Pode (e deve) a moralidade ser ensinada (na escola pública)?

Assunto quente na Seção Tendências/Debates da Folha de S. Paulo de hoje, 30 de Janeiro de 2011: a quem compete a educação moral das crianças, aos pais ou ao Estado (através da escola pública)?

Platão já perguntava, em um dos diálogos socráticos: pode a virtude ser ensinada? (O “pode”, nesse caso, é equivalente a “é possível”, não a “é permissível”).

Tenho a impressão de que a escola pública sempre achou que era possível ensinar a virtude, e, até mesmo, que era obrigatório que isso fosse feito por ela (e não pelos pais).

Ou vejamos.

A escola pública americana, que é, de certo modo, a mãe de todas, sempre se considerou o principal canal para veicular os valores básicos da sociedade americana, como a liberdade individual, a democracia, a responsabilidade de cada um pelo próprio sustento, a importância do trabalho, a limitação dos poderes do Estado. Até mesmo valores morais e religiosos sempre fizeram parte dessa agenda até recentemente. Seria a escola pública que ensinaria os estrangeiros imigrantes a viver segundo “the American way of life”, funcionando assim como principal agente para a criação do “melting pot”, o caldeirão em que crenças, valores e costumes alienígenas eram misturados com as crenças, valores e costumes da sociedade americana, desaparecendo, enquanto tais, ainda que tivessem uma pequena parcela absorvida no caldeirão de fusão. O que era abertamente assimilado pelos americanos eram, em geral, costumes que nada tinham de moral, como o hábito de comer pizza, ou taco… No que diz respeito aos valores básicos, os valores americanos varriam do mapa valores conflitantes trazidos pelos imigrantes.

Como a escola pública americana era composta predominantemente por alunos de tradição religiosa protestante, os valores ensinados por ela eram, em regra, valores da tradição protestante. Foi por isso que os católicos romanos se viram obrigados a criar suas próprias escolas, para usá-las como instrumentos para transmitir aos alunos as crenças, os valores e o ethos católicos romanos.

Assim, no tocante aos valores básicos da sociedade americana, era a escola que deveria transmiti-los. Se ela deixasse essa transmissão a cargo dos pais, os imigrantes católicos romanos, irlandeses e italianos, iriam formar filhos católicos, papistas, adoradores da Virgem Maria e dos santos, autoritários ou então anárquicos, etc. – algo indesejável. 

No Brasil a escola pública era composta predominantemente por alunos de tradição religiosa católica romana. Quando estudei na escola pública (início da década de 50), dizia-se que o Brasil era o maior país católico romano do mundo, com 95% da população aderindo a essa religião. Para protestantes, espíritas, judeus, muçulmanos, confucionistas, budistas e ateus sobravam apenas 5% da população… Assim, as crenças, os valores e o ethos católicos romanos eram  transmitidos (ainda que de maneira mais light do que nos Estados Unidos, pois no Brasil a religião católica romana nunca foi levada muito a sério pelos seus praticantes). Lembro-me, no detalhe, de que meu pai frisava com grande ênfase, em casa, que eu não deveria dizer “rezar”, como diziam meus professores e colegas, em vez de “orar”, como se diz na tradição protestante. Constato, com alguma surpresa, que a Paloma, mais zelosa dos valores e da linguagem protestante do que eu, hoje, em plena segunda década do século XXI, ainda de vez em quando se implica comigo por eu me referir a “Santo Agostinho” ou “São Tomás” (como sempre me referi a eles) – porque santo, como se sabe, só há um, que não é só uma vez santo, mas santo, santo, santo (como diz o hino)…

Assim, no Brasil, foram os protestantes que precisaram criar suas escolas, para transmitir nelas as crenças, os valores, e o ethos protestantes (embora as ordens católicas não tenham se descuidado da tarefa também, em especial quando ficou mais difícil usar a escola pública para transmitir as crenças, os valores e o ethos católicos).

