, e, portanto, custeiam o governo de sua nação (estado, cidade), deveriam se preocupar em verificar as finanças do seu governo. Raramente o fazem. Por isso, se surpreendem quando seu país (estado, cidade), que aparentemente estava indo bem, quebra. Até a cidade de Nova York já quebrou. O próprio governo americano correu risco recente de ficar insolvente, i.e., de não conseguir pagar suas dívidas (e ele é o maior devedor do mundo, como se verá). Seria muita sorte se o Brasil, governado há tanto tempo por um bando de corruptos e incompetentes, se safasse dessa.

Outro parêntese. Os crimes de responsabilidade de Dilma são: ela levou o governo federal a gastar muito mais do que arrecadava e estava autorizado a gastar, pelo orçamento submetido ao Congresso e por este aprovado; para continuar gastando além do limite, deixou de pagar credores e tomou dinheiro emprestado dos bancos oficiais (não para pagar os credores, mas para gastar ainda mais), sem tornar esses empréstimos oficiais (“vão pagando aí meus compromissos com os beneficiários de programas sociais que depois a gente acerta…”); no frigir dos ovos, não queria devolver nada aos bancos oficiais (que têm outros acionistas menores, além do governo), negando que se tratava de empréstimos, fato que levou até mesmo a Caixa Econômica Federal a acionar o Governo Federal, seu principal acionista, na Justiça; escondeu da nação o fato de que o país estava literalmente falido, quebrado, em bancarrota, até que ganhou, Deus sabe como, a eleição, em verdadeiro estelionato eleitoral. Se isso não é crime de responsabilidade, preciso mudar o jeito de administrar minhas finanças, começando com meus débitos para com o governo federal, passando a praticar desobediência civil consciente. A hora que isso é mostrado ao povo, ele entende e fica revoltado. A menos que seja artista da esquerda festiva ou caviar que mama nas tetas do Ministério da Cultura. Fim do segundo parêntese.

O curioso é que os políticos e economistas social-democratas, muitos dos quais são professores universitários e se consideram sumidades intelectuais, comportam-se como se não soubessem disso. Aqui no Brasil e, evidentemente, também na Europa e nos Estados Unidos.

Terceiro parêntese. A maioria dos britânicos, que não é de esquerda, sabe disso, por isso resolveu parar de pagar a conta dos social-democratas da União Europeia. Os esquerdopatas tiveram um chilique. Continuam tendo. Fim do terceiro parêntese.

É por isso que só não vê quem não quer, ou que aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça: estamos testemunhando a falência da Social Democracia. Não do Liberalismo Econômico, ou do Capitalismo, como pretende a esquerda: da Social Democracia (que é endossada pela maior parte da esquerda atual – só não é social-democrata a esquerda radical, aquele bando de gatos pingados que, sem perceber que a guerra acabou, ainda continuam a usar a retórica revolucionária de “transantontem”).

Do mesmo jeito que a Social Democracia pretende alcançar uma “democracia aperfeiçoada” (i.e., socializada), ela pretende defender o Capitalismo (só que um “capitalismo aperfeiçoado”, isto é, também socializado). É por isso que ela tasca “social” em tudo que é conceito: democracia social, liberalismo social, capitalismo social, direito social, justiça social, etc.. Só que democracia social não é democracia, liberalismo social não é liberalismo, capitalismo social não é capitalismo, direito social não é direito, nem justiça social é justiça. Ponto e basta.

Ou vejamos.

3. A Social Democracia

Estes são os principais pilares (“dogmas” ou “princípios indubitáveis”) que sustentam a Social Democracia:

  • Justiça Social
  • Direitos Sociais Substantivos dos Cidadãos
  • Deveres Substantivos do Estado
  • Redistribuição de Riquezas
  • Conquista e Controle da Opinião Pública

Nas seções seguintes vou comentar esses pilares, um por um. Mas antes, um capítulo rápido sobre o Liberalismo.

4. Os Direitos no Liberalismo

Nesta seção vou falar sobre o Liberalismo para fazer um contraste, na seção seguinte, com o que quero sublinhar acerca da Social Democracia.

O Liberalismo inventou a questão dos direitos humanos. Mas há uma diferença muito grande e significativa entre o que o Liberalismo chama de direitos humanos e o que a Social Democracia chama de “Direitos Humanos”: os direitos reconhecidos pelo Liberalismo são individuais, os que a Social Democracia pretendem que sejam reconhecidos são sociais.

(Na verdade, toda vez que a gente encontra um termo perfeitamente inteligível qualificado pelo adjetivo “social”, a gente deve se precaver: pode ser que o termo qualificado significa exatamente o oposto que o mesmo termo, sem o qualificativo.)

O Liberalismo exprime sua defesa da liberdade dos indivíduos através de uma defesa de seus direitos individuais. Os direitos individuais que o Liberalismo reconhece, e que garantem a liberdade do indivíduo, são a seguir descritos.

a. Direito à Integridade da Pessoa

Este é o direito à vida e à segurança da própria pessoa, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ter sua vida e sua segurança colocadas em risco por terceiros. (Ele próprio pode colocar em risco sua segurança e até mesmo sua vida; se não pudesse, não haveria corrida de Fórmula 1).

b. Direito à Expressão

Este é o direito que engloba o livre pensar e o livre falar, o jeito livre de ser e viver, isto é, o direito que tem o indivíduo de pensar o que queira e de não ser impedido por terceiros de dizer o que pensa, de viver como acha mais interessante ou satisfatório, e, naturalmente, o direito de não ser obrigado por terceiros a dizer o que não pense ou queira dizer, ou a viver como não deseje, e a fazer o que não queira.

c. Direito à Locomoção

Este é o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de ir e vir, dentro ou para fora do território em que viva, de onde ou para onde quer que seja, e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a ficar onde não deseja ficar ou a se locomover para onde não deseja ir e, por fim, de não ser levado, contra sua vontade, para onde não deseja ir.

d. Direito à Associação

Este é o direito que tem o indivíduo de não ser impedido de formar associações com qualquer pessoa que se disponha a participar da associação e de excluir da associação quem nela não for, por qualquer razão, desejado, e de não ser obrigado a participar de qualquer associação ou a aceitar, em associações sob seu controle, quem quer que seja.

e. Direito à Ação

Este é o direito que tem o indivíduo de buscar a felicidade, isto é, de não ser impedido por terceiros de procurar ser feliz da forma que bem entender, fazendo, para tanto, o que deseja fazer ou o que lhe interessa, satisfaz e faz feliz e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a procurar ser feliz de uma maneira particular.

f. Direito à Propriedade

Este é o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de produzir qualquer bem que seja capaz de produzir, ou de adquirir qualquer bem que esteja a venda, para cuja produção ou aquisição tenha recursos, e de não ser obrigado por terceiros a produzir ou adquirir qualquer bem, nem a trocar ou vender os bens que já possui, ou a deles se separar contra a sua vontade (incluindo por desapropriação, furto ou roubo), de não ser privado de seus rendimentos, através de impostos, exceto para finalidades e através de processos aos quais deu seu explícito consentimento.

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Em relação a esses direitos, é preciso observar, em primeiro lugar, que os direitos de um indivíduo só são limitados pelos iguais direitos de outrem.

Assim, meu direito de buscar a minha felicidade como bem entenda é limitado, por exemplo, não só pelo direito de outros de também buscar a deles, como, também, pelo direito de outros de não serem obrigados a fazer o que não queiram ou a se associarem a mim em minha busca, bem como pelo seu direito de preservar a sua integridade e segurança. Assim, meu direito de buscar a minha felicidade como bem entenda não me dá o direito de tentar obrigar alguém a, digamos, se casar comigo, porque só serei feliz em sua companhia. O direito que eu tenho é o de buscar a minha felicidade como bem entenda, respeitados iguais direitos dos outros. Nada deve me impedir de buscar a participação de outras pessoas em meu projeto de vida, mas, também, nada deve impedi-las de se recusar a participar, se assim houverem por bem.

É preciso observar ainda, em segundo lugar, que, como a liberdade que ajudam a definir, todos esses direitos são concebidos de forma negativa, como provam as expressões “não ser impedido”, “não ser obrigado”, etc., que aparecem em todos eles.

Os direitos individuais que definem a liberdade do indivíduo são, portanto, direitos negativos, porque, embora direitos de cada indivíduo, o único dever que seu exercício impõe a outros indivíduos é o dever negativo da não interferir. Se os outros indivíduos simplesmente não fizerem nada, estão me garantindo o exercício de meus direitos. Uma pessoa respeita plenamente os direitos individuais de uma outra pessoa, portanto, quando não faz nada: quando não coloca a vida e a segurança dessa pessoa em risco, não a obriga a agir, ou não a impede de agir.

Assim, se, por exemplo, o indivíduo tem direito à vida (parte do direito à integridade da pessoa), isso implica apenas que nenhum outro indivíduo, ou nenhuma instituição, tem direito de lhe tirar a vida, ou mesmo de colocá-la em risco – só ele mesmo pode tirar sua vida ou coloca-la em risco. Esse direito, sendo negativo, não implica (exceto no caso de crianças ou os que nascem incapacitados) que alguém (indivíduo, instituição, ou o próprio estado) tenha o dever de lhe dar os meios de se manter vivo (terra, emprego, alimentação, atenção médica, educação, conhecimentos, treinamento, etc.). Esses meios de subsistência é o próprio indivíduo que, assim que for capaz de fazê-lo, tem de prover para si próprio através de seu trabalho. (No caso de crianças, é responsabilidade dos pais, ou dos parentes, não do Estado, prover esses meios de subsistência até que as crianças possam provê-los por si próprias; no caso dos que nascem incapacitados, é responsabilidade dos pais ter seguros que cubram essas eventualidades; no caso dos que se incapacitam, depois de adultos, por acidentes ou doenças, é responsabilidade deles mesmos ter seguros que cubram essas eventualidades).

Ainda outro exemplo. O direito à expressão só implica que ninguém pode impedir o indivíduo de pensar o que quer que seja (de resto algo impossível), de dizer o que pensa, de viver como deseja, de expressar sua individualidade como acha mais adequado. Esse direito, sendo negativo, não implica que alguém tenha o dever de lhe fornecer os meios de se exprimir (um fórum, um palanque, um microfone, uma coluna no jornal, um blog ou um site na Internet, etc.), ou de viver como deseja (roupas, moradia, meios de transporte, etc.). Esses meios é o próprio indivíduo que tem de conquistar por si mesmo.

