Os Indicados ao Oscar (em Português)

Transcrevo, a seguir, matéria do UOL.

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http://cinema.uol.com.br/oscar/2011/ultimas-noticias/2011/01/25/com-12-indicacoes-o-discurso-do-rei-lidera-as-apostas-para-o-oscar-2011.jhtm

25/01/2011 – 11h39

Com 12 indicações, “O Discurso do Rei” lidera as apostas para o Oscar 2011

Da Redação

Os atores Colin Firth e Helena Bonham Carter em cena do filme O Discurso do Rei

Os atores Colin Firth e Helena Bonham Carter em cena do filme “O Discurso do Rei” [Ele representa o Rei George VI da Inglaterra, pai da Rainha Elizabeth II, que ainda reina. Ela representa a Rainha Mãe, mãe de Elizabeth II, que faleceu em … com 102 anos de idade – EC]

Os indicados ao Oscar 2011 foram divulgados na manhã desta terça-feira (25/1), em apresentação transmitida ao vivo pelo site oficial da premiação. O anúncio foi feito pelo presidente da Academia de Hollywood, Tom Sherak, e pela atriz Mo’Nique, vencedora da categoria melhor atriz coadjuvante em 2010 por sua atuação em “Precious”. Entre os que mais impressionam estão “O Discurso do Rei”, que recebeu 12 indicações, e “Bravura Indômita”, faroeste dos irmãos Coen, que ficou com 10.

A temporada de premiações – por exemplo, o Globo de Ouro e as dos sindicatos da indústria de cinema –  já adiantava alguns dos destaques do Oscar, mas ainda havia ansiedade por alguns títulos, como em relação a “Toy Story 3”, finalmente confirmado entre os indicados a melhor filme (além de ser indicado na categoria animação). Alguns dos atores principais indicados eram tidos como certos, com destaque para os vencedores do Globo de Ouro neste ano Colin Firth, por “O Discurso do Rei”, e Natalie Portman, no papel da bailarina com problemas psicológicos de ”Cisne Negro”.

Por outro lado, alguns nomes bem cotados ficaram de fora, entre eles o de Mila Kunis, que não entrou na lista de melhor atriz coadjuvante por “Cisne Negro”, e Christopher Nolan, que não entrou na lista de melhor direção por “A Origem”  – embora o filme conste entre os indicados a melhor filme.

Entre os documentários, houve pouca surpresa, com a confirmação de títulos como “Exit Through the Gift Shop”, dirigido pelo grafiteiro Banksy, e de “Lixo Extraordinário”,  sobre o trabalho do artista brasileiro Vik Muniz com os catadores de lixo.

A cerimônia de entrega dos prêmios acontece em 27 de fevereiro no tradicional Kodak Theatre, nos EUA. Os anfitriões deste ano serão os jovens atores James Franco e Anne Hathaway.

Melhor filme

“Cisne Negro”
“O Vencedor”
“A Origem”
“Minhas Mães e Meu Pai’’
“O Discurso do Rei”
“127 Horas”
“A Rede Social”
“Toy Story 3”
“Bravura Indômita”
“Inverno da Alma”

Melhor ator coadjuvante

Christian Bale (“O Vencedor”)
Geoffrey Rush (“O Discurso do Rei”)
Mark Ruffalo (“Minhas Mães e Meu Pai”)
Jeremy Renner (“Atração Perigosa”)
John Hawkes (“Inverno da Alma”)

Melhor atriz coadjuvante
Melissa Leo (“O Vencedor”)
Helena Bonham Carter (“O Discurso do Rei”)
Hailee Steinfeld (“Bravura Indômita”)
Amy Adams (“O Vencedor”)
Jacki Weaver (“Reino Animal”)

Melhor diretor

Darren Aronofsky (“Cisne Negro”)
David Fincher (“A Rede Social”)
Tom Hooper (“O Discurso do Rei”)
Joel and Ethan Coen (“Bravura Indômita”)
David O. Russel (“O Vencedor”)

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    Divulgação

     

A atriz Natalie Portman interpreta uma bailarina no drama psicológio “Cisne Negro”

Melhor atriz

Nicole Kidman (“Reencontrando a Felicidade”)
Natalie Portman (“Cisne Negro”)
Jennifer Lawrence (“Inverno da Alma”)
Annete Benning (“Minhas Mães e Meu Pai”)
Michelle Williams (“Blue Valentine”)

Melhor ator

Javier Bardem – “Biutiful”
Jeff Bridges – “Bravura Indômita”
Jesse Eisenberg – “A Rede Social”
Colin Firth – “O Discurso do Rei”
James Franco – “127 Horas”

Roteiro original

“A Origem”
“Minhas Mães e Meu Pai”
“O Discurso do Rei”
“Another Year”
“O Vencedor”

Roteiro adaptado

  •  

    Divulgação

     

Personagens do filme ”Toy Story 3″, da Pixar

“127 Horas” – Danny Boyle, Simon Beaufoy
“Toy Story 3” – Michael Arndt, John Lasseter, Andrew Stanton, Lee Unkrich
“Bravura Indômita” – Joel Coen, Ethan Coen
“Inverno da Alma” – Debra Granik, Anne Rosellini
“A Rede Social” – Aaron Sorkin

Animação

“Como Treinar Seu Dragão”
“O Mágico”
“Toy Story 3”

Direção de arte

“Alice no País das Maravilhas” – Diretor de Arte: Robert Stromberg; Decoração de Set: Karen O’Hara
“Harry Potter e as relíquias da Morte” – Diretor de Arte: Stuart Craig; Decoração de Set: Stephenie McMillan
“A Origem” – Diretor de Arte: Guy Hendrix Dyas; Decoração de set: Larry Dias and Doug Mowat
“O Discurso do Rei” – Diretor de Arte: Eve Stewart; Decoração de Set: Judy Farr
“Bravura Indômita” – Diretor de Arte: Jess Gonchor; Decoração de Set: Nancy Haigh

Fotografia

“Cisne Negro” – Matthew Libatique
“A Origem” Wally – Pfister
“O Discurso do Rei” – Danny Cohen
“A Rede Social” – Jeff Cronenweth
“Bravura Indômita” – Roger Deakins

Documentário

“Exit through the Gift Shop” – Banksy and Jaimie D’Cruz
“Gasland” – Josh Fox and Trish Adlesic
“Trabalho Interno” – Charles Ferguson and Audrey Marrs
“Restrepo” – Tim Hetherington and Sebastian Junger
“Lixo Extraordinário” – Lucy Walker and Angus Aynsley

Filme estrangeiro

“Biutiful” (México)
“Dogtooth” (Grécia)
“Em um Mundo Melhor” (Dinamarca)
“Incendies” (Canadá)
“Outside the Law (Hors-la-loi)” (Argélia)

Maquiagem

“Minha Versão do Amor” – Adrien Morot
“The Way Back” –  Edouard F. Henriques, Gregory Funk and Yolanda Toussieng
“O Lobisomem” – Rick Baker and Dave Elsey

Trilha sonora original

“Como Treinar seu Dragão”- John Powell
“A Origem” – Hans Zimmer
“O Discurso do Rei” – Alexandre Desplat
“127 Horas”- A.R. Rahman
“A Rede Social” – Trent Reznor and Atticus Ross

Canção original

“Coming Home” de “Country Strong” (Música e letra de Tom Douglas, Troy Verges e Hillary Lindsey)
“I See the Light”  de “Enrolados” (Música de Alan Menken e letra de Glenn Slater)
“If I Rise” de “127 Hours” (Música de A.R. Rahman e letra Dido and Rollo Armstrong)
“We Belong Together” de  “Toy Story 3″ (Música e letra de Randy Newman)

Curta-metragem de animação

“Day & Night” – Teddy Newton
“The Gruffalo” – Jakob Schuh and Max Lang
“Let’s Pollute” – Geefwee Boedoe
“The Lost Thing” – Shaun Tan and Andrew Ruhemann
“Madagascar carnet de voyage (Madagascar, a Journey Diary)” – Bastien Dubois

Curta-metragem

“The Confession” – Tanel Toom
“The Crush” Michael – Creagh
“God of Love” – Luke Matheny
“Na Wewe” – Ivan Goldschmidt
“Wish 143” – Ian Barnes and Samantha Waite

Edição de som

“A Origem” – Richard King
“Toy Story 3” – Tom Myers and Michael Silvers
“Tron: o Legado”  – Gwendolyn Yates Whittle and Addison Teague
“Bravura Indômita” – Skip Lievsay and Craig Berkey
“Incontrolável” – Mark P. Stoeckinger