É verdade que a escola pública, tanto a americana como a brasileira, só se safou, nesse processo de ensinar a moralidade ou a virtude (como preferia Platão) aos seus alunos, enquanto os valores ensinados eram consensuais, ou próximos disso, na sociedade. Houve época em que os imigrantes iam para os Estados Unidos querendo ser “americanizados”. Hoje, mesmo na terceira e quarta geração, eles insistem em preservar as suas crenças, os seus valores, os seus costume – chegando até a se descrever de forma hifenizada: ítalo-americanos, latino-americanos, etc. E, nessa época de multiculturalismo e diversidade, até o Pai Nosso foi removido da prática diária com que se abria o dia escolar. O juramento de lealdade à bandeira americana continua:

“I pledge allegiance to the Flag of the United States of America and to the Republic for which it stands, one nation, indivisible, with liberty and justice for all.”

No Brasil, em toda época em que houve uma ditadura foi introduzida no currículo a disciplina Educação Moral (às vezes, Educação Moral e Cívica) – com o objetivo nem sequer disfarçado de moldar (ou remoldar) a visão e a prática moral das crianças – e, também, de levá-las a se orgulhar de seu país (“Por que me ufano de meu país”…), e a não criticar muito severamente seus governantes, construindo, assim, os valores do patriotismo e a lealdade à pátria (muito mais forte nos Estados Unidos do que aqui). 

Estamos vivendo, hoje, no Brasil, uma época extremamente conflitiva em relação a valores morais, como as discussões acerca do aborto deixaram claro nas últimas eleições.

O aborto, porém, foi apenas a ponta do iceberg. Há a questão do homossexualismo, que os protestantes mais conservadores (para não dizer fundamentalistas) insistem em considerar não só como pecado, mas como doença (curável, naturalmente). Esses protestantes se insurgem contra projeto de lei que, se aprovado, tornaria crime “homofóbico” (equivalente a racismo) afirmar (vale dizer, pregar) que o homossexualismo é pecado, e, como tal, errado, e a tentativa de impedir que as pessoas se tornem homossexuais e de “resgatar” os que já caíram nesse “pecado” ou foram acometidos dessa “doença”. (Existem nas ruas placas e cartazes informando sobre supostos pastores que conseguem a “cura da viadagem”).

Mas não precisamos ir tão longe.

O artigo abaixo fala de tópico mais light, a sexualidade, pura e simples, o interesse que a criança cedo manifesta pelos órgãos sexuais (próprios e do sexo oposto), o toque dos órgãos sociais e a masturbação (ainda que inicialmente quase inconsciente e certamente inocente), a afirmação de que masturbar-se é algo gostoso e que não há nada de errado nisso (apesar de os pais mais religiosos e conservadores tentarem coibir o ato).

Deve a escola, em aulas de educação sexual, se meter a transmitir esses valores, digamos liberais, às crianças, ou deve se omitir, tratando da sexualidade apenas do ponto de vista, digamos, fático, científico, deixando a moralidade para ser tratada no lar (ou na igreja)?

Se alguém tem o direito de moldar a moralidade da criança, de quem é o direito: dos pais ou do Estado?

Está lançado o debate.

O artigo é “partisan”: o direito, afirma, é dos pais, e estes não devem permitir que o Estado lhes roube mais esse direito…

Concordo com os autores do artigo, mas em parte.

O que penso, em minha visão liberal radical, é que, se há esse direito, é dos pais, nunca do Estado.

Mas tenho sérias dúvidas de que mesmo os pais tenham esse direito.

Mas aqui surge o desafio: se nem os pais têm tem esse direito, o que fazer? Devemos deixar que a moralidade evolva por (assim dizendo) geração espontânea, “naturalmente”? Acreditar nisso seria ingênuo. Os pares, a televisão (a MTV, o Disney Channel, a Globo com suas novelas), etc. acabariam tendo um papel mais ativo na moldagem se os pais se omitissem totalmente.

É possível falar em uma educação moral “não moldadora”, “não impositiva”, “não diretiva”, mas “clarificadora”? (A “Clarificação de Valores” se tornou um modismo em algumas escolas há algum tempo). Isso funcionaria?

Repito: está lançado o debate.

