Opiniões, Convicções, Certezas – e Seus Mercadores: Considerações sobre Doutrinação, Lavagem Cerebral e Controle Mental

Lembro-me de uma vez, há muito tempo, mas não me lembro exatamente quando, que fui visitar meu tio Aldo Chaves — irmão mais novo do meu pai (hoje falecido como são todos os irmãos de meu pai, e o meu pai também). Era uma figura. Foi, pelo que me consta, funcionário público a vida inteira. Solteirão. Nunca se casou. Mas foi acusado de ter um filho e não o renegou. Fora do trabalho, que não lhe ocupava muitas horas, nem preenchia todas as horas em que tinha de estar na repartição, tinha todo o tempo do mundo. Gostava de ler. Jornais. Principalmente o Estadão (apesar de morar a vida inteira em Patrocínio, MG). Assinava o Estadão – que lhe chegava, naquele tempo, com um pequeno atraso. Mas o atraso não fazia diferença. Não havia nada que precisasse fazer em decorrência das leituras. Lia apenas pelo prazer da leitura. Gostava de estar informado. Lia o Estadão inteiro, creio que até os classificados. Classificado também era notícia para ele. Achava importante saber o que as pessoas estavam vendendo e comprando. E não jogava fora o jornal lido: guardava-o em um barracão que mandara construir, especialmente para esse fim, no fundo de sua modesta chacrinha. Ali havia uma verdadeira montanha de jornais vencidos.

Eu não o via desde que eu era criança. O início da conversa foi meio difícil, ele meio desconfiado da razão que poderia ter me levado até lá. Sabia um pouco da minha vida, e estava curioso para descobrir o que eu ensinava em meus cursos e minhas aulas na UNICAMP. Começou a espicular. Eu, para tentar remover a impressão de que estava sendo entrevistado por ele, perguntei-lhe o que ele fazia com todo aquele mundaréu de jornal velho. Ele me respondeu que a gente nunca sabe quando vai precisar de alguma informação que já leu, e, com os jornais guardados, ele sempre poderia encontrar as referências para as coisas que lera. Disse-me que estava muito interessado, naquele momento, na guerra entre a Rússia e a Tchetchênia. E voltou a me “entrevistar”: “Qual a sua opinião sobre a Tchetchênia?”, indagou. Fui pego totalmente de surpresa com a pergunta. Fiquei con a sensação de que estava sendo entrevistado no Roda Viva e não tinha a menor ideia sobre como responder a uma pergunta. Disse a ele: “Tio, para lhe dizer a verdade, não tenho nenhuma opinião sobre a Tchetchênia. Não sei nem mesmo por que o país está em guerra com a Rússia — ou a Rússia com ele, se é que faz alguma diferença.” Pude ver que os olhos dele se estatelaram! Retorquiu: “Mas como pode um professor da UNICAMP, uma das melhores universidades do país, não ter nenhuma opinião sobre a Tchetchênia? Você nunca leu nada sobre os tchetchenos? Se algum aluno seu lhe perguntar o que você acha da guerra, o que você vai dizer?”. Respondi com tranquilidade: “Vou dizer que não acho nada, que não sei por que estão brigando e, na verdade, não sei porque estão brigando porque não tenho o menor interesse no assunto. Direi que pergunte a algum professor de história política contemporânea, porque eu não tenho nenhuma opinião sobre a questão, nem faço questão de ter”. Ele não conseguia acreditar. Estava pasmo. Acho que peguei meio pesado.

OPINIÕES. A gente tem várias. Todo mundo tem alguma. Sobre os mais diversos assuntos. Alguns, até sobre a Tchetchênia. Alguns têm opinião sobre, literalmente, tudo e qualquer coisa. Acham que é vergonhoso não ter alguma opinião sobre algum assunto, pois mais desinteressante e despropositado que seja o assunto. Mas ninguém precisa ter opinião sobre tudo e qualquer coisa. Nem mesmo professor universitário. Na realidade, pensando bem, nem sobre nada. O único problema de não ter opinião sobre algo é que a gente corre o risco de passar por desinformado, por desinteressado, por alienado, por ignorante, por burro. Fulano? Ah, ele é um desopinionado. Os desopinionados, às vezes, são desinformados, mas, às vezes, não. É possível estar bem informado sobre um assunto e não formar nenhuma opinião sobre ele. Informação é uma coisa que está em livros, revistas, jornais, newsletters, panfletos, cartas, ondas de rádio, telas de televisão, e, hoje, principalmente na Internet. Houve tempo que a opinião era escrita na parede das cavernas. Quando eu estudava em colégio do estado havia muita opinião na parte de dentro das portas das privadas. Opinião é algo que se tem — ou não se tem. Há gente que formula ou forma cuidadosamente uma. Às vezes, com base em informações que coleta ou recebe, de fontes escritas, orais ou imagéticas. Há gente que pega opinião dos outros, prontinha da silva, mas de segunda mão. Outras vezes, a gente forma uma opinião de maneira quase instantânea, sem ler nada na imprensa, sem ouvir nada no rádio, sem ver nada na televisão. Você vê uma cena, na vida real, ou na televisão, e forma uma opinião na hora, como se fosse por inspiração divina: “Esse cara não vale mesmo nada, é um cafajeste… Olhem só o que está aprontando…”. Sua opinião pode, até mesmo, ser totalmente infundada, descolada de qualquer informação. Mas ela é sua opinião. Acho isso porque acho, uai… Opiniões são coisas que a gente forma na mente da gente, com base em informações (do Estadão, por exemplo, ou, Deus me livre, da Folha), ou sem fundamentação em alguma informação transmitida por um meio de comunicação: só de ver, ou ouvir, alguma coisa, no cotidiano, ou, mesmo, de forma totalmente gratuita. Acordei com a opinião de que o mundo vai acabar em 20.10.20. Acho que foi Deus que me revelou em sonho, mas não me lembro direito do sonho. Uma informação é algo relativamente objetivo: está lá, nas páginas do livro, da revista, do jornal, da Internet, ou esteve ali no noticiário do rádio ou da televisão, que deve ter sido gravado e pode ser consultado. Mas uma opinião também é algo subjetivo, que você forma e tem (se quiser), mas pode mudar a qualquer hora — ou, se preferir, como eu em relação à Tchetchênia, nunca formou e, portanto, não tem, nem tem o menor interesse em vir a ter, porque não considera a coisa ou o assunto interessante, pelo menos, digno de uma opinião. E tem todo o direito de não ter — da mesma forma que, tendo, tem o direito de ter qualquer opinião que lhe apeteça, porque a opinião é sua, e de mais ninguém, por mais estapafúrdia que possa parecer aos outros (ou até mesmo a você, o opinante). Pode até achar que cloroquina, água benta, e cachaça Velho Barreiro, é tudo a mesma coisa. Dessas três coisas acho que a Velho Barreiro é a mais gostosa — e é isso que opino. E não que dar satisfação para ninguém de minhas opiniões. Livre pensar, como dizia o Millôr, é só pensar. 

CONVICÇÕES, no entanto, parecem ser opiniões que alguém tem com mais firmeza. Se alguém questiona alguma convicção nossa, parece que nós temos alguma obrigação, moral ou epidêmica, de esclarecer quais são as razões que fundamentam a nossa convicção. 

E CERTEZAS são convicções que alguém considera indubitáveis. Tem gente que gosta de ter certeza de tudo. Eu já tive várias. Fui perdendo quase todas, pouco a pouco. Hoje tenho poucas. Muito poucas. Pouquíssimas. Algumas preferiria até não ter, como esta: tenho certeza de que vou morrer. Por quê? Porque todo mundo morre, uai. Mas não tenho nenhuma opinião sobre quando será. Pode ser amanhã. Pode ser um dia antes de eu completar 100 anos. O pessoal que me conhece vai comentar: Mas por que justo hoje! Se tivesse esperado mais um diazinho, unzinho só que fosse, virava centenário… Quem vai saber, neste mundo em que a gente vive? Aqui está outra certeza minha: tenho certeza de que estou vivo. Não sou exagerado como Descartes, que achava que não podia ter certeza de que estava vivo porque podia estar apenas sonhando que estava vivo…

Se estou certo no que disse até agora sobre opiniões, convicções e certezas, por que é que há tanta gente que tenta nos vender (no sentido figurado) opiniões formadas? Que tenta fazer com que a gente compre (também no sentido figurado) opiniões já prontas e empacotadas? Por que há mercadores de opiniões, que tentam fazer com que aceitemos como nossas as opiniões deles? E que, não contentes com que apenas aceitemos como nossas as opiniões deles, tentam fazer com que também transformemos essas opiniões em convicções e certezas, que não tenhamos qualquer dúvida sobre sua correção ou sua verdade! E que, para isso, ficam batendo na mesma tecla o tempo todo, martelando as suas opiniões em nossos ouvidos, pressionando-nos, não tanto para que formemos nossa própria opinião sobre a questão ou o assunto, mas para que aceitemos as deles, com firmeza e sem que permaneçam dúvidas…

A maioria dos pais (em relação aos filhos), a maioria dos pastores, padres e rabinos (em relação aos seus fiéis e aos que podem vir a tornar-se seus fiéis), e a maioria dos professores e dos jornalistas (em relação a todo mundo), a maioria dos políticos (em relação a seus potenciais eleitores), todos esses são — na minha opinião! olhem aí, tenho uma!!! — mercadores de opiniões. Às vezes até um cônjuge em relação a outro: “Como você pode gostar do Bolsonaro? O cara é tosco, mal acabado!” Hoje em dia, alterando a ordem natural das coisas, até filhos querem impingir suas opiniões sobre seus pobres pais. Mercadores de opinião. Na verdade, na verdade, lhes digo: o mundo está cheio deles. Infelizmente. Lastimavelmente. E isso porque as pessoas brigam por causa de opinião, embora a liberdade de opinião (inclusive a de não ter nenhuma sobre algum ou sobre qualquer assunto, seja direito garantido pela maioria das Constituições democráticas. Segundo alguns, é até um direito natural, que nos foi dado pelo nosso Criador. (Quem defende essa opinião é também da opinião, quiçá convicção, quiçá ainda certeza, todos nós somos criaturas, isto é, coisa, gente no caso, criada.)