Mixagem de som

“A Origem” – Lora Hirschberg, Gary A. Rizzo e Ed Novick
“O Discurso do Rei” – Paul Hamblin, Martin Jensen e John Midgley
“Salt” – Jeffrey J. Haboush, Greg P. Russell, Scott Millan e William Sarokin
“A Rede Social” – Ren Klyce, David Parker, Michael Semanick e Mark Weingarten
“Bravura Indômita” – Skip Lievsay, Craig Berkey, Greg Orloff e Peter F. Kurland

  • Divulgação

     

Personagens do filme ”Alice no País das Maravilhas”, de Tim Burton

Efeitos visuais

“Alice no País das Maravilhas” – Ken Ralston, David Schaub, Carey Villegas e Sean Phillips
“Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1” Tim Burke, John Richardson, Christian Manz e Nicolas Aithadi
“Além da Vida – ” Michael Owens, Bryan Grill, Stephan Trojanski e Joe Farrell
“A Origem” – Paul Franklin, Chris Corbould, Andrew Lockley e Peter Bebb
“Homem de Ferro 2” – Janek Sirrs, Ben Snow, Ged Wright e Daniel Sudick

Figurino

“Alice no País das Maravilhas” – Colleen Atwood
“I Am Love” – Antonella Cannarozzi
“O Discurso do Rei” – Jenny Beavan
“The Tempest” – Sandy Powell
“Bravura Indômita” – Mary Zophres

Documentário (curta)

“Killing in the Name”
“Poster Girl”
“Strangers No More”
“Sun Come Up”
“The Warriors of Qiugang”

Edição

“Cisne Negro” – Andrew Weisblum
“O Vencedor” – Pamela Martin
“O Discurso do Rei” – Tariq Anwar
“127 Horas” – Jon Harris
“A Rede Social” – Angus Wall and Kirk Baxter

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Em São Paulo, 13 de Fevereiro de 2011.

A História do Rei George VI da Inglaterra

Os atores Colin Firth e Helena Bonham Carter em cena do filme O Discurso do Rei

Fomos assistir a “O Discurso do Rei” num dos cinemas do Bourbon Shopping – e lá encontramos o Alipio Casali (professor da PUC-SP) e a mulher, que se sentaram do nosso lado. Filme magnífico. História real do Rei George VI, da Inglaterra, pai da atual rainha, que gaguejava e acabou dominando o problema com a ajuda de um terapeuta sem qualificação acadêmica e extremamente heterodoxo.

Não percam.

O filme está indicado para o Oscar em nada menos do que 12 categorias. Colin Firth está incomparável como um George VI gago, inseguro, que não acredita em si mesmo, mas que aos poucos vence esses problemas e se torna um rei amado e respeitado na Inglaterra durante um dos períodos mais difíceis do país: A Segunda Guerra. É um dos candidatos mais fortes ao Oscar de Melhor Ator Principal. Seu terapeuta, representado por Geoffrey Rush, também tem um desempenho impecável e está indicado para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.  Helena Bonham Carter, no papel de mulher de George VI, que veio a ser a Rainha-Mãe no reinado de Elizabeth II, e viveu até recentemente, também está indicada para o Oscar, na categoria Melhor Atriz Coadjuvante. O Diretor, Tom Hooper, também foi indicado.

Como é bonito e inspirador o cinema, quando bem feito.

Eis as categorias em que o filme está indicado para um Oscar:

  • Melhor filme
  • Melhor Diretor (Tom Hooper)
  • Melhor Ator Principal (Colin Firth)
  • Melhor Ator Coadjuvante (Geoffrey Rush)
  • Melhor Atriz Coadjuvante (Helena Bonham Carter)
  • Roteiro Original
  • Direção de Arte
  • Fotografia
  • Trilha Sonora Original
  • Mixagem de Som
  • Figurino
  • Edição

Transcrevo, abaixo, um excelente artigo de Contardo Calligaris sobre o filme. Transcrevo do blog do Contardo, mas o artigo foi publicado na Folha de 2 de Fevereiro de 2011.

Vale a pena ler o artigo também.

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http://contardocalligaris.blogspot.com/2011/02/todos-os-reis-estao-nus.html

02 Fevereiro 2011

Todos os reis estão nus

Que Deus nos guarde de todos os que não enxergam sua própria nudez, sejam eles reis ou não

JÁ ESTÁ em cartaz (pré-estreia) “O Discurso do Rei”, de Tom Hooper. O filme foi indicado ao Oscar em doze categorias; a atuação de Colin Firth (o rei) é tão inesquecível quanto a de Geoffrey Rush (o terapeuta).

Resumo.

Quando George 5º morreu, o filho primogênito lhe sucedeu (com o nome de Eduardo 8º), mas por um breve período: logo ele abdicou, por querer uma vida diferente daquela que o ofício de rei lhe proporcionaria. Com isso, o cadete, Duque de York, tornou-se rei -inesperadamente e num momento decisivo: era a véspera da Segunda Guerra Mundial.

O Duque de York (e futuro George 6º) era tímido, temperamental e, sobretudo, gago -isso numa época em que, graças ao rádio, a oratória dos ditadores incendiava as praças do mundo: na hora do perigo, para que serve um rei se ele não consegue ser a voz que fala para o povo e por ele?

O filme, imperdível, conta a história (verídica) da relação entre o rei e seu terapeuta, Lionel Logue, um fonoaudiólogo australiano pouco ortodoxo. Eis algumas reflexões saindo do cinema.

1) Qualquer terapia começa com uma dificuldade prática: uma impotência, a necessidade de um conselho, uma estranha tensão nos ombros, uma gagueira. A relação terapêutica se constrói a partir dessa dificuldade: o terapeuta é quem saberá nos livrar do transtorno, seja ele fonoaudiólogo, terapeuta corporal, eutonista, psi (de qualquer orientação) etc.

Quer queira quer não, a ação do terapeuta é dupla: relaxaremos o ombro, exercitaremos a dicção ou endireitaremos o pensamento do paciente, mas, de uma maneira ou de outra, acabaremos mexendo nas fontes de um mal-estar mais geral que talvez se manifeste no transtorno.

2) Há, às vezes (mais vezes do que parece), escondidas no nosso âmago, ambições envergonhadas ou vergonhosas, que não confessamos nem a nós mesmos. Quando sua realização se aproxima, só podemos inventar jeitos de fracassar, porque, no caso, não nos autorizamos a querer o que desejamos.

Obviamente, detestamos a voz do terapeuta que se aventura a nos dizer o que queremos mas não nos permitimos. Essa voz atrevida é a única aliada de desejos que são nossos, mas que encontram um adversário até em nós mesmos.

3) No trabalho psicoterapêutico, o segredo de polichinelo é que, por mais que suspendamos diplomas em nossas salas de espera, somos todos leigos e aventureiros. Não sei se existem cursos ou estágios que ensinem a ouvir o que Logue ouve e entende do desejo escondido do Duque de York. Certamente não há formações que ensinem a coragem maluca do terapeuta do rei, seu esforço para se colocar, sem medo, ao serviço do que o duque e futuro rei não quer saber sobre si mesmo.

4) Pensando bem, Logue (como Freud) tinha, sim, uma formação que o qualificava como conhecedor da alma humana e especialmente da dos reis: a leitura de Shakespeare.

5) Quase sempre, chega o dia em que um paciente descobre que seu terapeuta sabe muito menos do que ele (o paciente) imaginava. O paciente pode até pensar que o terapeuta, atrás de seu bricabraque de saberes práticos, é um impostor. É ótimo que isso aconteça, pois, geralmente, é sinal de que o paciente descobriu que ele também é um impostor. No caso, o terapeuta não é qualificado para ser terapeuta, exatamente como o rei não é qualificado para ser rei. (Parêntese: em geral, é assim que nasce uma amizade: os dois se tornam amigos por aceitarem estar ambos nus, como o rei da fábula – mesmo que seja só por um instante.)

Não há como ser terapeuta ou rei sem alguma impostura. Todos carregamos máscaras. Avançamos mascarados, enfeitados por mentiras que nos embelezam. Até aqui, tudo bem: essa impostura é uma condição trivial e necessária da vida social. Os melhores conhecem sua impostura e sabem que não estão à altura de sua máscara.

Os piores se identificam com sua máscara. Acreditar nas máscaras que vestimos é um delírio que nos torna perigosos. Não há diferença entre o rei que acreditasse ser rei, o terapeuta que acreditasse ser terapeuta e o anjo exterminador que saisse atirando e matando, perfeitamente convencido de ser uma figura do apocalipse. Os três teriam isto em comum: acreditariam ser a máscara que eles vestem.

Enfim, que Deus nos guarde de todos os que não enxergam sua própria nudez.

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Repito. Não percam. É um filme sobre uma história real, que os mais velhos companharam em grande parte.

Em São Paulo, 13 de Fevereiro de 2011.