(Meu primeiro projeto de pesquisa na UNICAMP, escrito em 1974, era sobre esse assunto).

———-

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3001201107.htm

TENDÊNCIAS/DEBATES

Direito dos pais ou do Estado?
LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA e MIGUEL NAGIB

Impõe-se que questões morais sejam varridas dos programas das disciplinas obrigatórias de ensino; quando muito, podem integrar disciplina facultativa

No começo de 2010, pais de alunos da rede pública de Recife protestaram contra o livro de orientação sexual adotado pelas escolas. Destinada a crianças de sete a dez anos, a obra “Mamãe, Como Eu Nasci?”, do professor Marcos Ribeiro, tem trechos como estes: “- Olha, ele fica duro! O pênis do papai fica duro também? – Algumas vezes, e o papai acha muito gostoso. Os homens gostam quando o seu pênis fica duro.” “Se você abrir um pouquinho as pernas e olhar por um espelhinho, vai ver bem melhor. Aqui em cima está o seu clitóris, que faz as mulheres sentirem muito prazer ao ser tocado, porque é gostoso.”
Inadequado? Bem, não é disso que vamos tratar no momento. O ponto que interessa está aqui: “Alguns meninos gostam de brincar com o seu pênis, e algumas meninas com a sua vulva, porque é gostoso. As pessoas grandes dizem que isso vicia ou “tira a mão daí que é feio”. Só sabem abrir a boca para proibir. Mas a verdade é que essa brincadeira não causa nenhum problema”.

Considerando que entre as pessoas que “só sabem abrir a boca para proibir” estão os pais dos pequenos leitores dessa cartilha, pergunta-se: têm as escolas o direito de dizer aos nossos filhos o que é “a verdade” em matéria de moral?

De acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), a resposta é negativa. O artigo 12 da CADH reconhece expressamente o direito dos pais a que seus filhos “recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. É fato notório, todavia, que esse direito não tem sido respeitado em nosso país.

Apesar de o Brasil ter aderido à CADH, o MEC não só não impede que o direito dos pais seja usurpado pelas escolas como concorre decisivamente para essa usurpação, ao prescrever a abordagem transversal de questões morais em todas as disciplinas do ensino básico.

Atendendo ao chamado, professores que não conseguem dar conta de sua principal obrigação -conforme demonstrado ano após ano por avaliações de desempenho escolar como o Saeb e o Pisa-, usam o tempo precioso de suas aulas para influenciar o juízo moral dos alunos sobre temas como sexualidade, homossexualismo, contracepção, relações e modelos familiares etc.

Quando não afirmam em tom categórico determinada verdade moral, induzem os alunos a duvidar “criticamente” das que lhes são ensinadas em casa, solapando a confiança dos filhos em seus pais.

A ilegalidade é patente. Ainda que se reconhecesse ao Estado -não a seus agentes- o direito de usar o sistema de ensino para difundir uma agenda moral, esse direito não poderia inviabilizar o exercício da prerrogativa assegurada aos pais pela CADH, e isso fatalmente ocorrerá se os tópicos dessa agenda estiverem presentes nas disciplinas obrigatórias.

Além disso, se a família deve desfrutar da “especial proteção do Estado”, como prevê a Constituição, o mínimo que se pode esperar desse Estado é que não contribua para enfraquecer a autoridade moral dos pais sobre seus filhos.

Impõe-se, portanto, que as questões morais sejam varridas dos programas das disciplinas obrigatórias. Quando muito, poderão ser veiculadas em disciplina facultativa, como ocorre com o ensino religioso. Assim, conhecendo previamente o conteúdo de tal disciplina, os pais decidirão se querem ou não compartilhar a educação moral de seus filhos com especialistas de mente aberta como o professor Marcos Ribeiro.

LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA, 54, doutor em Educação pela Unicamp, é professor adjunto da Universidade Estadual de Maringá.

MIGUEL NAGIB, 50, é procurador do Estado de São Paulo, coordenador do site www.escolasempartido.org e especialista do Instituto Millenium

———-

Em São Paulo, 30 de Janeiro de 2011.

