Steve Jobs (1955-2011)

Post que publiquei no Blog das Editoras Ática e Scipione em 10 de Outubro de 2011, no URL http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/steve-jobs.

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Talvez nem seja necessária uma justificativa para escrever sobre Steve Jobs, neste momento em que ele acaba de partir, num blog em que trato essencialmente de educação e tecnologia. Ainda assim, esboço uma justificativa: em seu ciclo inicial, a empresa que Jobs fundou considerou a educação o seu principal mercado – entre 1977 e 1984, por exemplo, o Apple II (principal produto da casa) provocou o surgimento de uma quantidade enorme de softwares educacionais. Ao longo de sua trajetória, a Apple fez parcerias com um grande número de Distritos Educacionais na Califórnia (onde estava sua sede) e em outros estados; implantou, ainda, descontos substantivos para professores e alunos (como, de resto, faz até hoje).

Apple Jobs Silhouette

Apple Crying

Fotos: Divulgação/Apple

Meu primeiro contato com um microcomputador remonta a estes tempos: conheci um Apple II por volta de 1979, através de um colega da Unicamp, especialista em Linguística Computacional (algo que eu nem sabia que existia). O equipamento em si me chamou a atenção, mas quando ele me demonstrou as aplicações da linguagem de programação ProLog (Programming in Language) para o aprendizado de Lógica, eu me encantei. Ali na hora tomei a decisão de comprar um equipamento daqueles quando pudesse… Até hoje, cerca de 30 anos depois, ainda guardo o meu clone brasileiro do aparelho, fabricado pela Unitron.

Depois travei contato com a linguagem de programação Logo, desenvolvida no MIT – Massachusetts Institute of Technology, por Seymour Papert, para uso na educação, em especial pelas crianças. Havia, para o Apple II, pelo menos duas implementações de Logo: a da LCSI – Logo Computer Systems International, chamada Apple Logo, de Toronto, e a da Terrapin Logo, de Cambridge (MA), que era, segundo constava, a implementação mais próxima das diretrizes de Papert.

Enfim, apenas estas breves linhas justificam minha decisão de escrever sobre Steve aqui. Mas há mais. Muito mais. Em seu discurso de paraninfo na Universidade de Stanford, em 12 de junho de 2005, Steve diz uma série de coisas importantes em que eu venho insistindo neste blog. Vou especificar algumas.

A primeira é que a escola às vezes atrapalha – e quando ajuda, frequentemente o faz sem querer. No discurso, Jobs diz que aos 17 anos foi enviado para a universidade (Reed College, uma instituição realmente cara), conforme promessa solene que seus pais adotivos fizeram à sua mãe biológica. O rapaz cursou apenas um semestre e desistiu. Ele explica:

“Depois de seis meses, eu não conseguia ver nenhum valor no que eu estava fazendo. Eu não tinha a menor ideia do que eu queria fazer com a minha vida nem de como a universidade poderia me ajudar a descobrir. E eu estava lá gastando toda a poupança que meus pais haviam feito durante sua vida inteira. Assim, decidi abandonar o curso na confiança de que as coisas de alguma forma iriam dar certo. Foi bastante assustador, na época, mas, olhando no retrovisor, aquela foi uma das melhores decisões que tomei em toda minha vida.”

Steve desistiu do curso, mas ficou durante um ano e meio rodando pelo campus universitário. Sem dinheiro, dormia em colchões no chão do quarto de seus amigos. Recolhia e devolvia garrafas para receber cinco centavos por cada uma, assim ganhando o dinheiro com o qual se alimentava (em geral, mal). No fim de semana andava mais de dez quilômetros para ir a um templo Hare Krishna para ganhar sua única refeição decente da semana.

O que fazia ele perambulando pelo campus?

“Tendo desistido da Universidade, eu não tinha a obrigação de frequentar as aulas de nenhum curso que não me interessava, e podia aparecer em aulas de cursos que pareciam interessantes. (…) Isso eu amava fazer. E muito daquilo em que tropecei enquanto seguia minha curiosidade e intuição, acabou por se tornar inestimável mais tarde em minha vida.”

Uma universidade sem dúvida é um lugar onde existem coisas interessantes. Às vezes é preciso procurar bastante, mas no final a gente geralmente acha. Steve achou. O quê? Um curso de caligrafia!