Mais um exemplo (para deixar a questão tão clara quanto possível, embora ela já tenha sido discutida atrás). O direito à ação em busca da felicidade implica apenas que o indivíduo não deve ser impedido de buscar a felicidade na forma que ele julgar mais adequada. Esse direito não implica que alguém tenha o dever de fazê-lo feliz ou garantir que ele esteja feliz. (Se o direito anterior é de mera expressão, algo que pode ser feito através da forma em que o indivíduo se veste, se penteia, se adorna, etc., aqui o direito é de ação efetiva, que envolve fazer o que queira [educar-se, treinar-se, etc.], trabalhar no que queira, sozinho ou com outros, criar empresas e outras instituições, casar-se ou não, etc.).

Finalmente, outro exemplo. O direito à propriedade implica tão apenas o que foi descrito atrás. Não implica que alguém tenha o dever de prover ao indivíduo os bens de que necessita ou que deseja: essa é uma responsabilidade exclusivamente sua. Também é responsabilidade exclusivamente sua obter os recursos de que necessita para viver.

Sem o direito à propriedade, os outros direitos ficam esvaziados. Se eu não tenho o direito de propriedade sobre o fruto de meu trabalho, fica comprometido o direito à minha integridade, à minha expressão, à minha locomoção, à minha associação com outros, e à minha ação em busca da felicidade.

5. Direitos e Deveres na Social Democracia

Nesta seção vou falar sobre a Social Democracia, procurando deixar claro o contraste que existe entre ela e o Liberalismo.

Já ressaltei, mas não custa faze-lo mais uma vez, que a Social Democracia é uma modalidade de Socialismo – a modalidade de Socialismo mais popular, hoje em dia, agora que o Socialismo Marxista (Comunismo) não passa de uma vaga – e triste – lembrança. A Social Democracia pretende ser uma modalidade democrática de Socialismo porque abriu mão da revolução armada como meio ou estratégia para atingi-lo. No processo, deixou de enfatizar o Socialismo no plano da produção (estatização dos meios de produção), para enfatizar o Socialismo no plano da distribuição (que ela frequentemente chama de redistribuição, de certo modo concedendo que o modo de distribuição de riquezas natural é o que é enfatizado pelo Liberalismo, em que a distribuição, e, consequentemente, também a produção, são coordenadas, como se fosse, por uma mão invisível, como disse Adam Smith, porque, apesar de cada um buscar o seu interesse, o interesse de todos acaba sendo atendido -como bem ressaltou Bernard de Mandeville) [1].

a. O Princípio Básico dos Socialismos (Inclusive da Social Democracia)

O princípio básico do Socialismo (de todas as formas de Socialismo) é “De cada um, segundo suas capacidades; a cada um, segundo suas necessidades”. Surpreendentemente esse princípio não foi apresentado no Manifesto Comunista, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels em 1848. Ele se encontra em um texto posterior, assinado apenas por Marx, publicado vinte e sete anos depois, em 1875, chamado Crítica do Programa de Gotha [2].

O princípio parte de dois pressupostos:

  • Primeiro, que o trabalho é fonte de toda a riqueza existente em uma sociedade;
  • Segundo, que o trabalho é feito em um contexto social, e, portanto, tem natureza social, vale dizer, colaborativa.

Combinados, esses dois pressupostos geram um outro:

  • Terceiro, a saber, que a riqueza produzida pelos indivíduos em sociedade, por ser gerada colaborativamente, pertence, na realidade, a todos, isto é, à sociedade, não, individualmente, àqueles que participaram de sua produção.

Embora Marx não faça questão de enfatizar o fato, ele sabe que os indivíduos têm “capacidades” diferentes. O conceito de capacidade não é muito preciso, mas parece envolver, pelo menos, os seguintes componentes:

  • Dons e talentos naturais do indivíduo;
  • Competências, habilidades, conhecimentos, valores, atitudes e posturas que ele adquire através da educação;

Juntos e combinados, esses dois se expressam através de:

  • Sua inteligência e outras características cognitivas;
  • Sua imaginação, inventividade, e outras características criativas;
  • Sua motivação e outras características emocionais;
  • Sua força, resistência e outras características físicas, etc.

Os indivíduos diferem uns dos outros em decorrência de:

  • o mix específico desses componentes da capacidade que cada um possui ou desenvolve;
  • a intensidade, profundidade, abrangência, etc. que cada um dos componentes alcança.

Assim, é de supor e esperar (e Marx não desconhece o fato) que um indivíduo bem dotado em todos esses componentes do conceito de capacidade humana produza mais, ou seja, contribua mais com seu trabalho para uma sociedade, do que um indivíduo menos bem dotado.

O princípio formulado por Marx estipula, em sua primeira metade, que cada indivíduo deve produzir para a sociedade de acordo com suas capacidades.

Estamos aqui falando em produção e esse é um princípio moral que Marx enuncia: ele está se referindo ao que cada indivíduo deve contribuir para a sociedade, não ao que cada um de fato contribui.

Mas por que o indivíduo deve contribuir para a sociedade com o máximo e o melhor de sua capacidade?

Para o Liberalismo a resposta é fácil, clara e precisa. No Liberalismo, pelo direito da propriedade, o indivíduo que é autônomo, e trabalha, portanto,  para si próprio, torna-se proprietário ou dono daquilo que ele produz, e o indivíduo que trabalha para terceiros recebe uma remuneração que considera justa e adequada para o trabalho que faz (se não a considerar adequada e justa, tem liberdade para procurar outro trabalho). Assim, é, em princípio, no interesse de cada indivíduo produzir mais e melhor. Embora outros possam se beneficiar desse seu comportamento, até mais do que ele, ele também se beneficia, e numa proporção que considera adequada e justa. Sua remuneração (a retribuição que ele recebe pelo seu trabalho) está diretamente vinculada à quantidade e à qualidade do trabalho que ele produz.

No Socialismo, porém, a coisa não é assim. Marx poderia até ter dito, valendo-se do conceito de igualdade, tão importante nos Socialismos, que cada um, dentro de um determinado contexto (uma instituição ou mesmo a sociedade) receberia proporcionalmente à média aritmética da produção de todos. Isso faria com que todo mundo recebesse a mesma coisa, independentemente de sua produtividade e da qualidade de seu trabalho. Mas Marx não disse isso. Em um exagero tipicamente utópico, ele decidiu que aquilo que cada um deve receber seja proporcional, não ao que cada um produziu, mas, sim, àquilo de que ele necessita – “a cada um, segundo as suas necessidades”. Ou seja, a distribuição das riquezas de uma sociedade independe de como essa riqueza foi produzida. Quem mais contribuiu para sua produção pode até mesmo ser o que menor retribuição recebe, por ter poucas necessidades.

Note-se que, mais uma vez, estamos falando aqui de um princípio moral: Marx está tratando daquilo que cada indivíduo deve receber da sociedade (independente do quantidade e da qualidade do que ele produziu).

Para que não pairem dúvidas: o que um indivíduo produz na sociedade, contribuindo, assim, para  riqueza daquela sociedade, deve depender de suas capacidades, daquilo que ele tem condições de produzir; o que ele recebe, depois de ter produzido de acordo com suas capacidades, não deve depender do que ele produziu: deve depender de suas necessidades, daquilo que ele precisa.

Não parece justo, não é mesmo? Tanto que os que estavam envolvidos no Programa de Gotha não acataram a sugestão marxiana e deixaram, no texto final aprovado, a expressão “necessidades razoáveis’… [3] Esse primeiro significativa mudança implicitamente reconhece que o termo “necessidades”, em si, pode ser usado para se referir a “necessidades irrazoáveis”, que seriam, na realidade, meros desejos, não necessidades reais!

Por exemplo: Uma menina de doze anos cujos dentes permanentes estão nascendo meio tortos tem necessidade de um tratamento ortodôntico. Eu, como professor universitário, tenho necessidade de livros para minhas aulas e meus estudos e pesquisas. Caso não haja recursos para atender às duas necessidades, qual necessidade é mais básica ou mais importante? Um novo uniforme e um par de luvas cirúrgicas para a enfermeira do principal hospital da cidade é uma necessidade maior ou menor do que um novo par de chuteiras e uma par de caneleiras para o principal jogador de futebol da seleção regional? [4]

Mas deixando isso de lado, é esse princípio que vai corromper o conceito de justiça quando ele é transformado em conceito de justiça social.

b. A Chamada Justiça Social

Segundo o conceito clássico de justiça, o princípio básico do Socialismo é extremamente injusto.

O conceito clássico de justiça, que existe desde a Antiguidade, se baseia no princípio de que cada indivíduo é livre para produzir e para decidir o que vai produzir, em que quantidade, em que nível de qualidade, e tem o direito de guardar (manter) ou usar (gastar) aquilo que produziu ou de ser remunerado por aquilo que ele produziu de forma adequada e justa. A justiça exige que cada um seja recompensado em proporção ao que contribuiu, de acordo com aquilo a que fez jus, segundo aquilo que fez por merecer e que, portanto, lhe é devido, por direito. A expressão “fazer jus”, em Português, inclui o termo latino “jus, juris”, que está na raiz tanto do termo “justiça” como do termo “jurisprudência”. A cada um, portanto, de acordo com aquilo a que ele fez jus.

Assim, justa é uma ordem social em que cada um, por direito, recebe retribuições ou retornos proporcionais ao que produziu e ele produz aquilo que escolheu produzir de acordo com seus interesses e sua capacidade (no sentido visto). Essa retribuição ou esse retorno é seu, e ele, portanto, tem direito de mantê-lo ou gastá-lo, conforme precisar ou simplesmente desejar.

Como é evidente que alguns possuem maiores capacidades (por tê-las herdado ou por tê-las adquirido) e/ou despendem maiores esforços na consecução de seus objetivos e de suas metas, resta também evidente que a sociedade mais justa será desigual nos retornos finais de cada um.

Esse o sentido de justiça que toda a humanidade aceitou desde tempos imemoriais.

De acordo com esse conceito, justo é cada um receber (e manter ou gastar) aquilo a que ele jus, através de seu trabalho produtivo, aquilo que, com base no que fez, lhe é de direito (de jure) — e, portanto, devido.