Por que é que parece tão importante para essas pessoas que os outros não só tenham opinião em relação a este ou aquele assunto, a esta ou aquela questão, mas que adotem a opinião delas? Num processo ou num debate oral em um tribunal é compreensível que tanto os advogados das partes como os promotores de justiça queiram que o juiz não só forme uma opinião sobre o assunto, mas adote as opiniões deles. Nesse contexto está em jogo se alguém violou ou não alguma norma e deve, portanto, sofrer as consequências. Mas no dia-a-dia, e em outros contextos? Meu tio achava que eu precisava ter uma opinião sobre a guerra da Tchetchênia — provavelmente, mesmo que não fosse a dele (e ele certamente tinha uma). Mas pais, pastores, padres e rabinos, professores, jornalistas, e políticos em geral acham não só que você precisa ter uma opinião, mas deve adotar a deles! Por quê?

Confesso que não sei qual é a resposta correta a essa pergunta. Tenho várias ideias em minha mente, mas não tenho uma opinião formada sobre a resposta à questão que formulei. Mas, em vez de ficar procurando a resposta, prefiro, socraticamente, levantar outra pergunta: Quem faz isso, quem é mercador de opiniões, quem ganha a vida tentando fazer a cabeça das outras pessoas, ou mesmo quem tenta fazer a cabeça de outras pessoas sem ganhar nada para isso, quem faz isso está agindo certo ou errado? Tem gente que até acha que você, depois de morrer, vai passar toda a eternidade, ou num paraíso de delícias, melhor do que o Éden (até por ser eterno), ou num inferno de torturas, fogo, enxofre mal-cheiroso — dependendo, em parte, pelo menos, das opiniões que você teve aqui na Terra. Opinou errado, tá ferrado. 

Aqui eu mais uma vez tenho minha opiniãozinha. Procurar fazer a cabeça de alguém, tentar fazer com que alguém adote uma determinada opinião sobre alguma questão ou algum assunto, contra a sua vontade, é tolher a liberdade dessa pessoa, é agir para impedi-la de não ter nenhuma opinião sobre a questão ou o assunto, é agir para impedi-la de formar uma opinião própria, é tentar fazer com que adote uma opinião pronta, acabada e embrulhada que, por alguma razão, o mercador de opiniões lhe quer vender (ou, supostamente, dar de graça — mas isso é raro: o mercador de opiniões sempre tem algo a ganhar quando consegue conquistar e controlar a mente de alguém). Admito que a situação é diferente quando alguém vem até você e lhe pede sua opinião sobre alguma coisa. Estou falando de gente que quer que você adote uma opinião contra a sua vontade. De gente que quer doutrinar você ou realizar uma lavagem de seu cérebro, promover o controle de sua mente. Se controlar o corpo já é ruim, controlar a mente é muito pior. É minha opinião. Mas eu não a estou vendendo nem a estou dando de graça. Nem acho que você precisa aceitá-la ou mesmo considerá-la com seriedade. 

Doutrinar ou realizar a lavagem do cérebro ou promover o controle mental de alguém nunca é uma atividade altruísta. Quem doutrina ou realiza a lavagem cerebral ou promove o controle mental de alguém sempre age egoisticamente, sempre tem algo a ganhar se sua vítima sucumbir. Por isso, eu sempre tento resistir quando percebo que alguém está tentando fazer minha cabeça. Vade retro, Satanás!

Essa é a minha opinião. Admito. Não tenho vergonha dela. Na realidade, até tenho certo orgulho de tê-la. Mas eu quero que você, leitor, a aceite? Não, necessariamente. Só gostaria que você pensasse sobre isso. Gostaria que o que estou dizendo aqui começasse a fazer algumas coceguinhas na sua cabeça, como dizia o meu amigo Rubem Alves. Que, na minha modesta opinião, já está curtindo o jardim particular dele no Paraíso, debaixo de um ipê amarelo, tomando suco de carambola, entre um gole e outro de Jack Daniel’s. 

Em Salto, 16 de Julho de 2020.

Doutrinação e Educação: A Esquerda Pretende Argumentar que Doutrinar não Passa de um Jeito “Crítico” de Educar

Neste artigo vou discutir uma questão atual – que, no entanto, para mim tem sido atual desde 1974, quando comecei a pesquisar a questão, ao chegar à UNICAMP, em meados do ano.

1. Um Ano Atrás: A Doutrinação em Sala de Aula

Compartilhei, hoje, 27/05/2016, no Facebook, um post que foi publicado nesse aplicativo no mesmo dia, no ano de 2015, um ano atrás. Ele continua relevante. Talvez mais do que era um ano atrás.

No post que foi objeto hoje de minhas “Reminiscências” no Facebook, eu disse (com pequenas correções de linguagem e estilo):

“A esquerda fascista e reacionária está contra o projeto de remover das escolas a doutrinação ideológica – qualquer que seja a matriz ideológica dessa doutrinação (projeto este conhecido aqui no Brasil como ‘Escola Sem Partido’). Contra esse projeto a esquerda está defendendo um projeto que chama de ‘Escola Sem Censura’. Dentro da Novilíngua (NewSpeak) da esquerda, Escola Sem Censura significa uma escola em que ela pode continuar a doutrinar livremente, como o faz hoje.

A esquerda tenta nos fazer crer que a expressão“esquerda fascista” é uma expressão autocontraditória. Não é. Vide o livro Liberal Fascism: The Secret History of the American Left, From Mussolini to the Politics of Change, de Jonah Goldberg. O termo ‘liberal’, no título, significa liberal no sentido americano, isto é, esquerdista. O subtítulo deixa isso evidente quando esclarece que o livro vai denunciar o fascismo da esquerda americana – ‘American Left’”.

O que está sendo feito lá precisa ser feito também aqui – sempre com o respeitoso delay.

2. Hoje: A Doutrinação Volta à Baila

Dois eventos recentes têm atraído a atenção para o fenômeno da doutrinação ideológica esquerdista nas escolas brasileiras: uma lei do Estado de Alagoas e a visita, esta semana, de Alexandre Frota ao atual Ministro da Educação.

A. A Lei 7800/16 do Estado de Alagoas

No dia 10 de maio deste ano, um dia antes de ele ser tardiamente defenestrado do Ministério da Educação, o então ainda ministro tomou uma decisão surpreendente para um assim-chamado Ministro da Educação. A edição de O Globo do dia seguinte, 11 de maio, dia em que o Senado começou a votação que removeria Dilma Rousseff e seus ministros do governo – ainda que, por enquanto, apenas provisoriamente – relata, segundo diz o título, “Lei contra ‘doutrinação’ nas escolas de Alagoas é inconstitucional, diz MEC”. O subtítulo da matéria esclarece que “Professores são obrigados a manter ‘neutralidade’ nas salas de aula. Mercadante afirma que lei fere a liberdade de os alunos aprenderem”.

Dá impressão de confusão? Como dizia Grouch Marx, não se deixe enganar: o texto é de fato confuso.

“O Ministério da Educação enviou à Advocacia-Geral da União (AGU), na última terça-feira (10), argumentos contrários à lei que instituiu o programa Escola Livre em Alagoas.  Desde que a lei entrou em vigor, no dia 9 de maio de 2016, os professores das escolas estaduais são obrigados a manter a ‘neutralidade’ em sala de aula, em questões políticas, ideológicas e religiosas. De acordo com o MEC, é justificável entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade.”

[Vide a matéria em O Globo: http://g1.globo.com/educacao/noticia/lei-contra-doutrinacao-nas-escolas-de-alagoas-e-inconstitucional-diz-mec.ghtml]

Considero a matéria surpreendente, apesar das aspas colocadas pela matéria em termos e expressões como “doutrinação”, “neutralidade”, porque era de esperar que o então Ministro da Educação defendesse a tese da “neutralidade” dos professores em relação a questões ideológicas. Mas não: Mercadante não quer professores “neutros”: quer professores “partidários” (partisans) – desde que sejam favoráveis ao seu partido, a maior organização doutrinadora e, para não deixar por menos, criminosa que este país já viu.

Isto é feito da mesma forma, e com a mesma cara de pau, que a esquerda internacional defende uma “ciência partidária” (science partisane), não uma ciência neutra e objetiva. Vide Gérard Fourez, La Science Partisane (A Ciência Partidária).

Antes de continuar a comentar, vejamos o que diz a lei que o soi-disant Ministro tenta impugnar. Eis o texto da Lei 7.800/16 do Estado de Alagoas (impresso em azul, no original, e em itálico, para destacar):

LEI Nº 7.800, DE 05 DE MAIO DE 2016.
INSTITUI, NO ÂMBITO DO SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO, O PROGRAMA “ESCOLA LIVRE”.