“O Reed College naquela época oferecia o que possivelmente era o melhor curso de caligrafia do país. Todos os posters existentes no campus, toda etiqueta de gaveta, tudo era maravilhosamente caligrafado à mão. Porque eu havia desistido do meu curso e não tinha de frequentar as aulas regulares, decidi fazer o curso de caligrafia para aprender a escrever de maneira assim tão linda. Aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre a variação no espaço entre diferentes combinações de letras – tudo aquilo que torna a melhor tipografia um lugar fantástico. Era lindo, histórico, artisticamente sutil de uma forma que a ciência não tem jeito de capturar. E eu achei tudo fascinante. Mas nada daquilo parecia, nem mesmo de longe, ter qualquer utilidade para minha vida.”

O belo e o útil… A caixa de brinquedos e a caixa de ferramentas de Rubem Alves. Aqui está a diferença que Edgar Morin apontou, entre a prosa, que nos permite dizer o que precisamos ou queremos dizer, e a poesia, que nos dá l

Só muito mais tarde Steve descobriu quão útil aquele curso de caligrafia lhe foi, quando descobriu a importância do design nos produtos da Apple: o design limpo (clean), simples, atraente, lindo mesmo, em que forma e função se integram. Foi por isso que decidiu dar uma interface gráfica ao Macintosh, com tipos gráficos na tela que faziam lembrar o seu curso de caligrafia, deixando para trás, definitivamente, aquelas letras feias com espaço fixo entre elas que apareciam na tela dos outros computadores. Assim, Reed College acabou sendo útil para Steve – embora sem querer…

Agora, a explicitação da segunda grande lição que Steve nos dá no seu discurso de paraninfo. Ele já havia mencionado que, no seu único semestre como aluno regular da Universidade, “não tinha a menor ideia do que eu queria fazer com a minha vida nem de como a universidade poderia me ajudar a descobrir”, mas adiante diz: “Eu tive sorte: descobri o que eu amava fazer cedo na vida. Woz [Steve Wozniak] e eu fundamos a Apple na garagem da casa dos meus pais quando eu tinha 20 anos”.

Três anos depois de perceber que não tinha a menor ideia do que queria fazer da vida, Steve descobriu que queria projetar computadores. E projetou. O primeiro (o Apple I) e o segundo (o Apple II) não foram lá uma beleza em termos de design, mas este último se tornou um sucesso, mesmo assim. Foi ele que me atraiu (também) para a área de informática.

A lição de Steve é que o sucesso eventualmente chega para quem ama o que faz. E que quanto mais cedo a gente descobre o que é que a gente ama fazer, maiores são as chances de sucesso. Como é que Steve descobriu o que é que ele amava fazer? Ele não nos diz.

Ele reconhece que, quando desistiu da universidade, o fez por si mesmo e por consideração aos pais: estava perdendo seu tempo ali e desperdiçando o dinheiro deles. Sentiu-se perdido. No entanto, não perdeu a confiança de que “as coisas de alguma forma iriam dar certo”. Sabia que em algum momento descobriria o que queria fazer da vida. “A fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de coisas que se não veem”, já dissera São Paulo.

Foi só em retrospectiva que Steve conseguiu “unir os pontos” e enxergar com clareza como sua vida posterior se ligou com aqueles acontecimentos dos seus 17, 18 anos.

“Ninguém é capaz de conectar os pontos do passado para o futuro. Mas é possível conectá-los do presente para o passado, olhando no retrovisor. Assim, lá atrás, você tem de confiar que os pontos vão de alguma forma se conectar no futuro. Você precisa confiar em algo – seu instinto, seu destino, seu carma, seja o que for. Esta maneira de ver as coisas nunca me deixou na mão, e fez toda a diferença em minha vida.”

Steve não nos conta como descobriu o que amava fazer na vida, mas nos revela onde está a chave do segredo.

Às vezes pode parecer que as coisas não vão dar certo. Em 1985, Steve foi mandado embora da companhia que ele mesmo havia criado. Parecia que um desastre havia acontecido no caminho de seu encontro com o seu destino.

“Eu não conseguia ver, então. Mas as coisas acabaram acontecendo de tal maneira que ter sido mandado embora da Apple foi a melhor coisa que jamais podia ter acontecido comigo. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser novamente um iniciante, agora menos certo acerca de tudo. Esse fato me libertou e me permitiu entrar num dos períodos mais criativos de minha vida.”