Na visão clássica da justiça, quando um indivíduo trabalha ele está diretamente contribuindo para sua própria sobrevivência e seu próprio bem-estar, e para a sobrevivência e o bem-estar daqueles que dependem dele, por escolha e decisão dele. Quando isso acontece, o indivíduo, indiretamente, está contribuindo para a sociedade ao garantir que não vai precisar depender da generosidade e da caridade alheia e, assim, não estará sendo um encargo para ela.

Como se disse atrás, segundo o conceito clássico de justiça, o princípio básico do Socialismo, “De cada um, segundo suas capacidades; a cada um, segundo suas necessidades”, é extremamente injusto.

A justiça social consiste em tentar caracterizar como, de certa forma, justo, uma distribuição de riquezas que segue esse princípio, porque deixa de dar para quem fez por merecer parte daquela riqueza em decorrência do fato de ter contribuído para produzi-la e dá para quem tem necessidade desse quinhão, mesmo que em nada tenha contribuído para produzi-lo.

Entre autores contemporâneos, ninguém tem mais defendido a legitimidade do conceito de justiça social (conforme ele a entende) do que o filósofo americano John Rawls. Ele é considerado por muitos, nos Estados Unidos e em outros países, como grande expoente do Liberalismo moderno (um Liberalismo supostamente com uma cara humana) e um grande defensor da justiça. Ele escreveu (entre outros), um livro sobre o Liberalismo e outro sobre a justiça.  Mas a verdade é que nem ele é liberal, nem a justiça que ele propõe é justiça [5].

Rawls só pode ser chamado de liberal no sentido que os americanos dão ao termo, sentido esse que é oposto ao sentido original do termo “liberal”. Liberal, no sentido americano, é quem é socialdemocrata.

Quanto à suposta justiça que Rawls defende, basta dizer que, para expressar o que ele pensa, é suficiente enunciar uma tese dele, a saber, que as únicas desigualdades que podem ser consideradas justas e justificadas são aquelas das quais podemos esperar que operem em benefício daqueles que estão em situação pior. As desigualdades que beneficiam os que estão em situação melhor são, segundo ele, injustas, injustificadas e intoleráveis – ainda que sejam decorrentes do mérito (capacidade + esforço) dessas pessoas.

“A pessoa talentosa”, diz Rawls, “não faz por merecer (earned) nada, seja lá quem ela for: ela só pode se beneficiar de sua sorte (fortune) se vier também a beneficiar com seus talentos aqueles que saíram perdendo”.

Que uns nasçam com talentos e outros não, ou que uns nasçam com muitos talentos, e outros com poucos, é, para Rawls, uma “injustiça natural”, cometida pela natureza ou por Deus. Essa injustiça natural teria de ser compensada por uma “justiça social”, que inverte os benefícios naturalmente concedidos. Segundo essa justiça social, quem é talentoso (tem dons naturais), competente e, além da posse de habilidades e, além disso, é motivado e se esforça, não tem direito aos frutos de seu talento, de sua competência, e de esforço: só os sem talento, incompetentes, e cujo esforço, se existe, não compensa a falta de talento e competência, e é que têm direito aos frutos dos talentos, das competências e dos esforços daqueles que foram bem aquinhoados pela natureza ou por Deus. Os sem talento, incompetentes, e cujo esforço não é capaz de compensar a falta de talento e competência, é que devem prioritariamente se beneficiar daquilo que é produzido na sociedade.

Rawls nega à pessoa talentosa, competente e esforçada o direito de se beneficiar de seus talentos, de suas competências e de seu esforço: dela vêm as os talentos, as competências e os esforços bem empregados, mas os frutos disso irão para os outros, em atendimento às suas necessidades… [6]

Onde vai parar isso?

Na década de 70 um ganhador do Prêmio Nobel em Economia, Jan Tinbergen, da Holanda, propôs, numa conferência internacional em Nova York, que se criasse “um imposto sobre a capacidade pessoal dos indivíduos” [7]. Ou seja, a capacidade das pessoas seria punida: quanto mais capaz a pessoa, maior seria a alíquota do imposto que incidiria sobre ela.

Em artigo publicado em The New York Times de 20/1/73, sob o título de “A Nova Desigualdade”, Peregrine Worsthorne declara que, da mesma forma que considerávamos injusto que alguém receba um maior quinhão de riquezas apenas porque é filho de um nobre, devemos também considerar injusto que alguém, hoje, receba um maior quinhão por ter nascido com maior capacidade, ou por ter desenvolvido melhor suas capacidades, ou por ter mais motivação, ou por ter nascido em ambiente propício… [8].

Isso não é justiça: é travesti de justiça. Qualquer coisa diferente é “newspeak“, é tentativa de usar o próprio conceito de justiça para tentar justificar o injusto — no fundo, a expropriação e o roubo (ainda que por meios legais)…  George Orwell, em sua célebre utopia negativa, 1984, criou esse termo “newspeak” (em geral traduzido para o Português como “novilíngua”) para designar mudanças em conceitos importantes que os totalitarismos procuram introduzir na mente das pessoas, para que elas venham a acreditar que determinados termos de nossa língua significam algo totalmente diferente do que normalmente significam – às vezes, algo totalmente oposto [9].

Os socialistas são em geral desavergonhados a respeito de suas redefinições de conceitos.

O que Worsthorne está propondo é que consideremos as capacidades (competências, habilidades, conhecimentos, valores, atitudes, posturas, etc.) de um indivíduo como uma forma de privilégio que é preciso abolir, pois essas características seriam semelhantes aos privilégios de nascença que vigoravam na nobreza. Por isso ele endossa os movimentos que propõem a eliminação de “distinções educacionais”, como as envolvidas em avaliações, diplomas, etc.

Começa a ficar claro que a luta por uma “nova justiça”, a assim denominada justiça social, não é uma luta a favor dos “menores, mais pobres, mais sofredores, e mais indefesos”: ela é uma luta contra os “maiores, os mais ricos, os mais felizes, os mais capazes de cuidar de si próprios”. Em outras palavras: é uma luta contra as pessoas capazes. Não basta extrair mais deles, por taxação, para dar aos mais necessitados: é preciso acabar com eles, para que os mais necessitados não tenham sua autoestima reduzida pela comparação com os bem-sucedidos.

c. Os Alegados Direitos Sociais

Se saúde, seguridade, educação, as inúmeras “bolsas”, etc. forem dadas aos que não têm essas coisas e as desejam (sic) como expressão da generosidade daqueles que, tendo essas coisas, podem ajuda-los e decidem fazê-lo, isso não seria visto como adequado pelos defensores da justiça social e proponentes da Social Democracia, porque os recipientes desses presentes, neste hipótese filantrópica, se sentiriam inferiores e, assim, teriam sua autoestima prejudicada. Para que preservem sua autoestima e seu senso de que são iguais aos que possuem essas coisas, é necessário que saúde, seguridade, educação, as diversas “bolsas”, sejam consideradas necessidades básicas dessas pessoas (e não simplesmente desejos). Na verdade, a sequência lógica é: um desejo (compreensível) é redefinido como necessidade e a necessidade é vista como gerando direitos e deveres:  direitos deles, recipientes, e deveres do Estado, vale dizer, nossos, os que pagamos impostos. Para que isso pudesse vir a acontecer foi que se inventou o conceito de justiça social, e se criaram, com base nela, os inúmeros direitos chamados sociais – que não têm fim.

Apesar de nem todo mundo poder satisfazer todos os seus desejos, todo mundo tem o direito de ter suas necessidades básicas atendidas, independentemente de poder pagar por esse atendimento, e só é socialmente justa uma sociedade em que todos os membros têm suas necessidades básicas adequadamente atendidas. É isso o que defendem os proponentes da “nova justiça”. As necessidades básicas cujo atendimento se tornou um direito, a partir do surgimento da Social Democracia, são saúde, seguridade, educação, emprego (ou, na ausência ou inadequação dele, uma “bolsa”, ou mais de uma), moradia, transporte, etc.– a lista aumenta a cada dia. (Não é mais inimaginável que se criem um dia um direito ao afeto – o amor – e um direito à satisfação sexual – o vulgar “orgasmo”. Foi por isso que se admitiu a “visita íntima” aos encarcerados, permitida até aos menores de idade. Direito a ar puro, a raios solares, e a vista desobstruída a partir da janela da própria casa já foram promulgados por alguns).

Mas a justiça social, como já disse, não é justiça. Como bem a descreve Friedrich von Hayek, ela não passa de uma miragem [10].

d. Os Supostos Deveres do Estado na Área do Bem Estar Social

O atendimento das necessidades básicas de cada um (vale dizer, o seu “bem estar”) não pode depender diretamente da generosidade e da boa vontade das pessoas: o Estado tem de chamar a si a responsabilidade por esse atendimento, declarando-o dever seu e formalizando esse dever numa constituição ou numa lei básica.

Há duas variantes desse princípio:

  1. Numa variante mais restrita, o Estado tem o dever de atender as necessidades básicas daqueles que não podem pagar pelo atendimento delas, o restante da população, que pode pagar, cuidando de si próprio;
  2. Numa variante irrestrita, universalista mesmo, o Estado tem o dever de atender as necessidades básicas de todo mundo, mesmo daqueles que poderiam pagar por esse atendimento, desde que o desejem esse atendimento.

