E-Books: É só uma questão de tempo; Paper Books: “Your days are numbered”…

Diz notícia na Folha de S. Paulo de hoje, 29 de Janeiro de 2011:

“O site de vendas Amazon anunciou que as vendas de livros para o leitor digital Kindle já superam as das publicações tradicionais em papel. Segundo um comunicado do site, desde o início de 2011, para cada cem livros em papel, são vendidos 115 para o Kindle.”

Diz matéria assinada por Josélia Aguiar no Painel das Letras da Folha de hoje:

“O futuro quando?

Nos EUA, onde é maior a adesão ao livro digital, 2011 começa com as perguntas de antes: quando livrarias de tijolos vão fechar e se grandes autores publicarão sem intermediários, explica à Folha Mike Shatzkin, organizador do Digital Book World. O evento, realizado na última semana em Nova York, debate vendas, enquanto o Tools of Change for Publishing, em fevereiro e similar em importância, se concentra na produção. No mundo, as dúvidas são: com que rapidez o livro eletrônico se disseminará e como o varejo local resistirá à hegemonia americana. Shatzkin estima entre 10% e 15% o percentual de americanos que leem livros digitais. Em outros países, não supera 1%.

Os números ainda são ‘medíocres’ por aqui, afirma Luciana Villas-Boas, diretora da Record: ‘Vendemos até agora 37 exemplares eletrônicos’. Na Objetiva, que ofereceu mais títulos, o diretor Roberto Feith diz que desde novembro foram 663 exemplares vendidos: ‘O aumento foi de 252% em um mês, depois do lançamento do iPad e do Galaxy no país’.

(joselia.aguiar@grupofolha.com.br)”

o O o

Tenho o meu Kindle desde 12 de Junho do ano passado. Já acumulei nele mais de 250 livros eletrônicos e um sem fim de revistas: assino Time (semanal), Newsweek (semanal), Bloomberg Business Week (quinzenal), e Reason (mensal). Sou fã incondicional do Kindle – e da Amazon, na minha opinião uma empresa mais criativa do que o Google. A Amazon é dona também do site International Movie Data Base (IMDB), um dos meus sites favoritos na Internet, e do Audible, um site para a venda de audio livros (algo de que também sou fã).

Tenho uma biblioteca em papel de mais de 30 mil volumes. Mas aderi de coração aos livros eletrônicos. É incomporável poder entrar num avião para um voo de 15 horas com 250 livros na mochila… Quando saio por um tempo maior, levo o Kindle e o iPad. O iPad é melhor do que o Kindle para ler revistas (como a VEJA), cheia de fotos e gráficos. A edição para o iPad da VEJA contém clips de audio e filmes. Imbatível. Pena que a Abril tente forçar os clientes a fazer, junto com a assinatura para a VEJA em iPad, uma assinatura para a VEJA em papel.

Editoras de livros convencionais, se cuidem.

Houve uma época em que um empresário americano fez fortuna vendendo gelo para refrigerar alimentos e ambientes. Não havia refrigeradores e aparelhos de ar condicionado naquela época. Havia, para refrigerar alimentos, a “ice box”, uma caixa vertical com dois compartimentos, parecida com uma mini-geladeira duplex. Enchia-se de gelo o compartimento superior, equivalente ao congelador. Colocavam-se alimentos no compartimento inferior. Enquanto o gelo durava, o alimento se conservava. Para refrigerar ambientes, havia um ventilador cujo fluxo de ar passava por uma caixa onde havia água refrigerada a gelo. O ar que saía era fresco. Não frio de todo, mas fresco. Convivi, na minha infância, com a “ice box”. Tínhamos uma em nossa casa na Rua Particular, 10, em Santo André. Convivi com o ventilador refrigerado a ar quando estudei nos Estados Unidos e morava na 6001 Saint Marie Street, em Pittsburgh.

Mas voltemos ao nosso empresário. O negócio dele era buscar gelo para alimentar essas máquinas. Ele ia buscar gelo – enormes blocos – no Polo Norte. Especializou-se em técnicas sofisticadas para cortar grandes blocos de gelo, em transporte que preservava a maior parte dos blocos de gelo, em técnicas sofisticadas para particionar o gelo e vendê-lo no varejo. Ficou biliardário. Chegou a exportar blocos de gelo para a Índia. Sua tecnologia era tão sofisticada que o gelo, indo de navio, ainda chegava em tamanho suficiente para ser vendido no varejo na Índia.

Mas, daí, o ambiente tecnológico mudou: surgiram as geladeiras e os aparelhos de ar condicionado que conhecemos hoje. Nosso empresário, em vez de investir nesse novo negócio, tentou proteger o negócio que já tinha contra a nova concorrência: aprimorou as técnicas de cortar, remover, transportar, particionar e comercializar gelo. Não adiantou. Em pouco tempo estava falido.

Aquele empresário via seu negócio como o comércio de gelo – não o comércio de refrigeração. Estrepou-se. Pagou pelo erro com sua fortuna.

Muitas editoras de hoje vêem o seu negócio como sendo vender livros, revistas, e jornais em papel – e anunciam: o livro impresso, a revista impressa, o jornal impresso nunca vão acabar!!! Tudo bem, botam na Internet uma versão virtual, mas não apostam nela: continuam a investir no negócio antigo. Relutam em deixar que alguém assine uma revista virtual apenas: se assinar a revista em papel, ganha, por um valor a mais, acesso à revista virtual…

Vão quebrar. 

É questão de tempo.

Em São Paulo, 29 de Janeiro de 2011

Orgulho Líquido

Interessante o artigo de Nizan Guanaes na Folha de hoje (de ontem, se considerar a hora aqui em Lisboa). Sei que há gente que não vai gostar, mas…

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Folha de S. Paulo
28 de Dezembro de 2010

Orgulho líquido

NIZAN GUANAES

Se, depois do lucro líquido, não sobrar orgulho, um dia provavelmente não vai sobrar nada para contar

ERRAMOS MUITO neste país, mas finalmente aprendemos com nossos erros. E, se nós não estamos ainda em plena forma, descobrimos um caminho para chegar lá.

Viver é errar e consertar rápido. Fazer leva tempo. Fazer direito, certo e benfeito leva tempo.

Numa trajetória de crescimento, há muito para comemorar e correções de rotas a fazer. Isso vale para países, para pessoas e para empresas. Numa empresa, só o lucro liberta.

É o que digo aos meus sócios: você entrega o lucro, e eu não apareço para encher o seu saco.

Mas o momento é de aperfeiçoarmos esse conceito. Em vez de só lucro líquido, vamos buscar o orgulho líquido. Se, depois do lucro líquido, não sobrar orgulho, um dia provavelmente não vai sobrar nada para você contar. E criar orgulho é muito mais difícil do que criar lucro. Esse desafio, enorme, deve servir como novo combustível para impulsionar nossas empresas.

Fazer lucro não fazendo a entrega certa é cuidar da sua cadeia produtiva de maneira vil: é não cuidar do funcionário, é não dar assistência e horizonte para ele, é só dar tapinha nas costas, é ser displicente com os fornecedores e com as comunidades envolvidas.

Isso não é lucro sustentável por nenhum ângulo que se observe. A responsabilidade social, em todos os sentidos, deve estar inserida no modelo de negócio das empresas e das organizações.

Responsabilidade social é trabalhar para produtos e serviços que orgulhem a empresa, é adotar práticas comerciais que orgulhem os nossos filhos.

Responsabilidade social é ter o melhor lucro dentro das melhores práticas. E só empresas altamente lucrativas e altamente responsáveis vão prosperar neste mundo altamente competitivo em que lutamos. O lucro e a responsabilidade podem ter sido inimigos no passado, mas são grandes aliados neste futuro que já chegou.

Isso passa pelo desafio de reter talentos -e, quanto mais sofisticadas as tecnologias, maior a necessidade dos talentos. É preciso treinar, engajar em valores e sonhos. Um sonho grande e inclusivo. E se for apenas um sonho por dinheiro, será impossível reter os talentos num mercado tão aquecido e com tantas oportunidades.

Um sonho grande se constrói com orgulho líquido. Seu colaborador precisa pensar da sua empresa: “Eu me orgulho de suas práticas, do seu cuidar das pessoas. Porque ela cobra com rigor, mas remunera com justiça”.

Nós, brasileiros, nos orgulhamos de todo brasileiro que vence, criando valor e devolvendo ao país e às comunidades onde se formou e atua. Muitos desses orgulhos já são verdades hoje. Outros são ainda desafios à frente.

Num país onde tantas empresas juntas foram reunidas com pessoas de origens e culturas tão diferentes, é preciso respeitar o histórico das lideranças e o DNA das empresas e das organizações.

Mas precisamos construir com disciplina uma cultura de orgulho líquido, para termos as melhores organizações dentro das melhores práticas. Assim teremos as grandes líderes, as formadoras de orgulho bruto.

Como fazer sucesso, como ter qualidade, como reter talentos sendo responsável? Siga o dinheiro, mas o dinheiro orgulhoso.

Se você pensa que sabe tudo, está obsoleto. Quem diz que sabe tudo sobre seu próprio negócio está morto. É preciso inovação. Para fazer mais rápido, mais sustentável, mais barato, mais produtivo, melhor.

Convido a todos neste momento reflexivo do ano a fazerem duas perguntas que tenho feito: Isso vai dar dinheiro? Isso vai dar orgulho (para mim, para minha carreira, para meus clientes, para meus colegas, para meus filhos, para meus sócios)?

E vamos assim construir o Brasil 2020.

Fizemos muito nesses últimos dez anos. Até por isso, temos hoje mais capacidade de fazer mais e melhor. Estamos quase em cruzeiro. De tão intenso, 2010 demorou a acabar. A agenda de 2011 já está cheia. Ao trabalho, com orgulho.

Mas antes vamos festejar e descansar, que ninguém é de ferro. Feliz Ano-Novo a todos.

NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 15 dias, nesta coluna.

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Em Lisboa, 28 de Dezembro de 2010

Empresas, Lucro e Prejuízo, Custo, Valor e Preço – 2

[Continuação]

12. Receitas e Lucros

Um item de curiosidade é que, segundo o chamado Princípio de Pareto, 20% dos produtos de uma empresa são responsáveis, em média, por 80% de suas receitas, e 20% dos produtos de uma empresa também são responsáveis, em média, por 80% de seus lucros. Nem sempre, porém, os produtos responsáveis por maior receita são aqueles que geram maior lucro: pode perfeitamente dar-se o caso de que produtos responsáveis por altos percentuais de receita são comercializados com uma margem mínima de lucro (ou mesmo com prejuízo!), enquanto produtos que geram altas margens de lucro são comercializados em pequena quantidade.