E-Books: É só uma questão de tempo; Paper Books: “Your days are numbered”…

Diz notícia na Folha de S. Paulo de hoje, 29 de Janeiro de 2011:

“O site de vendas Amazon anunciou que as vendas de livros para o leitor digital Kindle já superam as das publicações tradicionais em papel. Segundo um comunicado do site, desde o início de 2011, para cada cem livros em papel, são vendidos 115 para o Kindle.”

Diz matéria assinada por Josélia Aguiar no Painel das Letras da Folha de hoje:

“O futuro quando?

Nos EUA, onde é maior a adesão ao livro digital, 2011 começa com as perguntas de antes: quando livrarias de tijolos vão fechar e se grandes autores publicarão sem intermediários, explica à Folha Mike Shatzkin, organizador do Digital Book World. O evento, realizado na última semana em Nova York, debate vendas, enquanto o Tools of Change for Publishing, em fevereiro e similar em importância, se concentra na produção. No mundo, as dúvidas são: com que rapidez o livro eletrônico se disseminará e como o varejo local resistirá à hegemonia americana. Shatzkin estima entre 10% e 15% o percentual de americanos que leem livros digitais. Em outros países, não supera 1%.

Os números ainda são ‘medíocres’ por aqui, afirma Luciana Villas-Boas, diretora da Record: ‘Vendemos até agora 37 exemplares eletrônicos’. Na Objetiva, que ofereceu mais títulos, o diretor Roberto Feith diz que desde novembro foram 663 exemplares vendidos: ‘O aumento foi de 252% em um mês, depois do lançamento do iPad e do Galaxy no país’.

(joselia.aguiar@grupofolha.com.br)”

o O o

Tenho o meu Kindle desde 12 de Junho do ano passado. Já acumulei nele mais de 250 livros eletrônicos e um sem fim de revistas: assino Time (semanal), Newsweek (semanal), Bloomberg Business Week (quinzenal), e Reason (mensal). Sou fã incondicional do Kindle – e da Amazon, na minha opinião uma empresa mais criativa do que o Google. A Amazon é dona também do site International Movie Data Base (IMDB), um dos meus sites favoritos na Internet, e do Audible, um site para a venda de audio livros (algo de que também sou fã).

Tenho uma biblioteca em papel de mais de 30 mil volumes. Mas aderi de coração aos livros eletrônicos. É incomporável poder entrar num avião para um voo de 15 horas com 250 livros na mochila… Quando saio por um tempo maior, levo o Kindle e o iPad. O iPad é melhor do que o Kindle para ler revistas (como a VEJA), cheia de fotos e gráficos. A edição para o iPad da VEJA contém clips de audio e filmes. Imbatível. Pena que a Abril tente forçar os clientes a fazer, junto com a assinatura para a VEJA em iPad, uma assinatura para a VEJA em papel.

Editoras de livros convencionais, se cuidem.

Houve uma época em que um empresário americano fez fortuna vendendo gelo para refrigerar alimentos e ambientes. Não havia refrigeradores e aparelhos de ar condicionado naquela época. Havia, para refrigerar alimentos, a “ice box”, uma caixa vertical com dois compartimentos, parecida com uma mini-geladeira duplex. Enchia-se de gelo o compartimento superior, equivalente ao congelador. Colocavam-se alimentos no compartimento inferior. Enquanto o gelo durava, o alimento se conservava. Para refrigerar ambientes, havia um ventilador cujo fluxo de ar passava por uma caixa onde havia água refrigerada a gelo. O ar que saía era fresco. Não frio de todo, mas fresco. Convivi, na minha infância, com a “ice box”. Tínhamos uma em nossa casa na Rua Particular, 10, em Santo André. Convivi com o ventilador refrigerado a ar quando estudei nos Estados Unidos e morava na 6001 Saint Marie Street, em Pittsburgh.