Até o surgimento do Socialismo e de seu filhote, a Social Democracia, as necessidades básicas dos pobres e desvalidos eram atendidas voluntariamente pela filantropia privada, como, por exemplo, igrejas, instituições de caridade, os Andrew Carnegie, os John D. Rockefeller, os Warren Buffett, os Bill Gates, os Mark Zuckerberg da vida, etc. Na Social Democracia os cidadãos são obrigados a custear esse atendimento, através de seus impostos, sendo o atendimento feito normalmente pelo governo — que, no Brasil, em especial, em geral contrata a iniciativa privada, supostamente não lucrativa, as ONG, para fazer o atendimento…

e. Os Meios: Redistribuição de Riquezas, Taxação Progressiva, e Políticas Públicas

Como o Estado não gera, por si próprio, um centavo sequer de riqueza, apenas confiscando da iniciativa privada, através de impostos, contribuições e taxas, parte da riqueza que ela gera, e como aqueles que não podem pagar pelo atendimento de suas “necessidades básicas” também normalmente não pagam impostos e taxas significativos, o Estado precisa retirar mais, mesmo percentualmente, de quem ganha mais (Taxação Progressiva), para poder “redistribuir” a riqueza assim obtida para quem tem necessidades por cujo atendimento não pode pagar, essa redistribuição se dando de várias formas: serviços públicos gratuitos (forma mais tradicional), geração de empregos através de “obras públicas” (forma mais recente), e “bolsas” em dinheiro (handouts) ou na forma de materiais e serviços, como bolsa de alimentos (o “Bolsa Família”), bolsa gás de cozinha, bolsa iluminação, bolsa material de construção, etc. – até mesmo “Bolsa Digital” (computadores e Internet subsidiados — uma forma recentíssima de bolsa). Cada uma dessas “bolsas” passa a ser “Política Pública”. É assim, “democrática” e “pacificamente”, que se realiza a “justiça social” segundo a Social Democracia. (Só as “vítimas” do sistema, ou seja, aqueles que são obrigados a pagar com seu dinheiro pela “generosidade” do estado para com terceiros, tidos como necessitados, não acham a coisa divertida nem democrática — nem tampouco pacífica, como qualquer um que se recusa a pagar o preço da “generosidade” estatal rapidamente descobre).

f. Os Meios dos Meios: Conquista e Controle da Opinião Pública e Doutrinação

Se a fragrante injustiça que isso representa fosse percebida como tal por suas reais vítimas (os que pagam a conta do festival de direitos), e, em consequência, gerasse protesto e revolta ou, no mínimo, desobediência civil e boicote aos impostos, mostrou-se indispensável conquistar e controlar a opinião pública. Isso se faz, no parlapatório dos social democratas, de um lado, “democratizando” as Mídias, pagando jornalistas e blogueiros para repetir todo dia o credo socialista, etc., e, de outro lado, “impondo um currículo único às escolas” que seja focado na doutrinação e não na educação. E ocupando todos os espaços – mostrando que a lição de Antonio Gramsci foi aprendida extremamente bem pela esquerda. A primeira medida atinge mais os adultos, a segunda, os menores de idade: crianças, adolescentes e jovens.

Para todos, a lição de Joseph Goebbels foi assimilada: repetir slogans e palavras de ordem à exaustão, repetir mentiras até que, de tão familiares, elas são percebidas como verdades. Isso se faz através da propaganda e da publicidade. A “conscientização” da população se faz através de propaganda direta ou subliminar, para convencer a todos de que isto e aquilo é “direito do cidadão e dever do Estado”; de que a “desigualdade de renda” é uma chaga social que precisa ser a todo custo eliminada; de que, por isso, o Estado tem o direito de confiscar a riqueza de uns para beneficiar os outros, pois fazendo isso, com base no princípio de que “cada um contribui segundo as suas capacidades, e cada um recebe segundo a suas necessidades”, ele combate a desigualdade de renda e promove uma sociedade socialmente justa; de que a filantropia privada torna os necessitados “objetos de caridade” em vez de “sujeitos de direitos”, assim discriminando-os e impedindo-os de alcançarem “autoestima”, etc.. Essa propaganda, depois de um tempo, gera um “pensamento único” do qual é inadmissível divergir. E os social-democratas têm a desfaçatez de acusar os liberais de aderir ao “pensamento único” e de promovê-lo. Eles, que desejam e tentam impor a hegemonia, se dizem defensores da diversidade e da pluralidade – acusando os liberais de fazer o que, de fato, são eles que fazem.

Esses dogmas estão produzindo seus resultados agora.

6. As Consequências da Social Democracia

Fazer caridade com o dinheiro alheio, como pegar brasas com a mão do gato, é fácil. Além disso, os políticos rapidamente descobriram que essa caridade torna os governantes populares junto à maior parte da população e essa popularidade se traduz em votos nas eleições seguintes, garantindo a sua permanência (de preferência perpétua — vide José Sarney) no poder.

Na realidade, o que acontece com os governantes social-democratas é que eles acabam comprando votos com o dinheiro que transferem para grupos específicos de necessitados dentro da população: os sem terra, os sem moradia, os sem infraestrutura, os sem transporte, os sem escola (ou universidade), os sem computador e os sem Internet ou os sem Internet em banda larga (“os excluídos digitais”), os sem emprego, etc. (Vide Luís Inácio Lula da Silva).

Para ter recursos para atender a todos esses grupos de pressão, o governo aumenta impostos (das pessoas mais ricas, das empresas, etc.). Se se chega ao ponto em que aumentar ainda mais os impostos se torna politicamente inviável para o governo, ele precisa se endividar (algo que acontece há tempo com o governo americano e que aconteceu durante muito tempo com o governo brasileiro — que até bem pouco tempo se achava rico e emprestava dinheiro ou fazia doações para outros países e até para o Fundo Monetário Internacional). O único jeito de um governo pagar as dívidas contraídas é promovendo o famoso “superavit fiscal”, ou seja, gastando, com despesas correntes e investimentos menos do que arrecada, para poder sobrar dinheiro para pagar a dívida — mas isso o força a cortar gastos, o que é extremamente impopular junto aos que eram beneficiados por aqueles gastos, e, portanto, nenhum governante quer fazer.

Um dia, porém, a casa cai. Começou a cair há uns três anos na Europa e vai cair em breve nos Estados Unidos. A casa americana ainda não caiu porque os americanos continuam a ter o exército mais poderoso do planeta, e isso leva muitos países a se aliarem a eles e baterem em suas portas para emprestar-lhes dinheiro para financiar o seu deficit. Os Estados Unidos ainda têm excesso de crédito na praça, por isso demorarão a cair mais do que a Europa. Mas não muito. A hora que a China resolver cobrar dos Estados Unidos as dívidas que os americanos têm com ela, a casa cai – ou há outra guerra mundial e daí o mundo, como o conhecemos, chega ao fim [11].

7. Epílogo 1: Transcrição de um Artigo de Nadim Shehadi

Folha de S. Paulo de 16 de Janeiro de 2012
(Traduzido de The New York Times).

Tendências Mundiais – Inteligência

O peso de um longo século: o Estado não pode cumprir sua parte do contrato social

Nadim Shehadi
Instituto Real de Assuntos Internacionais
Londres

“O ano de 2011 foi o fim do século XX.

Daqui a 50 anos, um historiador olhará para os protestos de 2011 e descreverá a crise global como um sintoma do fim de um fenômeno único do século XX: o Estado assumiu um controle sem precedentes da vida dos indivíduos, e seu papel teve um crescimento desproporcional até que finalmente ele rachou.

Variações de um contrato social existiam na Europa e em outros lugares: o Estado prometia emprego do berço ao túmulo, educação, assistência à saúde, aposentadoria e outros serviços; em troca, os indivíduos cediam grande parte da liberdade, renda, herança, poupança e riqueza. Nos anos 1970, as pessoas de maior renda no Reino Unido pagavam mais de 90% em impostos.

Hoje, finalmente, está claro que um lado dessa equação não vale mais: o Estado não pode cumprir sua parte do acordo. As próximas duas gerações, pelo menos, continuarão pagando impostos ainda maiores, mas uma parte maior irá para saldar a dívida das últimas duas gerações, e não para obter melhores serviços.

Mas a questão aqui não é de quantidade ou qualidade. Todo o conceito está desmoronando. Não se trata apenas de uma crise econômica ou uma crise de governança; a ideia do contrato social está morta.

No século XX, o Estado gradualmente tomou conta de nossas vidas. Os gastos do Estado, até nos sistemas mais capitalistas do mundo, às vezes superavam 50% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no início do século mal atingiam 10%. O crescimento aconteceu de forma incremental, às vezes deliberadamente ou depois de crises ou guerras, e em geral foi irreversível. A corrupção se expandiu a uma dimensão totalmente nova. É tentador demais para os políticos fazer promessas em nome do Estado pelas quais eles nunca serão realmente cobrados. Os votos são conquistados em curto prazo e os problemas ocorrem muito à frente, e outros levam a culpa.

O tema não é novo, mas foi em 2011 que a crise atingiu o pico. Na Grécia, Espanha, Estados Unidos, Índia, China, Israel e na Primavera Árabe, as pessoas foram às ruas. Algumas exigiam seus serviços e aposentadorias de volta, mas nunca os receberão. Elas estão em negação, lamentando o fim do papel do Estado. Os movimentos ‘Ocupem’ acusam os banqueiros pela crise; outros escolheram os imigrantes como bodes expiatórios. Esta não é uma revolução camponesa ou operária: os manifestantes são sobretudo da faixa de renda média. Ironicamente, o sistema reforçou suas fileiras, mas eles também são os que pagaram a proporção mais alta de sua renda em impostos e receberam menos em serviços, e cujas poupanças e riqueza foram desgastadas por uma moeda desvalorizada, manipulada pelos políticos.

Foi um longo século. A maioria das ideias que criaram o monstro se originaram de discussões nos anos 1870. A Prússia de Bismarck estava triunfante depois da queda de Paris em 1871, e suas fortes instituições estatais e a seguridade social foram a inspiração para o que mais tarde ficou conhecido no Ocidente como Estado do Bem-Estar Social. Discussões depois da recessão dos anos 1930 levaram a uma predominância dos keynesianos – que defendiam os gastos do Estado. Havia a ideia de um Estado forte e a justificativa para pagar por ele. O modelo do Estado do Bem-Estar atingiu o pico depois da Segunda Guerra Mundial e floresceu durante aproximadamente 40 anos, quando começaram a aparecer rachaduras em meados dos anos 1980. O peso era demasiado e o retorno em serviços diminuía. A ideia do controle do Estado começou a perder terreno na era de Reagan e Thatcher, e o Muro de Berlim desabou. Mas na época as tentativas de enxugar o Estado não tiveram sucesso no Ocidente.

Foram precisos mais de 20 anos para perceber que o navio da história está virando, e ainda não temos certeza para onde ele ruma. Alternativas surgiram gradualmente sem que percebêssemos sua importância. Existe um retorno à filantropia clássica de Warren Buffett e Bill Gates, que havia saído de moda quando o Estado deveria ser o provedor universal. Os manifestantes do ‘Ocupem Wall Street’ pediam a volta das cooperativas bancárias; serviços voluntários estão preenchendo buracos e há exigências de mais responsabilidade social das empresas e dos indivíduos. Outro sinal dos tempos é que as ideias de economistas austríacos como Friedrich von Hayek, considerado o campeão do capitalismo laissez-faire e que havia perdido o debate nos anos 1930, ressurgiram com o Tea Party; Ron Paul, candidato à nomeação presidencial republicana; e outros libertários.