No caso de Escolas de Informática, é possível cobrar bem mais por um curso avançado, gerando, assim, uma margem de lucro maior naquele produto. Entretanto, a demanda por esse tipo de curso é menor, e, por isso, ele normalmente não tem uma participação significativa na receita da escola. Se, entretanto, se cobrar o mesmo preço por cursos básicos e avançados, e se as despesas com instrutor, apostila, etc., forem as mesmas, é possível simplificar consideravelmente o processo de aferição de custo.

13. Despesas Operacionais e Despesas Não Operacionais

Geralmente se chamam de “despesas operacionais” aquelas despesas em que a empresa incorre no curso de sua atividade normal, como, por exemplo:

  • Despesas com o desenvolvimento (se for o caso), a produção e/ou a aquisição, e distribuição de produtos (Despesas Variáveis)
  • Despesas com a força de vendas (Despesas Variáveis e Fixas)
  • Despesas administrativas (Despesas Fixas)
  • Despesas tributárias decorrentes de tributos não incidentes sobre o faturamento (como IPVA, IPTU, Contribuição Sindical Patronal, e outras taxas)
  • Despesas financeiras que forem deduzidas de receitas financeiras.

Geralmente se chamam de “despesas não-operacionais” aquelas despesas em que a empresa incorre fora do curso de sua atividade normal, como, por exemplo, quando vende um bem do ativo imobilizado por um valor inferior ao seu custo corrigido (vide atrás).

14. Perdas

Chamam-se de perdas os sacrifícios em que uma empresa incorre mas que não podem ser classificados como despesas porque não se realizam no processo de obtenção de receita. Na verdade, perdas não podem nem mesmo ser classificadas como dispêndios.

Entre as perdas podem se incluir bens do ativo imobilizado destruídos por incêndio, enchente, ou alguma outra causa extraordinária, ou então perdidos por roubo ou desfalque. A inadimplência comprovadamente irrecuperável pode, eventualmente, ser abatida como perda.

15. O Reinvestimento do Lucro

Conforme se viu atrás, uma empresa pode dar lucro (operacional ou mesmo líqüido), até mesmo considerável, num determinado período, sem que o empresário receba, em dinheiro, sua remuneração pelo capital originalmente investido. Isso pode acontecer, como mencionado atrás, se o líqüido foi reinvestido. Neste caso, o lucro líqüido deixou de ser recebido em dinheiro para aumentar os ativos da empresa. (Diz-se que o luvro foi “reinvestido” em vez de simplesmente “investido” porque se pressupõe, corretamente, que o lucro já é remuneração de um capital originalmente investido).

Empresários, principalmente os sócios de pequenas empresas, às vezes dizem que estão “reinvestindo o lucro na empresa” quando deixam de receber pro labore por trabalho efetivamente realizado na empresa. A expressão é não é totalmente exata, podendo até mesmo ser inadequada em alguns casos. O não recebimento de pro labore pode ser:

  • Temporário, em cujo caso reflete apenas um financiamento que o empresário faz da empresa (do qual eventualmente pode vir a ser ressarcido, inclusive com a remuneração [juros] e eventual correção monetária), não se caracterizando, portanto, como investimento;
  • Definitivo, em cujo caso pode ser considerado ou um reinvestimento de lucro, se a empresa estiver de fato gerando lucro e o montante correspondente ao pro labore não retirado for transformado em ativos, ou um aporte de capital, se ela não estiver gerando lucro ou se o montante correspondente ao pro labore não retirado for absorvido no capital de giro da empresa.

16. Lucro e Prejuízo

Usando, em parte, conceitos já vistos, temos:

  • Quando o total da receita líqüida de uma empresa é maior do que o total de suas despesas fixas e variáveis, tem-se, como se viu, lucro (operacional).
  • Quando o total da receita líqüida de uma empresa é menor do que o total de suas despesas fixas e variáveis, tem-se, como se viu, prejuizo (operacional).
  • Quando o total da receita líqüida de uma empresa é igual ao total de suas despesas fixas e variáveis, a empresa está em equilíbrio, ou encontrou o seu ponto de equilíbrio.

17. O Ponto de Equilíbrio (“Breakeven Point”)

Chama-se, portanto, de ponto de equilíbrio o ponto em que a receita líqüida e o total das despesas (fixas mais variáveis) de uma empresa ficam equilibradas. O ponto de equilíbrio se alcança quando uma quantidade tal de vendas produz uma receita líqüida suficiente para cobrir todas as despesas, tanto fixas como variáveis, evitando, assim, prejuízo operacional, mas é ainda insuficiente para gerar lucro operacional.

Obviamente, determinar o ponto de equilíbrio de uma empresa é importante para que se possa saber quanto ela precisa arrecadar para não dar prejuízo. Naturalmente, para calcular o ponto de equilíbrio há que ser possível calcular com razoável precisão os custos (de preferência unitários) dos bens e serviços comercializados pela empresa.

18. A Margem de Contribuição

Como já se deixou entrever no último parágrafo, chama-se de margem de contribuição a diferença entre o preço líqüido de venda de uma unidade do produto e o custo unitário do produto, isto é, a diferença entre o preço líqüido de venda de uma unidade do produto e as despesas realizadas na sua produção — no caso de empresa industrial (ou aquisição, no caso de empresa come
rcial, ou desenvolvimento e prestação, no caso de empresa de serviços).

A margem de contribuição (unitária) é obtida, portanto, deduzindo o custo unitário do produto do seu preço líqüido de venda. Chamando a margem de contribuição (unitária) de MC1, o preço líqüido de uma unidade do produto de PL1, e o custo unitário do produto de CP1, a margem de contribuição de um produto é encontrada através da seguinte fórmula:

MC1 = PL1 – CP1

Quando se fala em margem de contribuição geralmente se tem em mente a margem de contribuição unitária. Se for muito difícil operar com custos unitários, entretanto, é possível falar em margem de contribuição total, que é a diferença entre a receita líqüida (representada pelo seu faturamento menos o valor de devoluções, de descontos incondicionais e dos impostos incidentes sobre o faturamento) de uma empresa e o total de suas despesas variáveis em um determinado período. Há quem chame a margem de contribuição total de contribuição marginal.

Quando expressa em um percentual sobre o preço líqüido unitário do produto, em vez de em um valor monetário, a margem de contribuição é chamada de margem de lucro bruto (“gross profit margin”) — lucro esse que é chamado de “bruto”, como já se viu, porque é o lucro antes de abatidas dele as despesas fixas (o pressuposto sendo que, se não houvesse despesas fixas, o lucro bruto seria igual ao lucro operacional). Para encontrar a margem de lucro bruto (percentual sobre o preço líqüido representado pela margem de contribuição) basta dividir a margem de contribuição pelo preço líqüido.

Chamando a margem de lucro bruto de MLB, a margem de contribuição (unitária) de MC1 e o preço líqüido de uma unidade do produto de PL1, a margem de lucro bruto de um produto é encontrada através da seguinte fórmula:

MLB = MC1 / PL1

Para encontrar o percentual sobre o preço líqüido do produto que o custo do produto representa, basta deduzir de 1 a margem de lucro bruto (o percentual sobre o preço líqüido do produto representado pela margem de contribuição).

Chamando o percentual sobre o preço líqüido do produto que o custo do produto representa de PCP, e a margem de lucro bruto de MLB, o PCP é encontrado através da seguinte fórmula:

PCP = 1 – MLB

19. A Fórmula do Ponto de Equilíbrio

A fórmula para calcular o ponto de equilíbrio, como se viu, é relativamente simples:

  • Apura-se a margem de contribuição (unitária), isto é, toma-se o preço líqüido de venda de uma unidade do produto e deduz-se dele o valor do custo de uma unidade do produto.
  • Divide-se o total das despesas fixas pela margem de contribuição.
  • O resultado é o ponto de equilíbrio (em unidades do produto a serem vendidas) para aquela margem de contribuição, ou seja, o número de unidades que precisam ser vendidas para que sejam cobertas os custos de produção e as despesas fixas da empresa, para aquela margem de contribuição.

Chamando o ponto de equilíbrio de PE, o total das despesas fixas de DF e a margem de contribuição unitária de MC1, o ponto de equilíbrio é encontrado através da seguinte fórmula:

PE = DF / MC1

20. Valor

O valor de um produto não se identifica, de modo algum, com o seu custo. O valor de um produto tem componentes subjetivos, que desafiam qualquer cálculo.

O custo da extração e da lapidação de um diamante ou de qualquer outra pedra preciosa é, em regra, extremamente pequeno em relação ao seu preço. O que determina o preço alto é o valor da pedra preciosa aos olhos dos que a desejam. E o valor é, em grande parte, subjetivo – embora tenha componentes que posam ser considerados objetivos, como o seu grau de pureza e perfeição (expresso em quilates).

A esmeralda nas mãos dos indígenas brasileiros tinha valor, talvez, como brinquedo ou adorno – mas não o mesmo valor que tinha para o Caçador de Esmeraldas português, que sabia por que preço podia vendê-la no Velho Continente.

Isso nos traz à questão do preço.

21. Preço

O custo é apenas uma variável a levar em conta quando da formação do preço.

Há, basicamente, três estratégias para formação de preço:

  • Baseada no custo
  • Baseada no valor (ou demanda)
  • Baseada na concorrência

A. Preço Baseado no Custo

A estratégia mais comum na formação de preço é baseá-lo no custo.

Há várias maneiras de basear o preço no custo.

Uma delas é pegar o valor correspondente ao custo total do bem ou serviço (incluindo os custos variáveis e o rateio das despesas fixas) e acrescentar a ele um certo percentual, geralmente chamado de “markup”, que seria o lucro. Alguns profissionais liberais atuam dessa forma.