Hábitos de Leitura

Acordem, editores e livreiros. Os hábitos de leitura estão mudando. Abaixo, o resultado de levantamentos publicados na Folha de ontem. Dispositivos multifuncionais são coisas como iPads.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tec/tc0902201129.htm

Folha de S. Paulo

HÁBITOS DE LEITURA

66%

Consumidores com dispositivos multifuncionais que passaram a ler mais depois de comprá-los

O número é de um estudo da iModerate Research Technologies e da Brock Associates, que entrevistou 300 pessoas nos EUA

46%

Consumidores com dispositivos multifuncionais que passaram a ler mais livros de papel

80%

Pessoas que consideram a leitura em aparelhos mais conveniente do que no papel

72%

Entrevistados que leem em dispositivos eletrônicos quando viajam

Frase

“Gosto de ter muitos livros à mão para escolher o que ler em qualquer lugar. Basta baixar as obras que quero ler nos meus dispositivos. Posso ler um livro por um instante e mudar para outro” [PARTICIPANTE ANÔNIMO de pesquisa sobre hábitos de leitura]

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Com respeito à frase citada, me, too.

Em São Paulo, 10 de Fevereiro de 2011

Jovens e velhos convivem em todas as faixas etárias

Muito interessante o artigo de Luli Radfahrer na Folha de S. Paulo de ontem.

A tese mais interessante, na minha opinião, é que velhice não é uma questão de idade: é uma questão de postura, de atitude perante a vida. Há novos e velhos em toda faixa etária…

Velhos são aqueles que não percebem que uma mudança básica e fundamental aconteceu na sociedade e persistem em considerá-la um modismo, um “fad”, que logo irá desaparecer. Assim, se orgulham, culturalmente, de resistir a essa mudança, considerando seu reacionarismo uma virtude cultural. Jactam-se de não usar e-mail, de não ter perfil no Facebook, de nem sequer ter (ou atender) um telefone celular.

Esses velhos, essas verdadeiras peças de museu existem em qualquer faixa etária. Eu tenho um bom número de amigos velhos – nesse sentido – que, cronologicamente, são mais recentes do que eu. Uma coisa não tem muito que ver com a outra.

Eis o artigo do Luli Radfahrer na íntegra.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tec/tc0902201127.htm

LULI RADFAHRER

Os velhos da sua idade

O que você deve fazer por aquelas pessoas que têm a sua idade, mas não leem este caderno

ESTE ARTIGO foi escrito para aqueles seus amigos, parentes ou colegas que têm a sua idade e uma formação parecida com a sua, mas que, por algum motivo, nunca lêem cadernos como este. Você conhece o tipo: são pessoas inteligentes, de opinião formada, que acompanham as notícias regularmente, mas que raramente passam do caderno de economia ou de cultura. Sabe quem acredita que ópera é muito mais importante do que videogames ou Facebook, mesmo tendo uma fração de sua audiência? Pois então.

Eles não são velhos. Você não é velho. Ou pelo menos não deve se sentir ultrapassado, mesmo que não saiba das últimas artimanhas do Google ou do Twitter. O leitor da editoria de tecnologia costuma ter conta em redes sociais e saber como deve se comportar nelas, não clica em qualquer link de e-mail e tem uma boa noção do que é um iPad ou um Wii, mesmo que não tenha a menor intenção de comprá-los. É alguém que, como você, tem critério e experiência. Isso depende cada vez menos da idade.

No entanto, há cada vez mais gente com orgulho de sua aversão ao ambiente digital. Isso não acontece com outras inovações, como a energia elétrica ou o rádio.

A web tem quase duas décadas de vida e a telefonia móvel, cerca de metade disso. Não se pode mais chamá-las de “mídias alternativas” ou de “tecnologias emergentes” quando a maioria dos processos contemporâneos depende delas. Mas ainda são poucos os que perceberam de verdade essa mudança. A maioria ainda está à margem das transformações, fazendo de conta que elas não existem, mesmo que tenham filhos adolescentes e uma renda pra lá de confortável. A inclusão digital se torna, cada vez mais, uma questão cultural.

O que aconteceu com essa gente? Meu palpite é que eles não perceberam a mudança. Como qualquer pessoa que não se interessa por uma área da medicina ou do direito até que se torne vítima dela, eles nunca se importaram com o digital. Mas deram o azar de terem nascido em uma época que ele se tornou importante. Por causa disso, muitos vivem hoje em um mundo desconfortável e isolado, que não compreende o que fazem seus filhos, seus funcionários e o resto do planeta.

Esses caras me lembram aqueles coleguinhas da escola que, por serem bonitos ou fortes ou populares ou ricos demais, nunca pensaram que precisariam estudar.

O tempo passou, e uma das poucas coisas que correu mais rápido do que ele foi a tecnologia. Lembra a lenda da cigarra e da formiga? É algo parecido.

Pode parecer lavagem cerebral, mas acredito que você deva ajudá-los a se alfabetizar no digital. Por mais que dê trabalho, a atividade compensará por dois motivos. O primeiro é que as tecnologias de informação estão mais para uma linguagem do que para uma ferramenta. Quanto maior a fluência, mais eficiente será a comunicação e a compreensão. O segundo é que quanto maior e mais adiantado estiver o mercado, mais exigente ele será.

No fim, quem mais se beneficiará dessa cadeia evolutiva será você, que terá acesso a máquinas e serviços melhores. Isso sem contar que poderá fazer novos amigos e ampliar sua visão de mundo, principalmente se eles estiverem entre os do tipo que não lê este tipo de caderno.

lulil@luli.com.br

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Em São Paulo, 10 de Fevereiro de 2011

Educar pode custar caro, mas não educar custa mais caro ainda

O título que dei ao posto diz tudo. O artigo de Gustavo Cerbasi, publicado na Folha de hohe (31/01/2011) dá a razão para o que o título diz.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me3101201116.htm

GUSTAVO CERBASI

A cara falta de educação

O brasileiro médio não se qualifica para exercer atividades complexas ou desenvolver tecnologia

HÁ ALGUM TEMPO, na Suécia, eu tomava café em meu hotel quando avistei um buraco que se abriu de um dia para o outro no asfalto, devido a chuvas durante a madrugada.

Comentei despretensiosamente com amigos que a Suécia não era um país perfeito, pois tam- bém tinha buracos no asfalto, como em nosso país.

Antes mesmo de eu terminar minha refeição, chegou um veículo de obras para corrigir o problema.

O que vi dali em diante foi motivo de muita reflexão sobre diferenças culturais.

Daquela camionete saltou seu único ocupante, que ao toque de um botão acionou um elevador hidráulico que posicionou a seus pés um interessante kit de equipamentos de identificação.

Bandeiras, sinais de luz, placas de trânsito identificando a obra, cones e cavaletes foram rapidamente posicionados a uma distância segura para desviar o trânsito.

O mesmo profissional voltou à camionete, abriu uma tampa da carroceria e retirou algumas peças que pareciam ser molduras quadradas de metal. Uma delas, ao ser posicionada no asfalto, mostrou ter dimensões pouco maiores do que o buraco, e por isso foi usada como gabarito para riscar o piso.

Feita a marcação, o trabalhador pegou uma serra elétrica e cortou o asfalto com precisão cirúrgica, retirando com picareta uma placa quadrada com o buraco no meio.

O elevador hidráulico foi posicionado para erguer a peça e jogá-la no interior da caçamba, e depois manobrado para trazer ao piso uma placa nova, como uma lajota, que se encaixou perfeitamente no corte feito.

Com batidas de um martelete hidráulico e acabamento de uma pistola de piche, esse único funcionário fez em trinta minutos um serviço impecável. Após sua saída, ninguém dizia que aquele remendo havia sido feito há menos de um ano.

Estupefatos, eu e meus amigos começamos a comparar o que vimos com o mesmo serviço tipicamente feito no Brasil, normalmente por cerca de oito a dez profissionais, a maioria deles ociosa a maior parte do tempo, resultando em um remendo mal-acabado, sujo e extremamente danoso aos primeiros veículos que ali passassem.

Será que o serviço impecável da Suécia custaria muito mais caro do que o do Brasil? Fazendo algumas contas e considerando a soma dos parcos salários dos ineficientes trabalhadores brasileiros versus a tecnologia empregada mais o bom salário do pós-graduado trabalhador sueco, chegamos à conclusão de que tapar o buraco lá sai mais barato do que aqui.

Então, por que não mudamos? Simples: porque a limitada educação do trabalhador brasileiro ainda não permite.

Como temos uma educação que ainda proporciona resultados medíocres, o brasileiro médio não se qualifica para exercer atividades complexas ou desenvolver tecnologia. Por isso, acaba se sujeitando a precários trabalhos braçais que há décadas não são mais feitos em países desenvolvidos.

Se tivesse um nível educacional melhor, o brasileiro não aceitaria exercer atividades intensamente braçais ou sub-remuneradas.