A insustentável leveza de ser capaz de começar de novo, sem o peso do passado. Mas, diz ele, não foi fácil:

“O remédio foi terrível, mas creio que o paciente precisava dele. Às vezes a vida acerta uma tijolada na cabeça da gente. Nunca perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me manteve em pé, disposto a continuar, foi o fato de que eu amava o que eu fazia. Você tem de encontrar o que você ama. Isso é verdade em relação ao seu trabalho, mas é verdade também em relação aos seus amores. Seu trabalho vai preencher um espaço grande de sua vida, e o único jeito de ficar satisfeito com o seu trabalho é fazendo aquilo que você considera um trabalho excelente. E o único jeito de fazer um trabalho excelente é amando o que você faz. Se você ainda não descobriu o que você ama fazer, continue procurando. Não se acomode. Como tudo o que diz respeito ao coração, você vai saber quando você encontrar aquilo que você ama fazer. E, como em qualquer relacionamento amoroso genuíno, as coisas só ficam melhores, a partir daí, com o passar do tempo. Assim sendo, continue a procurar, até que você ache. Não se acomode.”

É porque ele fazia o que amava fazer que Steve foi capaz de construir tantos produtos tão desejados por nós hoje. No entanto, em outro lugar, não no discurso de paraninfo, ele demonstra que o que o movia a fazer esses produtos não era um desejo altruísta de agradar o consumidor, nem mesmo o desejo egoísta de ganhar dinheiro: era a satisfação, talvez mais egoísta ainda, de saber que ele fez simplesmente o melhor que podia — e que podia fazer coisas da mais alta qualidade e beleza.

Eis o que disse, logo depois de lançar o Macintosh:

“Sabemos que o Mac vai vender zilhões, mas nós não o construímos para ninguém mais: nós o construímos para nós mesmos. Nós, que o construímos, seríamos o grupo que iria julgar e decidir se o Mac era fantástico ou não. Nós não iríamos sair de onde estávamos para fazer pesquisa de mercado. Nós simplesmente queríamos construir a melhor coisa que fôssemos capazes de construir.”

Em outras palavras, o Mac poderia ser um fracasso de mercado (como o Lisa, antes dele, o foi) – mas esse fato não os levaria a considerá-lo menos fantástico. Eis outra citação magnífica:

“Quando você é um carpinteiro fazendo uma linda cômoda, você não usa aglomerado na parte de trás, mesmo que aquela parte vá ficar grudada na parede e ninguém jamais a veja. Você sabe que a parte de trás da cômoda estará lá, em aglomerado. Para que você possa dormir bem à noite, a estética, a beleza, a qualidade têm de ser levadas ao extremo, em todos os aspectos”.

Termino com duas citações que me parecem ser as melhores de Steve, estas novamente retiradas do discurso de paraninfo:

“O tempo de sua vida é limitado. Por isso, não o desperdice vivendo uma vida ditada por terceiros. Não se deixe pegar na armadilha do dogma que lhe diz para viver com o resultado dos pensamentos de outrem. Não deixe que o barulho das opiniões dos outros abafe o som de sua própria voz interior. E, mais importante de tudo, tenha coragem para seguir a sua intuição, o seu coração. Eles de alguma forma já sabem o que você realmente quer se tornar. Tudo o mais é secundário.”

A segunda citação nos dá uma pista acerca do que pode ter levado Steve a encarar a vida tão a sério e a descobrir, depois de sair da Universidade, aos 17 anos, mas antes dos 20 anos, o que queria fazer de sua vida.

“Quando eu tinha 17 anos, li uma citação que dizia algo assim: ‘Se você viver cada dia como se fosse o último dia de sua vida, um dia qualquer você certamente estará certo’. Essa citação causou profundo impacto sobre mim. Desde então, nos 33 anos que decorreram de lá para cá, eu me olho no espelho toda manhã e me pergunto: ‘Se hoje fosse o último dia da minha vida, eu iria querer fazer o que estou prestes a fazer hoje?’ E sempre que a resposta foi ‘não’ por um número demasiadamente grande de dias seguidos, eu soube que precisava mudar alguma coisa”.

Que bela lição de educação. Que bela lição de vida. Estou convicto de que Steve só conseguiu nos legar essas lições porque abandonou a universidade.

Em São Paulo, 10 de Outubro de 2011, transcrito aqui em 11 de Outubro de 2011

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