Mas voltemos ao nosso empresário. O negócio dele era buscar gelo para alimentar essas máquinas. Ele ia buscar gelo – enormes blocos – no Polo Norte. Especializou-se em técnicas sofisticadas para cortar grandes blocos de gelo, em transporte que preservava a maior parte dos blocos de gelo, em técnicas sofisticadas para particionar o gelo e vendê-lo no varejo. Ficou biliardário. Chegou a exportar blocos de gelo para a Índia. Sua tecnologia era tão sofisticada que o gelo, indo de navio, ainda chegava em tamanho suficiente para ser vendido no varejo na Índia.

Mas, daí, o ambiente tecnológico mudou: surgiram as geladeiras e os aparelhos de ar condicionado que conhecemos hoje. Nosso empresário, em vez de investir nesse novo negócio, tentou proteger o negócio que já tinha contra a nova concorrência: aprimorou as técnicas de cortar, remover, transportar, particionar e comercializar gelo. Não adiantou. Em pouco tempo estava falido.

Aquele empresário via seu negócio como o comércio de gelo – não o comércio de refrigeração. Estrepou-se. Pagou pelo erro com sua fortuna.

Muitas editoras de hoje vêem o seu negócio como sendo vender livros, revistas, e jornais em papel – e anunciam: o livro impresso, a revista impressa, o jornal impresso nunca vão acabar!!! Tudo bem, botam na Internet uma versão virtual, mas não apostam nela: continuam a investir no negócio antigo. Relutam em deixar que alguém assine uma revista virtual apenas: se assinar a revista em papel, ganha, por um valor a mais, acesso à revista virtual…

Vão quebrar. 

É questão de tempo.

Em São Paulo, 29 de Janeiro de 2011

“Superendividamento”

Políticos e ativistas da defesa do consumidor estão agora engajados em proteger o consumidor contra o chamado “superendividamento”. A idéia que parece estar alcançando apoio generalizado é a de que ninguém deve (pode?) se endividar em valor superior a 30% de sua renda líquida (renda bruta menos descontos em folha, no caso de assalariados).

Na verdade, essa é mais uma tentativa (numa série enorme) de tentar proteger as pessoas contra si próprias… É semelhante às iniciativas que buscam impedir as pessoas de fumar, beber, tomar drogas, comer comidas consideradas pouco sadias… porque isso lhes faz mal. Ou que buscam obrigá-las a fazer exercícios, comer mato… porque isso supostamente lhes faz bem.

Endividado é o indivíduo que, gastando, ou desejando gastar, mais do que ganha, pede dinheiro emprestado. A condição de endividado permanece enquanto ele paga a dívida. É evidente que a simples condição de endividado claramente não é um problema se o indivíduo tem condições de saldar as suas dívidas nas condições em que elas foram contraídas.

Superendividado seria o indivíduo que se endivida a tal ponto que não consegue pagar o que deve nas condições em que contraiu suas dívidas.

A sugestão dos paternalistas de plantão é que um indivíduo que contrai dívidas cujo pagamento consome mais do que 30% de sua renda líquida é sério candidato a não conseguir pagá-las, e, por conseguinte, ao superendividamento.

Esse indivíduo deve, segundo eles, ser protegido contra si mesmo.

Mas os esquemas de proteção (como o limite de 30% da renda líquida) são arbitrários. Ilustro (para demonstrar o absurdo): um indivíduo que tem renda líquida de R$ 1.500 não poderá comprar um imóvel cuja prestação é R$ 500.00, pois R$ 500.00 representam 33,33% de sua renda líquida. Isso não faz sentido, porque não leva em conta, por exemplo, que comprando o imóvel ele deixa de pagar um aluguel no mesmo valor…

Quem pretende proteger as pessoas contra si mesmos se presume superior a elas, capaz de obrigá-las, para o bem delas, a fazer coisas que elas, deixadas ao alvedrio próprio, não iriam fazer.

Em São Paulo, 29 de Janeiro de 2011.

A culpa é do Estado…

Recebi o artigo abaixo por e-mail de Whiskey & Gunpowder, que tem  o e-mail whiskey@agorafinancial.com.

Achei extremamente interessante. Transcrevo-o aqui, infelizmente em Inglês, na esperança de que um número suficiente de pessoas será capaz de lê-lo.

