A União Européia

O texto abaixo foi escrito no final de 2006, durante uma viagem à Europa. Eu havia comprado e estava lendo uma história da União Européia, chamada Guide to the European Union: The Definitive Guide to all Aspects of the EU, de Dick Leonard (9ª edição, publicada pelo The Economist). Transcrevo-o aqui porque originalmente apareceu eu outro blog.

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Gostaria de comentar um pouco a questão da União Européia. Acho que a criação da União Européia foi uma decisão errada que ainda vai cobrar um preço alto dos europeus. Sou totalmente a favor do que se chamava Mercado Comum Europeu: o esforço para juntar diversos países em um mercado livre, com livre circulação de mercadorias, serviços e pessoas. Também não me oponho a que vários países se unam para cuidar, de maneira integrada e, presumivelmente, mais racional e barata, de sua defesa – como acontece com a OTAN. Mas criar uma união política  (e, depois, monetária)  é outra coisa – envolve criar uma nova esfera e burocracia governamental em cima de todas as já existentes. A tendência, já há bom tempo, tem sido buscar e conseguir autonomia política – não perder autonomia política para uma esfera política superior. Como se a ONU não fosse o bastante, criaram uma ONUzinha européia.

Só a Comissão Européia, conforme diz o livro, já tem acima de 17 mil funcionários. O Conselho de Ministros passa de 2.500. O Parlamento Europeu, está chegando a 5 mil. A Corte de Justiça passa de 1.500 e a Corte de Auditores (Tribunal de Contas) passa de 600. As diversas agências, instituições de pesquisa, etc., têm por volta de 10 mil funcionários. Em suma: a burocracia da União Européia já possui acima de 35 mil funcionários – técnicos, administrativos e subalternos. [O texto do post é de 2006].

Para considerar apenas os gastos com o Parlamento Europeu, que não tem função legislativa plena, ele possui (pelo que os europeus provavelmente devem ser gratos), hoje [2006], mais de 700 deputados. Eles todos moram em seus respectivos países. Não poderiam morar na sede do Parlamento, porque o Parlamento tem mais de uma sede… A sede principal, por exigência francesa, é em Strasbourg. Os deputados passam ali uma semana por mês em sessões plenárias ordinárias. Como não têm casa, precisam ficar em hotel. Como não são de ferro, precisam de um excelente hotel. Além disso, precisam comer em bons restaurantes (Brasília que o diga). Por fim, nenhum deputado consegue viver sem suas secretárias e seus assistentes e seus assessores por perto. Sessões plenárias extraordinárias, bem como reuniões de comissões e sub-comissões, são, entretanto, realizadas em Bruxelas – que é a sede da Comissão Européia. E o Secretariado do Parlamento (os funcionários da casa, vamos chamá-los assim) estão em Luxemburgo – mas boa parte deles não fica em Luxemburgo, mas acompanha as sessões do Parlamento e as reuniões das comissões e sub-comissões. Já imaginaram o gasto que isso acarreta com viagem, hospedagem, alimentação, comunicação?

Acrescente-se a essa enorme – e cara – complicação topo-logística, o problema da linguagem. Hoje são 20 as línguas oficiais da União Européia. Com a entrada da Bulgária e da România, em 2007, aumentarão para 22. Todos os documentos – não só do Parlamento, mas de toda a União Européia – precisam ser traduzidos para todas essas línguas e as reuniões precisam ter interpretação simultânea para todas elas. Complicado, não? E caro.

Outro problema. Os deputados do Parlamento Europeu devem trabalhar em tempo integral. Passam, em princípio, uma semana por mês (menos Agosto, mês de férias) em sessões plenárias em Strasbourg, duas semanas em sessões extraordinárias ou em reuniões de comissões ou sub-comissões em Bruxelas, e a quarta semana passam em contatos “partidários” ou com os seus “eleitores”, no seu país de origem. Por que não? Eles, como os deputados brasileiros, também são filhos de Deus. Todos, supostamente, trabalham o mesmo. No entanto, o salário que recebem é idêntico ao que recebem os deputados federais de seus países – o que quer dizer, extremamente diferente. Um deputado da Eslovênia deve receber bem menos do que um deputado que mora em Paris, não é verdade? Não é de surpreender que o Parlamento já tenha tentado, mais de uma vez, a primeira em 2004, padronizar os salários (como padronizadas são os jetons, as verbas de viagem, comunicações, pesquisa, gabinete, etc.). Mas o Conselho de Ministros vetou. Alguém acha que eles vão desistir?

Estou falando apenas de um órgão da União Européia, o Parlamento, e apenas de problemas logísticos e financeiros. Mas há os problemas políticos, que vão ficar cada vez mais sérios à medida que os países da Europa Central e da Europa Oriental se sintam confiantes o suficiente para levantar a cabeça e protestar… Por exemplo, até o Tratado de Nice, que entrou em vigência em 2002, os cinco maiores países da União Européia (maiores em população: Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha) tinham dois “comissários” na Comissão Européia – o restante tinha apenas um. O Tratado de Nice, já sob pressão dos países pequenos, removou esse poder adicional dos países maiores. No Conselho de Ministros (em que cada país membro tem um representante), e que é o real corpo legislativo da União Européia, costumava exigir-se unanimidade para aprovação de qualquer medida. A França e o Reino Unido vetaram várias medidas importantes, com base em seus interesses. Na verdade, antes de o Reino Unido fazer parte da União Européia, a França, por decisão pessoal de De Gaulle, duas vezes vetou o seu ingresso – por considerá-la mais aliada com os Estados Unidos do que com o resto da Europa. Com o crescimento do número de países, torna-se inviável exigir ou esperar unanimidade em qualquer coisa. O sistema de votação agora é predominantemente a maioria qualificada – em que o voto de cada Ministro tem um respectivo peso, determinado em função da população do país que ele representa, reservando-se a unanimidade apenas para questões realmente importantes (como, por exemplo, o país sede dos vários órgãos… – dá vontade de rir). O Tratado de Nice fixou os seguintes pesos para os votos dos respectivos países: Alemanha, Reino Unido, França e Itália: 29; Espanha e Polônia, 27; România, 14; Holanda, 13; Grécia, República Tcheca, Bélgica, Hungria, e Portugal, 12; Suécia, Áustria e Bulgária, 10; Eslováquia, Dinamarca, Finlândia, Irlanda, e Lituânia, 7; Látvia, Eslovênia, Estônia, Chipre (parte grega), e Luxemburgo, 4; Malta, 3. Para alguns atos do Conselho, exige-se o mínimo de 258 votos, desde que tenham vindo da maioria dos países da União; para outros atos, exige-se o mínimo de 258 votos, desde que tenham vindo de pelo menos dois terços dos países da União; e assim vai. Eu pergunto: tem jeito de isso funcionar a longo prazo?