Art. 1º. Fica criado, no âmbito do sistema estadual de ensino, o Programa “Escola Livre”, atendendo os seguintes princípios:

  1. neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
  2. pluralismo de ideias no âmbito acadêmico;
  3. liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência;
  4. liberdade de crença;
  5. reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;
  6. educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;
  7. direito dos pais a que seus filhos menores recebam educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica.

Art. 2º.   São vedadas, em sala de aula, no âmbito do ensino regular no Estado de Alagoas, a prática de doutrinação política e ideológica, bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões político-partidárias, religiosas ou filosóficas.

  1. Par. 1º – Tratando-se de disciplina facultativa em que sejam veiculados os conteúdos referidos na parte final do caput deste artigo, a frequência dos estudantes dependerá de prévia e expressa autorização dos seus pais ou responsáveis.
  2. Par. 2º – As escolas confessionais, cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, religiosos ou ideológicos, deverão [fazer] constar [esse fato] expressamente no contrato de prestação de serviços educacionais, documento este que será imprescindível para o ato da matrícula, sendo a assinatura deste a autorização expressa dos pais ou responsáveis pelo aluno para veiculação de conteúdos identificados como os referidos princípios, valores e concepções.
  3. Par. 3º – Para os fins do disposto no § 2º deste artigo, as escolas confessionais deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes, material informativo que possibilite o conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados.

Art. 3º.  No exercício de suas funções, o professor:

  1. não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para qualquer tipo de corrente específica de religião, ideologia ou político-partidária;
  2. não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
  3. não fará propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas;
  4. ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordando ou não com elas;
  5. salvo nas escolas confessionais, deverá abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com os princípios desta lei.

Art. 4º.  As escolas deverão educar e informar os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio sobre os direitos que decorrem da liberdade de consciência e de crença asseguradas pela Constituição Federal, especialmente sobre o disposto no Art. 3º desta Lei.

Art. 5º.  A Secretaria Estadual de Educação promoverá a realização de cursos de ética do magistério para os professores da rede pública, abertos à comunidade escolar, a fim de informar e conscientizar os educadores, os estudantes e seus pais ou responsáveis, sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente, especialmente no que se refere aos princípios referidos no Art. 1º desta Lei.

Art. 6º.  Cabe a Secretaria Estadual de Educação de Alagoas e ao Conselho Estadual de Educação de Alagoas fiscalizar o exato cumprimento desta lei.

Art. 7º.  Os servidores públicos que transgredirem o disposto nesta Lei estarão sujeitos a sanções e as penalidades previstas no Código de Ética Funcional dos Servidores Públicos e no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civil do Estado de Alagoas.

Art. 8º.  Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 9º.  Revogam-se todas as disposições em contrário.

GABINETE DA PRESIDÊNCIA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ESTADUAL

Maceió, 05 de maio de 2016.

Deputado RONALDO MEDEIROS
Vice-Presidente, no exercício da Presidência

A Lei traz dois Anexos, que simplesmente resumem, para referência mais fácil, o que já diz a lei:

ANEXO I
ESCOLAS PÚBLICAS E PARTICULARES EM SENTIDO ESTRITO
DEVERES DO PROFESSOR

  1. O Professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária;
  2. O Professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
  3. O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas;
  4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o Professor apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;
  5. O Professor deverá abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis.

ANEXO II
ESCOLAS CONFESSIONAIS
DEVERES DO PROFESSOR

  1. O Professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária;
  2. O Professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
  3. O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas;
  4. Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o Professor apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

O texto da lei, sem os Anexos, é disponibilizado, em reprodução através de fotografia, em O Globo: Vide http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2016/05/escola-livre-e-publicada-no-diario-oficial-e-lei-passa-valer-em-alagoas.html. Vide o texto final da lei, com os Anexos e até mesmo a justificativa de seu autor, Deputado Ricardo Nezinho (PMDB), em http://www.al.al.leg.br/comunicacao/noticias/confira-o-texto-final-do-projeto-que-trata-do-programa-escola-livre-aprovado-por-unanimidade-pelo-parlamento.

B. A Oposição à Lei 7800/16 do Estado de Alagoas

a. A Crítica do Vice-Presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas

Num gesto inusitado, o Vice-Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas declarou ser contrário à lei, só a tendo promulgado porque estava no exercício da Presidência. Eis o que relata O Globo sobre a posição do Vice-Presidente, Ronaldo Medeiros:

“O deputado Ronaldo Medeiros (PMDB), presidente interino da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE-AL), promulgou a lei nº 7.800, conhecida como Escola Livre, que defende ‘neutralidade’ política, ideológica e religiosa do professor em sala de aula.  O texto foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) desta segunda-feira (dia 9), e passa a valer imediatamente.

. . .  De acordo com o deputado, ele só promulgou a lei, de autoria do deputado Ricardo Nezinho (PMDB), por uma questão regimental, já que discorda do conteúdo dela.

‘Promulguei, mas sou contra o Escola Livre. Como o presidente da Mesa está afastado por doença, eu, como vice-presidente, tive que fazer a promulgação, mas sou totalmente contra a lei”, disse o deputado em entrevista ao G1 na última sexta-feira (dia 6).”

[http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2016/05/escola-livre-e-publicada-no-diario-oficial-e-lei-passa-valer-em-alagoas.html]

Se o deputado é contra a Escola Livre, ele é favor de quê? De uma escola atrelada à esquerda? Escravizada à antiga base aliada do PT?

Em sua conta no Facebook, o deputado disse que “a proposta do Projeto é silenciar o professor e que [ele] é a favor da democracia e da liberdade dentro da sala de aula.” [mesma referência anterior].

Se ele é “a favor da liberdade dentro da sala de aula”, por que rejeita a Escola Livre?

Continua a relatar O Globo:

“A Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) informou que vai encaminhar um ofício ainda nesta segunda para que o governador do Estado [Renan Calheiros Filho, filho do presidente do Senado Renan Calheiros] entre com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Disse ainda que até que este recurso seja feito não vai cumprir a nova lei, já que esta é ‘impraticável’. A PGE, por meio da assessoria de comunicação, disse que já está pronta para recorrer da Lei assim que o governador Renan Filho fizer a solicitação.”

[Mesma referência anterior:

http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2016/05/escola-livre-e-publicada-no-diario-oficial-e-lei-passa-valer-em-alagoas.html]

O Globo continua a esclarecer, na mesma referência já citada, que o governador do Estado, Renan Calheiros Filho, em vez de acionar a Procuradoria Geral do Estado, vetou a integralmente a lei. A Assembleia Legislativa do Estado, porém, durante sessão plenária no dia 26 de abril, derrubou o veto do governador, promulgando a lei depois de passado o prazo de 48 horas, sem que o governador o fizesse. A lei, portanto, está em vigor.

[Ver:

http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2016/05/prazo-vence-e-governo-de-alagoas-nao-promulga-lei-escola-livre.htmlhttp://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2016/04/deputados-de-alagoas-decidem-derrubar-veto-ao-projeto-escola-livre.html ].

Filho de Renan, como se vê, Renanzinho é.

b. A Crítica do Ex-Ministro da Educação

Agora é o recém-finado Ministro da Educação que toma a si a responsabilidade de recorrer à Advocacia Geral da União (AGU), então ainda exercida pelo advogado particular de Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, solicitando que esse oficial maior do Direito no governo de Dilma procurasse invalidar a lei que, claramente, expressa o ponto de vista da maioria dos deputados estaduais de Alagoas.

Como José Eduardo Cardozo também foi defenestrado de seu cargo, e há sindicância dentro da AGU para investigar se ele violou seus deveres enquanto, sem pedir licença de seu cargo, defendeu a presidente temporariamente defenestrada, acusando o Poder Legislativo de perpetrar um golpe de estado e o Poder Judiciário de cumplicidade nesse golpe, a questão deve estar na mesa do atual responsável pela AGU.

O ex-Ministro da Educação alega que a lei alagoana “contraria os princípios legais, políticos e pedagógicos que orientam a política educacional brasileira” nos seguintes pontos:

  1. “O princípio constitucional do pluralismo de ideias” [princípio legal]
  2. “A liberdade do professor” [princípio político]
  3. “Concepções pedagógicas, uma vez que tal pluralidade efetiva-se somente mediante o reconhecimento da diversidade do pensamento, dos diferentes saberes e práticas” [princípio pedagógico 1]
  4. “O cumprimento do princípio constitucional que assegura aos estudantes a liberdade de aprender em um sistema educacional” [princípio pedagógico 2].

[As referências às alegações do Ministro da Educação são extraídas da matéria apresentada em O Globohttp://g1.globo.com/educacao/noticia/lei-contra-doutrinacao-nas-escolas-de-alagoas-e-inconstitucional-diz-mec.ghtml].

Espero que o atual titular da AGU mande para a lixeira o pedido do ex-Ministro, atual serviçal pro bono da Presidente afastada no Palácio da Alvorada, Aloísio Mercadante. Esclareço abaixo por quê. Mas antes, é preciso mencionar que o atual ocupante do Ministério da Educação também foi envolvido na questão da doutrinação a partir de outra iniciativa, como veremos a seguir.