———-

Commentator Scott Lazarowitz sees what’s standing in the way of freedom and prosperity.

It’s the State.

Whiskey & Gunpowder
By Scott Lazarowitz
January 28, 2011
New England, U.S.A.

How to Replace Austerity with Freedom, Independence, and Prosperity

The Economic Collapse Blog has this list of examples of how European-style “austerity” is already hitting the U.S., including cities closing schools and fire stations, and states eliminating whole state agencies and raising taxes. That includes the state of Illinois whose legislature has passed a “temporary” 66% personal income tax hike that the Democrat governor will sign. Rest assured, this income tax hike will be as “temporary” as the one in Massachusetts, still in place since 1989. Such austerity measures may lead to the same kind of social unrest Europeans have been experiencing.

The Economic Collapse Blog concludes,

We are entering a time of extreme financial stress in America. The federal government is broke. Most of our state and local governments are broke. Record numbers of Americans are going bankrupt. Record numbers of Americans are being kicked out of their homes. Record numbers of Americans are now living in poverty.

The debt-fueled prosperity of the last several decades came at a cost. We literally mortgaged the future. Now nothing will ever be the same again.

To say that “nothing will ever be the same again” is just pessimistic and unnecessary. We actually can return to the prosperity of the past, by replacing debt and austerity with freedom and independence.

There is no need for Americans to suffer through what European countries are suffering, because nearly all the problems we face are caused by governmental intrusions into many aspects of our personal and economic lives — intrusions by federal, state and local governments. Regardless of the good intentions that the welfare and military socialism statists have in justifying their use of compulsory government powers, what America needs is to cut the shackles of State-imposed dependence, restrictions, regulations, taxation, all those policies of moral relativism that involve violations of the Rule of Law: theft, trespass, denial of Due Process, and other acts of State-initiated criminal aggression.

Freeing Americans includes repealing all forms of intrusive presumption-of-guilt regulations and restrictions that are in place having nothing to do with whether any individual is suspected of any crimes against others. Regulations are before-the-fact demands by the government that presume the individual and one’s business guilty, in which one must submit one’s private personal or financial information to the government to prove one’s innocence. Government regulations and arbitrary restrictions are literally searches and seizures by the government of information that is none of anyone else’s business, and effect in the stifling of everyday citizens’ growth and prosperity.

Ending all personal income taxes, corporate taxes, estate taxes, and capital gains taxes frees people who own or share in the ownership of businesses — i.e. employers and prospective employers — to invest in their own research and development and in the expansion of their businesses, which is the genuine force behind jobs creation, in both blue collar and white collar sectors. Ending all personal income taxes frees people to explore their own ideas and inventions, and to start their own businesses that will employ more people and advance society further. Also, ending all personal and corporate income taxes allows individuals and businesses to donate more of their own money to worthy charitable organizations, like it used to be before the intrusiveness of the government entered the scene and discouraged such charity giving.

Some may respond to such suggestions, “Well, if we do all that, then how will government functions be funded?” My response is: do you mean, how do we fund public employees’ 6-figure pensions, how do we fund all the extravagant public employee salaries that are now on average higher than private sector salaries? Or, for example, do you mean to ask how we fund the federal Department of Education that has done nothing but create bureaucracies and turn American education into a Soviet-style indoctrination camp for State-worship? As far as the federal government is concerned, just about every agency and department in Washington can be eliminated, because they are unnecessary and have been nothing but parasitic and slowing America’s growth and progress almost to a halt.

We also need to be honest about the “War on Terror” and the War on Drugs, which are not wars on terror or drugs, but wars on freedom. The war on drugs has been extremely hypocritical, by going after only “street drugs,” but not alcohol and not prescription drugs, all of which have been just as dangerous and lethal. The war on drugs criminalizes victimless behavior, discourages personal responsibility, and has been a boondoggle for law enforcement agencies through confiscation of private property and through bribery, and has caused a black market in drugs which incentivizes the formation of drug gangs and cartels that leads to increased violence, as well as the corruption of otherwise “good” cops and other government officials. What would happen if we immediately ended the War on Drugs and required individuals to be responsible for their actions and decisions? Do we really need to have costly government “anti-drug” enforcement agencies?