Além disso, há os países que se consideram donos da União Européia – a França, em especial. Quando os últimos dez países estavam para ser admitidos – todos eles da Europa Central e do Leste – surgiu a questão da guerra do Afganistão e, logo depois, do Iraque. A maior parte desses países apoiou os Estados Unidos e até mesmo forneceu soldados. A França, como se sabe, ficou contra. Jacques Chirac, presidente da França, resolveu passar uma descompostura verbal nos novos países – dizendo algo que parecia sugerir que, se eles fossem se alinhar com os Estados Unidos, seria bom que nem entrassem na União Européia. Recebeu uma saraivada de críticas dos chefes de governo e líderes políticos desses países. A França, mais uma vez, achou que podia mandar na União Européia – como no tempo de De Gaulle, em que fez o que quis.

(Além de vetar a entrada do Reino Unido duas vezes, a França, numa ocasião, se viu, numa votação que não exigia unanimidade, prestes a ser o único país a votar contra uma medida. O que fez? Removeu sua representação da União Européia e assim bloqueou, por um bom tempo, as reuniões em que coisas importantes precisavam ser aprovadas por unanimidade. Tudo isso está no livro.)

O Reino Unido, por sua vez, gosta de ser prima donna. Custou para decidir solicitar ingresso na União Européia. Quando solicitou, foi duas vezes rejeitado pelo veto de De Gaulle. Aprendeu a lição: entrou, veta tudo que contraria seus interesses, e entrou assim pela metade: não adotou o Euro e, pelo jeito, não vai adotá-lo tão cedo. (Alguém imagina o Reino Unido abandonando a Libra Esterlina?) Estando numa ilha, não no continente europeu, o Reino Unido se sente um pouco europeu, mas, em parte, um continente próprio. Além disso, tem seus vínculos históricos, culturais, lingüísticos e estratégicos com os Estados Unidos, dos quais não vai abrir mão tão facilmente.

Mas as surpresas vêm de onde menos se esperam: o tratado que aprovaria a Constituição Européia, que exige aprovação unânime para entrar em vigor, foi rejeitado primeiro pela França, depois pela Holanda… O Reino Unido, diante disso, se julgou no direito de nem submetê-lo à apreciação… Se se exige unanimidade, e ela já foi quebrada pela França, why bother?

Posso estar aqui sendo extremamente cético. Mas acho, como disse, que a época é de dar autonomia política às regiões – na Espanha, por exemplo, a região dos catalães, dos bascos… Na própria França há regiões que desejariam mais autonomia. Todos vimos o que aconteceu nos Bálcans. Durante a Copa do Mundo, a Sérbia e o Montenegro, que eram um país só, com participação na Copa, se dividiram em dois países. Em Portugal, a região de Trás-os-Montes tem muito em comum com a Galícia – cuja língua é mais parecida com o português do que com o espanhol – que, na realidade, é o castelhano, a língua de Castela imposta às demais regiões…

Só faria sentido criar a União Européia como a união política (que já é, como Presidente do Executivo, Parlamento, Poder Judiciário, etc.), se os estados nacionais, especialmente os maiores, cometessem eutanásia, desaparecendo do mapa e transferindo seus poderes, em parte para as regiões, e o que falta para que ela seja um Estados Unidos da Europa, para a União Européia.

O Brasil, que tem uma história bastante longa, como estado nacional, está na hora de transferir poderes (políticos, legislativos, tributários, financeiros, administrativos, judiciais) do governo central para os níveis estaduais e até mesmo os níveis regionais (infra-estaduais), tornando-se apenas um grande mercado comum, ao qual podem ser agregados outros países da América do Sul ou mesmo da América Latina. Que não se invente criar uma Comissão Sul-Americana, muito menos uma Comissão Latino-Americana… Já existe em São Paulo uma organização chamada Parlamento Latino-Americano, criado pelo Quércia, quando foi governador… Mas é só nome, não tem realidade de parlamento – felizmente.

Em Lisboa, 17 de Novembro de 2006

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Transcrição em São Paulo, em 2 de Novembro de 2010

O primeiro discurso de Dilma, depois de eleita

Vejam abaixo o primeiro discurso de Dilma, depois de eleita no dia 31 de Outubro de 2010. Vamos precisar conferir as promessas e os compromissos o tempo todo.

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Minhas amigas e meus amigos de todo o Brasil,

É imensa a minha alegria de estar aqui.

Recebi hoje de milhões de brasileiras e brasileiros a missão mais importante de minha vida.

Este fato, para além de minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país: pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro portanto aqui meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural. E que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis, nas entidades representativas de toda nossa sociedade.

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode!

Minha alegria é ainda maior pelo fato de que a presença de uma mulher na presidência da República se dá pelo caminho sagrado do voto, da decisão democrática do eleitor, do exercício mais elevado da cidadania. Por isso, registro aqui outro compromisso com meu país:

Valorizar a democracia em toda sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia digna e da paz social.

Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa.

Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa e de culto.

Zelarei pela observação criteriosa e permanente dos direitos humanos tão claramente consagrados em nossa constituição.

Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da presidência da República.

Nesta longa jornada que me trouxe aqui pude falar e visitar todas as nossas regiões.

O que mais me deu esperanças foi a capacidade imensa do nosso povo, de agarrar uma oportunidade, por mais singela que seja, e com ela construir um mundo melhor para sua família.

É simplesmente incrível a capacidade de criar e empreender do nosso povo. Por isso, reforço aqui meu compromisso fundamental: a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.

Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem.

Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte.

A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida.

O Brasil é uma terra generosa e sempre devolverá em dobro cada semente que for plantada com mão amorosa e olhar para o futuro.

Minha convicção de assumir a meta de erradicar a miséria vem, não de uma certeza teórica, mas da experiência viva do nosso governo, no qual uma imensa mobilidade social se realizou, tornando hoje possível um sonho que sempre pareceu impossível.

Reconheço que teremos um duro trabalho para qualificar o nosso desenvolvimento econômico. Essa nova era de prosperidade criada pela genialidade do presidente Lula e pela força do povo e de nossos empreendedores encontra seu momento de maior potencial numa época em que a economia das grandes nações se encontra abalada.

No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar nosso crescimento. Por isso, se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas.

Longe de dizer, com isso, que pretendamos fechar o país ao mundo. Muito ao contrário, continuaremos propugnando pela ampla abertura das relações comerciais e pelo fim do protecionismo dos países ricos, que impede as nações pobres de realizar plenamente suas vocações.

Mas é preciso reconhecer que teremos grandes responsabilidades num mundo que enfrenta ainda os efeitos de uma crise financeira de grandes proporções e que se socorre de mecanismos nem sempre adequados, nem sempre equilibrados, para a retomada do crescimento.

É preciso, no plano multilateral, estabelecer regras mais claras e mais cuidadosas para a retomada dos mercados de financiamento, limitando a alavancagem e a especulação desmedida, que aumentam a volatilidade dos capitais e das moedas. Atuaremos firmemente nos fóruns internacionais com este objetivo.

Cuidaremos de nossa economia com toda responsabilidade. O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios. O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável.

Por isso, faremos todos os esforços pela melhoria da qualidade do gasto público, pela simplificação e atenuação da tributação e pela qualificação dos serviços públicos.

Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.

Sim, buscaremos o desenvolvimento de longo prazo, a taxas elevadas, social e ambientalmente sustentáveis. Para isso zelaremos pela poupança pública.