Recusaria, por, exemplo, o trabalho de tapar buracos no asfalto e encontraria emprego em empresas de desenvolvimento de equipamentos de automação, criando soluções para suprir os trabalhos braçais.

Uma maior oferta de equipamentos permitiria seu uso em larga escala, o que contribuiria para a redução de seu preço.

Por outro lado, a partir do momento em que trabalhos simples passam a ser feitos por processos mais automatizados, exige-se que profissionais mais qualificados sejam contratados para essas atividades, criando uma nova oferta de empregos para profissionais bem educados.

Em outras palavras, o investimento em educação traz mais do que empregos. Traz processos mais baratos, mais seguros e mais eficientes, gerando bem-estar muito além do círculo familiar do cidadão que recebeu instrução qualificada.

Certamente compensa, mas é preciso ter a coragem de investir hoje para colher daqui a 15 anos. É hora de mudar isso.

GUSTAVO CERBASI é autor de “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos” (ed. Gente) e “Como Organizar Sua Vida Financeira” (Campus).

Internet: www.maisdinheiro.com.br

@gcerbasi

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Em 31 de Janeiro de 2011.

Uma Apologia da Vagabundagem e da Indisciplina

Este post abrange duas coisas em que já toquei em minhas tuitadas no Facebook, com reverberações aqui neste blog.

A primeira é a questão da educação à moda dos orientais.

Ontem, às 7h24, coloquei no FaceBook, a seguinte tuitada, a propósito de um artigo no UOL:

“O debate continua… O livro sobre a forma em que os pais chineses educam seus filhos causa controvérsia – e até repulsa. No entanto, se a China chegar a ser número 1 no PISA, o que é bem mais do que apenas possível, nós brasileiros, laissez-faire na educação das crianças em casa, vamos sair correndo para copiar o que os chineses fazem…”

O artigo do UOL que eu comentei foi o seguinte (transcrevo-o aqui para quem não tem acesso ao UOL):

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http://educacao.uol.com.br/ultnot/bbc/2011/01/26/estilo-de-educacao-das-maes-tigresas-da-china-causa-polemica.jhtm

26/01/2011 – 11h01

Estilo de educação das ‘mães tigresas’ da China causa polêmica

Um livro gerou polêmica nos Estados Unidos e na Europa por sugerir que os chineses têm mais sucesso na criação de seus filhos do que povos ocidentais por serem muito mais rígidos.

A professora de direito americana Amy Chua, filha de imigrantes chineses, é a autora de Battle Hymn of the Tiger Mother (“Hino de Batalha da Mãe Tigresa”, em tradução livre), livro em que relata a tentativa de criar suas filhas à “moda chinesa”.

Amy impôs várias restrições às suas filhas para que tivessem um desempenho escolar excepcional. Entre outras coisas, as meninas eram proibidas de ver TV, jogar videogame e escolher suas próprias atividades extracurriculares.

Além disto, eram obrigadas a tocar piano ou violino e a ser as melhores alunas em todas as disciplinas da escola, exceto em Educação Física e Drama.

“Mesmo quando os pais ocidentais pensam que estão sendo rígidos, eles normalmente não chegam perto de ser mães chinesas”, disse a professora, em artigo publicado no Wall Street Journal.

“Para ser bom em algo, é preciso trabalhar, e as crianças nunca querem fazer isso por conta própria”, afirmou Amy. “Os chineses acham que a melhor maneira de proteger os seus filhos é prepará-los para o futuro, fazendo-os ver do que elas são capazes.”

O texto causou polêmica entre leitores e especialistas. Muitos viram nas opiniões de Amy a defesa de uma “superioridade” de pais chineses sobre os ocidentais, além de condenarem a falta de liberdade dada às crianças.

A professora se defendeu, afirmando que seu livro “não é um guia de como fazer as coisas; é uma memória, a história da jornada da nossa família em duas culturas” (o pai das filhas de Amy é judeu).

Prática consagrada

Segundo o correspondente da BBC em Pequim Michael Bristow, ser extremamente rígido com crianças, determinando o que elas podem e não podem fazer em seu tempo livre, é uma prática consagrada e dificilmente contestada na China.

Muitos pais chineses acreditam que, sem esta filosofia, seus filhos não conseguirão entrar em uma boa universidade, o que eles veem como algo vital para garantir um emprego bem remunerado, afirma Bristow.

“Nós temos que nos adaptar ao sistema, o sistema não se adapta a indivíduos”, disse à BBC a chinesa Meng Xiangyi, mãe de Ni Tianhao, um menino de 7 anos.

Ela afirma que largou o emprego para supervisionar a educação de seu filho, com o objetivo de colocá-lo na Zhongguancun Nº 2, uma das mais prestigiadas escolas primárias de Pequim.

Meng e sua família se mudaram para uma área mais próxima do colégio. Ela diz que se obrigou a fazer contatos com funcionários da escola, além de pagar cerca de 100 mil yuans (R$ 25 mil) à instituição em taxas extras.

Todo este esforço teve resultado: Ni conseguiu ingressar no Zhongguancun Nº 2, considerado uma porta de entrada para as principais universidades chinesas.

Embora pareça se enquadrar no estilo “mãe tigresa”, Meng não se considera muito rigorosa. “Eu não o faço chegar a 100%. Se ele alcançar 90% ou acima disto, estou satisfeita.”

Felicidade

“O maior problema na China é que os pais estão cada vez menos dispostos a permitir que seus filhos sejam crianças”, disse à BBC o professor e especialista em comportamento de pais Yang Dongping, do Instituto de Tecnologia de Pequim.

“Elas (as crianças) não têm uma infância feliz – tudo se trata de estudar, fazer provas e ter aulas particulares.”

Yang afirma que este estilo de lidar com os filhos se desenvolveu em parte devido à tradição chinesa de enfatizar o aprendizado acadêmico. Para ele, esta filosofia limita a criatividade e a imaginação dos jovens.

Além disto, a política do país em permitir apenas um filho por casal – para conter o crescimento demográfico excessivo – também é considerada um problema, por colocar muita pressão sobre filhos únicos.

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Na sexta-feira havia colocado três tuitadas que geraram um número enorme de comentários e respostas.

Tuitei o seguinte:

1) “Fim de semana cheio de trabalho pela frente…”

2) “Entretanto, como diz o Alípio Casali, ‘sem um mínimo de vagabundagem a inteligência não progride’”…

3) “Dilema: trabalhar ou vagabundear no fim de semana? Oh, dúvida cruel!”

Essa última tuitada foi a que gerou mais comentários. Houve predominância da recomendação: “Vagabundeia, Edu!”.

Mas houve uma discussão interessante. O importante é o ócio criativo, o ócio que libera a mente para pensar “out of the box”, criar, inovar, escorregar pra fora dos paradigmas.

Num comentário a um comentário, eu disse:

“Também acho o pensamento [do Alípio] sábio e instigante… É do ócio criativo (Domenico de Masi) que se trata. Quem faz trabalho criativo e inteligente precisa de tempo para deixar as idéias surgir,ganhar forma, amadurecer, se encaixar…

Agora, hoje cedo, encontro na Folha um artigo do Gilberto Dimmenstein, que começa comentando o livro da chinesa – mas que se torna uma apologia da indisciplina!

Concordo com tudo o que diz o Dimmenstein.

Conclamo a todos nós a defender as bandeiras da vagabundagem que faz a inteligência progredir e prosperar e da indisciplina que permite que a criatividade e a inovação emerjam e prosperem.

Não quero uma educação à la chinesa, nem mesmo à la coreana ou à la finlandesa. Quero um educação que permita que a inteligência e à criatividade prosperem. E, para isso, não tenho dúvida, precisamos de tempo livro, de ócio, de vagabundagem, de conversa jogada fora, de ausência de rigidez, de flexibilidade, de improvisação (nisto somos bons!), de não levar muito a sério os planejamentos e as regras, que foram criados para nos ajudar e não para nos cercear e amarrar.

Há uns meses, numa palestra para a Rede Pitágora, em Belo Horizonte, elogiei o Bill Gates e o Mark Zuckerberg por terem abandonado Harvard – a melhor universidade do mundo em todos os rankings – para poderem se tornar o enorme sucesso que são, mudando a vida deles e a nossa, para melhor.

É isso. Este é o meu principal sermão de hoje cedo.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3001201119.htm

GILBERTO DIMENSTEIN

O maravilhoso poder da indisciplina

Em teste internacional de qualidade de ensino, a China ficou em primeiro lugar; os EUA, em 17º

UMA DAS IMAGENS atribuídas aos judeus é a neurose diante do desempenho nos estudos. Em parte é verdade: são 0,2% da população mundial e 20% dos vencedores do Prêmio Nobel e quase um terço dos matriculados em Harvard e no MIT. Mas isso é pouco com o que viria com os chineses, cerca de 20% dos habitantes do planeta.