Uma forma mais complexa de markup envolve distinguir entre o custo do produto em si (despesas variáveis) e as despesas fixas. Supermercados freqüentemente usam esse método (geralmente aplicando markups distintos para diferentes categorias de produtos). Se o custo unitário de um produto é 20,00, pode-se decidir que se for aplicado a esse valor um markup de 50%, teremos um bom preço de venda, a 30,00. É preciso atentar para o fato, entretanto, de que, embora o markup tenha sido de 50%, a margem de contribuição, neste caso, será de apenas 33,33%, pois ela é calculada em cima do preço de venda e não do custo do produto. Assim, 10,00 é 50% de 20,00 mas apenas 33,33% de 30,00. Considerado o preço de venda de 30,00 e o custo do produto de 20,00, a margem de contribuição é 10,00 (33,33%) — que corresponde, como vimos, à margem de lucro bruto. Um markup de 50%, portanto, não pode ser identificado com um lucro (nem mesmo bruto) de 50%, mas, sim, com um lucro bruto de 33,33% — assim como um markup de 100% corresponde a um lucro bruto de 50%.

Do lucro bruto, entretanto, ainda têm que ser abatidas as despesas fixas rateadas, para se chegar ao lucro operacional. Dependendo do valor delas, um markup de 50% ou mesmo de 100% pode não ser suficiente para gerar lucro, para quantidades não muito grandes de venda.

Ilustremos com o seguinte exemplo. Se uma pessoa resolve montar uma “Casa da Pamonha” ao lado de uma grande rodovia, pode ter, dependendo das instalaçõ
es que constrói e do número de pessoas que emprega, despesas fixas bastantes altas — digamos 30.000,00 por mês. Se o custo de uma pamonha é 0,25 (vinte e cinco centavos) e a pamonha é vendida a 1,00, temos um markup de 300% — mas uma margem de contribuição de 0.75 (no caso, 75%). Neste caso, é preciso vender no mínimo 40.000 pamonhas por mês (ponto de equilíbrio) para cobrir as despesas variáveis e fixas.

Essa estratégia de formação de preço é perigosa porque o preço é definido sem levar em consideração o valor que o produto tem para o consumidor (que é o que condiciona a demanda) e o que a concorrência está cobrando por produtos semelhantes.

Se o preço é formado com base no cálculo do ponto de equilíbrio, ou com base numa meta de lucratividade (que depende do ponto de equilíbrio), ele está sendo definido com base no custo.

B. Preço Baseado no Valor (ou na Demanda)

Uma segunda estratégia de formação do preço é baseá-lo, não no custo, mas no valor que o produto representa para o mercado. Como o valor no mercado é geralmente determinado pela demanda, esta estratégia se baseia no valor ou na demanda.

Digamos que alguém, sem muito esforço, descubra uma mina de ouro de fácil extração e que pareça inesgotável. O custo de extrair e mesmo trabalhar uma pepita é, neste caso, pequeno. A estratégia de formação de preço, neste caso, provavelmente não vai se basear no custo, mas, sim, no valor que o mercado atribui ao ouro bruto, ou a peças de ouro.

Quando uma marca ou grife é muito valorizada pelo mercado, o preço de produtos que levam aquela marca é geralmente baseado no valor percebido da marca ou grife.

Num parêntese de cunho mais filosófico, muitas pessoas pensam que existe algo que possa ser chamado de valor de mercado absoluto de um bem ou serviço. Segundo esse ponto de vista, um anel de ouro teria maior valor do que um anel de latão, ou uma cirurgia cardíaca maior valor do que a extração de um dente.

No entanto, a razão parece estar com outras pessoas, que têm procurado mostrar que o valor de mercado é sempre determinado em função da demanda. Segundo elas, o valor de bens e serviços no mercado é determinado não por algo intrínseco neles, mas pelo que as pessoas estão dispostas a dar em troca por eles. Exemplos:

  • Para os aborígines do Brasil, ouro e pedras preciosas não tinham grande valor — eles estavam dispostos a trocar esses produtos pelas quinquilharias que os europeus traziam.
  • Em um leilão, um anel de latão que pertenceu a uma pessoa famosa pode comandar um preço muito mais alto do que um anel de ouro. Um quadro original de Picasso vale muito mais do que uma cópia (identificada como tal), embora 99% das pessoas não consiga discernir diferenças significativas entre os dois.
  • Se você está com uma dor de dentes terrível, e tem dinheiro, pode não se opor a pagar pela extração do dente tanto quanto estaria disposto a pagar por uma cirurgia cardíaca — ou até mais.
  • Às vésperas de um evento esportivo ou artístico famoso, para o qual os ingressos estão esgotados, os cambistas podem (embora talvez não devessem) cobrar um preço muito mais do que o preço regular do ingresso, porque a pressão da demanda faz com que o valor dos ingressos aumente.

C. Preço Baseado na Concorrência

A terceira estratégia de formação de preço é a baseada no preço da concorrência. Em contextos em que a concorrência é acirrada e agressiva, e a marca do produto cujo preço precisa ser fixado não é líder de mercado, a estratégia, freqüentemente, é seguir os preços da concorrência — a menos que o produto em questão tenha algum diferencial que justifique um preço maior.

Esta estratégia, entretanto, é razoavelmente arriscada, porque a concorrência, dependendo de seus custos ou do capital de reserva que possua, pode baixar seus preços a tal ponto que é impossível acompanhá-la.

D. O Impacto Psicológico do Preço

Embora não deva ser chamada de uma estratégia de formação de preço, a consciência do impacto psicológico do preço não pode ser desconsiderada. Os consumidores freqüentemente tomam o preço de um produto (bem ou serviço) como indicador de sua qualidade. Assim, o consumidor, em regra, percebe a qualidade do produto como uma função de seu preço: quanto maior o preço, maior a qualidade.

Por causa desse fato, tem havido casos de empresas que, quando os concorrentes colocam o preço de seu produto muito próximo, escolhem como estratégia competitiva aumentar o preço — com excelentes resultados, porque o mercado passou a perceber o produto como pertencente a uma categoria de qualidade superior.

Muitas vezes os consumidores deixam de comprar um produto porque o preço é muito baixo, e, por isso, eles receiam que a qualidade do produto seja muito ruim. O antigo ditado, de que “quando a esmola é demais o santo desconfia”, aplica-se aqui também.

Por isso, ao definir o preço de um produto, é preciso levar em conta o possível impacto psicológico do preço sobre o a mente do consumidor.

22. Conclusão

Resumindo, os produtos que comercializamos (bens que extraímos da terra, bens que plantamos e colhemos, bens que criamos [como os animais]), ou bens que fabricamos, a partir de matérias primas diversas; ou, ainda, serviços de diversos tipos que prestamos) têm um custo, um valor e um preço. Em geral essas três características são confundidas – ou não claramente distinguidas.

Eduardo Chaves

Em Salto, 20 de Setembro de 2009
[Escrito originalmente em 1994; revisto em 2009]
[Reformatado em 30 de Junho de 2016]

Empresas, Lucro e Prejuízo, Custo, Valor e Preço – 1

Este é um texto eminentemente didático, que tem como público alvo aqueles que nunca pensaram muito sobre esses assuntos. Peço desculpas aos entendidos que vierem a lê-lo: o texto não é para eles… O material é adaptado de um manual que um dia (parece que foi em outra vida) eu escrevi para proprietários de escolas de informática de uma rede de franquias que eu dirigia e para os funcionários da franqueadora.

1. Empresas

Uma empresa é um tipo de instituição que visa à obtenção de lucro através da comercialização (venda) de bens ou serviços.

Os beneficiários dos lucros de uma empresa são os seus proprietários (ou acionistas, no caso de sociedades anônimas).

É a sua finalidade lucrativa, portanto, que diferencia a empresa de instituições com fins não lucrativos, entre as quais se encontram os órgãos governamentais e as chamadas organizações não governamentais (geralmente chamadas, em português, de ONGs [Organizações Não-Governamentais], e, em inglês, de NGOs [Non-Governmental Organizations]).

2. Tipos de Empresas

Há, no que diz respeito à natureza de sua atividade, vários tipos de empresa. As principais são:

  • Empresa Industrial: ela produz (extraindo da natureza, plantando e colhendo, criando, fabricando ou montando) os bens que comercializa
  • Empresa Comercial: ela comercializa bens produzidos por outras empresas
  • Empresa de Serviços: ela presta serviços, que, em geral, ela mesma produz (no caso, desenvolve).

[Sei que chamar uma empresa agro-pecuária de industrial não é muito adequado, mas para não complicar demais a discussão, fica assim.]

Há, naturalmente, empresas de natureza mista, que pertencem a mais de um tipo. As sociedades de quotas de responsabilidade limitada (“Ltda.”) podem, em regra, tanto comercializar bens como prestar serviços. As sociedades civis (“S/C”), por outro lado, só podem, em regra, prestar serviços.

3. Produtos: Bens e Serviços

Por razões conceituais e para facilitar a redação e a leitura, neste texto o termo “produto” vai ser usado de forma genérica para designar tanto um bem quanto um serviço. Quando se falar, adiante, no “custo do produto”, a expressão poderá designar, dependendo do contexto, o custo de extração, plantação e colheita, criação, fabricação ou montagem (se for empresa industrial), o custo de aquisição (no caso de empresas comerciais), ou o custo de desenvolvimento (no caso de empresas de serviços).

Neste sentido, um curso ou conjunto de cursos ministrado por uma Escola de Informática, que é um serviço que ela presta, vai ser legitimamente designado de produto. Esse produto (o curso ou conjunto de cursos) geralmente engloba um outro produto, a apostila, que é um bem, não sendo, em regra, possível, no contexto de uma Escola de Informática, que um seja comercializado separadamente do outro: nem o curso ou conjunto de cursos pode ser comercializado sem a apostila, nem a apostila pode ser comercializada à parte do curso ou do conjunto de cursos.

[Como se discutirá adiante, entretanto, a Escola de Informática pode, ao cobrar do cliente, emitir duas Notas Fiscais, uma de prestação de serviços (o curso), outra de venda de mercadorias (as apostilas). Para fazer isso, porém, ela precisa ser uma “Ltda.”, não podendo ser apenas uma “S/C”. A decisão, no caso, tem implicações tributárias, isto é, afeta a quantidade de impostos que a empresa vai pagar – e, conseqüentemente, é relevante para a sua margem de lucratividade.]

4. Lucro e Prejuízo

O que caracteriza e diferencia a empresa, enquanto instituição, é, portanto, a busca do lucro. A busca do lucro é uma atividade tipicamente de risco, porque, não sendo bem sucedida, pode resultar em prejuízo.

A atividade do empresário, portanto, conquanto possa propiciar um retorno financeiro eventualmente bem maior do que a atividade do assalariado, possui um grau de risco substantivamente maior: o risco de prejuízo e, eventualmente, de falência. Desde que a empresa ou instituição em que ele trabalha continue a existir e a operar normalmente, o assalariado dificilmente terá prejuízo em sua atividade (o que não quer dizer que não possa gastar mais do que ganha — mas esse é outro problema).