C. A Visita de Alexandre Frota ao Atual Ministro da Educação

Na quarta-feira 25 de Maio de 2016 o atual Ministro da Educação, Mendonça Filho, recebeu em audiência, em seu gabinete em Brasília, o ator Alexandre Frota, acompanhado de um grupo de pessoas envolvidas no site “Revoltados Online”. Da parte do ministro, pouco se noticiou acerca do que realmente transpirou no encontro. Foi o próprio Frota que informou os jornalistas que “uma de suas reivindicações é o fim da doutrinação em sala de aula”. Apesar de aparentemente ter havido outras, essa foi a única reivindicação divulgada. A informação foi dada por O Globo em vários locais em sua edição online do próprio dia 25 e na edição impressa e online do dia seguinte, 26 de Maio (ontem), não raro em tom irônico e gozador.

No Blog de Lauro Jardim, neste caso assinado por Guilherme Amado, refere-se a Frota ironicamente como “um dos mais importantes nomes da educação e da cultura brasileiras”, para, em seguida, abandonar o tom irônico e chama-lo de “ator-ogro” [http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/ministro-da-educacao-recebe-alexandre-frota.html; vide também a matéria de Renata Mariz, que faz referência ao blog de Lauro Jardim, mas não inclui o tom irônico e quase debochado: http://oglobo.globo.com/brasil/ministro-da-educacao-recebe-alexandre-frota-ativistas-19376309; o blog de Ricardo Noblat simplesmente transcreve, sem tirar nem pôr, a matéria de Renata Mariz: http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2016/05/ministro-da-educacao-recebe-alexandre-frota-e-ativistas.html].

A visita de Frota, e especialmente o fato de que Mendonça Filho a tenha admitido e até mesmo defendido, causou celeuma. Teve gente, cujo nome me recuso a repetir, que chegou até mesmo a sugerir que o fato de o Ministro ter recebido Frota tem relação direta com o estupro coletivo no Rio de Janeiro. A esquerda consegue surpreender até quando parece que isso não seria mais possível.

D. Críticas à Proposta de Alexandre Frota

O jornal O Estado de S. Paulo relata que “para especialistas em educação ouvidos pelo Estado, a proposta de Frota (de coibição de doutrinação em sala de aula, na linha do Escola sem Partido) pode tanto ser interpretada como um atentado à liberdade de cátedra quanto uma distorção do papel do educador de oferecer o melhor do conhecimento disponível, com suas contradições, aos alunos”.

Um dos ouvidos pelo Estadão foi o ex-Reitor da USP, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia e ex mais um monte de coisas, José Goldenberg, que afirmou: “Não é possível não se discutir filosofia e política nas escolas. O que a gente chama de política é algo que Platão fazia há 2.500 anos. É claro que temos de evitar que um professor dissemine política partidária, mas não puni-lo”. Até aí, tudo bem. Mas ele acrescenta, procurando insinuar que a proposta levada ao ministro é algo “retrógrado e obscurantista”: “Agora fico admirado que o ministro da Educação vá se preocupar com isso no começo da gestão, quando há tantos problemas mais agudos para resolver. Me parece retrógrado e obscurantista. Aí amanhã vão querer proibir educação sexual, que vai gerar muito mais problemas. Ou querer o criacionismo no lugar da evolução. Negar isso é andar para trás”.

Outro ouvido do Estadão foi o professor José Álvaro Moisés, diretor científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, que defendeu que o fato de receber o grupo não configura por si só um problema, mas se houve sinalização de apoio ao tema, sim. Disse ele “Faz parte do papel do ministro receber pessoas que queiram apresentar propostas de qualquer natureza. Tem de receber pessoas independentemente da opinião para ouvi-las”, disse. “Mas ouvir não quer dizer concordar e aceitar. Criar uma lei para punir professores que adotem posturas ideológicas não faz o menor sentido. É uma atitude contra a liberdade de expressão e de cátedra e não deve ser aceita pelo governo.”

Ainda outro ouvido pelo Estadão, o professor Renato Janine Ribeiro, “O Breve”, também da USP, ex-ministro “de curta permanência” da Educação, de abril a setembro de 2015, na gestão Dilma Rousseff. Segundo ele, a proposta fere o próprio conceito de educação. “A pretexto de reduzir algum caráter ideológico do ensino, essa proposta coloca em risco todo o ensino. No limite, não se vai poder falar de ciência, do que as ciências sociais e políticas descobriram nos últimos 200 anos. Isso é contra a modernidade  . . .  As ciências humanas têm estudos do socialismo ao capitalismo. Não se pode confundir o ensino das controvérsias que existem na ciência com ideia de doutrinação ou com partido político. Isso é um golpe contra o conhecimento. Estudar Karl Marx é necessário nas ciências sociais, mas não quer dizer quem estuda Marx vira marxista. Não é à toa que quem propõe isso não é exatamente uma referência científica ou em educação.  . . .  Considero um sinal perigoso que o ministro aceite dialogar sobre educação com quem não tem contribuições a fazer sobre educação”, acrescentou.

Aparentemente, nem mesmo um jornal supostamente liberal e até mesmo conservador como o Estadão conseguiu encontrar sequer um intelectual liberal para fazer contraponto às críticas. Coube ao ministro defender a audiência dada a Frota, mas sem entender direito as críticas, imaginando que elas se ativessem ao fato de que Alexandre Frota, entre outros papeis, tem participado de filmes pornôs, e se devessem, portanto, a discriminação contra essa escolha do ator. Segundo o Estadão, o Mendonça Filho “justificou-se” (! de quê? o que ele fez de errado?) afirmando: “Este ministério comporta a pluralidade e o respeito humano a qualquer cidadão.  . . .  Não discrimino ninguém, porque respeito a liberdade de cada pessoa para fazer suas escolhas de vida.  . . .  Não vejo problema na visita. Discriminação é algo tão abominável e tão mal visto por todos os cidadãos com postura civilizada, que o fato de receber um ator como Alexandre Frota é uma questão que absolutamente deve ser respeitada”, falou, dizendo-se uma pessoa “não sectária”. (O articulista cujo nome não declinei atrás acusa Frota de também ser apologista do estupro).

[Todas essas críticas se encontram em

http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,especialistas-criticam-proposta-levada-por-frota-ao-ministro-da-educacao,10000053515].

E. Resumo das Críticas

Tento, primeiro, enunciar as críticas feitas à lei alagoana, especificamente, e à tese do movimento Escola sem Partido, em geral.

O Vice-Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas alega que:

  1. O objetivo da lei é “silenciar o professor” (vide atrás)
  2. A lei contraria a “liberdade dentro da sala de aula” (vide atrás)

O ex-Ministro da Educação alega, em relação à lei alagoana, que:

  1. A lei “contraria os princípios legais, políticos e pedagógicos que orientam a política educacional brasileira”, a saber:
  2. “O princípio constitucional do pluralismo de ideias” [princípio legal]
  3. “A liberdade do professor” [princípio político]
  4. “Concepções pedagógicas, uma vez que tal pluralidade efetiva-se somente mediante o reconhecimento da diversidade do pensamento, dos diferentes saberes e práticas” [princípio pedagógico 1]
  5. “O cumprimento do princípio constitucional que assegura aos estudantes a liberdade de aprender em um sistema educacional” [princípio pedagógico 2].

O Estadão e os professores da USP ouvidos pelo jornal (os dois andam sempre juntos) alegam que:

  1. A lei contraria a “liberdade de cátedra” e a “livre expressão”
  2. A lei distorce “o papel do educador de oferecer o melhor do conhecimento disponível, com suas contradições, aos alunos”
  3. A lei impede de o professor de discutir filosofia e sociologia, ou as ciências sociais e políticas, em sala de aula
  4. A lei confunde “discussão de controvérsias que existem na ciência” com “doutrinação política” e defesa de plataformas partidárias
  5. A lei confunde “estudar Marx” com proselitismo em favor do Marxismo
  6. A lei pune professores que adotam posturas ideológicas
  7. A lei pode levar a medidas mais “retrógradas e obscurantistas”, com o impedimento de que se discuta a educação sexual ou a teoria da evolução das espécies em sala de aula
  8. Os proponentes da Escola sem Partido não são referência nem em ciência nem em educação

Analisarei, adiante, essas alegações, uma por uma. No fundo, elas são cinco, pois o suposto “silenciamento do professor” é a mesma coisa que a suposta negação da liberdade do professor em sala de aula.

  1. A suposta negação do pluralismo de ideias e da diversidade de pensamento, saberes e práticas
  2. A suposta negação da liberdade do professor em sala de aula (liberdade de cátedra) e até mesmo o cerceamento de sua liberdade de expressão
  3. A suposta negação da liberdade de aprender do aluno, em especial de conhecer as divergências e contradições existentes em e entre disciplinas acadêmicas
  4. A suposta confusão entre discutir questões e autores controvertidos e doutrinar ou fazer proselitismo
  5. A alegação de que os proponentes da Escola sem Partido não teriam qualificação para propor essa tese.

Antes, porém, farei um breve resumo da discussão acadêmica acerca da doutrinação e outros processos afins.

3. Resumo da Discussão Acadêmica

Meu primeiro projeto de pesquisa na UNICAMP, realizado em 1974-1976, logo que ali cheguei, foi sobre o tema doutrinação vs educação. Preocupava-me, naquele momento, em especial a questão da doutrinação religiosa, mas felizmente estudei também a questão da doutrinação política.