Zelaremos pela meritocracia no funcionalismo e pela excelência do serviço público.

Zelarei pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo.

Valorizarei o Micro Empreendedor Individual, para formalizar milhões de negócios individuais ou familiares, ampliarei os limites do Supersimples e construirei modernos mecanismos de aperfeiçoamento econômico, como fez nosso governo na construção civil, no setor elétrico, na lei de recuperação de empresas, entre outros.

As agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia, voltadas para a promoção da inovação, da saudável concorrência e da efetividade dos setores regulados.

Apresentaremos sempre com clareza nossos planos de ação governamental. Levaremos ao debate público as grandes questões nacionais. Trataremos sempre com transparência nossas metas, nossos resultados, nossas dificuldades.

Mas acima de tudo quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas.

Trataremos os recursos provenientes de nossas riquezas sempre com pensamento de longo prazo. Por isso trabalharei no Congresso pela aprovação do Fundo Social do Pré-Sal. Por meio dele queremos realizar muitos de nossos objetivos sociais.

Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.

O Fundo Social é mecanismo de poupança de longo prazo, para apoiar as atuais e futuras gerações. Ele é o mais importante fruto do novo modelo que propusemos para a exploração do pré-sal, que reserva à Nação e ao povo a parcela mais importante dessas riquezas.

Definitivamente, não alienaremos nossas riquezas para deixar ao povo só migalhas.

Me comprometi nesta campanha com a qualificação da Educação e dos Serviços de Saúde.

Me comprometi também com a melhoria da segurança pública.

Com o combate às drogas que infelicitam nossas famílias.

Reafirmo aqui estes compromissos. Nomearei ministros e equipes de primeira qualidade para realizar esses objetivos.

Mas acompanharei pessoalmente estas áreas capitais para o desenvolvimento de nosso povo.

A visão moderna do desenvolvimento econômico é aquela que valoriza o trabalhador e sua família, o cidadão e sua comunidade, oferecendo acesso a educação e saúde de qualidade.

É aquela que convive com o meio ambiente sem agredi-lo e sem criar passivos maiores que as conquistas do próprio desenvolvimento.

Não pretendo me estender aqui, neste primeiro pronunciamento ao país, mas quero registrar que todos os compromissos que assumi, perseguirei de forma dedicada e carinhosa.

Disse na campanha que os mais necessitados, as crianças, os jovens, as pessoas com deficiência, o trabalhador desempregado, o idoso teriam toda minha atenção. Reafirmo aqui este compromisso.

Fui eleita com uma coligação de dez partidos e com apoio de lideranças de vários outros partidos. Vou com eles construir um governo onde a capacidade profissional, a liderança e a disposição de servir ao país será o critério fundamental.

Vou valorizar os quadros profissionais da administração pública, independente de filiação partidária.

Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégios ou compadrio.

A partir de minha posse serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política.

Nosso país precisa ainda melhorar a conduta e a qualidade da política. Quero empenhar-me, junto com todos os partidos, numa reforma política que eleve os valores republicanos, avançando em nossa jovem democracia.

Ao mesmo tempo, afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. Serei rígida na defesa do interesse público em todos os níveis de meu governo. Os órgãos de controle e de fiscalização trabalharão com meu respaldo, sem jamais perseguir adversários ou proteger amigos.

Deixei para o final os meus agradecimentos, pois quero destacá-los. Primeiro, ao povo que me dedicou seu apoio. Serei eternamente grata pela oportunidade única de servir ao meu país no seu mais alto posto. Prometo devolver em dobro todo o carinho recebido, em todos os lugares que passei.

Mas agradeço respeitosamente também aqueles que votaram no primeiro e no segundo turno em outros candidatos ou candidatas. Eles também fizeram valer a festa da democracia.

Agradeço as lideranças partidárias que me apoiaram e comandaram esta jornada, meus assessores, minhas equipes de trabalho e todos os que dedicaram meses inteiros a esse árduo trabalho.

Agradeço a imprensa brasileira e estrangeira que aqui atua e cada um de seus profissionais pela cobertura do processo eleitoral.

Não nego a vocês que, por vezes, algumas das coisas difundidas me deixaram triste. Mas quem, como eu, lutou pela democracia e pelo direito de livre opinião arriscando a vida; quem, como eu e tantos outros que não estão mais entre nós, dedicamos toda nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade. Por isso, não carregarei nenhum ressentimento.

Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silencio das ditaduras. As criticas do jornalismo livre ajudam ao pais e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório.

Agradeço muito especialmente ao presidente Lula. Ter a honra de seu apoio, ter o privilégio de sua convivência, ter aprendido com sua imensa sabedoria, são coisas que se guarda para a vida toda. Conviver durante todos estes anos com ele me deu a exata dimensão do governante justo e do líder apaixonado por seu pais e por sua gente. A alegria que sinto pela minha vitória se mistura com a emoção da sua despedida.

Sei que um líder como Lula nunca estará longe de seu povo e de cada um de nós.

Baterei muito a sua porta e, tenho certeza, que a encontrarei sempre aberta.

Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade. A tarefa de sucedê-lo é difícil e desafiadora. Mas saberei honrar seu legado.

Saberei consolidar e avançar sua obra.

Aprendi com ele que quando se governa pensando no interesse público e nos mais necessitados uma imensa força brota do nosso povo.

Uma força que leva o país para frente e ajuda a vencer os maiores desafios.

Passada a eleição agora é hora de trabalho. Passado o debate de projetos agora é hora de união.

União pela educação, união pelo desenvolvimento, união pelo país. Junto comigo foram eleitos novos governadores, deputados, senadores. Ao parabenizá-los, convido a todos, independente de cor partidária, para uma ação determinada pelo futuro de nosso país.

Sempre com a convicção de que a Nação Brasileira será exatamente do tamanho daquilo que, juntos, fizermos por ela.

Muito obrigada.

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Em São Paulo, 1º de Novembro de 2010

“Guerra”

Bom o artigo do Pondé – principalmente no contexto que existe a partir de ontem.

Dilma, em sua primeira manifestação depois de formalmente eleita, comprometeu-se a defender a democracia – ressaltando a importância da liberdade de expressão, de imprensa e de culto.

É preciso reconhecer, em primeiro lugar, que nenhum candidato eleito, de posse de suas faculdades mentais, diria o contrário em sua primeira manifestação pública depois de eleita.

E é preciso reconhecer (como ressalta Pondé) que “‘democracia’ é uma palavra quase tão gasta quanto a palavra ‘energia’”. Cuba se considera uma democracia (embora seja “uma ilha sitiada por um sistema da idade da pedra”) e todos os países comunistas do Leste Europeu se chamavam de repúblicas democráticas (só conseguindo convencer os intelectuais de esquerda, como Jean-Paul Sartre).

Democracia é, sim, governo do povo, pelo povo, para o povo. Mas só a eleição dos governantes pelo voto popular não faz de um país uma democracia. Mais importante do que a eleição pelo voto popular, disse um dia Karl Popper, é a existência de mecanismos efetivos para limitar o poder dos governantes e para removê-los de seus cargos quando violam, ou mesmo tentam violar, esses limites, mesmo que seu mandato esteja no início. A existência no país de uma Constituição clara e sucinta que especifique esses limites de forma inequívoca e inquestionável é essencial para a democracia.