O lucro do empresário não deve ser confundido com a remuneração que ele tem quando realmente trabalha em sua empresa. Neste caso, sua remuneração é geralmente chamada de pro labore, expressão latina que se traduz como “pelo trabalho”, e que serve, portanto, para designar a remuneração que o empresário tem pelo seu trabalho na empresa. (O termo “pro labore” [na fala comum substituído por “retirada”] permite diferenciar a remuneração do trabalho do empresário da remuneração do trabalho de seus empregados, que recebem salário). O pro labore pago ao proprietário pelo seu trabalho na empresa, entretanto, deve, como o salário de seus empregados, ser incluído entre as despesas operacionais fixas da empresa, assim se distinguindo da quantia que ele eventualmente receba à guisa de distribuição do lucro líquido (vide adiante). (Os encargos que incidem sobre o pro labore do empresário não são iguais aos que incidem sobre o salário que ele paga aos seus funcionários).

Há pessoas, entretanto, que apenas criam ou adquirem (total ou parcialmente) uma empresa, sem vir a trabalhar nela. Neste caso são normalmente designados de sócios capitalistas, designação que se aplica, também, de certo modo, aos acionistas de uma sociedade anônima que não trabalham nela. Sócios capitalistas não recebem pro labore, fazendo jus apenas à sua parcela dos eventuais lucros. (A expressão “sócio capitalista” é inadequada por dar a impressão de que possa haver “sócios não-capitalistas”. Não pode. Todo empresário é capitalista — mesmo que, politicamente, suas preferências políticas possam, paradoxalmente, se inclinar para o socialismo. A empresa, no sentido que vimos utilizando o termo, é uma instituição tipicamente capitalista. O único uso legítimo da expressão é tentar diferenciar o sócio que é apenas capitalista do que, além de ser sócio capitalista, também trabalha na empresa.)

O lucro pode, assim, ser conceituado como a remuneração do capital investido pelo empresário ao criar ou adquirir um negócio ou parte (cotas, ações) de um negócio.

Contabilmente, distinguem-se vários estágios do lucro. Os principais são os seguintes (as expressões destacadas vindo a ser discu
tidas adiante):

  • Lucro bruto, que é o que resulta da receita operacional líqüida da empresa depois que dela é deduzido o custo dos produtos (bens ou serviços) vendidos (custo esse que é virtualmente equivalente às chamadas despesas variáveis da empresa).
  • Lucro operacional, que é o que resulta do lucro bruto depois que dele são deduzidas as despesas fixas.
  • Lucro líqüido, que é o que resulta do lucro operacional depois que a ele se acrescentam as receitas não-operacionais e dele se deduzem as despesas não-operacionais e os impostos sobre o lucro (isto é, as fatias do lucro que devem ser obrigatoriamente pagas ao governo, na forma de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica [IRPJ] e da Contribuição Social sobre o Lucro [CSL]).

É o lucro líqüido que é distribuído aos sócios proprietários e acionistas da empresa e, eventualmente, a seus executivos, administradores e até outros empregados.

Naturalmente, se o resultado de qualquer uma dessas operações for negativo, tem-se prejuízo, e não lucro. Se o lucro líqüido não é distribuído, ele pode ser reinvestido ou ficar retido na empresa. (Ver adiante).

5. Franquias e Risco

Atrás se disse que todo empreendimento empresarial envolve risco. Muitas Escolas de Informática pertencem a Redes de Franquias. Por isso, aqui deve ser aberto um parêntese para rapidamente discutir-se a questão do risco envolvido em tornar-se uma franquia.

Uma empresa que opera como franquia de uma outra empresa não deixa de ser uma empresa em função desse relacionamento, e, portanto, fica sujeita a todas as leis (no sentido próprio ou figurativo) que regem a atividade empresarial. O fato de tornar-se uma franquia não elimina, por exemplo, o risco de eventual prejuízo e mesmo de falência — como não elimina nem diminui a necessidade de o empresário franqueado encarar a franquia com o seu negócio, por cujo sucesso ou fracasso ele, franqueado, é o principal responsável.

A vantagem de abrir uma franquia, em vez de um negócio totalmente independente, está no fato de que, no caso da franquia, o empresário vai receber um negócio já formatado e beneficiar-se da experiência do franqueador e, se ele não for o primeiro, dos outros franqueados. O grau de suporte que o franqueador dará ao franqueado dependerá, naturalmente, do tipo de negócio envolvido e, também, do grau de amadurecimento e formatação do sistema de franquias.

Entretanto, independentemente do tipo de negócio e do grau de amadurecimento e formatação do sistema de franquias, é preciso ficar claro que o fato de um empresário abrir ou adquirir uma empresa que é franquia, ainda que de uma rede consagrada como a do McDonald’s, não elimina os riscos nem garante o sucesso do empreendimento – nem faz com que um eventual prejuízo seja responsabilidade do franqueador, e não do franqueado.

Quanto a isso, o Manual Prático do SEBRAE-SP que tem o título Franchising: Como Adquirir uma Franquia (SEBRAE-SP, São Paulo, SP, 1997), afirma, sem rodeios, na primeira página de texto (p.11):

“O que foi visto até aqui leva a uma importantíssima conclusão: a compra de uma franquia não é garantia de sucesso, isenta de riscos! Existem riscos, sim, e oriundos de muitos pontos: um franqueador mal estruturado, um franqueado inapto para aquele negócio, um mercado em mutação, o problema com a infeliz escolha do ponto e tantos mais. Nunca se esqueça: todo negócio tem riscos, e o negócio franquia não é exceção“.

6. Receita

A receita de uma empresa é composta de todos os valores que ela recebe, excetuados os valores recebidos à guisa de empréstimos e financiamentos.

A receita de uma empresa pode ser classificada de várias formas. Uma maneira comum de classificá-la é dividindo-a entre receita operacional e receita não-operacional.

  • Receita operacional é a receita decorrente da atividade normal da empresa, ou seja, decorrente da venda de bens ou serviços produzidos no curso de sua atividade normal.
  • Receita não-operacional é a receita, admitidamente esporádica, que não decorre da atividade normal da empresa, como a que ela pode auferir quando vende um bem do seu ativo imobilizado, como um automóvel ou um equipamento.

Quando se vende um bem do ativo imobilizado, é necessário corrigir o seu custo original, da data de aquisição até a data de venda; se o preço de venda for maior do que o custo corrigido (pela inflação e pela depreciação), tem-se uma receita não operacional; se o preço de venda do bem do ativo imobilizado for menor do que o custo corrigido, tem-se uma despesa não-operacional.

A receita não operacional é contabilizada à parte, porque o que normalmente se deseja é aferir o resultado operacional (lucro operacional ou prejuízo operacional) da empresa.

A receita decorrente de investimentos financeiros, aluguéis, etc., pode ser classificada como operacional, se a atividade normal da empresa for relacionada a investimentos, aluguéis, etc. Caso contrário, deve ser classificada como receita não operacional.

A receita operacional de uma empresa pode ser ainda classificada como:

  • Receita bruta, que é composta pelo total de suas vendas de bens ou serviços. (A expressão “receita bruta” é virtualmente sinônima do termo “faturamento“.)
  • Receita líqüida, que é encontrada deduzindo-se da receita bruta os valores relativos a vendas canceladas (devoluções), descontos incondicionais (i.e., não condicionados ao pagamento até certa data, por exemplo, que é algo que o cliente tem opção de aceitar ou não), e impostos incidentes sobre o faturamento (o Imposto sobre Produtos Industrializados — IPI, o Plano de Integração Social — PIS e o Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social — COFINS [todos os três impostos federais], o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação — ICMS [imposto estadual], e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza — ISS [imposto municipal], como se verá adiante.)

7. Faturamento

O faturamento de uma empresa, portanto, é o valor total das vendas de bens e serviços feitas pela empresa – e, portanto, é basicamente equivalente à receita bruta da empresa.

Para fins de contabilização da receita se considera a data do faturamento, não a data do pagamento. A venda que não é efetivada a vista gera, para o vendedor, a chamada “disponibilidade jurídica” (que é o direito de receber, ou seja, o tornar-se credor de uma dívida), embora não gere, de imediato, a “disponibilidade financeira“. Para a legislação contábil e fiscal o que importa é a data do fato gerador da receita, que produz a disponibilidade jurídica.

Por isso, é perfeitamente possível que uma empresa registre lucro mas tenha um fluxo de caixa negativo num determinado período, seja porque realizou vendas a prazo (para pagamento fora do período em que está contabilizando o faturamento) ou porque, tendo contas a receber naquele período, decorrentes de vendas a prazo em período anterior, não recebeu essas contas, em virtude de inadimplência, ou, ainda, porque realizou investimentos naquele período (vide adiante).

8. Dispêndios, Despesas e Investimentos

Os dispêndios de uma empresa são todos os gastos que ela faz para adquirir bens ou serviços. Os dispêndios podem ser feitos a vista (quando o pagamento é feito no ato) ou podem gerar uma dívida (quando o pagamento for feito no futuro).

Os dispêndios de uma empresa podem ser classificados em despesas e investimentos.

  • Despesas são os dispêndios que ela realiza no processo de obtenção de receita, isto é, os gastos em que ela incorre para produzir (extrair, fabricar, montar), adquirir, desenvolver, e distribuir bens e serviços. (No caso de serviços, às vezes é difícil separar desenvolvimento e distribuição).
  • Investimentos são os dispêndios que ela realiza com vistas à obtenção de benefícios futuros.

Como há várias e importantes formas de classificar despesas, a questão será discutida à parte, na sub-seção seguinte.

Entre os investimentos que uma empresa pode fazer está a aquisição de ativos (bens físicos ou papéis) que se incorporam ao seu patrimônio. Uma máquina, quando adquirida, tem o potencial de trazer benefícios por muitos anos. Bens como equipamentos perdem o seu valor com o tempo, e, portanto, o seu valor precisa ser periodicamente ajustado para contemplar essa depreciação.

Há algumas correntes que classificam dispêndios com publicidade como investimento, visto que são feitos com vistas à obtenção de benefícios futuros — no caso, mais vendas.

9. Classificação de Despesas

É comum fazer uma distinção entre os vários tipos de despesas que uma empresa tem.