A doutrinação tem sido objeto de muita discussão dentro da educação, da psicologia individual e social e da ciência política, pois tem relações de parentesco com temas como “reeducação”, “lavagem cerebral”, “controle do pensamento”, “reforma do pensamento”, etc., bem como com as áreas de propaganda, persuasão forçada, persuasão subliminar, alienação parental, etc. Há uma vasta discussão acadêmica sobre vítimas comuns de alguns desses processos, como, por exemplo, prisioneiros de guerra, tentativas de submeter criminosos comuns multiplamente reincidentes a mudança de comportamento [vide, por exemplo, o filme de Stanley Kubrick Clockwork Orange (Laranja Mecânica)], uso de tortura em suspeitos de crimes (comuns ou políticos), pressão sobre membros mais vulneráveis de famílias autoritárias e outras vítimas de personalidades autoritárias, adolescentes supostamente sequestrados de sua família por cultos religiosos com vistas à sua conversão forçada e posterior total dedicação ao culto, etc.

[Cito aqui, para dar uma ideia da amplitude dos estudos e pesquisas, alguns títulos de livros que tenho aqui em minha estante sobre esses assuntos – em ordem alfabética do primeiro nome do autor:

Bruce Bawer, The Victims’ Revolution: The Rise of Identity Studies and the Closing of the Liberal Mind (A Revolução das Vítimas: O Surgimento de Estudos Identitários e o Fechamento da Mente Liberal)

Clarence T. Rivers, Mind Control: Manipulation, Persuasion, Deception (Controle da Mente: Manipulação, Persuasão e Engano Intencional)

Denise Winn, The Manipulated Mind: Brainwashing, Conditioning and Indoctrination (A Mente Manipulada: Lavagem Cerebral, Condicionamento e Doutrinação)

Diana E. Hess and Paula McAvoy, The Political Classroom: Evidence and Ethics in Democratic Education (A Sala de Aula Política: Evidência e Ética na Educação Democrática)

Diana E. Hess, Controversy in the Classroom: The Democratic Power of Discussion (Controvérsia na Sala de Aula: O Poder Democrático da Discussão)

Gordon W. Allport, The Nature of Prejudice (A Natureza do Preconceito)

Herbert Richardson, editor, New Religions & Mental Health (Novas Religiões e Saúde Mental)

Ivan A. Snook, editor, Concepts of Indoctrination: Philosophical Essays (Conceitos de Doutrinação: Ensaios Filosóficos)

Ivan A. Snook, Indoctrination and Education (Doutrinação e Educação)

J. A. C. Brown, Techniques of Persuasion: From Propaganda to Brainwashing (Técnicas de Persuasão: Da Propaganda à Lavagem Cerebral

John T. Steinbeck, Brainwashing Children: Exposing and Combating the Most Common Form of Child Abuse (Lavagem Cerebral de Crianças: Exposição e Crítica da Forma Mais Comum de Abuso de Crianças)

Jonathan Haidt, The Righteous Mind: Why Good People are Divided by Politics and Religion (A Mente que se Justifica: Por que Pessoas Boas se Separam em Função de Política e Religião)

Joost A. M. Meerloo, The Rape of the Mind: The Psychology of Thought Control, Menticide and Brainwashing (O Estupro da Mente: A Psicologia do Controle do Pensamento, do Menticídio e da Lavagem Cerebral)

Kathleen Taylor, Brainwashing: The Science of Thought Control (Lavagem Cerebral: A Ciência do Controle do Pensamento)

Michael Shermer, The Believing Brain: From Spiritual Faiths to Political Convictions; or How we Construct Beliefs and Reinforce them as Truths (O Cérebro que Crê: Das Fés Espirituais às Convicções Políticas; ou Como Construímos Crenças e as Reforçamos como Verdades)

Richard Warshack, Divorce Poison: How to Protect your Family from Badmouthing and Brainwashing (Veneno no Divórcio: Como Proteger sua Família contra Calúnia e Lavagem Cerebral)

Robert D. Hess and Judith V. Torney, The Development of Political Attitudes in Children (O Desenvolvimento de Atitudes Políticas em Crianças)

Robert J. Lifton, Thought Reform and the Psychology of Totalism: A Study of ‘Brainwashing’ in China (Reforma do Pensamento e a Psicologia do Totalismo: Um Estudo da ‘Lavagem Cerebral’ na China)

Theodor W. Adorno and Else Frenkel-Brunswik, The Authoritarian Personality (A Personalidade Autoritária), 2 volumes.

William Sargant, Battle for the Mind: A Physiology of Conversion and Brain-Washing; or How Evangelists, Psychiatrists, Politicians, and Medicine Men Can Change your Beliefs and Behavior (Batalha pela Mente: Uma Fisiologia da Conversão e da Lavagem Cerebral, ou Como Evangelistas, Psiquiatras, Políticos e o Pessoal Médico Podem Mudar suas Crenças e seu Comportamento).

Fim da citação bibliográfica.]

Vou me ater no que segue aos casos menos escabrosos que podem acontecer, e não raro acontecem, em instituições aparentemente inofensivas como a família, a igreja e, naturalmente, a escola (esta o objeto maior de preocupação aqui). Sobre a síndrome da Alienação Parental, vide os seguintes artigos meus no meu blog Liberal Space:

“Síndrome da Alienação Parental”, in https://liberal.space/2009/09/01/sindrome-de-alienacao-parental/ (01/09/2009)

“A Morte Inventada – Alienação Parental”, in https://liberal.space/2009/09/01/a-morte-inventada-alienacao-parental/ (01/09/2009)

“Alienação Parental – Vamos Combatê-la”, in https://liberal.space/2009/09/01/alienacao-parental-vamos-combate-la/ (01/09/2009)

“Projeto de Lei sobre Alienação Parental”, in https://liberal.space/2009/09/04/projeto-de-lei-sobre-alienacao-parental/ (04/09/2009)

Há várias teorias sobre o que constitui doutrinação (o conceito de doutrinação) e sobre qual o principal critério pelo qual se determina se está havendo doutrinação.

Quanto ao conceito, há certo consenso de que doutrinação tem que ver com tentativas de inculcar crenças ou doutrinas (donde o termo “doutrinação”) na mente de pessoas sobre as quais o doutrinador detém uma posição de certa autoridade: em geral um progenitor em relação aos filhos, um pastor ou um padre em relação aos crentes ou fiéis, um professor em relação aos alunos, etc.

“Inculcar crença”, no caso, quer dizer, “levar alguém a aceitar uma crença de uma maneira que não respeita devidamente o seu direito de livremente decidir, depois de exame independente de evidências e argumentos, apresentados de forma isenta e objetiva, se aceita ou não essa crença”. Não digo que “inculcar crença” é “levar alguém a aceitar uma crença contra a sua vontade”, porque a própria vontade da pessoa pode ser manipulada do processo, dando a impressão, até para a própria pessoa envolvida, de que a crença está sendo aceita voluntariamente, quando, na realidade, não está.

Duas observações adicionais:

Em primeiro lugar, em geral não se usa o termo “doutrinar” quando o objeto é, digamos, apenas mudança  comportamental (desacompanhada de crenças ou de outro componente cognitivo que a justifiquem, ou melhor, “racionalizem”), como quando (mal comparando) se domestica ou adestra um animal. Neste caso em geral se usa o termo “condicionar”, “amestrar”, ou mesmo “treinar”. Doutrinação tem que ver com inculcação de crenças, não com a mudança comportamental que frequentemente a acompanha.

Em segundo lugar, no caso de doutrinação em geral há uma desigualdade de condição entre as partes envolvidas, uma (a parte doutrinada) estando subordinada, e, portanto, em certo sentido, vulnerável, à outra (a parte doutrinadora). Por isso, em geral não faz sentido dizer que uma pessoa sem alguma autoridade sobre outra a doutrinou, como, por exemplo, que o filho doutrinou o pai, ou o crente ou fiel doutrinou o pastor ou o padre, ou que o aluno doutrinou o professor, porque a cadeia de autoridade aqui vai no sentido contrário, por assim dizer. Um aluno, um crente / um fiel, ou um filho pode até influenciar aquilo que um professor, um pastor / um padre, ou um pai pensa, mas não se trataria de doutrinação, nesse caso. Em casos de doutrinação alguma forma de autoridade, ou poder, parece estar sempre envolvida. O pai tem o poder de, de alguma forma, punir o filho (física, psicológica, social ou mesmo financeiramente [retirando-lhe a mesada, deserdando-o, etc.); o pastor ou padre, de igual maneira, têm poder para repreender ou mesmo excomungar seus crentes ou fieis; e o professor tem poder até mesmo de reprovar um aluno, e, assim, direta ou indiretamente, afetar suas possibilidades de sucesso na própria escola ou mesmo, posteriormente, na vida.

Quanto ao critério que nos permite determinar se doutrinação está ou não ocorrendo em casos específicos – ou se se trata de processo educacional totalmente normal e regular, ou, digamos, de um processo inofensivo (dentro da curva da normalidade, por assim dizer) de influenciar outra pessoa através da apresentação de ideias, evidências e argumentação – os autores divergem.