Um dos limites essenciais para o poder do governo é a liberdade de imprensa. Sem uma imprensa realmente livre, não há democracia.  

Diz Pondé: “Querem uma mídia democrática? Deixem-nos em paz e aguentem o tranco. Esses órgãos de controle da mídia [propostos pelo PT, pelo Lulla, etc.] devem ser encarados como uma declaração de guerra. Você tem medo da liberdade?”

A mídia (TV, cinema, rádio, jornais, publicidade, Internet) deve ser absolutamente livre. Sem tutela e controle do governo ou, o que dá no mesmo, da “sociedade”. O único jeito legítimo de a sociedade controlar a mídia é não a assistindo, lendo, acessando. Como o povo faz com a TV Brasil.

E mídia estatal também é uma aberração. Não passa de propaganda. Mesmo que tente parecer democratiquinha, como a Voz do Brasil. Também é uma aberração os horários gratuitos dos partidos e candidatos na mídia e os demais sequestros de horários nas emissoras de rádio e TV pelo poder público, para fazer pronunciamentos.

E, por fim, também é uma aberração a propaganda política, ainda que paga, do governo.

O artigo do Pondé não cobre todos esses tópicos, mas vale a pena le-lo.

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Folha de S. Paulo

1º de Novembro de 2010

Guerra

Luiz Felipe Pondé


Vocês querem uma mídia democrática? Então deixem-nos em paz, livres, e aguentem o tranco


“Democracia ” é uma palavra quase tão gasta quanto a palavra “energia”. Quer ver?

Pode-se falar em democracia na escola (papo furado para não dar aula ou seduzir os alunos que não gostam de ter aula), democracia dos afetos (hoje transo seres humanos, amanhã, labradores, nada de “especismo”, porque cachorro é gente), democracia corintiana (dessa nem falo porque sou um palmeirense ressentido), democracia na família (mesmo que os pais paguem as contas, eles devem obedecer à base popular, isto é, os filhos), enfim, qualquer um pode inventar a sua própria democracia.

Cuba se acha democrática, quando na realidade é uma ilha sitiada por um sistema da idade da pedra. A Alemanha comunista, logo ditadura da pior espécie, se chamava “República Democrática Alemã”.

Chávez e Evo Morales (anões bolivarianos) também acham que é democrático ficar mudando a Constituição para ficarem no poder 200 anos. Não é o voto popular que garante sozinho a democracia (só pensa isso quem é analfabeto ou mentiroso). Esta é a nova esquerda que, como sempre quis, quer dominar a América Latina.

Nenhum regime de esquerda é democracia porque os esquerdinhas são essencialmente autoritários como os talebans.

Basta ver o que intelectuais de esquerda fazem no seu mundinho da universidade: destroem carreiras, inviabilizam pesquisas, aniquilam alunos promissores, constrangem moralmente a dissidência, só para perpetuar o domínio institucional. Eles são maioria absoluta e destroem toda liberdade intelectual em nome do “bem coletivo”.

Estão preparando no Brasil um dos maiores abusos em nome (adivinhe?) da democracia: o controle da mídia. E esta é uma forma de controle da cultura.

Alguns Estados se preparam para criar órgãos de controle da mídia. Claro que os que assim agem afirmam não ser intenção deles controlar a mídia, mas, como eu não acredito em Papai Noel, sei que não dizem a verdade.

O que é a democracia? Antes de tudo é uma palavra do grego arcaico. Depois, ganhou cidadania na filosofia política em geral para se referir a um sistema de governo baseado na “soberania popular”, e aí, meu amigo, a coisa vai para o brejo.

Por exemplo, eu posso ser um tonto, analfabeto de pai e mãe, e meu voto vale tanto quanto o seu, pessoa culta, esforçada para compreender o mundo e fazê-lo menos estúpido do que já é. Eis o brejo…

Logo, voto popular não basta para garantir coisa nenhuma. Todo mundo sabe que, como mostra o maravilhoso filme “Tropa de Elite 2” (que merece um texto à parte), voto é mercadoria barata, qualquer bandido pode migrar do tráfico de drogas para o tráfico de influência (corrupção) e comercializar votos.

E, na democracia, voto vale ouro para quem o recebe e nada para quem o dá. A sobrevida da democracia depende de mecanismos finos de pesos e contrapesos que sustentam a liberdade e que vão muito além do simples voto de qualquer um. E é aí que a democracia brasileira está a um passo do abismo.

Qualquer discurso criminoso de “democratizar” a mídia através de órgãos tutelares do governo (seja ele qual for, mesmo um em que eu votei) deve ser rechaçado se não quisermos virar uma República da banana.

A mídia (TV, cinema, rádio, jornais, publicidade) deve ser absolutamente livre. Deve ter seus próprios mecanismos de autorregulação e jamais ser objeto de “fiscalização externa” (que será sempre ideológica, mesmo que contem historinhas de fadas para dizer que não é).

As melhores intenções neste caso serão sempre criminosas a serviço do “mal”. Mídia boa é mídia incômoda. Para além de qualquer crítica que se possa fazer à mídia, ela é a principal arma contra sistemas totalitários que amam a burrice pública da unanimidade.
A pior forma de controle da mídia é aquela que se diz em nome do “combate democrático aos preconceitos” ou da “democratização social” porque se faz invisível usando a palavra mágica “democracia”.

Querem uma mídia democrática? Deixem-nos em paz e aguentem o tranco. Esses órgãos de controle da mídia devem ser encarados como uma declaração de guerra. Você tem medo da liberdade?

ponde.folha@uol.com.br

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Em São Paulo, 1º de Novembro de 2010

O Cristianismo e a arte

Acabei de chegar do último (quinto) concerto do XIII Festival de Música Sacra que teve lugar, durante o mês de Outubro, na Catedral Evangélica de São Paulo (Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo), na Rua Nestor Pestana, no Centro. Dos três concertos que assisti, foi de longe o melhor. A igreja estava lotada e, ao final, o público presente aplaudiu de pé por longos minutos.

Ao voltar para casa, sozinho (a Paloma está em Ubatuba, com as meninas, na casa dos pais dela), fiquei pensando cá com meus botões… Será que as outras grandes religiões produziram obras artísticas comparavelmente lindas, na música, na pintura, na escultura? Não conheço muito bem as outras grandes religiões, mas duvido… Sei que o Judaísmo produziu música excelente (basta assistir a filmes como Fiddler on the Roof, Yentl, e outros). Mas o Cristianismo produziu uma quantidade inacreditável – e, parece-me, incomparável – de grande música (coral e sinfônica), pinturas, esculturas.

O concerto de hoje foi emocionante. Fiquei com os olhos cheios de lágrimas várias vezes, especialmente na terceira parte.