Como o homem de olhar vazio no vagão de trem em um filme de Hitchcock, o sistema estava morto há muito tempo e só precisava de um empurrão para finalmente virar. No mundo árabe há um colapso quase total. É lá que os indivíduos cederam muito mais de suas liberdades e receberam o mínimo em troca. Regimes que pensam que podem comprar uma saída aumentando os salários ou criando projetos públicos estão enganando a si próprios. O contrato não vale mais. Não é uma questão de preço, e os que não conseguirem se adaptar cairão como no Leste Europeu, onde a ideia morreu primeiro e os sistemas a seguiram.

Conceitos como crises, estabilidade e risco não são mais negativos, pois podem produzir um resultado melhor. As tentativas de remendar os problemas em nome deles simplesmente não funcionarão em tempos de mudanças tão radicais.

As próximas duas gerações continuarão pagando impostos ainda maiores, mas terão poucos serviços em troca” [12].

8. Epílogo 2: Transcrição da Carta Sem Título, de Ayn Rand

An Untitled Letter

Ayn Rand

1973

“The most appropriate title for this discussion would be “I told you so.” But since that would be in somewhat dubious taste, I shall leave this [issue of The Ayn Rand Letter] untitled.

In Atlas Shrugged, and in many subsequent articles, I said that the advocates of mysticism are motivated not by a quest for truth, but by hatred for man’s mind; that the advocates of altruism are motivated not by compassion for suffering, but by hatred for man’s life; that the advocates of collectivism are motivated not by a desire for men’s happiness, but by hatred for man; that their three doctrines come from the same root and blend into a single passion: hatred of the good for being the good; and that the focus of that hatred, the target of its passionate fury, is the man of ability.

Those who thought that I was exaggerating have seen event after event confirm my diagnosis. Reality has been providing me with references and footnotes, including explicit admissions by the advocates of those doctrines. The admissions are becoming progressively louder and clearer.

The major ideological campaigns of the mystic-altruist-collectivist axis are usually preceded by trial balloons that test the public reaction to an attack on certain fundamental principles. Today, a new kind of intellectual balloon is beginning to bubble in the popular press—testing the climate for a large-scale attack intended to obliterate the concept of justice.

The new balloons acquire the mark of a campaign by carrying, like little identification tags, the code words: “A New Justice.” This does not mean that the campaign is consciously directed by some mysterious powers. It is a conspiracy, not of men, but of basic premises—and the power directing it is logic: if, at the desperate stage of a losing battle, some men point to a road logically necessitated by their basic premises, those who share the premises will rush to follow.

Since my capacity for intellectual slumming is limited, I do not know who originated this campaign at this particular time (its philosophical roots are ancient). The first instance that came to my attention was a brief news item over a year ago. Dr. Jan Tinbergen from the Netherlands, who had received a Nobel Prize in Economic Science, spoke at an international conference in New York City and suggested “that there be a tax on personal capabilities. ‘A modest first step might be a special tax on persons with high academic scores,’ he said.” We reprinted this item in the “Horror File” of The Objectivist (June 1971). The reaction of my friends, when they read it, was an incredulously indignant amusement, with remarks such as: “He’s crazy!”

But it is not amusing any longer when a news item in The New York Times (January 2, 1973) announces that Pope Paul VI “issued a call today for a ‘new justice.’ True justice recognizes that all men are in substance equal, the Pontiff said. . . . ‘The littler, the poorer, the more suffering, the more defenseless, even the lower a man has fallen, the more he deserves to be assisted, raised up, cared for, and honored. We learn this from the Gospel.’ ”

Observe the package-deal: to be “little,” “poor,” “suffering,” “defenseless” is not necessarily to be immoral (it depends on the cause of these conditions). But “even the lower a man has fallen” implies, in this context, not misfortune but immorality. Are we asked to absorb the notion that the lower a man’s vices, the more concern he deserves—and the more honor? Another package-deal: to be “assisted,” “raised up,” “cared for” obviously does not apply to those who are great, rich, happy or strong; they do not need it. But—“to be honored”? They are the men who would have to do the assisting, the raising up, the caring for—but they do not deserve to be honored? They deserve less honor than the man who is saved by their virtues and values?

In Atlas Shrugged, exposing the meaning of altruism, John Galt says: “What passkey admits you to the moral elite? The passkey is lack of value. Whatever the value involved, it is your lack of it that gives you a claim upon those who don’t lack it. . . . To demand rewards for your virtue is selfish and immoral; it is your lack of virtue that transforms your demand into a moral right.”

What is an abstract ethical suggestion in the Pope’s message, becomes specific and political in a brief piece that appeared in the Times on January 20, 1973—“The New Inequality” by Peregrine Worsthorne, a columnist for The Sunday Telegraph of London. In addition to altruism, which is its base, this piece was made possible by two premises: 1. the refusal to recognize the difference between mind and force (i.e., between economic and political power); and 2. the refusal to recognize the difference between existence and consciousness (i.e., between the metaphysical and the man-made). Those who ignore or evade the crucial importance of these distinctions will find Mr. Peregrine Worsthorne ready to welcome them at the end of their road.

There was a time, Mr. Worsthorne begins, when “gross hereditary inequalities of wealth, status and power were universally accepted as a divinely ordained fact of life.” He is speaking of feudalism and of the British caste system. But modern man, he says, “finds this awfully difficult to understand. To him it seems absolutely axiomatic that each individual ought to be allowed to make his grade according to merit, regardless of the accident of birth. All positions of power, wealth and status should be open to talent. To the extent that this ideal is achieved a society is deemed to be just.”

If you think that this is a proclamation of individualism, think twice. Modern liberals, Mr. Worsthorne continues, “have tended to believe it to be fair enough that the man of merit should be on top and the man without merit should be underneath.” On top—of what? Underneath—what? Mr. Worsthorne doesn’t say. Judging by the rest of the piece, his answer would be: on top of anything—political power, self-made wealth, scientific achievement, artistic genius, the status of earned respect or of a government-granted title of nobility—anything anyone may ever want or envy.

The current social “malaise,” he explains, is caused by “the increasing evidence that this assumption [about a just society] should be challenged. The ideal of a meritocracy no longer commands such universal assent.”

“Meritocracy” is an old anti-concept and one of the most contemptible package-deals. By means of nothing more than its last five letters, that word obliterates the difference between mind and force: it equates the men of ability with political rulers, and the power of their creative achievements with political power. There is no difference, the word suggests, between freedom and tyranny: an “aristocracy” is tyranny by a politically established elite, a “democracy” is tyranny by the majority—and when a government protects individual rights, the result is tyranny by talent or “merit” (and since “to merit” means “to deserve,” a free society is ruled by the tyranny of justice).

Mr. Worsthorne makes the most of it. His further package-dealing becomes easier and cruder. “It used to be considered manifestly unjust that a child should be given an enormous head-start in life simply because he was the son of an earl, or a member of the landed gentry. But what about a child today born of affluent, educated parents whose family life gets him off to a head-start in the educational ladder? Is he not the beneficiary of a form of hereditary privilege no less unjust than that enjoyed by the aristocracy?”

What about Thomas Edison, the Wright brothers, Commodore Vanderbilt, Henry Ford, Sr. or, in politics, Abraham Lincoln, and their “enormous head-start in life”? On the other hand, what about the Park Avenue hippies or the drug-eaten children of college-bred intellectuals and multi-millionaires?

Mr. Worsthorne, it seems, had counted on “universal public education” to level things down, but it has disappointed him. “Family life,” he declares, “is more important than school life in determining brain power. . . . Educational qualifications are today what armorial quarterings were in feudal times. Yet access to them is almost as unfairly determined by accidents of birth as was access to the nobility.” This, he says, defeats “any genuine faith in equality of opportunity”—and “accounts for the current populist clamor to do away with educational distinctions such as exams and diplomas, since they are seen as the latest form of privilege which, in a sense, they are.”

This means that if a young student (named, say, Thomas Hendricks), after days and nights of conscientious study, proves that he knows the subject of medicine, and passes an exam, he is given an arbitrary privilege, an unfair advantage over a young student (named Lee Hunsacker) who spent his time in a drugged daze, listening to rock music. And if Hendricks gets a diploma and a job in a hospital, while Hunsacker does not, Hunsacker will scream that he could not help it and that he never had a chance. Volitional effort? There is no such thing. Brain power? It’s determined by family life—and he couldn’t help it if Mom and Pop did not condition him to be willing to study. He is entitled to a job in a hospital, and a just society would guarantee it to him. The fate of the patients? He’s as good as any other fellow—“all men are in substance equal”—and the only difference between him and the privileged bastards is a diploma granted as unfairly as armorial quarterings! Equal opportunity? Don’t make him laugh!

Socialists, Mr. Worsthorne remarks, have used “the ideal of equality of opportunity” as “a way of moving in the right, that is to say the Left, direction.” They regarded it as “the thin end of the egalitarian wedge.”

Then, suddenly, Mr. Worsthorne starts dispensing advice to the Right—which the Left has always insisted on doing (and with good reason: any “rightist” who accepts it, deserves it). His advice, as usual, involves a threat and counts on fear. “But there is a problem here for the Right quite as much as for the Left. It seems to me certain that there will be a growing awareness in the coming decades of the unfairness of existing society, of the new forms of arbitrary allocation of power, status and privilege. Resentment will build up against the new meritocracy just as it built up against the old aristocracy and plutocracy.”

The Right, he claims, must “devise new ways of disarming this resentment, without so curbing the high-flyers, so penalizing excellence, or so imposing uniformity as to destroy the spirit of a free and dynamic society.” Observe that he permits himself to grasp and cynically to admit that such an issue as the penalizing of excellence is involved, but he regards it as the Right’s concern, not his own—and he does not object to penalizing virtue for being virtue, provided the penalties do not go to extremes. This—in an article written as an appeal for justice.

Mr. Worsthorne has a solution to offer to the Right—and here comes the full flowering of altruism’s essence and purpose, spreading out its petals like a hideous jungle plant, the kind that traps insects and eats them. The purpose is not to burn sacrificial victims, but to have them leap into the furnaces of their own free will: “What will be required of the new meritocracy is a formidably revived and reanimated spirit of noblesse oblige, rooted in the recognition that they are immensely privileged and must, as a class, behave accordingly, being prepared to pay a far higher social price, in terms of taxation, in terms of service, for the privilege of exercising their talents.”