Chamam-se “despesas fixas” aquelas despesas que, numa empresa ativa (em operação), preenchem estas duas condições:

  • Ocorrem, independentemente de a empresa estar produzindo, como, por exemplo, as despesas com aluguel, condomínio, etc.;
  • Não variam em função de a empresa estar produzindo ou distribuindo maior ou menor quantidade de bens ou serviços, como, por exemplo, as despesas com salários e encargos de pessoal administrativo.

Chamam-se “despesas variáveis” aquelas despesas que preenchem estas duas condições:

  • Ocorrem quando a empresa está produzindo
  • Variam com a quantidade de bens e serviços produzidos e distribuídos, como, por exemplo, os gastos com matéria prima, na indústria, com gráfica, numa editora, com salários e encargos de instrutores, numa escola que paga seus instrutores por hora de aula ministrada, com comissão sobre vendas efetuadas, com impostos que incidem sobre o faturamento, etc..

Às vezes pode ser complicado calcular, em relação a um tipo de despesa específico, o que é fixo e o que é variável, havendo mesmo despesas que são “semi-fixas e semi-variáveis“, como, por exemplo, os gastos com energia elétrica, que podem ser classificados em parte como despesas fixas (o que se consome, digamos, no escritório) e em parte como despesas variáveis (o que se consome, digamos, para colocar em operação as máquinas usadas na produção industrial).

A remuneração de pessoal de vendas pode incluir um componente fixo (que é pago mesmo que não haja vendas e independe da quantidade de vendas) e um componente variável (dependente da quantidade de vendas – a chamada “comissão”).

É oportuno notar que o fato de uma despesa ser fixa não implica, entretanto, que ela tenha exatamente o mesmo valor todos os meses. Despesas com condomínio, por exemplo, são fixas no sentido de que normalmente existem, independentemente de a empresa estar produzindo, e não variam em função da produção — embora seu valor possa se alterar mês a mês.

10. Custos

As despesas de uma empresa, como vimos, são os dispêndios em que ela incorre no processo de geração de receita, isto é, no processo de desenvolver (se for o caso), produzir ou adquirir e distribuir bens e serviços. Despesas são geralmente agrupadas por período (mês, trimestre, ano).

Os custos de uma empresa são parte de suas despesas. Quando se fala em custos normalmente se tem em mente o agrupamento das despesas, geralmente variáveis, não por período, mas em função da determinação, para fins contábeis, gerenciais, ou mesmo fiscais, dos dispêndios feitos para produzir cada um dos diferentes tipos de produtos (bens e serviços) da empresa. Assim, enquanto se fala nas despesas de um determinado mês, trimestre ou ano, fala-se nos custos de produto x e de produto y.

Para ter uma idéia mais clara da distinção, basta observar que é perfeitamente possível dizer que uma empresa, num determinado período, tem esta ou aquela receita, realiza estas ou aquelas despesas, dá lucro ou prejuízo, sem falar nos custos em que ela incorre para produzir (extrair, plantar e colher, criar, fabricar, montar) ou adquirir (para revendê-los) os bens, ou desenvolver os serviços, que comercializa. Quando começamos a falar em custo, normalmente pensamos na apropriação, total ou parcial, de despesas, geralmente variáveis, ao processo de desenvolvimento (se for o caso), de produção ou aquisição e de distribuição de determinado produto — normalmente, de uma unidade de um determinado produto (custo unitário).

Quanto se fala em custo dos produtos de uma empresa, portanto, o que se tem em mente é aquela parcela das despesas variáveis em que ela incorre para produzir, adquirir ou desenvolver aqueles produtos. Entre as despesas variáveis relevantes estão, no caso de uma empresa industrial, os relativos à matéria prima utilizada, ao salário pago aos empregados envolvidos na produção (não só aos operários, mas também aos supervisores e gerentes), ao aluguel das dependências industriais, à energia consumida, etc..

O custo dos produtos geralmente não inclui as despesas fixas que a empresa tem com a administração geral do negócio (que envolve, por exemplo, a manutenção do escritório e da força de vendas). O custo dos produtos também geralmente não inclui as despesas variáveis que a empresa tem mas que não estão relacionadas ao desenvolvimento (se for o caso), à produção ou aquisição e à distribuição dos produtos (como, por exemplo, as comissões eventualmente pagas ao pessoal de vendas).

11. Classificação de Custos

Os custos de um produto — isto é, os custos necessários para produzir, adquirir ou desenvolver um produto — podem ser classificados em custos diretos e custos indiretos.

  • Os custos diretos de um produto são aqueles que se identificam com um só produto, podendo, portanto, ser imediatamente apropriados ao produto (bem ou serviço).
  • Os custos indiretos de um produto são aqueles que não se identificam com um só produto, sendo necessários, portanto, cálculos, rateios ou estimativas para que eles sejam apropriados ou distribuídos a diferentes produtos (bens ou serviços).

Disso decorre que, se uma empresa vende um só tipo de produto (um só tipo de bem, sem variações relevantes de tamanho, qualidade, etc., ou um só tipo de serviço), os custos de seu produto serão todos diretos. Se, entretanto, ela vende diferentes tipos de produtos (diferentes tipos de bens ou diferentes tipos de serviços), pode ter custos indiretos se algumas de suas despesas (como, por exemplo, o aluguel das dependências em que vários produtos são fabricados ou desenvolvidos, a depreciação de máquinas usadas na fabricação de mais de um produto) precisam ser distribuídas (divididas e apropriadas) pelos diferentes produtos.

Geralmente, conforme já se assinalou, apenas as despesas variáveis (e mesmo assim nem todas) são levadas em conta no cálculo dos custos diretos e indiretos.

Normalmente, quando se contabilizam custos, procura-se determinar o chamado custo de produção ou aquisição e distribuição de uma unidade de diferentes produtos (bens ou serviços). No caso de serviços, como já se mencionou, é às vezes difícil separar a distribuição (prestação) do desenvolvimento dos serviços. No caso de uma Escola de Informática, pode-se procurar aferir quanto custa ministrar um determinado curso, sendo esse o equivalente do custo de produção de empresas industriais.

As empresas que contabilizam seus custos cuidadosamente geralmente são aquelas que têm um amplo e variado composto de produtos (“product mix”) e que, portanto, precisam determinar quais de seus produtos são mais rentáveis (dão mais lucro). Para fazer isso, elas têm que distribuir suas despesas variáveis pelos vários produtos, assim determinando a margem de lucro gerada por cada um desses produtos.

[Continua]

Em Salto, 20 de Setembro de 2009
[Escrito originalmente em 1994; revisto em 2009]
[Reformatado em 30 de Junho de 2016]

Administração do Tempo – Entrevista para Revista é Domingo (2007)

[Entrevista dada por e-mail para Vanessa Olivier, da revista É Domingo, de Sorocaba. As perguntas estão em negrito, depois da palavra “Pergunta”. Há várias outras matérias sobre esse tema aqui neste blog.]

Pergunta: Como organizar o tempo na vida pessoal, conseguindo um equilíbrio entre trabalho, família, lazer?

Interessei-me pelo tema porque, há uns 15 ou 16 anos, andava assoberbado pelas demandas do  trabalho – era professor da UNICAMP, consultor de empresas, consultor de escolas, estava casado, tinha mulher e quatro filhos, etc. Lazer, nem se pensava. Férias eu não tirava. Nos meses de férias escolares o normal era a mulher ir parar a praia com os filhos e eu ficar em casa trabalhando. Fora das férias, trazia diariamente trabalho para fazer em casa à noite. A maior parte das pessoas conhece bem o problema. Mas, por outro lado, li, naquela ocasião, que o presidente de uma grande empresa multinacional havia saído de férias por 30 dias, e ido para Ushuaia, na Terra do Fogo, e que lá esquecia totalmente do seu trabalho. Queria apenas divertir-se e descansar. Perguntei-me: como é que pode? como é que ele consegue?

Fui estudar a questão e percebi, primeiro, que não há solução fácil ou mágica. A vida contemporânea é complexa mesmo e faz inúmeras demandas sobre o nosso tempo. Mas, em segundo lugar, descobri que, embora não fosse coisa fácil, nem que envolvesse mágica, havia uma série de medidas que podiam nos ajudar a assumir controle de nossa vida – porque é disso, em última instância, que se trata.

A primeira medida é ganhar clareza sobre como gastamos o nosso tempo – fazendo um acompanhamento detalhado dos nossos dias durante um certo período.

A segunda medida é analisar cuidadosamente esses dados, classificando-os entre “Importantes e Urgentes”, “Importantes mas não Urgentes”, “Não-Importantes mas Urgentes” e “Não-Importantes e Não-Urgentes”.

A terceira medida é imediatamente deixar de fazer o que não é nem importante nem urgente. Não é difícil entender o bom senso dessa medida. O difícil é decidir o que é que não é nem importante nem urgente. Ler jornais e revistas semanais de cabo a rabo, navegar sem rumo pela Internet, checar os e-mails duzentas vezes por dia, arranjar os ícones de Windows na tela, brigar demoradamente com a atendente da operadora de telefone por causa de um erro de cinco reais na conta, etc. – nada disso é, pareceu-me então, nem importante, nem urgente. Ganhei preciosos minutos por dia e por semana deixando de fazer isso.

A quarta medida é lidar com o que é urgente mas não é importante. Como as coisas aqui são urgentes, não é possível simplesmente deixar de fazê-las. A solução mais costumeira é delegá-las. Uma secretária, um assistente, um estagiário, um office boy, uma empregada doméstica – ou mesmo o cônjuge ou os filhos – podem assumir muitas dessas tarefas, alguns de forma remunerada, outros como encargos familiares. O problema é que muita gente é incapaz de delegar. Por alguma razão, acredita que só ele é capaz de fazer, e fazer bem, as coisas que é urgente fazer. Conheço um grande advogado que não delega para estagiários nem mesmo a tarefa de ir ao Fórum para lá acompanhar o andamento de processos. Segundo alega, uma vez fez isso e perdeu um prazo importante porque o estagiário bobeou. Mas nunca iremos conseguir administrar o tempo se não soubermos delegar – e lidar com eventuais problemas à medida que aconteçam. A incapacidade de delegar é o primeiro dos inimigos da boa administração do tempo.

Isso resolvido, temos de lidar, como quinta medida, com o que realmente vale a pena: as coisas importantes. É aqui que entra a questão do foco, hoje muito discutida.