A primeira parte ficou a cargo do Coral Cultura Inglesa de São Paulo, acompanhado de uma orquestra que não foi mencionada. Cantou o Te Deum Laudamus e Jubilate Deo in D, de Henry Purcell (1659-1695). Destaques foram um contratenor fantástico (Josué Nonato ou Maximiliano Moraes) e o barítono Carlos Eduardo Vieira, diretor musical e regente dos corais da Catedral.

A segunda parte ficou a cargo dos Corais Canticorum Jubilum e Vox Aeterna, acompanhados pela Orquestra de Cordas Laetare. Cantaram o Short Festival Te Deum, de Gustav Holst, e o Sabat Mater, de Josef Rheinberger.

A última parte, apoteótica, ficou a cargo do Coral Luther King e da Orquestra Officina Barocca. Cantaram o Requiem em Ré Menor, Op. 48, de Gabriel Fauré.

O Festival de Música Sacra foi criado pelo organista Nelson Rodrigues da Silva em 1995, com o apoio dos regentes Abel Rocha e Naomi Munakata. Depois de um intervalo de dois anos, em que o Festival não aconteceu, ele passou a ser organizado pelo Núcleo de Concertos da Catedral Evangélica de São Paulo e a Fundação Francisca Franco, da mesma igreja. Seu coordenador tem sido o Maestro Carlos Eduardo Vieira, da Catedral.

Esta décima terceira edição contou com o apoio do Fundo Nacional de Cultura.

Em Outubro do ano que vem, tem mais: o XIV Festival. Quem gosta de música sacra, especialmente a coral, deve desde já reservar os domingos de Outubro de 2011, às 20h.

Em São Paulo, 31 de Outubro de 2010 (dia do 493º aniversário da Reforma Protestante)


Educação e Escola [republicação]

[Este texto foi escrito, em parte, com base numa conversa com Ricardo Semler em 23 de Julho de 2008. Foi publicado aqui neste blog em 24 de Julho de 2008. Republico-o agora com pequenas alterações.]

A escola convencional, que até hoje persiste, é uma instituição totalmente alicerçada no passado.

O fato de que ela dá férias prolongadas aos seus alunos no verão é reflexo de uma era pré-industrial, quando a agricultura dominava a vida. Na época da colheita, os alunos precisavam ajudar os pais no campo – daí, as férias mais longas nesse período.

A duração da aula, fixada em cerca de 50 minutos, se deve ao fato de que, antigamente, se considerava que o “attention span” das crianças não passava de mais ou menos isso. Hoje, outros estudos mostram que a televisão, as empresas de marketing, etc., calculam o “attention span” dos adultos em cerca de apenas oito minutos. Por isso os segmentos das novelas e dos noticiários são quebrados em vários períodos de mais ou menos oito minutos – e os vídeos institucionais raramente ultrapassam essa duração. (E, no entanto, uma criança jogando um videogame novo, desses em que você pode progredir para estágios cada vez mais avançados, fica até três horas jogando, sem perder a concentração…)

O tamanho da sala de aula tradicional – para no máximo 40 alunos – representa o espaço que podia ser alcançado pela voz humana desassistida da tecnologia.

Os professores, todo especialistas, refletem um período em que se acreditava que a verdade estava na especialização e que era preferível saber quase tudo sobre quase nada do que saber um pouco sobre um monte de coisas.

A retenção média pelos alunos daquilo que o professor diz numa aula normal de uma escola convencional é 6%. Isto significa que na escola há uma perda de 94% do que o professor diz.

Nenhuma instituição com uma taxa de perda ou rejeição de 94% sobrevive – exceto a escola. Manter esse sistema hoje é manter o mais incompetente sistema que jamais se criou. Ele nega tudo o que sabemos sobre como crianças, adolescentes e jovens aprendem – na verdade, sobre como qualquer um aprende.

A aprendizagem é fruto da curiosidade, e a curiosidade, do interesse. Basta assistir ao lindo filme Céu de Outubro (October Sky). Quando temos interesse por alguma coisa, e temos a liberdade de explorá-la, não há problema de falta de motivação, de perda de atenção… Mas explorar é algo ativo, diferente de simplesmente prestar atenção, ver, ouvir ou ler… Se a curiosidade e o interesse da criança tiverem a sorte de topar com a paixão pelo tema e o know-how necessário para explorá-lo por um adulto, será um “match perfeito”. Nada impedirá a aprendizagem da criança nesse caso.

Estudos têm mostrado que, quando nós, adultos, olhamos para trás para identificar os mestres que fizeram uma diferença em nossa vida, encontramos no máximo uns três, talvez uns quatro – cinco ou seis se tivermos muita sorte. E esses não são lembrados pelo conteúdo que nos ensinaram. São lembrados, primeiro, porque tinham paixão por alguma coisa. São lembrados, também, pelo fato de que essa paixão os levara a se dedicar boa parte de sua vida a essa coisa, a explorá-la de todos os ângulos. A paixão, a sede de conhecer mais sobre o objeto da paixão, e a competência decorrente tinham o poder de contagiar as jovens mentes que tinham contato com eles.

Eis o que diz sobre esse assunto, por exemplo, John Steinbeck, escritor americano, Prêmio Nobel de Literatura:

“O bom professor, como o grande artista, é raro… Encontramos muito poucos deles na vida. Se você tem sorte, ao olhar para trás, descobre uns dois ou três deles. Eles não lhe passaram informações. Eles não lhe disseram o que fazer. Eles lhe abriram a porta de um novo mundo e o ajudaram a entrar nele, acreditando que aprender é sempre uma aventura fascinante, porque é assim que a gente constrói a própria vida.”

Crianças curiosas, interessadas, motivadas não precisam que ninguém lhes ensine nada. Aprendem por si só, quando têm curiosidade, interesse, motivação – e, quando são contagiadas pela paixão, pelo entusiasmo, pelo conhecimento, pela competência de alguém. Educar não é encher um balde. Educar é acender uma luz: uma vela que, por sua vez, vai, um dia, acender uma outra… (A imagem é de William Butler Yeats).

E crianças não precisam aprender a aprender. Elas vem de fábrica com essa capacidade. Aprendem a reconhecer as faces da mãe, do pai, dos familiares sem que ninguém lhe ensine nada; aprendem a entender a fala humana e, no devido tempo, a falar, sem que ninguém lhe ensine nada; aprendem a andar, a correr, a pular, sem que ninguém lhe ensine nada. Basta querer – e querer elas cedo ou tarde querem, se a escola tradicional não matar a sua curiosidade.

A Lumiar é uma escola criada dentro dessa visão.

Em Salto, 24 de Julho de 2008, transcrito aqui em São Paulo, 31 de Outubro de 2010

About Schmidt: Alguém vai se lembrar de nós quando morrermos?

Voltando de Cape Town, ontem, assisti mais uma vez no avião o filme que dá o título deste post, com Jack Nicholson (http://www.imdb.com/title/tt0257360/). Os demais atores são coadjuvantes. Jack Nicholson é um dos melhores atores dos últimos 30 anos. Se já não tivesse certeza disso, o desempenho dele neste filme (que em Português teve o título de As Confissões de Schmidt), bem como em As Good as It Gets (Melhor é Impossível, com Helen Hunt) e Something’s Gotta Give (Alguém tem que Ceder, com Diane Keaton), teria eliminado qualquer dúvida.