Who granted them “the privilege of exercising their talents”? Those who have no talent. To whom must they “pay a higher social price”? To those who have no social value to offer. Who will impose taxation on their productive work? Those who have produced nothing. Whom do they have to serve? Those who would be unable to survive without them.

“Did you want to know who is John Galt? I am the first man of ability who refused to regard it as guilt. I am the first man who would not do penance for my virtues or let them be used as the tools of my destruction. I am the first man who would not suffer martyrdom at the hands of those who wished me to perish for the privilege of keeping them alive.” (Atlas Shrugged.)

“This [the ‘social price’] is not an easy idea for a meritocracy to accept,” Mr. Worsthorne concludes. “They like to think that they deserve their privileges, having won them by their own efforts. But this is an illusion, or at any rate a half truth. The other half of the truth is that they are terribly lucky and if their luck is not to run out they must be prepared to pay much more for their good fortune than they had hoped or even feared.”

I submit that any man who ascribes success to “luck” has never achieved anything and has no inkling of the relentless effort which achievement requires. I submit that a successful man who ascribes his own (legitimate) success in part to luck is either a modest, concrete-bound represser who does not understand the issue—or an appeaser who tries to mollify the resentment of envious mediocrities. (For the nature of such resentment, see my article “The Age of Envy” in The New Left: The Anti-Industrial Revolution.)

Envy is a widespread sentiment in Europe, not in America. Most Americans admire success: they know what it takes. They believe that one must pay for one’s sins, not for one’s virtues—and the monstrous notion of paying ransoms for good fortune would not occur to them, nor would they take it seriously.

Resentment against “meritocracy”? Our last Presidenital election [the landslide against McGovern] was a spectacular demonstration of America’s loyalty to achievement (on any level)—and of resentment against those egalitarian intellectuals who are trying to smuggle this country into a new caste system proposed by their British mentors: a mediocracy.

Politically, statism breeds a swarm of “little Caesars,” who are motivated by power-lust. Culturally, statism breeds still lower a species: a swarm of “little Neros,” who sing odes to depravity while the lives of their forced audiences go up in smoke.

I have said repeatedly that American intellectuals, with rare exceptions, are the slavish dependents and followers of Europe’s intellectual trends. The notion of a cultural aristocracy established and financed by the government is so grotesque in this country that one wonders how an article such as Mr. Peregrine Worsthorne’s got published here. Can you see any group or class in America posturing about in the “spirit of noblesse oblige”? Can you see Americans bowing to, say, Sir Burrhus Frederic (Skinner) or Dame Jane (Fonda), thanking them for their charitable contributions? Yet this is the goal of Britain’s little Neros—and of their American followers. I refer you to [The Ayn Rand Letter] of January 1, 1973, “To Dream the Non-Commercial Dream,” for a discussion of why such “aristocrats” would have a vested interest in altruism and why they would be eager to pay a social price “for the privilege of exercising their talents.”

If, by “meritocracy,” Mr. Worsthorne means a government-picked elite (for instance, the B.B.C.), then it is true that such an elite owes its privileges to luck (and pull) more than to merit. If he means the men of ability who demonstrate their merit in the free marketplace (of ideas or of material goods), then his notions are worse than false. Package-dealing is essential to the selling of such notions. Mr. Worsthorne’s technique consists in making no distinction between these two kinds of “merit”—which means: in seeing no difference between Homer and Nero.

An article such as Mr. Worsthorne’s (and its various equivalents) would not appear in a newspaper, without some heavy academic-philosophical base. Newspapers are not published by or for theoretical innovators. Journalists do not venture to propagate an outrageous theory unless they know that they can refer to some “reputable” source able, they hope, to explain the inexplicable and defend the indefensible. An enormous amount of unconscionable nonsense comes out of the academic world each year; most of it is stillborn. But when echoes of a specific work begin to spurt in the popular press, they acquire significance as an advance warning—as an indication of the fact that some group(s) has a practical interest in shooting these particular bubbles into the country’s cultural arteries.

In the case of the new egalitarianism, an academic source does exist. It may not be the first book of that kind, but it is the one noticeably touted at present. It is A Theory of Justice by John Rawls, professor of philosophy at Harvard University.

The New York Times Book Review (December 3, 1972) lists it among “Five Significant Books of 1972” and explains: “Although it was published in 1971, it was not widely reviewed until 1972, because critics needed time to get a grip on its complexities. In fact, it may not be properly understood until it has been studied for years. . . .” The Book Review itself did not review it until July 16, 1972, at which time it published a front-page review written by Marshall Cohen, professor of philosophy at the City University of New York. The fact that the timing of that review coincided with the period of George McGovern’s campaign may or may not be purely coincidental.

Let me say that I have not read and do not intend to read that book. But since one cannot judge a book by its reviews, please regard the following discussion as the review of a review. Mr. Cohen’s remarks deserve attention in their own right.

According to the review, Rawls “is not an equalitarian, for he allows that inequalities of wealth, power and authority may be just. He argues, however, that these inequalities are just only when they can reasonably be expected to work out to the advantage of those who are worst off. The expenses incurred [by whom?] in training a doctor, like the rewards that encourage better performance from an entrepreneur, are permissible only if eliminating them, or reducing them further, would leave the worst off worse off still. If, however, permitting such inequalities contributes to improving the health or raising the material standards of those who are least advantaged, the inequalities are justified. But they are justified only to that extent—never as rewards for ‘merit,’ never as the just deserts of those who are born with greater natural advantages or into more favorable social circumstances.”

I assume that this is an accurate summary of Mr. Rawls’s thesis. The Book Review’s plug of December 3 offers corroboration: “The talented or socially advantaged person hasn’t earned anything: ‘Those who have been favored by nature, whoever they are,’ he [Rawls] writes, ‘may gain from their good fortune only on terms that improve the situation of those who have lost out.’ ”

(“. . . it is the parasites who are the moral justification for the existence of the producers, but the existence of the parasites is an end in itself. . . .” John Galt, analyzing altruism, in Atlas Shrugged.)

Certain evils are protected by their own magnitude: there are people who, reading that quotation from Rawls, would not believe that it means what it says, but it does. It is not against social institutions that Mr. Rawls (and Mr. Cohen) rebels, but against the existence of human talent—not against political privileges, but against reality—not against governmental favors, but against nature (against “those who have been favored by nature,” as if such a term as “favor” were applicable here)—not against social injustice, but against metaphysical “injustice,” against the fact that some men are born with better brains and make better use of them than others are and do.

The new “theory of justice” demands that men counteract the “injustice” of nature by instituting the most obscenely unthinkable injustice among men: deprive “those favored by nature” (i.e., the talented, the intelligent, the creative) of the right to the rewards they produce (i.e., the right to life)—and grant to the incompetent, the stupid, the slothful a right to the effortless enjoyment of the rewards they could not produce, could not imagine, and would not know what to do with.

Mr. Cohen would object to my formulation. “It is important to understand,” he writes, “that according to Rawls it is neither just nor unjust that men are born with differing natural abilities into different social positions. These are simply natural facts. To be sure, no one deserves his greater natural capacity or merits a more favorable starting point in society. The natural and social ‘lottery’ is arbitrary from a moral point of view. But it does not follow, as the equalitarian supposes, that we should eliminate these differences. There is another way to deal with them. As we have seen, they can be put to work for the benefit of all and, in particular, for the benefit of those who are worst off.” If a natural fact is neither just nor unjust, by what mental leap does it become a moral problem and an issue of justice? Why should those “favored by nature” be made to atone for what is not an injustice and is not of their making?

Mr. Cohen does not explain. He continues: “What justice requires, then, is that natural chance and social fortune be treated as a collective resource and put to work for the common good. Justice does not require equality, but it does require that men share one another’s fate.” This is the conclusion that required reading a 607-page book and taking a year “to get a grip on its complexities.” That this is regarded as a new theory, raises the question of where Mr. Rawls’s readers and admirers have been for the last two thousand years. There is more than this to the book, but let us pause at this point for a moment.

Observe that Mr. Cohen’s (and the egalitarians’) view of man is literally the view of a children’s fairy tale—the notion that man, before birth, is some sort of indeterminate thing, an entity without identity, something like a shapeless chunk of human clay, and that fairy godmothers proceed to grant or deny him various attributes (“favors”): intelligence, talent, beauty, rich parents, etc. These attributes are handed out “arbitrarily” (this word is preposterously inapplicable to the processes of nature), it is a “lottery” among pre-embryonic non-entities, and—the supposedly adult mentalities conclude—since a winner could not possibly have “deserved” his “good fortune,” a man does not deserve or earn anything after birth, as a human being, because he acts by means of “undeserved,” “unmerited,” “unearned” attributes. Implication: to earn something means to choose and earn your personal attributes before you exist.

Stuff of that kind has a certain value: it is a psychological confession projecting the enormity of that envy and hatred for the man of ability which are the root of all altruistic theories. By preaching the basest variant of the old altruist tripe, Mr. Rawls’s book reveals altruism’s ultimate meaning—which may be regarded as an ethical innovation. But A Theory of Justice is not primarily a book on ethics: it is a treatise on politics. And, believe it or not, it might be taken by some people as a way to save capitalism—since Mr. Rawls allegedly offers a “new” moral justification for the existence of social inequalities. It is fascinating to observe against whom Mr. Rawls’s polemic is directed: against the utilitarians.

Virtually all the defenders of capitalism, from the nineteenth century to the present, accept the ethics of utilitarianism (with its slogan “The greatest happiness of the greatest number”) as their moral base and justification—evading the appalling contradiction between capitalism and the altruist-collectivist nature of the utilitarian ethics. Mr. Cohen points out that utilitarianism is incompatible with justice, because it endorses the sacrifice of minorities to the interests of the majority. (I said this in 1946—see my old pamphlet Textbook of Americanism.) If the alleged defenders of capitalism insist on clinging to altruism, Mr. Rawls is the retribution they have long since deserved: with far greater consistency than theirs, he substitutes a new standard of ethics for their old, utilitarian one: “The greatest happiness for the least deserving.”

His main purpose, however, is to revive, as a moral-political base, the theory of social contract, which utilitarianism had replaced. In the opinion of John Rawls, writes Mr. Cohen, “the social contract theory of Rousseau and Kant” (wouldn’t you know it?) provides an alternative to utilitarianism.