Pelo menos é essa a sensação, com certo toque de histeria, que está provocando aqui nos EUA um livro de uma professora de direito nascida na China e casada com um judeu, com quem teve duas filhas.

Amy Chua relata com orgulho a forma rígida com que educa as filhas: nada de TV, videogame ou sair com amigas; são obrigadas a tirar as notas mais altas, exceto em educação física; não têm o direito de escolher as atividades extracurriculares; e devem tocar piano por pelo menos quatro horas por dia.

No livro, intitulado “Hino de Batalha de Uma Mãe Tigresa”, o pai, judeu, aparece como alguém mais relaxado e flexível diante da educação das filhas, mas, por causa de um acordo nupcial, acaba cedendo diante do que seria o jeito chinês de educar na base da rígida disciplina.

A tradução para os americanos -e daí a repercussão da “mãe tigre”- é que, com tanta disciplina, os chineses vão dominar o mundo, liderando as inovações. Não vou entrar na questão econômica, mas na pedagógica: excesso de disciplina não combina com criatividade.

O debate em torno do livro reflete o crescimento chinês e a insegurança dos EUA por causa do desemprego. Na semana passada, saiu uma pesquisa, baseada em 200 mil entrevistas, mostrando que nunca os estudantes universitários americanos sentiram-se tão abalados psicologicamente. Temem que seja cada vez mais difícil conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Veem os países emergentes, a China em especial, como a grande ameaça.

Some-se a isso que, no último teste internacional de qualidade de ensino, a China ficou em primeiro lugar; os Estados Unidos, em 17º.

A história mostra, porém, que a inovação se sustenta apenas ao longo do tempo em locais onde há não apenas apoio à pesquisa, mas aceitação da diversidade e da indisciplina. O grande personagem de Harvard hoje é Mark Zuckerberg, um gênio indisciplinado na universidade.

Bill Gates não acabou a faculdade; Steve Jobs também não concluiu o ensino superior, onde apenas se interessou por caligrafia.

Não estou dizendo que uma nação não depende de quem estuda duro e é disciplinado, mas sim que se não houver espaço para a fantasia e o delírio não surgem Facebook, Google, Microsoft, IBM ou Apple.

A revolucionária Sony, vista como exemplo do que seria o domínio dos japoneses, é hoje decadente e comandada por um americano. No comunismo, os russos levaram um homem ao espaço, mas não souberam virar um polo de inovação.

Na semana passada, estive num local que serve como a tradução arquitetônica perfeita do poder criativo da indisciplina. É o novo prédio do Media Lab, do MIT, dedicado a descobrir novas funções para a tecnologia da informação.

Não há salas de aulas. Os alunos montam seus currículos, usando outras faculdades. Um amontoado de projetos se espalha pelos andares, parecendo um conglomerado de garagens daqueles jovens inventores que transformam a casa dos pais em laboratórios.

Vemos desde carros cujas rodas encolhem depois de estacionados até um centro de tecnologia da informação dedicado à medicina -no MIT criou-se um departamento apenas para testar o uso da nanotecnologia contra o câncer.

Os grandes inventores precisam de espaço para serem crianças, algumas vezes sem limite, para exercerem sua curiosidade.

O mundo é dividido entre quem cria e quem copia. Os dois tipos são necessários e complementares.

Para ter, porém, muitos inovadores, excesso de disciplina não funciona. Daí o erro, alertado por psicólogos, dos pais que pensam ajudar os filhos reduzindo seu direito de brincar e enchendo seu dia de atividades. Brincar é um dos melhores jeitos de se encantar pelas descobertas.

PS- Viver aqui em Cambridge, onde estão Harvard e MIT, é sentir a disciplina na indisciplina, há uma sensação de que se pode reinventar tudo. Um professor de direito de Pernambuco, Marcos Nóbrega, que está fazendo pesquisas por aqui, resumiu sua experiência numa frase: “Aqui deve ser o único lugar do mundo onde se vai comprar um chiclete e se encontra um Prêmio Nobel na fila”.

Apesar disso, há nesse ambiente laureado muito menos formalidade e muito mais flexibilidade e abertura para colaboração do que nas melhores universidades brasileiras.

gdimen@uol.com.br

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Em São Paulo, 30 de Janeiro de 2011.

“Tudo que você tuitar pode ser usado contra você, até no tribunal”

Mais uma série de artigos interessantes na Folha de hoje, 30/01/2011 sobre o hábito e as consequências de tuitar.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3001201116.htm

Tudo que tuitar pode ser usado contra você, até no tribunal

Postagens consideradas ofensivas acabam na Justiça ou em boa dor de cabeça para internautas falastrões

Anônimos ou famosos, ninguém está livre dos ecos de comentários inconsequentes nas redes sociais da internet

JAMES CIMINO

DE SÃO PAULO

O vendedor Pedro Henrique Santos, 19, está pagando, a prestação, o preço de uma tuitada inconsequente.

Morador de Ipameri, cidadezinha do interior de Goiás, ele não viu nenhum problema em postar no seu perfil do microblog uma foto de uma garota em trajes sumários.

Processado por danos morais, teve de pagar à vítima -maior de idade- R$ 3.000.

Como não tinha todo o dinheiro, vai desembolsar por mês R$ 150, em 20 vezes.

O caso ilustra uma situação cada vez mais corriqueira: os desabafos, os comentários e as brincadeiras de mau gosto facilmente esquecíveis se ditos em mesa de bar se amplificam se feitos nas redes sociais, com consequências na vida profissional e legal do internauta desbocado.

Antes de Pedro, outras pessoas, incluindo aí os famosos, tiveram problema.

O comediante Danilo Gentilli foi investigado pelo Ministério Público por acusação de racismo após ter feito uma piada em que comparava, no Twitter, o gorila King Kong a jogadores de futebol.

Há casos em que a tuitada não vira caso de Justiça, mas acaba em boa dor de cabeça.

Rita Lee criticou a construção do estádio do Corinthians em Itaquera. Chamou o bairro da zona leste paulistana de “c… de onde sai a bosta do cavalo do bandido”. Gal Costa disse que os conterrâneos baianos eram preguiçosos. As duas ouviram poucas e boas do público.

As empresas têm ficado de olhos nos perfis de seus funcionários. Dois rapazes, um da região de Campinas, outro de Piracicaba, acabaram demitidos por justa causa após postagens inconsequentes.

O primeiro publicou no Orkut que estava furtando notas fiscais da empresa onde trabalhava. O segundo postou no YouTube um vídeo em que dava cavalos de pau com a empilhadeira da empresa.

Ambos entraram com ações na Justiça do Trabalho a fim de reverter o caráter da demissão, mas perderam.

Juliana Abrusio, professora de direito eletrônico da universidade Mackenzie, aponta que o afã de fazer um desabafo, de exprimir uma opinião ou de simplesmente demonstrar atitude crítica em relação a algo faz com que as pessoas percam a ideia do alcance da internet.

“Se você fala mal de alguém numa mesa de bar com seis pessoas, ele fica ofendido, mas é suportável. Quando vai para 6.000 ou 6 milhões de pessoas, a pessoa pode ser destruída”, afirma.

Renato Opice Blum, advogado especializado em crimes digitais, diz que o Brasil tem mais de 30 mil decisões judiciais relacionadas à internet. Só em seu escritório há cerca de 5.000 mil ações.

Um fotógrafo colaborador do Grupo Folha acabou afastado após publicar no Twitter uma declaração considerada ofensiva aos torcedores do Palmeiras, na sede do clube. Foi agredido fisicamente.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3001201117.htm

ANÁLISE

Tuitar pelos cotovelos só é vantagem para quem não tem nada a perder

“CASES” COMO O DAS ELEIÇÕES DOS EUA DEIXARAM IDEIA DE QUE É PRECISO TUITAR A GRANEL

DANIEL BERGAMASCO

EDITOR-ADJUNTO DE COTIDIANO

Uma das primeiras grandes ilusões sobre as vantagens de tuitar pelos cotovelos veio da campanha de Barack Obama à Casa Branca, em 2008. Tornaram-se simbólicas as fotos do democrata pendurado no Blackberry.

Com mais seguidores que os concorrentes, ele também acabou por colocar mais voluntários pelas ruas e arrecadar mais dinheiro.

Ficou a falsa ideia de que uma coisa possa ter sido consequência direta da outra e, pela distorção de “cases” como esse, propagou-se a imagem de que tuitar a granel pode ser uma boa maneira de cativar a internet, fazer negócios e influenciar pessoas.

Obama, contudo, nunca tuitou pelos cotovelos, nem pelo fígado. Suas mensagens refletiam um discurso estudado, gerado em laboratório.

Foram as suas causas políticas, propagadas também via TV e grandes comícios, que deram assunto para que seus admiradores espalhassem seu nome no ventilador.