  1. Segundo alguns autores, o critério tem que ver com o tipo de conteúdo que se procura inculcar nos alunos. Segundo esses autores, na área científica não haveria doutrinação. Esta só aconteceria em áreas em que a evidência é disputada ou inexistente e a argumentação dirigida para fazer crer que a evidência inexistente de fato existe ou que a evidência disputada de fato não é disputada, como a religião ou a política (ou, talvez, o futebol…).
  2. Segundo outros autores, o critério tem que ver com o método de persuasão adotado no processo. Se o professor, pastor/padre, pai, etc. usa métodos que não admitem contestação, apresentam apenas um lado da questão, omitem evidências e argumentos que podem levar o aluno, crente/fiel, filho, etc. a questionar a posição do professor, pastor/padre, pai, então está havendo doutrinação. Se o método, por outro lado, é aberto e liberal (republicano, como se diria hoje no Brasil), discute várias alternativas de forma objetiva e isenta, ressaltando seus prós e contras, de modo que os alunos, crentes/fiéis, filhos possam escolher livremente a alternativa que acharem mais razoável, ou, então, não escolher nenhuma, e (adicionalmente) se eles nem sequer conseguem atinar com qual é a alternativa preferida pelo professor, pastor/padre, pai, então dificilmente se pode dizer que tenha havido doutrinação.
  3. Segundo outros autores, é a consequência do processo que determina se houve doutrinação ou não. Se, ao final do processo (aula, pregação, conversa), o aluno, crente/fiel, filho fica com uma crença inabalável em relação ao que foi apresentado, se resolve adotar a crença (ou mesmo a teoria) apresentada com tal convicção que não se dispõe a abandona-la em nenhuma circunstância, nem mesmo diante de evidências inegáveis e argumentos indisputáveis, houve doutrinação por parte do professor, pastor/padre, pai. Se, porém, ao final do processo, o aluno, crente/fiel, filho sai disposto a pensar mais sobre a questão e a examinar melhor as alternativas, cotejando-as com as evidências e os argumentos existentes, para ver qual adotará, ou mesmo se adotará alguma, então provavelmente não houve doutrinação.
  4. Por fim, há autores, entre os quais me situo, que veem na intenção do professor, do pastor/padre, do pai o critério chave. Se o professor, pastor/padre, pai, ao dar uma aula, fazer uma pregação ou preleção, ou mesmo entabular uma conversa, tiver a intenção de fazer a cabeça do aluno, crente/fiel, filho, fazer com que seu interlocutor venha a acreditar no que ele está dizendo não importa que evidências ou argumentos ele possa vir a encontrar em contrário, se seu objetivo é conseguir que o aluno, crente/fiel, filho estreite e limite suas opções na área em questão, em vez de expandi-las e aumenta-las, se seu objetivo é impedir que o aluno, crente/fiel, filho pense por si próprio, tire suas próprias conclusões, impondo-lhe um pacote de ideias pronto e embrulhado, então está havendo doutrinação.

A razão pela qual prefiro “d” é que a intenção me parece abranger os demais critérios. Se minha intenção é a que descrevi em “d”, provavelmente vou me ater a certos conteúdos (e religião e política são os mais prováveis), vou usar métodos mais diretivos e autoritários do que abertos e liberais, e vou esperar que a consequência do processo seja mais uma crença inabalável do que uma crença tentativa, ou uma suspensão de juízo, ou uma dúvida, ou, ainda, mesmo uma contestação e até um protesto.

No relatório de minha pesquisa de 1974-1976 sugeri que uma boa regra de bolso para determinar se alguém está doutrinando ou não é observar como ele reage em relação a quem discorda dele, a quem se recusa a aceitar as ideias e explicações que ele apresenta. Um doutrinador ficará, provavelmente, no mínimo irritado se isso acontecer. Um educador, possivelmente, ficará satisfeito ao ver que seu interlocutor é contrasugestionável e insiste em pensar por si próprio.

4. Resposta às Críticas

Analisarei, agora, de forma resumida, as críticas feitas às proposta do movimento Escola Sem Partido, seja no episódio do Estado de Alagoas, seja em relação à visita de Alexandre Frota e o pessoal do Revoltados Online ao atual Ministro da Educação.

A esquerda é mestre em acusar os outros dos pecados que lhe são mais caros… O liberalismo, que está por trás do movimento “Escola sem Partido” é o mais tradicional defensor da liberdade de pensamento, da liberdade de crença, da liberdade de expressão – no campo religioso, político ou qualquer outro. A lei alagoana, que é objeto desse tipo de crítica (que supostamente negaria o pluralismo de ideias e a diversidade de pensamento, saberes e práticas), afirma claramente, nos Incisos II, III e IV do Art. 1O, a importância de que, na escola, se respeitem o pluralismo de ideias, a liberdade de aprender e a liberdade de crença.

O conceito de “liberdade de cátedra” foi concebido e instituído para impedir que, em regimes ditatoriais ou autoritários, o governo pudesse determinar ao professor exatamente o que e como ele deveria abordar em sua disciplina, impondo-lhe, assim, um “catecismo” ou uma “vulgata” e não lhe deixando espaço para a livre apresentação e discussão de ideias que pudesse ensejar que o aluno não fosse doutrinado. É totalmente ilegítimo, numa situação em que é o próprio professor que tenta limitar o que acontece em sala de aula, em termos de conteúdo e de método, ao que está prescrito em um “catecismo” ideológico que ele aceita (independentemente de o governo também aceita-lo ou não), invocar a sua liberdade de cátedra para fazer exatamente aquilo que o conceito e a instituição da liberdade de cátedra não queriam que acontecesse em sala de aula, a saber, doutrinação. O professor continua a ter seu direito à liberdade de expressão intato, fora da sala de aula. Lá dentro, tem obrigações que ele deve cumprir, entre as quais está a de respeitar a integridade mental do aluno, não lhe impondo, ou não o constrangendo a aceitar, crenças que ele não tem condições de avaliar exatamente em decorrência da abordagem usada pelo professor.

A liberdade de cátedra do professor não é absoluta: ela é limitada e restringida pela liberdade de aprender do aluno, e a liberdade de aprender do aluno significa exatamente isso, que ele tem o direito de não lhe serem tolhidas, por omissão do professor ou por sua ação deliberada, alternativas e opções que podem lhe ser mais aceitáveis, depois de examinar as evidências e os argumentos disponíveis, opções e alternativas essas que o professor se recusou a apresentar em sala de aula, ou apresentou de forma parcial e distorcida, para promover sua agenda partidária (partisane). “Partidária”, aqui, não se refere a partido político, mas, sim, ao fato de o professor tomar partido na discussão, privilegiando uma posição sobre as demais, em vez de assumir a atitude recomendada de isenção e neutralidade, em que todas as opções e alternativas são apresentadas de forma igualmente convincente e persuasiva, como o faria alguém que fosse delas partidário.

Se há divergências e contradições entre essas opções e alternativas, essas divergências e contradições devem ser apresentadas e esclarecidas, não omitidas ou apresentadas de forma tendenciosa, que favorece apenas uma delas.

Os defensores da doutrinação ideológica em sala de aula querem nos fazer crer que não estão proselitizando, mas apenas discutindo, “de forma crítica”, questões e autores controvertidos, cuja aceitação está longe de ser pacífica e generalizada fora da sala de aula (nos lares dos alunos, por exemplo). Basta ouvir o que dizem em sala de aula ou ler o que escrevem para perceber quão falta é sua pretensão. Seu objetivo é proselitizar mesmo, não hesitando eles em defender o voto em um candidato e criticar o voto em outro, em insistir que alunos devem participar de marchas e manifestações defendendo um ponto de vista e se recusar a participar de outras que defendem pontos de vista opostos.

Não se pretende impedir que os professores apresentem e discutam em sala de aula questões e autores controvertidos, desde que o façam de forma isenta, neutra, objetiva. O que se pretende impedir é que apresentem e discutam, de forma partidária, apenas um lado da questão, aquele que eles favorecem e privilegiam, com o intuito de ganhar para o seu a adesão dos alunos. Em suma, o que se pretende impedir é que doutrinem com intenção proselitista.

A alegação de que os proponentes da Escola sem Partido não teriam qualificação para propor sua tese é um argumento ad hominem que adeptos de um Presidente da República apedeuta deveriam ter vergonha de utilizar.

É isso, por enquanto.

Se alguém tem dúvidas de que a esquerda doutrina, e usa até mesmo provas e exames para doutrinar, inclusive o ENEM, para não falar em concursos para ingresso em carreira, veja as seguintes matérias:

http://extra.globo.com/noticias/viral/menina-defende-capitalismo-em-questao-de-prova-leva-nota-zero-mae-questiona-escola-sem-partido-19380565.html

http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/academicos-atacam-doutrinacao-do-enem-14546063

http://mercadopopular.org/2015/10/doutrinacao-no-enem-o-que-nao-podemos-criticar-no-exame/

http://folhacentrosul.com.br/comunidade/8323/doutrinacao-ideologica-na-educacao-brasileira-forma-militantes-incapazes-de-enxergar-a-realidade

Para o site do Escola sem Partido ver:

http://www.escolasempartido.org/

Em São Paulo, 27-28 de Maio de 2016

NOTA de 11/5/2018

Este artigo é parte de uma série de cinco artigos que começou há quase dez anos neste blog Liberal Space e que defende o Liberalismo Clássico e uma Educação Liberal, que leve o Liberalismo Clássico a sério, combatendo uma educação que não merece o nome, pois é mais doutrinação do que educação, que foi moldada para combater o Liberalismo Clássico e para promover uma educação de viés socialista, quando não comunistizante.