Mr. Cohen proceeds to offer a summary of the way Mr. Rawls would proceed to establish a “social contract.” Men would be placed in what he calls the “original position”—which is not a state of nature, but “a hypothetical situation that can be entered into at any time.” Justice would be ensured “by requiring that the principles which are to govern society be chosen behind a ‘veil of ignorance.’ This veil prevents those who occupy the ‘original position’ from knowing their own natural abilities or their own positions in the social order. What they do not know they cannot turn to their own advantage; this ignorance guarantees that their choice will be fair. And since everyone in the ‘original position’ is assumed to be rational [?!], everyone will be convinced by the same arguments [??!!]. In the social contract tradition the choice of political principles is unanimous.” No, Mr. Cohen does not explain or define what that “original position” is—probably, with good reason. As he goes on, he seems to hint that that “hypothetical situation” is the state of the pre-embryonic human clay.

“Rawls argues that given the uncertainties that characterize the ‘original position’ (men do not know whether they are well- or ill-endowed, rich or poor) and given the fateful nature of the choice to be made (these are the principles by which they will live) rational men would choose according to the ‘maximin’ rules of game theory. This rule defines a conservative strategy—in making a choice among alternatives, we should choose that alternative whose worst possible outcome is superior to the worst possible outcome of the others.” And thus, men would “rationally” choose to accept Mr. Rawls’s ethical-political principles.

Regardless of any Rube Goldberg complexities erected to arrive at that conclusion, I submit that it is impossible for men to make any choice on the basis of ignorance, i.e., using ignorance as a criterion: if men do not know their own identities, they will not be able to grasp such things as “principles to live by,” “alternatives” or what is a good, bad or worst “possible outcome.” Since in order to be “fair” they must not know what is to their own advantage, how would they be able to know which is the least advantageous (the “worst possible”) outcome?

As to the “maximin” rule of choice, I can annul Mr. Rawls’s social contract, which requires unanimity, by saying that in long-range issues I choose that alternative whose best possible outcome is superior to the best possible outcome of the others. “You seek escape from pain. We seek the achievement of happiness. You exist for the sake of avoiding punishment. We exist for the sake of earning rewards. Threats will not make us function; fear is not our incentive. It is not death that we wish to avoid, but life that we wish to live.” (Atlas Shrugged.)

Mr. Cohen is not in full agreement with Mr. Rawls. He seems to think that Mr. Rawls is not egalitarian enough: “. . . one would like to be clearer about the sorts of inequalities that are in fact justified in order to ‘encourage’ better performance. And is it in fact legitimate for Rawls to exclude considerations of what he calls envy from the calculations that are made in the ‘original position’? It is arguable that including them would lead to the choice of more equalitarian principles.” Does this mean that pre-embryos without attributes are able to experience envy of other pre-embryos without attributes? Does this mean that a just society must grind its best members down to the level of its worst, in order to pander to envy?

I am inclined to guess that the answer is affirmative, because Mr. Cohen continues as follows: “However that may be, I, for one, am inclined to argue that once an adequate social minimum has been reached, justice requires the elimination of many economic and social inequalities, even if their elimination inhibits a further raising of the minimum.” Is this motivated by the desire to uplift the weak or to degrade the strong—to help the incompetent or to destroy the able? Is this the voice of love or of hatred—of compassion or of envy?

What value would be gained by such a cerebrocidal atrocity? “I ought to forgo some economic benefits,” says Mr. Cohen, “if doing so will reduce the evils of social distance, strengthen communal ties, and enhance the possibilities for a fuller participation in the common life.” Whose life? In common with whom? On whose standard of value: the folks’ next door?—the corner louts’?—the hippies’?—the drug addicts’?

“Dagny . . . I had seen . . . what it was that I had to fight for . . . I had to save you . . . not to let you stumble the years of your life away, struggling on through a poisoned fog . . . struggling to find, at the end of your road, not the towers of a city, but a fat, soggy, mindless cripple performing his enjoyment of life by means of swallowing the gin your life had gone to pay for!” (Atlas Shrugged.)

Mr. Cohen mentions that Mr. Rawls rejects “the perfectionistic doctrines of Aristotle.” (Wouldn’t you know that?) Mr. Rawls, by the way, is an American, educated in American universities, but he completed his education in Great Britain, at Oxford, on a Fulbright Fellowship.

What is the cause of today’s egalitarian trend? For over two hundred years, Europe’s predominantly altruist-collectivist intellectuals had claimed to be the voice of the people—the champions of the downtrodden, disinherited masses and of unlimited majority rule. “Majority” was the omnipotent word of the intellectuals’ theology. “Majority will” and “majority welfare” were their moral base and political goal which—they claimed—permitted, vindicated and justified anything. With varying degrees of consistency, this belief was shared by most of Europe’s social thinkers, from Marx to Bentham to John Stuart Mill (whose On Liberty is the most pernicious piece of collectivism ever adopted by suicidal defenders of liberty).

In mid-twentieth century, the intellectuals were traumatized by seeing their axiomatic bedrock disintegrate into thin ice. The concept of “majority will” collapsed when they saw that the majority was not with them and did not share their “ideals.” The concept of “majority welfare” collapsed when they discovered—through the experiences of communist Russia, Nazi Germany, welfare-state England, and sundry lesser socialist regimes—that only their hated adversary, the free, selfish, individualistic system of capitalism, is able to benefit the majority of the people (in fact, all of the people).

Some intellectuals began to stumble toward the Right—a bankrupt Right, which had nothing to offer. Some gave up, turning to drugs and astrology. The vanguard—stripped of cover, of respect, of credibility, and of safely popular bromides—began to reveal their hidden motives in the open glare of verbalized theory.

The cult of the “majority” has come to an end among the altruist-collectivists. They are not declaring any longer: “Why shouldn’t a minuscule elite of geniuses and millionaires be sacrificed to the broad masses of mankind?”—they are declaring that the broad masses of mankind should be sacrificed to a minuscule elite, not of gods, kings or heroes, but of congenital incompetents. They are not declaring that greedy capitalists are exploiting and stifling men of talent—they are declaring that men of talent should not be permitted to function. They are not declaring that capitalism is impeding technological progress—they are declaring that technological progress should be retarded or abolished. They are not deriding the promise of “pie in the sky”—they are demanding that pie on earth be forbidden. They are not promising to raise men’s standard of living—they are proclaiming that it should be lowered. They are not seeking to redistribute wealth—they are seeking to wipe it out. What, then, remains of their former creed? Only one constant: sacrifice—which they are now preaching openly in the form they had always endorsed secretly: sacrifice for the sake of sacrifice.

“It is not your wealth that they’re after. Theirs is a conspiracy against the mind, which means: against life and man.” (Atlas Shrugged.)

Anyone who proposes to reduce mankind to the level of its lowest specimens, cannot claim benevolence as his motive. Anyone who proposes to deprive men of aspiration, ambition or hope, and sentence them to stagnation for life, cannot claim compassion as his motive. Anyone who proposes to forbid men’s progress beyond the limit accessible to a cripple, cannot claim love for men as his motive. Anyone who proposes to forbid to a genius any achievement which is not of value to a moron, cannot claim any motive but envy and hatred.

Observe that it has never been possible to preach an evil notion on the basis of reason, of facts, of this earth. The advocates of man-destroying theories have always had to step outside reality, to seek a mystic base or sanction. Just as religionists had to invoke the myth of Adam’s sin in order to propagate the notion of man’s prenatal guilt—just as Kant had to rely on a noumenal world in order to destroy the world that exists—just as Hegel had to call on the Absolute Idea, and Marx had to call on Hegel—so today, on the grubby scale of our shrinking culture, those who want to deprive man of his right to life are proclaiming the rights of the fetus, and those who want to deny all rights to the man of ability, are demanding that he atone for what he did not earn before he was a fetus and for nature’s prenatal unfairness to the Mongolian idiot next door.

Observe also that an honest theoretician does not try to present his ideas in the guise of their opposites. But Kant’s philosophy is presented as “pure reason”—altruism is presented as a doctrine of “love”—communism is presented as “liberation”—and egalitarianism is presented as “justice.”

“Justice is the recognition of the fact that you cannot fake the character of men as you cannot fake the character of nature . . . that every man must be judged for what he is and treated accordingly . . . that to place any other concern higher than justice is to devaluate your moral currency and defraud the good in favor of the evil . . . and that the bottom of the pit at the end of that road, the act of moral bankruptcy, is to punish men for their virtues and reward them for their vices. . . .” (Atlas Shrugged.)

Mr. Rawls’s book is entitled A Theory of Justice, and yet, curiously enough, Mr. Cohen never mentions Mr. Rawls’s definition of “justice”—which, I suspect, may not be Mr. Cohen’s fault.

In Atlas Shrugged, in the sequence dealing with the tunnel catastrophe, I list the train passengers who were philosophically responsible for it, in hierarchical order, from the less guilty to the guiltiest. The last one on the list is a humanitarian who had said: “The men of ability? I do not care what or if they are made to suffer. They must be penalized in order to support the incompetent. Frankly, I do not care whether this is just or not. I take pride in not caring to grant any justice to the able, where mercy to the needy is concerned.” Today, a “scientific” volume of 607 pages is devoted to claiming that this constitutes justice.

In Capitalism: The Unknown Ideal, I wrote: “The moral justification of capitalism lies in the fact that it is the only system consonant with man’s rational nature, that it protects man’s survival qua man, and that its ruling principle is: justice.” If capitalism and its moral-metaphysical base, man’s rational nature, are to be destroyed, then it is the concept of justice that has to be destroyed. Apparently, the egalitarians understand this; the utilitarian defenders of capitalism do not.

Is A Theory of Justice likely to be widely read? No. Is it likely to be influential? Yes—precisely for that reason.