Estratégia diferente tinham alguns dos candidatos pequenos ou nanicos que, sem medo de dar tiro no pé, acabaram acertando na mosca em posições mais controversas e saindo da corrida melhor do que entraram.

Da mesma forma, a lista de celebridades brasileiras com maior número de seguidores está cheia de casos em que esse público todo não faz soma de bons contratos.

A atriz Fernanda Paes Leme, com seu mais de meio milhão de seguidores, está entre os top da rede social, mas na publicidade está muito longe do status de uma Grazi Massafera -que, por sua vez, nem Twitter tem.

Há casos ainda de gente traída pelo dedo leve, pelo esquecimento de que as mensagens são documentos e pelo anseio do desabafo.

A cantora Claudia Leitte alfinetou “alguns” fãs “muito malas” de Ivete Sangalo e acabou por colocar em xeque sua imagem de boa moça.

Celebridades que se deram melhor são as quase-famosas, como a modelo Angela Bismarchi, conhecida pelas muitas cirurgias plásticas.

Ela já agrega mais de 50 mil seguidores tecendo comentários sobre temas como as especificidades sexuais das hienas. No embalo, vai lançar um livro sobre sexo.

PARA TODOS

Cabe, assim, o exemplo também para advogados, vendedores, professores.

Fazer propagar informações sobre um produto que se quer vender ou compartilhar assuntos do qual se é especialista pode ser um gol.

O escritor Fabrício Carpinejar ganhou 84 mil seguidores divulgando sua obra em textos breves.

Já dar bom dia a cavalo para tornar o perfil atraente a um monte de curiosos pode esquentar o ego, mas só tem se mostrado vantagem para quem não tem nada a perder.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3001201118.htm

É preciso ter bom senso nas redes, dizem advogados

DE SÃO PAULO

As crescentes ações na Justiça fomentadas pelo mau uso da internet podem ser facilmente evitadas, segundo advogados consultados pela Folha. Basta ter bom senso.

“As pessoas não podem esquecer que a lei não mudou. Na dúvida, não fale mal do companheiro de trabalho, não faça piada com o chefe, não se deixe fotografar em situação vexatória. Tudo vira evidência”, afirma a advogada Gilda Figueiredo Ferraz.

Segundo Alessandro Barbosa Lima, dono da empresa E.Life, que oferece serviços de monitoramento de marcas, semanalmente surgem casos de uso indevido das redes sociais por funcionários.

O advogado Eli Alves da Silva, presidente da comissão de direito trabalhista da OAB-SP, diz que não apenas os empregados podem se dar mal com o uso indevido das redes sociais. Empregadores também podem ser punidos e sofrer consequências caso os funcionários reclamem de condições de trabalho.

“Se o empregado reclamar de condições de trabalho que revelem um descumprimento da lei trabalhista, o patrão pode vir a ser punido, caso haja prova dessa ação.”

O advogado Renato Opice Blum descreve o que pode ser o limite entre a liberdade de expressão e o crime.

“Se o internauta avançar o limite da crítica normal e partir para o lado da ofensa, pode ser processado pelos crimes de calúnia, injúria e difamação, sem prejuízo de uma indenização. Tem sempre que evitar fazer juízo de valor”, afirma o advogado.

Para Brum, a primeira coisa que a pessoa deve fazer ao aderir a uma rede social é ler as regras de uso e conhecer os recursos que o programa oferece ao usuário.

Ele cita como simbólico o casos do diretor da Locaweb, patrocinadora do São Paulo, que criticou o time durante um jogo e foi demitido.

(JAMES CIMINO e EVANDRO SPINELLI)

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Em São Paulo, 30 de Janeiro de 2011.

(O Brasil) “Agora, vai!” (Será?)

Bom artigo de Fábio Barbosa na Folha de hoje (30/01/2011), discutindo questões como a valorização da moeda, competitividade e educação.

A tese dele: “Não temos como reverter a condição de que não escaparemos de ter uma moeda valorizada”. Assim, temos de melhorar a competitividade e melhorar a qualidade da educação, tendo esse fato como dado.

Tendo a concordar com ele. Esse negócio de querer nos fazer mais competitivos manipulando o câmbio e outros macetes não está com nada.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me3001201115.htm 

FÁBIO BARBOSA

Agora, vai!

Não temos como reverter a condição de que não escaparemos de ter uma moeda valorizada

O BRASIL VIVE UM momento muito especial. O contexto nos é favorável visto de muitos ângulos. Parece que estamos diante de um alinhamento de conjunturas único na história de um país.

Temos um percentual elevado de pessoas em idade de trabalhar, comparativamente à população total (o chamado “bônus demográfico”), que nos beneficiará ainda por duas décadas; temos a incorporação de novos consumidores por conta de uma renda maior; os preços de nossas commodities estão em patamares históricos; a potencialidade do pré-sal é enorme; os investimentos em infraestrutura trarão grandes oportunidades para muitos; a Olimpíada, a Copa do Mundo etc.

Enfim, são vários aspectos positivos e todos com perspectiva de perdurar por algum bom tempo.

Analisando sob uma perspectiva apartidária, tivemos também um alinhamento positivo e coerente no perfil dos nossos governos.

Numa primeira fase, o governo do presidente FHC estabilizou a moeda e desenhou e fortaleceu as instituições. Com isso, foram criadas as condições para o governo do presidente Lula intensificar os programas sociais e incorporar uma massa enorme de brasileiros a um novo patamar de consumo.

Essa nova base de consumidores, por sua vez, trouxe novas demandas em termos de infraestrutura (aeroportos, estradas, energia etc.), e o governo da presidente Dilma, que agora se inicia, tem justamente o perfil mais executivo, necessário para este momento, e levará adiante com eficiência a extensa agenda de investimentos.

Daí a expressão coloquial que está no título deste artigo: agora, vai!

Entretanto, não nos deixemos levar pela empolgação e lembremos que é preciso adaptação a esse novo cenário. Destacarei aqui apenas duas questões: competitividade e educação que, na verdade, são interligadas.

1) Competitividade – Num país com tantas perspectivas favoráveis, e que já acumula US$ 300 bi em reservas, é claro que o interesse por parte dos investidores internacionais é muito grande e, como consequência, o câmbio se valoriza.

Podemos tomar medidas no curto prazo para atenuar o processo, mas não temos como reverter a condição de que não escaparemos de ter uma moeda valorizada. Assim foi com as economias que se destacavam no século 20, como Inglaterra, EUA, Alemanha e Japão. As moedas valorizavam, mas os países nunca deixavam de ser competitivos.

Isso reforça que precisamos nos preparar para sermos competitivos com essa moeda valorizada. Ineficiências tributárias, fiscais ou custos elevados por conta de uma infraestrutura deficiente não mais poderão ser compensados por um câmbio desvalorizado.

É hora de fazermos as reformas e construirmos um ambiente empresarial mais eficiente, à altura das nossas possibilidades.

2) Educação – Esse momento favorável precisa ser aproveitado em todo o seu potencial, e é claro que já não o estamos fazendo.

Há dados positivos e que mostram que hoje 70% dos jovens da classe C têm um nível escolar mais alto do que o familiar.

Entretanto, essa comparação positiva feita sobre uma base muito baixa esconde uma realidade bem menos aceitável. Vista sob outra ótica, há falta de mão de obra qualificada para podermos levar adiante os projetos necessários.

Muitos jovens, por conta da evasão escolar ou por conta da baixa qualidade de ensino, estarão condenados a ficar à margem desse processo de desenvolvimento que estamos vivendo.

É hora de darmos prioridade total à educação nas esferas federal, estadual e municipal, com o apoio da iniciativa privada onde puder ser feito, para resgatarmos essa dívida maior que ainda temos. Só assim podemos dar oportunidade a cada brasileiro de se desenvolver na sua potencialidade, e só assim teremos construído um país mais digno.

Tudo aponta para um longo período de crescimento. Nosso principal desafio agora é pavimentar o caminho. Do contrário, teremos que prestar contas para as próximas gerações sobre como perdemos essa oportunidade única.

FÁBIO COLLETTI BARBOSA, 55, administrador de empresas, é presidente do Grupo Santander Brasil e da Febraban. Escreve mensalmente, aos domingos, neste espaço.

colletti.barbosa@gmail.com

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Em São Paulo, 30 de Janeiro de 2011.

Ainda E-Books

Na Folha de hoje (30/01/2011):

TECNOLOGIA

E-books superam brochura na Amazon

A loja virtual Amazon anunciou que as vendas de livros para Kindle superaram pela primeira vez as dos livros de brochura. Seis meses atrás, a empresa disse que os livros eletrônicos ultrapassaram os de capa dura. Em 2010, para cada 100 livros de brochura, a Amazon vendeu 115 e-books.