Trata-se de um grande filme. Já escrevi sobre ele aqui neste blog (vide, por exemplo, http://liberalspace.net/2006/08/30/mais-uma-cronica-antiga-meus-60-anos/). Vou repetir algumas das coisas que já disse, visto que faz tanto tempo que comentei o filme… mais de sete anos.

Warren Schmidt é um funcionário competente e responsável de uma companhia de seguros. Ele tem 66 anos quando o filme começa e está sentato à sua mesa, no seu último dia de trabalho, esperando o relógio dar cinco horas da tarde. Além de competente e responsável, é um funcionário consciente, que não rouba a empresa de nenhum minuto do tempo que deve lhe dar, mesmo no último dia de trabalho, depois de 35 anos e tanto de dedicação. (Quando escrevi sobre esse filme anteriormente, eu celebrava 60 anos – tinha mais ou menos 90% da idade dele… e não estava aposentado. Hoje tenho 67 e, como ele, estou aposentado – embora não tenha parado de trabalhar).

Schimidt é estatístico. Sua especialidade na empresa é fazer cálculo de risco. Se lhe derem a data de nascimento de alguém, sua ficha médica, informações adicionais sobre seus hábitos, se é casado, solteiro, divorciado ou viúvo, que tipo de trabalho faz, que tipo de carro dirige, se (e quanto) bebe, se (e quanto) fuma, etc., ele é capaz de calcular, com razoável precisão, qual o risco, para sua empresa, de fazer um seguro de vida para esse indivíduo… Em outras palavras: a empresa seguradora quer saber por quanto tempo é provável que o segurado ainda pague seu prêmio antes de morrer…

Como Schmidt (diferentemente de mim) parou de trabalhar ao se aposentar, ele fica procurando sarna para se coçar… Seu maior problema é encontrar o que fazer… Ficando em casa, o inevitável acontece: irrita-se cada vez mais com sua mulher de 42 anos. Conclui, num momento de realismo e transparência, que não a tolera. Não aguenta o jeito dela, a voz dela, as manias dela, o cheiro dela… Que isso é triste, mas acontece, não há dúvida. 42 anos talvez seja tempo demais para qualquer um viver com outra pessoa.

Felizmente, para ele, sua mulher morre subitamente de um aneurisma, enquanto passava o aspirador de pó no tapete…

Alguns problemas acabam de ser solucionados. Mas outros aparecem… É sempre assim, não é?

Ele, que até aquele momento, não tinha o que fazer, tem agora de cuidar da casa – e fazer as vezes de mãe junto à filha que está para casar com um babaca que ele detesta…

Com a morte da mulher, Schmidt começa aplicar a sua especialidade a si próprio. Dada a sua idade e os seus hábitos, levado em conta o fato de que ele nunca teve uma doença séria como câncer ou enfarto, e, agora, o fato de sua viuvez, ele conclui que (desde que não se case de novo) deve ter por volta de nove anos mais de vida. (Não fica claro se, casando-se de novo, essa estimativa aumentaria ou diminuiria… Alguém arrisca um prognóstico?).

O que fazer com esses nove anos???

Ele tem consciência de que o que fez até ali com sua vida não vai fazer com que ninguém se lembre dele, depois de ele morrer e aqueles que hoje o conhecem também morrerem. Quando isso acontecer, as coisas se passarão como se ele nunca tivesse existido: não haverá nada que fará com que alguém se lembre de que ele um dia viveu… Nem um livro escrito… Nem um filme feito… Nem uma poesia escrita ou uma canção composta… 

E Schmidt tem consciência de que cuidar da casa e da filha (esta claramente rejeitando os seus cuidados) não vai alterar esses fatos…

No contexto, ele arruma um menino de seis anos na África, ao qual, através de uma ONG chamada ChildReach, envia 22 dólares por mês. Quem sabe esse menino, novinho, vá perpetuar sua memória por um pouco mais de tempo… Quem sabe um dia se case, tenha filhos, e diga aos seus filhos que alguém chamado Warren Schmidt um dia o ajudou…

Crise. Crise de identidade. Crise de importância – mais precisamente, crise de desimportância…

Nunca tive coragem de perguntar ao meu cardiologista, depois do meu enfarto, quanto tempo de vida ele achava que eu ainda teria. Médico experiente que ele é, ele me disse, em minha primeira consulta depois da alta no hospital, que eu poderia viver até os 90 anos — SE… um monte de ses se seguiram: se eu tomasse religiosamente os meus remédios, se eu me alimentasse de forma sensata, se eu caminhasse regularmente, se eu não me excedesse em atividades físicas ou em emoções extraordinárias, se eu visitasse o cardiologista periodicamente… Venho tentando fazer algumas dessas coisas. Em outras, tenho falhado miseravelmente…

Tempos atrás encontrei um site na Internet — infelizmente me esqueci da URL — que fazia aos visitantes uma longa série de perguntas sobre sua história de vida, sobre seus antecendentes familiares, sobre seus hábitos, etc., para lhes fazer uma previsão acerca do dia de sua morte. Lembro-me de que, no meu caso, minha morte foi prevista para o dia 23 de agosto de 2023 — uns dias antes de eu completar 81 anos. Mas isso foi antes do enfarto… Provavelmente a data, hoje, seria antecipada um pouco… Ou será que o site previu o me enfarto e, com tato, omitiu a informação? Quem sabe seriam 81 anos (ou quase) com o enfarto, 100 anos sem ele… 🙂

Quem não viu o filme e já passou dos 60 deve vê-lo. A história faz a gente pensar sobre o sentido de nossa própria vida, sobre o que fazer do tempo que nos resta…

Quem tem idade menor não sente essa pressão: pensa que tem todo o tempo do mundo – não tem urgências…

Que bom que assisti a About Schimidt de novo ontem. Revivi, seis anos depois, muitas das coisas que senti ao ver o filme pela primeira vez. E senti várias coisas novas. É por isso que a gente deve assistir de novo (várias vezes, se necessário) o mesmo filme – se ele é bom. O filme é o mesmo, mas a gente não é o mesmo nas diversas vezes que o assiste.

Em São Paulo, 31 de Outubro de 2010

“Popular, sim. Grande, não!”

Transcrevo abaixo post retirado do blog de Ricardo Noblat. Vide

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/10/25/popular-sim-grande-nao-335225.asp

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Bolinha de papel, rolo de fita crepe, pano de bandeira, chumaço de algodão – nada pode ser usado de forma hostil para atingir alguém sob pena de tal ato configurar uma agressão.

O que militantes do PT foram fazer no calçadão de Campo Grande, no Rio de Janeiro, quando o candidato José Serra (PSDB) esteve por lá na tarde da última quarta-feira em busca de votos?

Não foram saudá-lo democraticamente. A tal ponto de civilidade não chegaremos tão cedo.

Aos berros, munidos de bandeiras e dispostos a tudo, tentaram impedir que o candidato e seus correligionários exercessem o direito de ir e de vir, e também o de se manifestar, ambos assegurados pela Constituição.