Algumas das tarefas importantes são também urgentes: se não pudermos delegá-las a quem possa realizá-las bem, temos de nos dedicar a elas imediatamente e fazê-las o mais rápido possível. Sem relaxo, mas, também, sem perfeccionismo. Se a incapacidade de delegar é o primeiro inimigo da boa administração do tempo, o perfeccionismo é o segundo inimigo. A pressa, dizem, é inimiga da perfeição. Mas a busca da perfeição, embora necessária nas artes e no esporte, é inimiga da gestão eficaz do tempo. O artista e o esportista só conseguem chegar perto da perfeição porque são focados exclusivamente numa só área da vida – deixam tudo o mais de lado. Nós, pobres mortais, que não podemos fazer isso, tempos de abrir mão da busca da perfeição  – sem, porém, abrir mão de certos padrões de qualidade.

Outras coisas importantes não são tão urgentes, ou assim nos parecem. A nossa tendência aqui é procrastinar – empurrá-las com a barriga. A procrastinação é o terceiro grande inimigo da boa administração do tempo. Ter tempo de qualidade com a família é importante para você? Priorize isso. Abra mão, se necessário, de outras coisas menos importantes. Tenha foco. Cuidar de sua saúde, exercitar-se, ter lazer, é importante para você? Priorize isso. Tenha foco. Nada faz com que algo importante seja focado e se torne também prioritário e urgente como um grande susto com a saúde: um infarto, por exemplo. Sei do que falo nesta questão – embora às vezes me pegue me comportando como se não soubesse…

Pergunta: Qual são as conseqüências para quem não consegue tempo para a saúde, para o lazer, para a família?

Um infarto, por exemplo, como acabo de mencionar… Ou o cônjuge encontrar alguém que lhe dê mais tempo e atenção… Ou perceber que os filhos cresceram e você não notou, e, hoje, é quase um estranho em suas vidas… Ninguém conscientemente deseja essas coisas. Mas, frequentemente, nos comportamos não só como se não nos importássemos, mas até mesmo como se as desejássemos!

Pergunta: No que isso pode prejudicar no mundo dos negócios?

Uma pessoa de negócio com problemas de saúde ou com problemas familiares não tem condições de apresentar o mesmo desempenho que apresentaria se a saúde estivesse 100% e tudo estivesse bem com o cônjuge e os filhos.

Pergunta: Quais são as principais barreiras encontradas pelas pessoas que não conseguem administrar sua agenda? E como elas podem rompê-las?

Já as listei: incapacidade de delegar, perfeccionismo, procrastinação. É possível adquirir novos hábitos nessas áreas – mas não é fácil: exige determinação, paciência e persistência. Sempre vai haver recaídas – mas não podemos usá-las como justificativa para voltar aos velhos hábitos.

Pergunta: O que é preciso saber para conseguir sucesso na vida profissional e pessoal?

Gosto de listar os 8 P’s: Pensamento, Propósito, Paixão, Plano, Produção, Provisão, Postura, e Persistência. O sucesso só bem para quem sabe o que busca, para quem sabe aonde quer chegar. Essa a função do Pensamento: uma idéia norteadora que vai nos servir de bússola. Mas o Pensamento só não basta: é preciso que ele se transforme em um Propósito – e que esse Propósito seja perseguido com Paixão. Mas a Paixão não é substituto para a elaboração de um Plano de Ação racional para realizar o Propósito – e um Plano que seja verdadeiramente de Ação, certamente não pode ficar no papel: precisa ser posto em prática, transformado em ação. Essa é a função do que chamo de Produção. Mas para pôr o plano em ação é necessário fazer Provisão: buscar os recursos e os instrumentos requeridos pelo plano para que se transforme em realidade. Isso, no entanto, não se consegue sem Postura: adesão séria a princípios e valores que contribuam para o sucesso. Por fim, Persistência. Vai haver problemas e dificuldades, haverá horas em que ficaremos tentados a desistir… Mas os que são bem sucedidos são aqueles que, mesmo quando caem, “levantam-se, sacodem a poeira e dão a volta por cima”.

Pergunta: Por fim, qual é sua formação profissional e quais são suas especialidades.

Fiz curso de graduação em Teologia e Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em História (Mestrado) e Filosofia (Doutorado). Fui professor universitário durante 35 anos – 32 dos quais na UNICAMP, da qual me aposentei no final do ano passado (2006). Há cerca de 25 anos me enveredei pela área do uso da tecnologia na eficiência pessoal, no treinamento, na educação. Isso é hoje uma de minhas áreas de atuação profissional, como consultor. A Microsoft é minha principal cliente aqui. Desde janeiro deste ano  (2007) sou Secretário Adjunto de Ensino Superior do Governo do Estado de São Paulo. E, por fim, como já disse, sou casado, tenho quatro filhos e sete netos.

Em Campinas, 25 de fevereiro de 2007

Administração do Tempo – Entrevista para o Site do Padre Marcelo Rossi (2005)

1. A que se deve o surgimento (ou mesmo o crescimento) da necessidade de se controlar o tempo das atividades? Será que o relógio dominou o homem?

Importante que esta seja a primeira pergunta, porque ela me permite combater, desde o início, o maior mito que já se disseminou sobre a administração do tempo: a idéia de que administrar o tempo é “controlar o tempo das atividades”, ficar escravo do relógio.

Administrar o tempo não é equivalente a cronometrar nossas atividades, para ver se conseguimos reduzir o tempo dedicado a cada uma delas (assim fazendo mais ao final do dia — do mês, do ano, da vida).  Administrar o tempo envolve, acima de tudo, analisar séria e cuidadosamente nossas atividades, para determinar sua importância e urgência, ou seja, sua prioridade — e, depois, agir de conformidade com essa prioridade.

As atividades que desenvolvemos ao longo do dia, do mês, do ano, da vida, podem ser classificadas em quatro grandes categorias:

  • Atividades importantes e urgentes
  • Atividades importantes mas não  tão urgentes
  • Atividades urgentes mas não (tão) importantes
  • Atividades nem importantes nem urgentes

A simples elaboração dessa lista já nos faz pensar.

A primeira categoria (coisas importantes e urgentes) certamente deve incluir nossas atividades prioritárias: aquelas a que devemos dedicar a maior parte do nosso tempo e do nosso esforço.

A quarta categoria (coisas nem importantes nem urgentes) é tão pouco prioritária que podemos simplesmente ignorar as atividades que porventura se incluam nelas. Se algo não é nem importante nem urgente, por que fazer?

O problema é definir a prioridade relativa entre as atividades da segunda e da terceira categorias: coisas importantes mas não tão urgentes e coisas urgentes mas não (tão) importantes.

O resultado mais significativo desse exercício, entretanto, não é uma lista priorizada de atividades às quais você se compromete dedicar o seu tempo e a sua energia — embora isso seja o que você está buscando. O resultado mais significativo é que você começa administrar a própria vida — afinal, tempo é vida, não é mesmo? Quando acaba o nosso tempo, acaba a nossa vida. Administrar o tempo, portanto, é administrar a própria vida. Esse o título de um artiguete que escrevi há vários anos.

Administrar a própria vida é se perguntar o que é realmente importante para a gente — e, se a gente não está fazendo o que realmente é importante, investigar por quê.

Como se vê, administrar o tempo não é ficar, cronômetro na mão, controlando o tempo que levamos para fazer o que de fato fazemos: é determinar se o que de fato fazemos vale a pena, se não existe algo mais importante a que deveríamos estar dedicando nosso tempo.

Se estou ouvindo uma música de que gosto muito, ou se estou assistindo a um de meus filmes favoritos, ou se estou brincando com meu filho ou neto pequeno — o importante não é tentar fazer essas coisas no menor tempo possível: o importante é prolongar o gozo de estar envolvido nelas, desfrutá-las, degustá-las, como se degusta a um bom vinho (i.e., devagar…).  Se consigo fazer isso, estou administrando bem o meu tempo.

Se, por outro lado, passo o meu dia correndo atrás de coisas que não são importantes, e, às vezes, nem tão urgentes, ou, pior, se fico perdido, sem saber o que fazer, seja porque tenho coisas demais que parecem requerer minha atenção, seja porque tenho tão poucos interesses que nada parece valer a pena fazer, então estou administrando mal o meu tempo (i.e., a minha vida).

2. As pessoas estão correndo demais e olhando de menos para as coisas que fazem, isto é, há um desperdício do tempo utilizado?

Certamente a vida de hoje numa grande cidade brasileira é muito mais agitada do que costumava ser — e é muito mais agitada do que a vida numa pequena e pacata cidade do interior (Lucélia, por exemplo, onde nasci).  Até crianças pequenas têm agendas, hoje, que indicam que a maior parte do seu tempo está planejado e programado para elas: têm horas marcadas para se levantarem, ir à escola, almoçar, ir ao curso de Inglês, ir à escolinha de futebol (ou ao balé), tomar banho, jantar, fazer deveres escolares, quem sabe assistir a um pouco de TV e ir dormir.

Numa situação assim, que aflige a maior parte das pessoas e famílias das grandes cidades hoje em dia, o problema não é que o tempo das pessoas esteja sendo desperdiçado, que elas estejam gastando mais tempo para fazer as coisas do que é necessário. O problema é que as pessoas não estão refletindo o suficiente sobre o que estão fazendo, não estão se perguntando se essa agitação toda é necessária, se não há coisas mais importantes, no longo prazo, ou que trazem mais satisfação, no curto prazo, que poderiam estar fazendo.

A agitação da vida moderna não é um fatalismo que temos de aceitar. Se, ao refletirmos sobre tudo que fazemos, e que torna a nossa vida agitada (às vezes nos levando à morte por uma dessas doenças relacionadas ao estilo de vida, morte essa que decreta o fim do nosso tempo), concluímos que é isso que de fato queremos da vida, então o nosso estilo de vida passa a ser fruto de uma decisão consciente e não teremos por que reclamar, nem mesmo quando estivermos na UTI de um hospital em decorrência de estresse decorrente de nosso estilo de vida. Mas se, no processo de refletir, concluímos que essa agitação toda, além de tudo, não nos permite fazer o que realmente é importante para nós, como passar tempo com quem amamos, curtir as coisas boas e em geral simples da vida, então é hora de mudar — e teremos sorte se conseguirmos mudar enquanto é (há) tempo.

Tempo desperdiçado não é aquele em que ficamos sem fazer nada: é aquele em que fazemos aquilo que não nos é importante. Ficar sem fazer nada (do ponto de vista exterior) talvez seja, de vez em quando, a coisa mais importante que podemos fazer.