Em São Paulo, 30 de Janeiro de 2011.

“Cubanos por 30 dias”

Transcrevo, da Folha de hoje (30/01/2011).

Por incrível que pareça, o artigo tem vários erros de impressão e, pelo que parece, algumas lacunas. Optei por deixá-lo do jeito que apareceu no site, para mostrar a falta de cuidado do jornal. Mesmo com os erros de impressão e as lacunas, o artigo serve para mostrar quão paradisíaco é o socialismo da Ilha, que Chico Buarque e outros tanto louvaram.

Vide http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il3001201106.htm

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REPORTAGEM

Cubanos por 30 dias

Dois pesoseduas medidas

RESUMO

Como desafio de passar um mês em Havana com apenas 15 dólares, o repórter norte-americano Patrick Symmes narra seu mergulho na sociedade cubana e os diversos “jeitinhos” a que precisou recorrer para obter comida, se locomover e até mesmo para destilar rum caseiro. Leia a íntegra em folha.com/ilustríssima [o link não leva para a íntegra do artigo].

PATRICK SYMMES

tradução PAULO MIGLIACCI

NAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS da minha vida, acho que nunca passei mais de nove horas sem comer.

Mais tarde, fiquei sujeito a períodos mais longos de fome, mas sempre voltei para casa, fui recebido com festa, comi tudo o que quis, no momento que quis, e recuperei o peso que tivesse perdido.

Além disso, segui a trajetória habitual de uma vida americana, ganhando meio quilo de peso por ano, década após década.

Quando decidi ir a Cuba e viver por um mês consumindo apenas aquilo que um cubano comum pode consumir, eu peso havia atingido quilos; nunca tinha sido tão alto.

Em Cuba, o salário médio é de US$20. Médicos chegam a ganhar US$30, e muitas outras pessoas ganham só US$10. Decidi que me concederia o salário de um jornalista cubano: US$15, a renda de um intelectual oficial.Sempre quis ser um intelectual, e US$15 representava uma vantagem significativa sobre os proletários que constroem paredes de alvenaria ou cortam cana por US$12, e quase o dobro dos US$8 da pensão de muitos aposentados.

Com esse dinheiro, eu teria de comprar minha ração básica de arroz, feijão, batata, óleo, ovos, açúcar, café e tudo o mais de que precisasse.

A primeira meia hora em solo cubano foi passada nos detectores de metais. Depois, como parte de um novo regime de vigilância que eu não havia encontrado em meus 15 anos anteriores de visita ao país, passei por um interrogatório intenso, porém amadorístico. Não era nada pessoal: todos os estrangeiros que chegaram no pequeno turbo élice vindo das Bahamas foram separados do grupo e extensamente interrogados. Como em Israel, um agente à Pais Ana me fez perguntas detalhadas, mas que não versavam sobre assuntos importantes. (“Para que cidade você vai? Onde ela fica?”). O objetivo era me provocar, revelar incoerências ou causar nervosismo. Ele não olhou minha carteira ou perguntou por que, se eu planejava passar um mês em Cuba, tinha menos de US$ ]p comigo. O olhar do agente se voltou aos demais passageiros. Eu tinha passado. “Trinta dias”, eu disse à senhora que carimbou meu visto de turista.O prazo máximo.

RACIONAMENTO As primeiras pessoas com quem conversei na cidade- desconhecidos que vivem perto da casa do meu amigo_- mencionaram o sistema de racionamento.

Sem que eu perguntasse, Eles me mostraram suas cadernetas de racionamento e se queixaram bastante.

A caderneta – conhecida como “libreta”- é o documento fundamental da vida cubana. Quase nada mudou no sistema de racionamento: ainda que agora seja impressa em formato vertical, a caderneta é idêntica às emitidas anualmente durante décadas.

O que mudou foi a tinta: havia menos texto na caderneta. O número de itens era menor, e as quantidades também eram menores, menos do que em1995,a época de fome do “Período Especial”.

Desde então, a economia cubana se recuperou,mas o sistema cubano de racionamento ainda não. Em 1995, o ministro do Desenvolvimento de Cuba me disse que a ração menção mensal oferecia comida suficiente para apenas 19 dias, mas previu que esse total logo subiria.

Na verdade, caiu. Ainda que hoje o volume total de alimentos disponíveis em Cuba seja mais alto e o consumo de calorias per capita também tenha crescido, isso não se deve ao racionamento. O crescimento ocorreu em mercados privatizados e hortas cooperativas, e por meio de importações maciças; a produção de alimentos pelo Estado caiu 13% no ano passado e a ração encolheu junto. A opinião geral é de que a ração mensal hoje só dá para 12 dias de comida.

A minha viagem serviria para que eu fizesse o meu próprio cálculo: como alguém pode sobreviver durante um mês com comida para apenas 12 dias?

CADERNETA Cada família recebe uma caderneta de racionamento.

As mercadorias são distribuídas numa série de mercearias (uma para laticínios e ovos, outra para “proteínas”, outra para pão; a maior delas cuida dos enlatados e outros produtos embalados,de café e óleo a cigarros).

Cada loja conta Comum administrador que a nota na caderneta a quantidade de produtos retirada pela família. Os vizinhos do meu amigo -marido, mulher e neto-receberam a ração padronizada de produtos básicos, que consiste, por pessoa, em: Dois quilos de açúcar refinado Meio quilo de açúcar bruto Meio quilo de grãos Um pedaço de peixe Três pãezinhos Riram muito quando perguntei se recebiam carne de vaca.

“Frango”, disse a mulher, mas isso provocou uivos de protesto: “Qual foi a última vez que recebemos frango?”, o marido questionou.

“Pois então, é verdade”, ela disse. “Já faz alguns meses. “A ração de “proteína” é distribuída a cada 15 dias e consiste numa carne moída de misteriosa composição, que inclui uma bela proporção de pasta de soja (se a carne for suína, a mistura recebe o falso nome de “picadillo”; se for frango, é conhecida como “puello consuerte”, ou frango com sorte).

A ração basta para o equivalente a quatro hambúrgueres Por mês, mas até aquele momento, em janeiro de 2010, cada um só havia recebido um peixe-em geral,uma cavala seca e oleosa. E há os ovos. A mais confiável das fontes de proteínas, eles são conhecidos como “salva-vidas”.

Antigamente, a ração era de um ovo por dia; depois, um ovo a cada dois dias; agora, é de um ovo a cada três dias. Eu teria dez deles como ração para o mês seguinte.

Meu amigo me conduziu a uma residência particular no bairro de Plaza, onde eu alugaria um apartamento por um mês- a única despesa que deixo fora de minhas contas aqui.O apartamento era espartano, em estilo cubano: dois cômodos, cadeiras sem almofadas, um fogareiro de duas bocas numa bancada e um frigobar.

MERCADO No quarto dia, saí para comprar comida, experiência ridícula. Por sorte, o apartamento que aluguei ficava perto do maior e melhor mercado de Havana, que não é nem tão grande e nem tão bom assim. O mercado era um “agro”, ou seja, um sacolão.

Há quem compare esses mercados às feirinhas de produtos orgânicos norte-americanas, mas não havia conversa amistosa entre comprador e vendedor, e sim um ruidoso, lotado e barulhento corredor repleto de bancas vendendo todas o mesmo estreito elenco de produtos, a preços aprovados pelo Estado:abacaxis,berinjelas, cenouras, Pimenta verde, tomate, cenoura, iúca, alho,bananas-da-terra e não muito mais.

Numa sala separada, havia carne de porco à venda, pilhas trêmulas de carne rosada e pálida, manipulada por homens de mãos nuas. Carne era um produto além de meu alcance, embora houvesse “gordura” à venda por US1(27 pesos) o quilo.

Esperei na fila para converter todo o meu dinheiro -_ pesos conversíveis, a moeda forte cubana- em pesos comuns. A pilha de cédulas desgastadas e sujas que resultou da transação equivalia a fpp pesos, ou cerca de US$16, pela cotação do mercado negro de Enfrentei as multidões e comprei uma berinjela (10 pesos), quatro tomates (15), uma cabeça de alho (2) e algumas cenouras (13).

No balcão da padaria, a mulher que atendia me disse que pães só podiam ser vendidos a portadores de cadernetas de racionamento- mas mesmo assim me vendeu cinco pãezinhos, avidamente apanhando cinco pesos de minha mão. Só fui bem tratado pelo vendedor de tomates, que me ofereceu um tomate de brinde.

Comprei 1,5 quilo de arroz por Pouco mais de 10 centavos de dólar, e um saco de feijão vermelho.

Com isso, a conta final subiu a catastróficos US$2, por uma quantidade de comida que produziria apenas algumas refeições.

