Embora haja, em nossa sociedade, uma presunção de que mentir é algo (moralmente) errado, em vários contextos não só admitimos a mentira mas até mesmo a vemos como um imperativo moral.
Textos de ética estão cheios de exemplos de "dilemas" em que um dever mais alto se sobrepõe ao presumido dever de dizer a verdade. Por exemplo. Durante a Segunda Guerra, nos territórios ocupados pela Alemanha Nazista, uma família abriga e esconde um casal de judeus. Depois de algum tempo chega a Gestapo e pergunta se a família viu um casal assim e assado. O imperativo moral, aqui, não seria dizer a verdade, mas, sim, mentir e salvar a vida dos injustamente perseguidos.
Mas não precisamos ir tão longe e tão profundo. No dia-a-dia dizemos mentiras o tempo todo, sem que elas se revistam de condenabilidade moral. "Como está? Tudo bem?" "Tudo bem", respondemos, mesmo quando estamos nos sentindo um lixo. "Nossa, querida, você ficou linda com esse vestido!", dizemos para alguém que está inaugurando uma roupa — quando no íntimo nossa inclinação seria dizer que a roupa ficou ridícula, que salienta exatamente as características menos favoráveis da pessoa, etc.
Entre os casos imaginados nos dois últimos parágrafos poderiam imaginar alguns mais sérios. Da pessoa de idade, que está muito doente, escondemos, freqüentemente, a gravidade da doença, para evitar que ela se deprima e, assim, apresse o fim. Acreditamos, certo ou errado, que a esperança de viver pode colaborar com o adiamento da hora fatal. Intenção absolutamente louvável, mas não deixa de ser mentira.
A própria legislação brasileira, ao introduzir a noção de "falsidade ideológica" reconhece que há contextos em que, do ponto de vista estritamente legal, não precisamos sempre dizer a verdade. Falsidade ideológica é a mentira dita em contextos em que a lei exige que se diga a verdade. Mas aqui estamos lidando com a lei, não com a moralidade.
E assim vai. Das falhas de conduta que podemos cometer a mentira, exceto em contextos amparados pela lei (em que mentir é cometer falsidade ideológica) ou em contextos em que se presume extrema confiança e veracidade entre os envolvidos como os relacionamentos afetivos (em que mentir significa trair um laço de confiança), é vista de forma altamente tolerante.
Talvez seja por isso que nossos políticos mintam de forma deslavada. Dizem, com a maior cara de pau, que não sabiam de coisas que era virtualmente impossível que não soubessem. Ou que não fizeram coisas que está mais do que evidente que fizeram.
É nas pequenas coisas que se aprende a dizer a verdade.
Em Campinas, 5 de agosto de 2007.