If you wonder how so grotesquely irrational a philosophy as Kant’s came to dominate Western culture, you are now witnessing an attempt to repeat that process. Mr. Rawls is a disciple of Kant—philosophically and psycho-epistemologically. Kant originated the technique required to sell irrational notions to the men of a skeptical, cynical age who have formally rejected mysticism without grasping the rudiments of rationality. The technique is as follows: if you want to propagate an outrageously evil idea (based on traditionally accepted doctrines), your conclusion must be brazenly clear, but your proof unintelligible. Your proof must be so tangled a mess that it will paralyze a reader’s critical faculty—a mess of evasions, equivocations, obfuscations, circumlocutions, non sequiturs, endless sentences leading nowhere, irrelevant side issues, clauses, sub-clauses and sub-sub-clauses, a meticulously lengthy proving of the obvious, and big chunks of the arbitrary thrown in as self-evident, erudite references to sciences, to pseudo-sciences, to the never-to-be-sciences, to the untraceable and the improvable—all of it resting on a zero: the absence of definitions. I offer in evidence the Critique of Pure Reason.

Mr. Cohen gives some indications that such is the style of Mr. Rawls’s book. E.g.: “. . . the boldness and simplicity of Rawls’s formulations depend on a considered, but questionable, looseness in his understanding of some fundamental political concepts.” (Emphasis added.) “Considered” means “deliberate.”

Like any overt school of mysticism, a movement seeking to achieve a vicious goal has to invoke the higher mysteries of an incomprehensible authority. An unread and unreadable book serves this purpose. It does not count on men’s intelligence, but on their weaknesses, pretensions and fears. It is not a tool of enlightenment, but of intellectual intimidation. It is not aimed at the reader’s understanding, but at his inferiority complex.

An intelligent man will reject such a book with contemptuous indignation, refusing to waste his time on untangling what he perceives to be gibberish—which is part of the book’s technique: the man able to refute its arguments will not (unless he has the endurance of an elephant and the patience of a martyr). A young man of average intelligence—particularly a student of philosophy or of political science—under a barrage of authoritative pronouncements acclaiming the book as “scholarly,” “significant,” “profound,” will take the blame for his failure to understand. More often than not, he will assume that the book’s theory has been scientifically proved and that he alone is unable to grasp it; anxious, above all, to hide his inability, he will profess agreement, and the less his understanding, the louder his agreement—while the rest of the class are going through the same mental process. Most of them will accept the book’s doctrine, reluctantly and uneasily, and lose their intellectual integrity, condemning themselves to a chronic fog of approximation, uncertainty, self doubt. Some will give up the intellect (particularly philosophy) and turn belligerently into “pragmatic,” anti-intellectual Babbitts. A few will see through the game and scramble eagerly for the driver’s seat on the bandwagon, grasping the possibilities of a road to the mentally unearned.

Within a few years of the book’s publication, commentators will begin to fill libraries with works analyzing, “clarifying” and interpreting its mysteries. Their notions will spread all over the academic map, ranging from the appeasers, who will try to soften the book’s meaning—to the glamorizers, who will ascribe to it nothing worse than their own pet inanities—to the compromisers, who will try to reconcile its theory with its exact opposite—to the avant-garde, who will spell out and demand the acceptance of its logical consequences. The contradictory, antithetical nature of such interpretations will be ascribed to the book’s profundity—particularly by those who function on the motto: “If I don’t understand it, it’s deep.” The students will believe that the professors know the proof of the book’s theory, the professors will believe that the commentators know it, the commentators will believe that the author knows it—and the author will be alone to know that no proof exists and that none was offered.

Within a generation, the number of commentaries will have grown to such proportions that the original book will be accepted as a subject of philosophical specialization, requiring a lifetime of study—and any refutation of the book’s theory will be ignored or rejected, if unaccompanied by a full discussion of the theories of all the commentators, a task which no one will be able to undertake.

This is the process by which Kant and Hegel acquired their dominance. Many professors of philosophy today have no idea of what Kant actually said. And no one has ever read Hegel (even though many have looked at every word on his every page).

This process has already begun in regard to Mr. Rawls’s book, in the form of such manifestations as Mr. Peregrine Worsthorne’s “The New Inequality.” But the process is being forced by P.R. techniques; it is being pushed artificially and in the wrong direction: toward the popular press and the man in the street, who, in this country, is the least likely prospect for the role of sucker. Furthermore, Mr. Rawls is not in Kant’s league: he is a politically oriented lightweight, who has scrambled together the worst of the old philosophic traditions, adding nothing new. His two outstanding points of similarity to Kant are: the method—and the motive.

The danger lies in the cultural similarity of Kant’s time and ours. An age ruled by skepticism and cynicism can be swayed by anyone, even Mr. Rawls. There is no intellectual opposition to anything today—as there was none to Kant. Kant’s opponents were men who shared all his fundamental premises (particularly altruism and mysticism), and merely engaged in nit-picking, thus hastening his victory. Today, the utilitarians, the religionists, and sundry other “conservatives” share all of Mr. Rawls’s fundamental premises (particularly altruism). If his book does not make them see the nature of altruism and its logical consequences, if it does not make them realize that altruism is the destroyer of man (and of reason, justice, morality, civilization), then nothing will. When and if they get Mr. Rawls’s world, they will have deserved it. So will the “practical” men whose lard-encrusted souls feel that ideas are innocuous playthings to be left to impractical intellectuals, and that any idea can be circumvented by making a deal with the government.

But it is only by default—by intellectual default—that theories such as Kant’s or Rawls’s can win. An intransigent, rational opposition could have stopped Kant in his time. Rawls is easier to defeat—particularly in this country, which is the living monument to a diametrically opposite philosophy (he would have had a better chance in Europe). If there is any spirit of rebellion on American campuses (and elsewhere), here is an evil to rebel against, to rebel intellectually, righteously, intransigently: any hint, touch, smell, or trial balloon of A Theory of Justice and of the egalitarian movement.

If rational men do not rebel, the egalitarians will succeed. Succeed in establishing a world of shoddy equality and brotherly stagnation? No—but this is not their purpose. Just as Kant’s purpose was to corrupt and paralyze man’s mind, so the egalitarians’ purpose is to shackle and paralyze the men of ability (even at the price of destroying the world).

If you wish to know the actual motive behind the egalitarians’ theories—behind all their maudlin slogans, mawkish pleas, and ponderous volumes of verbal rat-traps—if you wish to grasp the enormity of the smallness of spirit for the sake of which they seek to immolate mankind, it can be presented in a few lines:

“‘When a man thinks he’s good—that’s when he’s rotten. Pride is the worst of all sins, no matter what he’s done.’

“‘But if a man knows that what he’s done is good?’

“‘Then he ought to apologize for it.’

“‘To whom?’

“‘To those who haven’t done it.’ ” (Atlas Shrugged.)” [13]

9. Notas

[1]   No caso de Adam Smith a referência é ao seu clássico The Wealth of the Nations, e, no caso de Bernard de Mandeville, ao seu não menos clássico The Fable of the Bees. Em se tratando de clássicos, há inúmeras edições de ambos os livros.

[2] Cito segundo a edição de Rubens Enderle, Crítica do Programa de Gotha, prefaciada por Michael Löwy, publicada em e-book pela Boitempo Editorial, São Paulo, 2012. Na edição em e-book a passagem se encontra na Posição 444 (de 2934).

[3] O Programa de Gotha fazia referência a essa questão, mas não exatamente da forma que Marx propôs. Diz o parágrafo inicial da versão final do Programa de Gotha: “O trabalho é a fonte de toda riqueza e toda cultura, e como o trabalho universalmente útil só é possível por meio da sociedade, o produto total do trabalho pertence à sociedade, isto é, a todos os seus membros, com obrigação universal ao trabalho, com igual direito, a cada um segundo suas necessidades razoáveis.” Compare-se Posição 1170 (de 2934), ênfase acrescentada.

[4] Compare-se a respeito desses aparentes dilemas Ayn Rand, Atlas Shrugged (1957), tradução brasileira de Paulo Henriques Britto sob o título, A Revolta de Atlas (Editora Sextante/Arqueiro, São Paulo, 3a edição, 2010), pp.343-353 da edição brasileira.

[5] Comparem-se os seguintes livros de John Rawls: A Theory of Justice (Harvard University Press, Cambridge, 1971); Justice as Fairness: A Restatement (Harvard University Press, Cambridge, 2001); Political Liberalism (Columbia University Press, New York, 1993, 1996); Justice et Démocratie  (Editions du Seuil, Reidel, Dordrecht, 1978).

[6] Esse resumo da posição de John Rawls é parcialmente baseado na análise das resenhas de seus livros feita por Ayn Rand em “An Untitled Letter”, in Philosophy: Who Needs It? (New American Library, New York, 1982). O texto completo do artigo de Rand está transcrito no final deste artigo, sendo o texto que é objeto da Nota 13.

[7] Segundo Ayn Rand, “An Untitled Letter”, in Philosophy: Who Needs It? (New American Library, New York, 1982), p. 103. O texto completo desse artigo está transcrito no presente artigo, sendo objeto da Nota 13.

[8] Segundo Ayn Rand,”An Untitled Letter”, in Philosophy: Who Needs It? (Idem), pp.104-105. O texto completo desse artigo está transcrito no presente artigo, sendo objeto da Nota 13.

[9]  Mais uma vez, a referência é a um clássico: 1984, de George Orwell, publicado em 1948. Em se tratando de um clássico, há inúmeras edições do livro, como no caso dos dois livros mencionados na Nota 1.

[10] Veja-se Friedrich von Hayek, Law, Legislation and Morality, Vol. II, “The Mirage of Social Justice” (The University of Chicago Press, Chicago, 1976). Todo esse volume é dedicado a uma completa demolição do conceito de justiça social. Vale a pena também conferir Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia (Basic Books, New York, 1974), especialmente a segunda parte.

[11] Comparem-se estes dois livros de Mark Steyn: America Alone: The End of the World As We Know It (Regnery Publishing, Washington, 2008) e After America: Get Ready for Armageddon (Regnery Publishing, Washington, 2011).

[12] Nadim Shehadi é professor associado na Chatham House, Instituto Real de Assuntos Internacionais, em Londres. Desejando, envie comentários para intelligence@nytimes.com.

[13]  Ayn Rand,”An Untitled Letter”, in Philosophy: Who Needs It? (Idem), pp.102-119. O texto em formato digital pode ser encontrado em vários lugares, como, por exemplo, o site do Ayn Rand Institute: https://campus.aynrand.org/works/1973/01/01/an-untitled-letter/page1 e também o site do Silicon Investor, de onde eu o copiei: http://www.siliconinvestor.com/readmsg.aspx?msgid=29305434.

Em Salto, 14 a 16 de Janeiro de 2012 (início)
Em Salto, 30 de Junho e 1 de Julho de 2016 (conclusão e revisão)