O PT tem uma longa e suja folha corrida marcada por esse tipo de comportamento violento, autoritário e reprovável, que deita sólidas raízes em suas origens sindicais.

A força bruta foi empregada muitas vezes para garantir a ocupação ou o esvaziamento de fábricas. E também para se contrapor à força bruta aplicada pelo regime militar na época em que o PT era apenas uma generosa idéia.

Para chegar ao poder, o PT sentiu-se obrigado a ficar parecido com os demais partidos – para o bem ou para o mal. Mas parte de sua militância e dos seus líderes não abdicou até hoje de métodos e de práticas que forjaram sua personalidade. É uma pena. E um sinal de atraso.

Uma vez no poder, vale tudo para permanecer ali.

Vale o presidente da República escolher sozinho a candidata do seu partido.

Vale ignorar a Constituição e deflagrar a campanha antes da data prevista.

Vale debochar da Justiça.

Vale socorrer-se sem pudor da máquina pública para fins que contrariam as leis.

Vale intimidar a Polícia Federal para que retarde investigações que possam lhe causar embaraços. E vale orientá-la para que vaze informações manipuladas capazes de provocar danos pesados a adversários.

No ocaso do primeiro turno, pouco antes de Dilma se enrolar na bandeira nacional e posar para a capa de uma revista como presidente eleita, a soberba de Lula extrapolou todos os limites.

Ele foi a Juiz de Fora e advertiu os mineiros: seria melhor para eles elegerem um governador do mesmo grupo político de Dilma.

Foi a Santa Catarina e pregou irado a pura e simples extirpação do DEM.

Foi a São Paulo, investiu contra a imprensa e proclamou com os olhos injetados: “A opinião pública somos nós”.

O mais sabujo dos auxiliares de Lula reconhece sob o anonimato que o ataque de fúria do seu chefe contribuiu para forçar a realização do segundo turno.

Não haverá terceiro turno.

Se desta vez as pesquisas estiverem menos erradas, Dilma deverá se eleger no próximo domingo – e até com uma certa folga.

Mas a eleição ainda não acabou, meus senhores. A história está repleta de casos onde um passo em falso, um gesto impensado ou uma surpresa põe tudo a perder.

O que disse Lula a respeito do episódio do Rio protagonizado por Serra e por militantes do PT só confirma uma vez mais o quanto ele é menor – muito menor – do que a cadeira que ocupa há quase oito anos.

Lula foi sarcástico quando deveria ter sido solidário com Serra, de resto seu amigo de longa data.

Foi tolerante e cúmplice da desordem quando deveria tê-la condenado com veemência.

Foi cabo eleitoral de Dilma quando deveria ter sido presidente da República no exercício pleno da função.

Sua popularidade poderá seguir batendo novos recordes -e daí? Não é disso que se trata.

Popularidade é uma coisa passageira. Grandeza, não. É algo perene. Que sobrevive à morte de quem a ostentou.

Tiririca é popular. Nem por isso deve passar à História como um político de grandeza.

No seu tempo, Fernando Collor e José Sarney, aliados de Lula, desfrutaram de curtos períodos de intensa popularidade. Tancredo Neves foi grande, popular, não.

Grandeza tem a ver com caráter, nobreza de ânimo, sentimento, generosidade. Tudo o que falta a Lula desde que decidiu eleger Dilma a qualquer preço.

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Em Cape Town, 27 de Outubro de 2010

“Sem medo do passado”

Transcrevo a Carta Aberta de Fernando Henrique Cardoso a Lulla que corre por aí. Não sei se é verídica. O conteúdo claramente é verdadeiro.

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SEM MEDO DO PASSADO

Fernando Henrique Cardoso

O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária, distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas está o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse “o Estado sou eu”. Lula dirá, o Brasil sou eu! Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira.

Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês…). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo?

Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote – o governo do PSDB foi “neoliberal” – e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora os dados… O que conta é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da lei de responsabilidade fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobras, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal.

Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões e, junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado.

Esqueceu-se dos investimentos do programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao país. Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país.

Esqueceu-se de que o país pagou um custo alto por anos de “bravata” do PT e dele próprio. Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI – com aval de Lula, diga-se – para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto “neoliberalismo” peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras, citado por Adriano Pires, no Brasil Econômico de 13/1/2010.

“Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobras produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas.

Dez anos depois, produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela”. (José Eduardo Dutra)

O outro alvo da distorção petista refere-se à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o Real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo.

De 1995 a 2002, houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.

Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram em um município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outras 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando em uma só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB “não olhou para o social”. Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel à realidade; o programa da aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa “Toda Criança na Escola” trouxe para o Ensino Fundamental quase 100% das crianças de sete a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje a mais de 3 milhões de idosos e deficientes (em 1996, eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

Fernando Henrique Cardoso

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Em Cape Town, 25 de Outubro de 2010

Despedida do TREMA

Recebi pela Internet… É interessante.

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Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüiféros, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos.

Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!

O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio… A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé.

Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas? A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K, o W “Kkk” pra cá, “www” pra lá.

Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou “tremendo” de medo. Tudo bem, vou – me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar.

Nos vemos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história.

Adeus,

(a) Trema

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Em Cape Town, 24 de Outubro de 2010

O foco da questão no dia 31/10

Transcrevo aqui um material que recebi por e-mail. Não conheço quem me enviou, mas o material é digno de toda a atenção.

O núcleo do material é um artigo de Rodrigo Constantino, que já é, e promete ser ainda mais (por ser ele muito jovem), um dos grandes e mais corajosos liberais brasileiros da atualidade. O material tem uma introdução também incisiva, que apresenta o Rodrigo. Não sei quem a escreveu, mas é “to the point”, como se diz em Inglês.

Os petistas, lullistas e dilmistas vão esbravejar. Os não tão babantes (há alguns poucos deles), e que me honram seguindo o meu blog e o meu FaceBook, vão me criticar por estar usando esse material para tentar derrotar a Dilma, o lullo-petismo, o PeTralhismo. Sua crítica não me demove desse objetivo.

O texto do Rodrigo, embora escrito no final do ano passado (2009), se dirige, com grande atualidade, àqueles (inclusive os que votaram na Marina no primeiro turno) que, reconhecendo que o PSDB tem problemas e que o Serra está longe de ser o candidato ideal, podem ser tentados a votar em branco ou simplesmente ir para a praia e não votar no dia 31/10. Afinal de contas, o domingo será parte do feriadão de Finados.

No programa eleitoral e em suas discussões  em diversos outros foruns, os dilmistas, os lullo-petistas e os PeTralhistas em geral querem fazer parecer que, porque o PSDB teve problemas com o Azeredo em Minas e o governo Serra foi acusado de agasalhar um corrupto que fazia Caixa 2 no Dersa em São Paulo, não há diferença alguma entre os dois partidos e os dois candidatos no plano ético – está tudo nivelado. Isso é um absurdo. Não sou PSDbista e já critiquei muito o PSDB. Mas não se pode equipará-lo ao PT. Até o Hélio Bicudo, fundador do PT,  e um de seus membros mais honrados, já percebeu isso e vai votar no Serra.   