São estes os cinco artigos:

O mais antigo dos artigos, “Dogmatismo e Doutrinação“, foi publicado em 3/4/2009, há quase dez anos, no endereço https://liberal.space/2009/04/03/dogmatismo-e-doutrinacao/.

Em seguida, “‘Educação Sem Doutrinação’ e ‘Escolas Sem Partido’“, que foi publicado em 10/4/2010, no endereço https://liberal.space/2010/04/10/educacao-sem-doutrinacao-e-escolas-sem-partido/.

O terceiro artigo, “Doutrinação e Educação: A Esquerda Pretende Argumentar que Doutrinar não Passa de um Jeito ‘Crítico’ de Educar“, que foi publicado em 28/5/2016, no endereço https://liberal.space/2016/05/28/doutrinacao-e-educacao-a-esquerda-pretende-argumentar-que-doutrinar-nao-passa-de-um-jeito-critico-de-educar/.

O quarto artigo, “A Controvérsia Acerca do ‘Escola Sem Partido’ Continua: PL 867/2015“, publicado em 14/5/2018, no endereço https://liberal.space/2018/05/14/a-controversia-acerca-do-escola-sem-partido-continua/.

Por fim, o quinto artigo, “A Escola e a Liberdade”, publicado em 10/11/2018, no endereço https://liberal.space/2018/11/10/a-escola-e-a-liberdade/.

Eduardo CHAVES

Dogmatismo e Doutrinação

Embora esteja perfeitamente ciente das dificuldades envolvidas no empreendimento, não hesito em defender a tese de que a pessoa dogmática (no sentido em que venho usando a expressão neste meu blog Liberal Space) em geral foi doutrinada em algum momento de seu desenvolvimento – e não conseguiu, posteriormente, se livrar dos efeitos perniciosos da doutrinação.

Uma das dificuldades na defesa dessa tese está nos próprios conceitos envolvidos: dogmatismo e doutrinação.

Nos últimos posts (e em diversos outros, anteriores) venho discutindo o conceito de dogmatismo – relacionando-o com os conceitos de verdade, orgulho e intolerância.

Agora vou discutir um pouco o conceito de doutrinação, usando, para isso, material que elaborei a partir de 1975, quando comecei a pesquisar a questão da Educação vs Doutrinação na UNICAMP. Essa foi minha primeira área de pesquisa na UNICAMP, o que mostra, pelo menos, a persistência de alguns interesses meus…

Tem havido muita controvérsia, nos últimos tempos, em relação ao conceito de doutrinação. Não vou, aqui, tentar solucionar todas as disputas e divergências: vou apenas me situar dentro da controvérsia, apresentando e defendendo um conceito de doutrinação e mostrando como o conceito de doutrinação aqui caracterizado se relaciona com o meu conceito de educação.

Não tenho nenhuma dúvida, hoje, de que a educação é um processo amplo de desenvolvimento humano que abrange não só a dimensão cognitiva das pessoas mas também sua dimensão física ou psico-motora, ativa ou empreendedora, afetiva ou emocional, social ou interpessoal, moral ou ética, e, até mesmo, sua espiritual. Pode ter até faltado alguma dimensão aqui, mas, se faltou, a sua ausência dificilmente afetará o curso da argumentação.

Quando se trata de educação, dentro dessa visão, mesmo que nos restrinjamos à dimensão estritamente cognitiva do processo, o foco está no desenvolvimento de competências e habilidades de natureza cognitiva (pensar, raciocinar, argumentar, imaginar, etc.), não na tentativa de incutir ou inculcar na pessoa pontos de vista específicos, com o objetivo de que se tornem crenças suas.

Quando falo em doutrinação, porém, o escopo é bem mais restrito. Aqui não se trata do desenvolvimento do ser humano em suas múltiplas dimensões, nem mesmo de seu desenvolvimento na dimensão cognitiva: trata-se, simplesmente, de um processo que visa conseguir que a pessoa venha a adotar determinados pontos de vista, isto é, que venha a acreditar neles – mais (e pior) ainda: que venha a acreditar neles de forma inabalável, não importa que evidências e argumentos possam existir ou vir a aparecer…

O principal objeto da doutrinação são, portanto, pontos de vista, ideologias, visões políticas ou religiosas do mundo, etc. – ou seja, aquilo que se convencionou chamar de doutrinas. Explicarei adiante por que digo “principal objeto da doutrinação”: faço-o porque estou convicto de que até mesmo teorias científicas podem ser objeto de doutrinação.

Atitudes, hábitos, sentimentos, etc., por outro lado, claramente não podem ser objetos de doutrinação. Parece-me absurdo dizer que alguém foi doutrinado a adotar uma atitude passiva diante da violência, por exemplo, ou a tomar banho diariamente, ou a assumir um sentimento de solidariedade com os desvalidos, ou qualquer coisa desse tipo. Alguém pode ter sido condicionado a adotar uma atitude passiva diante da violência, ou a banhar-se diariamente, ou a sentir-se solidário, mas condicionamento e doutrinação não são a mesma coisa. Condicionamento tem que haver com comportamento, atitudes, hábitos, sentimentos. Doutrinação tem que haver com pontos de vista, ideologias, visões políticas ou religiosas do mundo, etc. (ou, excepcionalmente, com teorias – até mesmo científicas).

Alguém pode, portanto, ser doutrinado no ponto de vista de que se deva tomar uma atitude passiva diante da violência – mas isto já é outra coisa: estamos lidando, agora, com um ponto de vista e não com uma atitude (embora a atitude possa vir a decorrer do ponto de vista). Não há, por exemplo, garantia de que quem acredite que se deva tomar uma atitude passiva diante da violência venha a assumir esta atitude quando confrontado com a violência: há sempre a possibilidade de que haja incoerência entre o pensamento e comportamento de uma pessoa, e já os gregos nos alertavam acerca da “akrasia”, ou fraqueza da vontade.

Parece haver pouca dúvida, portanto, de que o objeto da doutrinação são pontos de vista, ideologias, visões políticas ou religiosas do mundo, etc., excluindo-se da esfera da doutrinação até mesmo competências e habilidades cognitivas ou intelectuais.

Uma segunda consideração geral que devo fazer acerca do conceito de doutrinação é a de que, muito embora a educação possa ocorrer de modo não-intencional, a doutrinação parece ser sempre intencional. Além disso, a educação pode ocorrer, e freqüentemente ocorre, em situações que não envolvem ensino: seu vínculo é com a aprendizagem, não necessariamente com o ensino, e não há dúvida de que pode haver, e freqüentemente há, aprendizagens que não são decorrentes do ensino. A doutrinação, porém, parece sempre ocorrer em situações, mesmo fora da escola, que podem ser caracterizadas como de ensino: alguém supostamente sabe alguma coisa (acredita em alguma coisa) e quer transmitir esse suposto saber a outra pessoa, para que esta também o adote.

Na mesma linha, parece-me fazer bastante sentido dizer que alguém educou-se, isto é, aprendeu determinadas coisas, ou desenvolver determinadas competências e habilidades, não me parece fazer o menor sentido afirmar que alguém doutrinou-se: sempre optamos por dizer que alguém foi doutrinado.

Feitas essas colocações preliminares, estou em condições de conceituar, mais precisamente, a doutrinação: doutrinação é o processo através do qual uma pessoa ensina a outra determinados pontos de vista, ideologias, visões políticas e religiosas de mundo, etc., com a intenção de que esses pontos de vista (etc.) se tornem crenças, isto é, sejam aceitos pela pessoa que é objeto do processo doutrinatório – até mesmo não obstante evidências e argumentos que possam existir ou vir a aparecer. (No caso da doutrinação, a “vítima” é sempre objeto, nunca sujeito, do processo).

Isso posto, passo a discutir rapidamente os três critérios de doutrinação que têm sido sugeridos na literatura pedagógica: conteúdos, métodos, intenções e conseqüências.

Desde que, como acabei de observar, doutrinação tem que haver apenas com pontos de vista, ideologias, visões de mundo, etc., a tese de que o critério que permite demarcar a doutrinação da educação é o conteúdo, isto é, o objeto específico do processo, faz certo sentido.

Por outro lado, também faz sentido a tese de que a educação faz uso de métodos abertos e liberais, em que se propõem, analisam e discutem livremente idéias e abordagens alternativas e se faz um exame crítico e rigoroso dos fundamentos epistemológicos das idéias e abordagens em questão, com a expectativa de que a escolha cabe a quem está se educando, enquanto a doutrinação, posto que tem por objetivo conseguir que a pessoa aceite (acredite em) determinados pontos de vista, ideologias, visões de mundo, etc., faz uso de métodos fechados e iliberais, em que, freqüentemente, se omitem abordagens e alternativas que podem conflitar com esse objetivo (ou, se elas são mencionadas, o são já com as “respostas” a elas previamente elaboradas e empacotadas…)

Mas, a meu ver, o que realmente distingue a educação da doutrinação é basicamente a intenção das pessoas que conduzem o processo.

Essa tese tem implicações importantes:

Primeiro, não são apenas pontos de vista, ideologias e visões de mundo que podem ser objeto de doutrinação: até mesmo teorias científicas podem sê-lo, se são ensinadas com a intenção de que sejam aceitas (cridas) como a verdade final, irrespectivamente de evidências e argumentos.