Alguns moleques me seguiramaté a saída, murmurando “camarão, camarão, camarão”, em um esforço para me vender alguma coisa. Do lado de fora,um homem viu que eu me aproximava e subiu numa árvore, descendo com cinco limões que me ofereceu. (Não era um limoeiro, e sim o lugar em que guardava seus produtos de mercado negro.) Cheguei em casa cambaleando como peso do arroz e dos legumes, com cara, segundo a mulher de meu senhorio, de homem divorciado a ponto de começar vida nova.

PROGRESSO Quando contei a Sánchez que havia caminhado até sua casa, como parte de um plano para passar 30 dias vivendo e comendo como um cubano, ele me mostrou sua caderneta.

“O nome disso é caderneta de suprimentos”, disse ele, “mas é um sistema de racionamento, o mais duradouro do mundo.Os soviéticos não tiveram racionamento por tanto tempo quanto os cubanos.

Nem mesmo o racionamento chinês durou tanto.” A escassez surgiu logo depois da revolução; o sistema para a distribuição controlada de bens básicos já estava em funcionamento em 1962.

Depois de 50 anos de Progresso, o país está falido, na prática. Em 2009 ervilhas e batatas foram Retiradas da ração e os almoços baratos nos locais de trabalho foram reduzidos às dimensões de lanches rápidos.

“Havia rumores sobre retirar coisas da ração, ou eliminar o sistema de vez”, disse Sánchez, sobre boatos que cativam os cubanos.

Mas esses rumores desapareceram em de janeiro de 2010, quando novas libretas foram distribuídas, a exemplo de todos os outros anos.

SEGUNDA SEMANA A segunda semana foi mais fácil. As duas pequenas prateleiras do apartamento estavam bem abastecidas de arroz e feijão, batata-doce comprada por _,`p peso por quilo e minha garrafa de uísque contrabandeado, ainda pela metade. Eu tinha nove ovos, depois oito, e depois sete, ainda que a geladeira, fora isso, estivesse vazia.

Deixei de lado luxos como os sanduíches (ou sanduíche -comprei só um, e a despesa ainda me causava pesadelos). No décimo dia,constatei que me restavam 100 pesos. Como no caso dos ovos, eu era capaz de imaginar uma lenta e cuidados a redução ao longo dos próximos dias, mas tanto meu orçamento quanto minha dieta podiam ser arruinados caso eu tropeçasse e deixasse uma gema cair no chão.

Tudo dependia de quanto o arroz duraria. Já que só me restavam cinco pesos por dia para gastar, eu não poderia mais fazer compras grandes durante a minha estadia.

Aprendi a controlar o apetite e a passar sem me deter pelas filas de cubanos que adquirem pequenas bolas de farinha frita a um peso.

TRABALHO Outra coisa que eu tinha em comum com a maioria dos cubanos é que absolutamente não trabalhei durante meus 30 dias.O que significa que trabalhei muito e com grande freqüência em meus projetos pessoais.

Carreguei cimento e removi cascalho por dinheiro, e escrevi bastante, mas não se tratava de trabalho para o Estado, o tipo de trabalho computado nas contas da Cuba oficial,onde mais de 90% das pessoas são funcionários do Estado.

Porque procurar emprego Ninguém leva seu trabalho a sério, e a piada mais velha de Havana continua a ser a melhor: “Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos”.

Umavez por dia, eu cedia à vaidade e me olhava no espelho sem camisa,vendo um homem que não contemplava há 15 anos. Eu havia perdido primeiro dois, depois três, por fim quatro quilos.Mas estômago e mente se ajustaram com facilidade assustadora.

Minha primeira semana havia sido dolorosa e a companhada por uma fome mortal.A segunda, dolorosa e apenas moderadamente faminta. Agora, na terceira, ainda que estivesse comendo menos que nunca,me sentia tranquilo, tanto física quanto mentalmente.

BEBIDA Fazia tempo que meu uísque havia acabado, e era difícil apreciar Cuba sem beber. Oswaldo Payá reforçou essa sensação ao dizer que “uma boa bebida é um dos direitos que todos temos”. Era hora de fazer algo para beber.

O único alimento que eu tinha de sobra era açúcar -eu nem me dera ao trabalho de comprar minha cota de açúcar bruto, porque em três semanas havia consumido menos da metade de meus ],s quilos de açúcar refinado.

Fazer rum é um processo simples, Ao menos em teoria. Açúcar mais fermento resultam em álcool.

Destilar o produto resulta em álcool ainda mais forte. Eu jamais havia destilado álcool, mas tinha visitado a destilaria Bushmills,na Irlanda do Norte, pouco antes da viagem a Cuba e, reforçado com anotações baseadas nolivro “Chasing the WhiteDog”, de Max Watman, decidi que procuraria a felicidade alcoólica, mesmo que aos tropeços.

O primeiro passo é produzir um mosto, ou solução de baixo teor alcoólico.

Eu já tinha o açúcar. Fui a Uma padaria livre, onde uma multidão de consumidores desapontados esperava que as máquinas produzissem uma nova fornada de pães.Na porta dos fundos, chamei uma padeira com um gesto e perguntei se podia comprar fermento.

“Não”, ela disse. “Não temos o Suficiente nem para nós”. Seguindo o ritual ao qual já me acostumara, continuei a conversa, tentando conquistar sua atenção, e não demorou para que ela esticasse o braço pela cerca e me desse meio sacode fermento-fabricado na Inglaterra. Tentei pagar, mas ela recusou.

DESTILAÇÃO Demorei36 horas para conseguir um galão de água purificada. Em seguida, poli minha panela de pressão, testei e remendei suas vedações de borracha; submetia panela a uma esterilização e coloquei água e açúcar lá dentro. Misturei, fechei e esperei.

Passadas quatro horas, a panela de pressão estava borbulhando com uma espuma turva de tom marrom e cheiro mortífero.

Destilar requer uma mangueira.

Pedi a um jardineiro que trabalhava em um jardim do bairro se ele podia me conseguir uma mangueira apropriada à destilação de aguardente.O pedido lhe pareceu a coisa mais natural do mundo e, meia hora depois, ele me entregou um metro de mangueira cortado do jardim de alguém.

Pelos dois dias seguintes, verifiquei o líquido na panela de pressão.

A mistura estava atraindo drosófilas e borbulhava baixinho.

Por fim chegou o grande dia da fuga. Não minha partida, que só aconteceria oito dias mais tarde, mas sim o álcool. O líquido marrom parar a de borbulhar depois de quatro dias -quando o teor alcoólico atinge os _b%, o fermento remanescente morre.

Esterilizei a mangueira e, dobrando um cabide, afixei-a à válvula no topo da panela de pressão.

Acendi um fósforo e, em10 minutos, tinha vapor de álcool, transferido pela mangueira para se condensar em forma líquida na garrafa vazia de uísque, posicionada em uma vasilha cheia de gelo.

ÁLCOOLTÓXICO Demonstrando minha ignorância, eu havia cozinhado a mistura a uma temperatura alta demais, e não removi a camada inicial de álcool de baixa qualidade, ou até mesmo tóxico. Mas quatro horas de cozimento Produziram um litro de uma bebida leitosa,e em minha ingenuidade decidi suspender o processo antes que os restos caíssem na garrafa e estragassem o sabor. Eu deveria ter feito uma segunda destilação, para produzir um rum mais fino,mas nem tentei. Às quatro da tarde, por fim pude me sentar, tendo em mãos um copo de rum esbranquiçado e quente.

Comecei a beber e em 30 segundos já estava com dor de estômago.

O teor alcoólico da bebida era baixo, mas minha tolerância também, e não demorou muito para que eu começasse a rir à toa.

FIM Meus gastos totais com comida Foram de US$15,08 ao longo do mês.Ao final,eu tinha lido nove livros, dois dos quais com mais de mil páginas, e escrito boa parte deste artigo. Vivi com o salário de um intelectual cubano e, de fato, sempre escrevo melhor, ou ao menos mais rápido, se estou sem grana. Minha última manhã: sem desjejum, para complementar o jantar que não tive na noite anterior. Usei a moeda que ganhei de uma prostituta para apanhar um ônibus até perto do aeroporto. Tive de caminhar os 45 minutos finais até o terminal; quase desmaiei no caminho.

Houve um momento tragicômico, no qual homens uniformizados me tiraram da fila do detector de metais porque um agente da imigração achou que eu tinha excedido os 30dias de permanência do meu visto. Foi preciso três pessoas, contando repetidamente nos dedos, para provar que aquele era o 30 dia.

Jantei e almocei nas Bahamas e engordei quase dois quilos. De volta aos EUA, ganhei mais três quilos antes que o mês acabasse. Estava de volta à minha nacionalidade -e ao meu peso.

Nota

1. Para protegê-las do Estado cubano, algumas pessoas mencionadas neste texto não terão seu nome revelado

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Em São Paulo, 30 de Janeiro de 2011.