3. As pessoas têm acumulado coisas a mais que sua capacidade para fazer, daí estaria a causa do problema?

Essa é certamente uma parte do problema. É interessante se perguntar por que estamos assumindo tantas coisas — mais do que conseguimos fazer sem prejudicar nossa saúde física ou mental, ou sem ter de deixar de lado outras coisas que nos são realmente importantes (como passar mais tempo com a família — tempo de qualidade, “reservado”, não tempo “sobrado”).

Se temos coisas demais para fazer, é hora de nos perguntar se não podemos delegar algumas delas a terceiros, ou se não estamos, por causa, às vezes, de um perfeccionismo abstrato, gastando tempo demais com coisas que não merecem tanto tempo, por não serem tão importantes e prioritárias.

A causa principal do problema, parece-me, está no fato de que, entre essas coisas todas cuja realização assumimos, há inúmeras que não são realmente importantes para nós — importantes em termos de nossos próprios valores, não dos valores de terceiros! É aí que devemos atacar a questão do chamado desperdício de tempo.

4. Qual a importância de administrar seu tempo na realização de tarefas?

Resumindo o que já disse anteriormente, administrar o tempo não é tanto uma questão “de varejo”: é administrar estrategicamente a própria vida, definindo prioridades — e, em seguida, concentrar nosso tempo e energia no que é prioritário (importante ou urgente), deixando de lado aquilo que não é importante e gerenciando o melhor possível aquilo que é urgente sem ser importante.

Aqui talvez seja o melhor lugar de lidar com uma questão central na vida da maior parte de nós.

Muitos de nós trabalhamos como empregados em uma empresa, ou em uma organização não-governamental, ou em um órgão do governo. Quem trabalha como empregado está, na realidade, vendendo ao empregador parte de seu tempo (e do uso de sua inteligência, de suas competências, de seu esforço) em troca de um salário (dinheiro). Isso quer dizer que o uso de nosso tempo durante o horário de trabalho é, em parte, determinado pelo nosso empregador, não por nós mesmos. Isso, naturalmente, não quer dizer que não possamos, até certo ponto, administrar nosso tempo no trabalho (vamos discutir essa questão na resposta à pergunta seguinte) — mas quer dizer que a nossa flexibilidade na administração do nosso tempo enquanto no trabalho é mais limitada.

Se olharmos a questão do trabalho assalariado (venda de nosso tempo e do uso de outras qualidades nossas) numa perspectiva mais abrangente, vamos constatar que da mesma forma que vendemos nosso tempo, nós também compramos tempo dos outros ao contratarmos o trabalho alheio — ou o fruto desse trabalho. Se contratamos uma empregada doméstica, estamos comprando o tempo dela (e, naturalmente, o uso de algumas de suas qualidades) — ela vai fazer para nós coisas que, se nós fôssemos fazer, gastariam parte de nosso tempo. Como preferimos fazer algumas outras coisas com o nosso tempo (como vendê-lo ao nosso empregador em troca de um salário melhor do que o que pagamos à nossa empregada) compramos o tempo dela (em troca de um salário menor do que o nosso).

Na verdade, eu conheço mulheres que trabalham fora (i.e., vendem o seu tempo a um empregador) em troca de um salário que não é muito maior do que o que pagam à empregada doméstica que precisam contratar para cuidar de sua casa enquanto trabalham fora. Por que fazem isso? Porque preferem trabalhar fora (isto lhes traz mais satisfação ou realização pessoal) do que ficar trabalhando em casa fazendo um trabalho que acham chato e sem encontrar pessoas interessantes — uma questão de prioridade.

Eu, por exemplo, poderia fazer o jardim da minha casa. Mas como há um bom jardineiro que faz isso a cada quinze dias para mim por um preço relativamente barato, prefiro pagar-lhe esse preço para cuidar de meu jardim enquanto eu fico lendo ou escrevendo (e vendo o jardineiro trabalhar no jardim lá fora). Novamente, questão de prioridade.

Se não somos ricos por herança, e temos de trabalhar para sobreviver, o nosso trabalho se torna algo não só urgente mas (pelo menos indiretamente) importante — importante pelo menos por aquilo que ele nos permite realizar com o salário que recebemos: nos manter a nós mesmos e à nossa família. O horário dedicado ao trabalho, assim, assume importância e deve ter prioridade — mesmo que aquilo que fazemos dentro desse horário não nos pareça importante ou sequer urgente.

Se temos de trabalhar como assalariados, e a maioria de nós tem, não resta a menor dúvida de que a melhor opção, se é que temos escolha, é por um trabalho que é, em si, interessante (“gratificante” é o termo da moda) — não por um trabalho chato e maçante.  O problema é que a maioria de nós não tem muita escolha — e, por isso, muitas vezes somos levados a trabalhar com algo que não traz satisfação e realização pessoal. Mesmo quando isso acontece, porém, é preciso encarar o trabalho da perspectiva daquilo que o seu fruto (o salário) nos permite realizar — e isso em geral nos obriga  a colocar o trabalho entre as coisas que são importantes (além de, sem dúvida, urgentes).

Rubem Alves nos diz, em vários de seus livros, que a educação é o processo pelo qual criamos e equipamos duas caixinhas: uma caixinha de ferramentas e uma caixinha de brinquedos. A primeira contém aquelas competências e habilidades que são necessárias para nos manter vivos; a segunda contém aquelas competências e habilidades que nos fazem querer continuar vivos, isto é, que dão razão e sentido à nossa vida. O ideal sem dúvida é que consigamos nos manter vivos fazendo coisas que nos dão prazer e satisfação, que nos fazem felizes. Se isso não é possível, porém, devemos encarar o nosso trabalho da perspectiva daquilo que ele nos permite fazer, fora do horário de trabalho, com nossa caixinha de brinquedos.

5. Administrar o tempo reduz gastos nas empresas? Por quê?

As empresas, como as pessoas, acabam por desenvolver rotinas, que se incorporam em sua cultura organizacional, que são ineficientes.

Uma atividade é ineficiente quando a sua execução não otimiza — vale dizer, desperdiça — recursos, isto é, consome mais recursos para promover um determinado fim do que é necessário — ou do que uma atividade alternativa consome para chegar aos mesmos resultados. Os recursos em pauta podem ser financeiros, materiais ou humanos (o tempo das pessoas, por exemplo). Certamente a administração do tempo pode levar as empresas a descobrir quais atividades dentro dela estão sendo ineficientes pelo menos no uso do recurso tempo — e a tomar as medidas necessárias para corrigir a ineficiência (tornando as rotinas de trabalho mais eficientes no uso desse recurso ou até mesmo substituindo-as por outras mais eficientes).

Mas as empresas, muitas vezes, desenvolvem atividades que são ineficazes.

Uma atividade é ineficaz quando ela é não produz os resultados desejados (dado um determinado contexto), nem mesmo ineficientemente. Ser eficaz, portanto, é fazer a coisa certa (aquilo que deve ser feito para produzir os resultados que desejamos) — ainda que essa coisa seja feita do jeito errado (isto é, de forma ineficiente).

O ideal é ser eficiente e eficaz: fazer certo a coisa certa.

O problema de muitas empresas é que elas fazem um número enorme de coisas ineficazes, isto é, que realmente não produzem os resultados desejados. Essas atividades devem ser abandonadas, porque, ainda que realizadas eficientemente (sem que haja desperdício de recursos na sua realização) elas são, em si, um desperdício de recursos, pois não produzem os resultados desejados (ainda que sejam realizadas com a maior eficiência). Em outras palavras: não vale a pena fazer bem o que não deve ser feito: o que não deve ser feito simplesmente não deve ser feito.

Esse conjunto de considerações tem levado muitas empresas a analisar com cuidado suas “competências básicas” (o seu “core business”) e, em alguns casos, a adotar a chamada “terceirização”.

Uma empresa de alta tecnologia como a Microsoft tem suas “competências básicas” (seu “core business”) na área de desenvolvimento de software. Ela não é especializada, digamos, na realização de serviços de limpeza e de fornecimento de refeições. No entanto, em suas enormes instalações em Redmond, WA, nos Estados Unidos, atividades como a limpeza dos prédios e o fornecimento de refeições aos empregados têm de ser realizadas. Qualquer ação que as realizar é, assim, eficaz — produz resultados que são desejados. A Microsoft tem alternativas sobre a melhor maneira de produzir esses resultados. Ela pode contratar empregados que façam essas coisas ou pode terceirizar esses serviços para empresas especializadas — que, provavelmente, por serem especializadas, vão conseguir prestar esses serviços para a Microsoft com melhor qualidade e com menor custo (i.e., maior eficiência) do que se a Microsoft, ela mesma, contratasse as pessoas para realizar os serviços. Dentro das prioridades da Microsoft, ela prefere focar o tempo de seus empregados e a sua energia organizacional na realização daquilo que lhe é, acima de tudo, importante. Isso lhe permite ser eficaz (conseguindo que algo que precisa ser feito seja feito) e mais eficiente (reduzindo os custos e melhorando a qualidade dos serviços que estão fora de suas competências básicas).

Num desenvolvimento interessante, algumas empresas, como a Nike, acabaram definindo seu “core business” de forma que lhes permite terceirizar a maior parte de suas atividades. A Nike, como se sabe, só cria os seus produtos e cuida do marketing necessário para vendê-los. A manufatura, em si, de toda a sua linha de produtos é terceirizada.

6. Saber administrar o tempo é uma saída para se destacar dentro da empresa, ou seja, a pausa para o café é mal vista pelo chefe?

A maior parte das grandes empresas, que, em geral, são mais bem administradas, não enfoca a questão desse ângulo  de “micro-gestão”: de ficar fiscalizando se seus empregados estão gastando muito tempo na pausa para o café, ou se estão conversando demais durante o expediente, ou mesmo se estão usando a Internet para realizar atividades pessoais (pagar contas, por exemplo), não relacionadas ao trabalho.

A maior parte das grandes empresas hoje em dia encara a administração do tempo em termos dos resultados obtidos. Em geral elas dão razoável flexibilidade aos empregados sobre a forma de alcançar esses resultados. Se posso citar novamente a Microsoft, os empregados, lá, têm a possibilidade de adotar um horário de trabalho relativamente flexível (flextime). Ou podem sair, durante o expediente, para relaxar (nadar, fazer exercícios, receber uma massagem). Ou podem até mesmo, querendo, cochilar um tempo em seu escritório. O importante é que não percam de foco suas metas, como empregados da empresa, colocando em risco os resultados que a empresa está determinada a alcançar. Se uns empregados gastam mais tempo no café ou no almoço, ou chegam mais tarde, ou saem mais cedo, isso, em si, não é problema — desde que as coisas importantes e urgentes estejam sendo feitas dentro dos prazos combinados e no nível de qualidade desejado.