Segundo, até mesmo ideologias e visões políticas e religiosas do mundo podem fazer parte de um processo educativo, se a intenção é discuti-las, com o objetivo de compreendê-las, com base nas evidências e argumentos que levaram determinadas pessoas a propô-las um dia – e não simplesmente conseguir que sejam aceitas (cridas).

Isto quer dizer que não há conteúdos que estejam inevitavelmente fadados a serem objeto de doutrinação, como sugerem alguns, embora alguns conteúdos sejam, talvez, mais preferidos por doutrinadores do que outros. Com esta tomada de posição me contraponho àqueles que afirmam que em áreas como religião, moralidade, e política não há como evitar a doutrinação e que em áreas como a física e a astronomia não faz sentido falar-se em doutrinação, pois os que assim afirmam privilegiam o conteúdo como critério básico e fundamental de diferenciação entre educação e doutrinação. Dada minha conceituação de educação e doutrinação, tanto podem a religião, a moralidade e a política fazer parte de um processo verdadeiramente educacional, como podem a física e a astronomia fazer parte de um processo tipicamente doutrinacional, como bem mostram algumas pesquisas recentes na área da história e sociologia da ciência, notadamente o trabalho de Thomas S. Kuhn.

Por fim, é evidente que seja de esperar que as consequências do processo educacional e doutrinacional sejam diferentes. Em condições normais, é de esperar que a educação, se bem sucedida, resulte numa mente e numa atitude aberta, enquanto a doutrinação resulte numa mente e numa atitude fechada, visto que seu objetivo é a pura e simples aceitação de pontos de vista, ideologias, visão de mundo, teorias, etc.

É de esperar, consequentemente, que, em decorrência da educação, as crianças (ou as pessoas, em geral, porque adultos também continuam permanente a se educar) venham a ter uma mente e uma atitude mais aberta e flexível, que se preocupe com a análise e o exame das evidências e dos argumentos, condicionando sua aceitação ou não de determinados pontos de vista, ideologias, visões de mundo, ou mesmo teorias científicas, a esse exame das evidências e dos argumentos. Também é de esperar que, em decorrência da doutrinação, as crianças (ou as pessoas em geral, porque adulto também pode ser doutrinado, como os partidos políticos e as igrejas muito bem sabem) venham a ter uma mente mais fechada, uma atitude mais dogmática e menos crítica, um apego mais emocional do que evidencial às suas convicções, pois lhe foi ensinado preocupar-se mais com certas doutrinas ou teorias do que com a análise crítica, isenta de preconceitos, das evidências e dos argumentos que podem dar, ou não, sustentação a essas doutrinas e teorias.

É de esperar que a pessoa doutrinada acabe por assumir a seguinte atitude: “É nisto que acredito: vamos ver agora se encontro alguma evidência ou argumento para fundamentar minhas crenças”. Com essa atitude, é possível que suas razões para aceitar suas crenças não passem de racionalizações.

Concluo, portanto, chamando a atenção para o fato de que a educação é um processo que tem por objetivo a expansão de capacidades, a ampliação de horizontes, a abertura da mente, o incentivo à livre opção dos alunos, após análise e exame críticos das evidências e dos argumentos, enquanto a doutrinação é um processo que tem por objetivo a transmissão e mera aceitação de pontos de vista, ideologias, visões de mundo, teorias, etc., a redução de horizontes, a limitação de opções (frequentemente a uma só), o fechamento da mente, o “desprivilegiamento” das evidências e dos argumentos em favor da crença, o foco na persuasão e não no livre exame.

Assim, na educação busca-se, humildemente, a verdade, através do estudo e do exame das evidências e dos argumentos, enquanto na doutrinação quem ensina coloca-se na posição do orgulhoso possuidor da verdade – e espera que o doutrinado venha a adotar uma postura semelhante…

Desde que, na busca da verdade, não se pode negligenciar nenhum aspecto da evidência ou do argumento que possa ser relevante, a educação é tolerante, pois mesmo as críticas e a evidência negativa – diria mesmo que principalmente essas – podem contribuir para que nos aproximemos da verdade. Na medida, porém, em que a verdade já é considerada uma possessão, não há mais por que busca-la, por que tolerar pontos de vista alternativos e conflitantes, pois na medida em que esses divergem da “verdade” só podem ser errôneos ou falsos, e quem os propõe só pode ser ignorante ou mal-itencionado.

Daí a conexão, já mostrada nos posts anteriores, entre a crença na posse da verdade e a intolerância, mesmo a repressão, de pontos de vista divergentes, que ocorre quando há doutrinação.

Invertendo um pouco o foto, poderia dizer, num espírito popperiano, que a educação se preocupa muito mais em dar ao indivíduo condições de não ser facilmente persuadido, de evitar o erro, a falsidade, e, assim, aproximar-se, cada vez mais, da verdade, enquanto a doutrinação se preocupa muito mais com a persuasão, com a transmissão de crenças que se supõem verdadeiras (ou, mesmo, em alguns casos piores de doutrinação, crenças em que o próprio doutrinador não acredita, mas que, por algum motivo, deseja incutir nos outros – vide a triste figura do Grande Inquisidor em Irmãos Karamazov).

Diante do que foi dito fica claro por que a doutrinação é indesejável e moralmente censurável. Quem doutrina não respeita a liberdade de pensamento e de escolha de seus alunos, procurando incutir crenças em suas mentes e não lhes dando condições de livremente analisar e examinar as evidências e os argumentos, decidindo, então, por si próprios; quem doutrina desrespeita os cânones de racionalidade e objetividade, tratando questões abertas como se fossem fechadas, questões incertas como se fossem certas, enunciados falsos ou não demonstrados como verdadeiros como se fossem verdades acima de qualquer suspeita.

É verdade que esta tomada de posição contra à doutrinação já implica, ao mesmo tempo, um comprometimento com certos valores e ideais básicos, como o da liberdade de pensamento e de escolha dos alunos (e de qualquer pessoa), o da racionalidade, etc. É importante que se reconheça isto para que não se incorra no erro de pensar que a adoção desses valores e ideais não precisa ser defensável, e, mais que isto, defendida, através da argumentação. Argumentos contra a adoção desses valores e ideais precisam ser cuidadosamente analisados para que, ao propor a tese da indesejabilidade e falta de apoio moral da doutrinação, não o façamos de modo a imitar os doutrinadores, isto é, tratando como fechada uma questão que é realmente aberta.

Quando a esquerda ainda não estava totalmente enraizada no poder, aqui no Brasil, admitiu, embora a contragosto, que nossa última Constituição, de 1988 (logo depois do Período Militar), em seu Art. 206, Incisos II e III, preconizasse que, na escola, houvesse “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, e que isso se desse em um contexto de “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, tanto no caso de instituições públicas como até mesmo no caso de instituições privadas. (A Constituição Federal de 1988 não deu, portanto, nem mesmo a instituições educacionais confessionais, o direito de doutrinar na escola).

Agora que a esquerda se acha totalmente enraizada no poder, no nível federal, aqui no Brasil, já se acha à vontade para propor uma educação “partidária” — não, necessariamente, no sentido de uma educação que promove a agenda de um partido político, mas, sim, no sentido de uma educação que toma partido, que não explora, em um clima de liberdade, e num contexto de “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, todas as ideias, mas que tenta impor ou incutir uma espécie de “catecismo” político. . .

Quem sabe em um dia em que um governo de direita, ou, pelo menos, liberal, volte ao poder, e proponha uma escola sem partidarismo, a esquerda venha novamente a admitir, como medo de ser obliterada no processo, a liberdade de aprender em um contexto de pluralidade de ideias.

Em São Paulo, 3 de Abril de 2009, com pequena revisão e o acréscimo de três parágrafos, no final, em 11 de Novembro de 2018.

NOTA de 11/11/2018:

Este artigo é parte de uma série de cinco artigos que começou há quase dez anos neste blog Liberal Space e que defende o Liberalismo Clássico e uma Educação Liberal, que leve o Liberalismo Clássico a sério, combatendo uma educação que não merece o nome, pois é mais doutrinação do que educação, que foi moldada para combater o Liberalismo Clássico e para promover uma educação de viés socialista, quando não comunistizante.

São estes os cinco artigos:

O mais antigo dos artigos, “Dogmatismo e Doutrinação“, foi publicado em 3/4/2009, há quase dez anos, no endereço https://liberal.space/2009/04/03/dogmatismo-e-doutrinacao/.

Em seguida, “‘Educação Sem Doutrinação’ e ‘Escolas Sem Partido’“, que foi publicado em 10/4/2010, no endereço https://liberal.space/2010/04/10/educacao-sem-doutrinacao-e-escolas-sem-partido/.

O terceiro artigo, “Doutrinação e Educação: A Esquerda Pretende Argumentar que Doutrinar não Passa de um Jeito ‘Crítico’ de Educar“, que foi publicado em 28/5/2016, no endereço https://liberal.space/2016/05/28/doutrinacao-e-educacao-a-esquerda-pretende-argumentar-que-doutrinar-nao-passa-de-um-jeito-critico-de-educar/.

O quarto artigo, “A Controvérsia Acerca do ‘Escola Sem Partido’ Continua: PL 867/2015“, publicado em 14/5/2018, no endereço https://liberal.space/2018/05/14/a-controversia-acerca-do-escola-sem-partido-continua/.

Por fim, o quinto artigo, “A Escola e a Liberdade”, publicado em 10/11/2018, no endereço https://liberal.space/2018/11/10/a-escola-e-a-liberdade/.

Eduardo CHAVES