Os dilmistas, os lullo-petistas e os PeTralhistas em geral querem fazer parecer que, porque o Serra lutou contra o regime e foi obrigado a sair do país durante a Ditadura Militar, não há diferença entre ele e a Dilma, no que diz respeito ao seu envolvimento com a esquerda. Isso é um absurdo. Há, sim. O Serra lutou para derrubar a ditadura e implantar a democracia. A Dilma lutou para substituir a ditadura militar pela ditadura comunista. Os meios que usaram também foram diferentes. O Serra usou meios democráticos. A Dilma participou da luta armada, em grupos que não hesitavam em recorrer a roubos, sequestros e assassinatos. 

Leia o material, em especial o artigo do Rodrigo Constantino. Reflita e passe-o adiante. A próxima semana será decisiva.

Possuo o domínio “fora.com.pt”. Comecei a usá-lo quando do aparecimento das primeiras denúncias acerca do mensalão petista (o primeiro). Vou colocar este post lá também, assim que tiver algum ferramental para formatá-lo e fazer upload dele.

Eis o material transcrito, inclusive com os links. Fiz pequenas alterações editoriais.

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“Aqueles que não se interessam por política serão governados pelos que se interessam.” (Arnold Toynbee)

“A Escolha de Sofia” é um livro (com base no qual se fez um belíssimo e pungente filme, com Meryl Streep) que descreve uma história (e esmiuça suas consequências no plano individual e social) que acontece no campo de concentração nazista de Auschwitz, vivida por uma mãe judia, forçada por um soldado alemão a escolher entre o filho e a filha – qual seria executado e qual seria poupado. Se ela se recusasse a escolher, os dois seriam mortos. Ela escolhe o menino, que é mais forte e tem mais chances de sobreviver, porém nunca mais tem notícias dele.

A questão é tão terrível que o título se converteu em sinônimo de “decisão quase impossível de ser tomada”.

O artigo a seguir foi escrito no final de 2009, pelo economista Rodrigo Constantino – autor de cinco livros em defesa da liberdade e do liberalismo.

Ele assina a coluna “Eu e Investimentos”, do jornal Valor Econômico, é colunista do jornal O Globo e é membro-fundador do Instituto Millenium (que recentemente apoiou a reedição de A Revolta de Atlas, de Ayn Rand [que eu resenhei para a Folha no dia 09/10/2010 – EC]).  Foi o vencedor do prêmio Libertas em 2009, no XII Forum da Liberdade. Seu curriculum vai muito além do que está listado acima, é extenso e respeitável.

Segue seu artigo:

“Serra ou Dilma? A Escolha de Sofia.”

Rodrigo Constantino

“Tudo que é preciso para o triunfo do mal é que as pessoas de bem nada façam.” (Edmund Burke)

Agora, praticamente é oficial: José Serra e Dilma Rousseff são as duas opções viáveis nas próximas eleições. Em quem votar? Esse é um artigo que eu não gostaria de ter que escrever, mas me sinto na obrigação de fazê-lo.

Os antigos atenienses tinham razão ao dizerem que assumir qualquer lado é melhor do que não assumir nenhum?

Mas existem momentos tão delicados e extremos, onde o que resta das liberdades individuais está pendurado por um fio, que talvez essa postura idealista e de longo prazo não seja razoável.

Será que não valeria a pena ter fechado o nariz e eliminado o Partido dos Trabalhadores Nacional – Socialista, em 1933, na Alemanha, antes que Hitler pudesse chegar ao poder? Será que o fim de eliminar Hugo Chávez justificaria o meio deplorável de eleger um candidato horrível, mas menos louco e autoritário? São questões filosóficas complexas. Confesso ficar angustiado quando penso nisso.

Voltando à realidade brasileira, temos um verdadeiro monopólio da esquerda na política nacional. PT e PSDB cada vez mais se parecem.  Mas também existem algumas diferenças importantes.

O PT tem mais ranço ideológico, mais sede pelo poder absoluto, mais disposição para adotar quaisquer meios, os mais abjetos, para tal meta.

O PSDB parece ter mais limites éticos quanto a isso.

O PT associou-se aos mais nefastos ditadores, defende abertamente grupos terroristas, carrega em seu âmago o DNA socialista.

O PSDB não chega a tanto.

Além disso, há um fator relevante de curto prazo: o governo Lula aparelhou a máquina estatal toda, desde os três poderes, passando pelo Itamaraty, STF, Polícia Federal, ONGs, estatais, agências reguladoras, tudo!

O projeto de poder do PT é aquele seguido por Chávez, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia; Rafael Correa, no Equador.

Enfim, todos os comparsas do Foro de São Paulo. Se o avanço rumo ao socialismo não foi maior no Brasil, isso se deve aos freios institucionais, mais sólidos aqui, e não ao desejo do próprio governo.

A simbiose entre Estado e governo na gestão Lula foi enorme. O estrago será duradouro. Mas quanto antes for abortado, melhor será: haverá menos sofrimento no processo de ajuste.

Justamente por isso acredito que os liberais devem olhar para este aspecto fundamental, e ignorar um pouco as semelhanças entre Serra e Dilma. Uma continuação da gestão petista através de Dilma, é um tiro certo rumo ao pior.

Dilma é tão autoritária ou mais que Serra, com o agravante de ter sido uma terrorista na juventude comunista, lutando não contra a ditadura, mas sim por outra ainda pior, aquela existente em Cuba ainda hoje. Ela nunca se arrependeu de seu passado vergonhoso; pelo contrário, sente orgulho. Seu grupo Colina planejou diversos assaltos.

Como anular o voto sabendo que esta senhora poderá ser nossa próxima presidente?!

Como virar a cara sabendo que isso pode significar passos mais acelerados em direção ao socialismo bolivariano?

Entendo que para os defensores da liberdade individual, escolher entre Dilma e Serra é como uma escolha de Sofia. Mas anular o voto [ou faltar è eleição no segundo turno], desta vez, pode significar o triunfo definitivo do mal. Em vez de soco na cara ou no estômago, podemos acabar com um tiro na nuca.

Dito isso, assumo que votarei em Serra. Meu voto é anti-PT acima de qualquer coisa. Meu voto é contra o Lula, contra o Chávez, que já declarou abertamente apoio à Dilma.  Meu voto não é a favor de Serra.

No dia seguinte da eleição, já serei um crítico tão duro do governo Serra, como sou hoje do governo Lula. Mas, antes é preciso retirar a corja que está no poder. Antes é preciso desarmar a quadrilha que tomou conta de Brasília.

Só o desaparelhamento de petistas do Estado já seria um ganho para a liberdade, ainda que momentâneo.

Respeito meus colegas liberais, que discordam de mim e pretendem anular o voto. Mas espero ter sido convicente de que o momento pede um pacto temporário com a barbárie, como única chance de salvar o que resta da civilização – o que não é muito, mas é o que hoje devemos e podemos fazer!

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REPASSEM, SEM MODERAÇÃO!

Em Cape Town, 22 de Outubro de 2010