7. Que tipo de dica o senhor poderia dar para as pessoas prestarem mais a atenção durante seu trabalho e regularem melhor o tempo com suas obrigações?

A melhor sugestão de certo modo já foi dada meio que en passant. As pessoas em geral têm um desempenho muito melhor no trabalho quando o seu trabalho lhes permite unir o útil ao agradável: ganhar a vida e fruí-la, ou gozá-la, ao mesmo tempo, fazer convergir os objetivos organizacionais e os objetivos pessoais, tornar o urgente importante, fazer da caixinha de ferramentas ao mesmo tempo uma caixinha de brinquedos. Para a pessoa que gosta de fazer aquilo que o seu trabalho exige que ela faça o trabalho não vai ser penoso e, por isso, não vai parecer trabalho: vai parecer mais como um lazer escolhido para dar prazer — e, por isso, ela não terá problemas em lhe dar a devida importância e prioridade. Os melhores profissionais são aqueles que têm prazer no que fazem — que estariam fazendo aquilo com gosto mesmo que não fossem pagos para fazê-lo.

Isso nem sempre é possível. Mas nossa educação deveria nos preparar para isso. O ideal é não separar trabalho e lazer / prazer — e trabalhar, meio que contra a vontade, apenas porque o trabalho torna possível fazer o que dá prazer quando a gente está fora do trabalho, ou no fim de semana, ou em férias, ou aposentado. O ideal é definir com clareza aquilo que nos dá prazer, aquilo que gostamos de fazer — e, daí, encontrar uma forma de ganhar dinheiro fazendo aquilo… Se conseguirmos, não teremos problema algum em administrar o nosso tempo no trabalho.

Em Campinas, 24 de agosto de 2005

Administrar o Tempo é Planejar a Vida, v.1 (2005)

Geralmente quem escreve sobre administração do tempo não o faz porque seja especialista na questão, mas, sim, porque quer aprender mais sobre o assunto. Pelo menos foi esse o meu caso. Vou relatar aqui algumas de minhas descobertas, como roteiro para a leitura do quarto texto.

1) Administrar o tempo não é uma questão de ficar contando os minutos dedicados a cada atividade: é uma questão de saber definir prioridades. Provavelmente (numa sociedade complexa como a nossa), NUNCA vamos ter tempo para fazer tudo o que precisamos e desejamos fazer. Saber administrar o tempo é ter clareza cristalina sobre o que, para nós, é mais prioritário, dentre as várias coisas que precisamos e desejamos fazer – e tomar providências para que essas coisas mais prioritárias sejam feitas, sabendo que as outras provavelmente nunca vão ser feitas (mas tudo bem: elas não são prioritárias).

2) Dentre as coisas que vamos listar como prioritárias, algumas estarão ali porque nos são importantes, outras porque são urgentes. Imagino que algo que não é NEM importante NEM urgente não estará na lista de ninguém. E também sei que na lista de todo mundo haverá coisas que são IMPORTANTES E URGENTES. Não resta a menor dúvida de que estas coisas devem ser feitas imediatamente, ou, pelo menos, na primeira oportunidade. Poucas pessoas questionarão isso. O problema surge com coisas que consideramos importantes, mas não urgentes, e com coisas que são urgentes, mas às quais não damos muita importância.

3) Digamos que você considere importante ficar mais tempo com sua família. Por outro lado, você tem que trabalhar x horas por dia. Se o seu trabalho é mais importante do que ficar com a sua família, o problema está resolvido: você trabalha, mesmo que isso prejudique a convivência familiar. Mas e se o trabalho não é mais importante para você do que a convivência familiar? Neste caso, provavelmente o trabalho é urgente, no sentido de que tem que ser feito, pois doutra forma você vai ser despedido (ou perder clientes, se for autônomo ou empresário) e vai ter dificuldades para manter sua família (embora, sem trabalho, provavelmente vai poder passar mais tempo com ela…). Aqui o conflito é entre o importante e o urgente – e é aí que a maior parte de nós se perde, e por uma razão muito simples: algumas das tarefas que temos que realizar não são selecionadas por nós, mas nos são impostas. Isto é: não somos donos de todo o nosso tempo. Não temos, em relação ao nosso tempo, toda a autonomia que gostaríamos de ter. Quando aceitamos um emprego, estamos, na realidade, nos comprometendo a ceder a outrem o nosso tempo (e, também, o nosso esforço, a nossa capacidade, o nosso conhecimento, etc.). Este é um problema real e de solução difícil: não somos donos de boa parte de nosso tempo.

4) Acontece, porém, que geralmente usamos mal o tempo que dedicamos ao trabalho (e, por isso, temos que fazer hora extra ou trazemos trabalho para casa), ou mesmo o tempo que passamos em casa. Usar mal QUER DIZER que muitas vezes usamos o nosso tempo para fazer o que não é nem importante nem urgente, mas apenas algo que sempre fizemos, pela força do hábito. Alguém me disse, quando eu era criança, que a gente nunca deveria abandonar a leitura de um livro, por pior que ele fosse. Que bobagem! Mas quanto tempo desperdicei terminando de ler coisa que de nada me serviu por causa desse conselho! Uma vez me peguei dizendo à minha família que não poderia fazer algo (não me lembro o quê) domingo de manhã porque precisava ler os jornais. Eu lia, religiosamente, a Folha e o Estado aos domingos de manhã (sinto muito, folks: há tempo que não freqüento escola dominical). Lia por hábito. Achava que um professor tem que se manter informado. Mas quando disse que “precisava” ler os jornais me dei conta de que realmente não precisava lê-los. O que é de pior que poderia me acontecer se eu não lesse os jornais, me perguntei. NADA, foi a resposta que tive honestamente que dar. Se houver algo importante nos jornais provavelmente fico sabendo no noticiário da TV, ou na VEJA. Mas daí me perguntei: e preciso ler a VEJA todas as semanas? Resposta: não. Existe algo que eu prefiro ler/fazer naquelas manhãs de domingo que ganhei? Claro, muitas coisas – PARA AS QUAIS EU ANTES NÃO TINHA TEMPO. Ganhei as horas dos jornais, ganhei as horas da VEJA, fui ganhando uma horinha aqui outra ali, para as coisas que eu realmente queria fazer há muito tempo e não achava tempo…

5) Administrar o tempo é ganhar autonomia sobre a sua vida, não é ficar escravo do relógio. É uma batalha constante, que tem que ser ganha todo dia. Se você quer ter a autonomia de decidir passar mais tempo com a família, ou sem fazer nada, você tem que ganhar esse tempo deixando de fazer outras coisas que são menos importantes para você. Em última instância pode ser que você até tenha que, eventualmente, arrumar um outro emprego ou uma outra ocupação.

6) O tempo é distribuído entre as pessoas de forma bem mais democrática que muitos dos outros recursos de que nós dependemos (como, por exemplo, a inteligência). Todos os dias cada um de nós recebe exatamente 24 horas (a menos que seja o último dia de nossas vidas): nem mais, nem menos. Rico não recebe mais do que pobre, professor universitário não recebe mais do que analfabeto, executivo não recebe mais do que operário. Entretanto, apesar desse igualitarismo, uns conseguem realizar uma grande quantidade de coisas num dia – outros, ao final do dia, têm o sentimento de que o dia acabou e não fizeram nada. A diferença é que os primeiros percebem que o tempo, apesar de democraticamente distribuído, é um recurso altamente perecível. Um dia perdido hoje (perdido no sentido de que não realizei nele o que precisaria ou desejaria realizar) não é recuperado depois: é perdido para sempre.

7) Há os que afirmam, hoje, que o recurso mais escasso na nossa sociedade não é dinheiro, não são matérias primas, não é energia, não é nem mesmo inteligência: é tempo. Mas tempo se ganha, ou se faz, deixando de fazer coisas que não são nem importantes nem urgentes e sabendo priorizar aquelas que são importantes e/ou urgentes.

8) Quem tem tempo não é quem não faz nada: é quem consegue administrar o tempo que tem de modo a poder fazer aquilo que quer.

9) Por outro lado, ser produtivo não é equivalente a estar ocupado. Há muitas pessoas que estão o tempo todo ocupadas exatamente porque são improdutivas – não sabem onde concentrar seus esforços e, por isso, ciscam aqui, ciscam ali, mas nunca produzem nada. Ser produtivo é, em primeiro lugar, saber administrar o tempo, ter sentido de direção, saber aonde se vai.

10) Administrar o tempo, em última instância, é planejar estrategicamente a nossa vida. Para isso, precisamos, em primeiro lugar, saber aonde queremos chegar (definição de objetivos). Onde quero estar, o que quero ser, daqui a 5, 10, 25, 50 anos? O segundo passo é começar a estrategiar: transformar objetivos em metas (com prazos e quantificações) e decidir, em linhas gerais, como as metas serão alcançadas. O terceiro passo é criar planos táticos: explorar as alternativas específicas disponíveis para se chegar aonde queremos chegar, escolher fontes de financiamento (emprego, em geral, é fonte de financiamento), etc. Em quarto lugar, fazer o que tem que ser feito. Durante todo o processo, precisamos estar constantemente avaliando os meios que estamos usando, para verificar se estão nos levando mais perto de onde queremos vamos querer estar ao final do processo. Se não, troquemos de meios (procuremos outro emprego, por exemplo).

11) Mas tudo começa com uma verdade tão simples que parece uma platitude: se você não sabe aonde quer chegar, provavelmente nunca vai chegar lá – por mais tempo que tenha.

12) Quando o nosso tempo termina, acaba a nossa vida. Não há maneira de obter mais. Por isso, tempo é vida. Quem administra o tempo ganha vida, mesmo vivendo o mesmo tempo. Prolongar a duração de nossa vida não é algo sobre o qual tenhamos muito controle. Aumentar a nossa vida ganhando tempo dentro da duração que ela tem é algo, porém, que está ao alcance de todos. Basta um pouco de esforço e determinação.

NOTA: Este artigo é resumo, escrito e divulgado em 1998, de um livreto, Administração do Tempo, que escrevi em 1992. Esta versão, que aqui chamo de v.1, considera a versão original, de 1998, v.0.

Em Campinas, 24 de agosto de 2005