And regarding this “War on Terror,” many of the terrorists themselves have expressed explicitly that their primary motivations for their terrorist acts have been political, and not religious, responding to the U.S. government’s many decades of intrusions on those foreign lands as well as the U.S. government’s intrusive interventionist foreign policy. Even a top U.S. general has recently stated that for every one innocent civilian the U.S. military and CIA murders, ten new terrorists are created.

So, what would happen if we simply just closed all the U.S. military bases on foreign lands and brought all U.S. troops, contractors, and bureaucrats back to the U.S.? Does anyone in his right mind actually believe that there would be more terrorism against the U.S.?

If we closed all those foreign bases and brought everyone home and ended the violence that the U.S. military has been committing against foreigners, why, that would mean that the military socialism and welfare redistribution of wealth from middle-class workers over to defense contractors would have to stop. And, I’d like to ask, just how selfish are those defense contractors, knowing how counter-productive U.S. government aggression in the Middle East has been, knowing that they are playing a major role in making America less safe and much less productive, less prosperous and less free?

And how selfish are these big corporate-statist financial institutions, such as Goldman Sachs, JP Morgan, Bank of America, etc., in insisting that their billions of dollars in bonuses that result from bailouts and quantitative easing continue, at the expense of poor, middle-class workers and producers? How selfish will the parasites continue to be, as America continues to decline economically and morally? How much longer do we need to suffer at the hands of the most destructive of political institutions, that Federal Reserve? Because Americans’ inherent, inalienable rights to trade, commerce and contracts with free, competing currencies have been unconstitutionally squashed by this voracious federal Leviathan, we are all becoming poorer, and America is literally turning into a Third World economy. Which isn’t even an “economy” anymore because of the intrusive crimes of the State — America is a State-owned political prison.

In other words, just how helpful has the federal government been to America’s progress? What would happen if we just eliminated the federal government, and restored to the states their constitutionally-recognized inalienable rights to independence and sovereignty that political criminals have stolen from them in these 235 years of America? Is it possible to have an organized country consisting of independent states, but without a central-planning compulsory federal government? Of course it’s possible — and, for us to survive, it is necessary to make such a change, in addition to the elimination of the theft of taxation, the search and seizure of regulations, and the counter-productive wars on drugs and terrorism, and the sooner the better.

In honestly considering such solutions, one would have to conclude that, without a central federal government and all of government’s intrusions, no one would be able to monopolize territorial jurisdictions, monetary functions or the defense of others. There would be freedom, prosperity, and yes, much more security, and with a further assurance of stability for future generations.

Regards,

Scott Lazarowitz

Scott Lazarowitz is a commentator and cartoonist at ReasonAndJest.com. His primary goal in life is to convince people to choose freedom and reject the State.

How to Replace Austerity with Freedom, Independence, and Prosperity is featured at Whiskey & Gunpowder.

For a concise explanation of capitalism’s moral and economic superiority to all form of socialism, including America’s current mixed-economy welfare state, get a copy of Capitalism Unbound: An Incontestable Moral Case for Individual Rights em

http://www.lfb.org/product_info.php?cPath=21&products_id=379

Don’t forget to apply your discount code E401M102 to get 20% off

Regards,

Gary Gibson
Managing Editor, Whiskey & Gunpowder

———-

Em São Paulo, 28 de Janeiro de 2011.

Filantropia

Transcrevo abaixo Editorial sobre filantropia no Brasil publicado na Folha de S. Paulo de hoje. O brasileiro se encontra em 76º lugar no mundo na área de filantropia.

Na média mundial, os cidadãos dedicam à filantropia 0,8% do PIB. No Brasil a proporção cai para 0,3%. Nos Estados Unidos, é 2,1%.

Isto significa que o brasileiro não doa quase nada de seu salário ou de sua renda para caridades e projetos sociais.

O Editorial explica por quê: a ganância do Estado brasileiro, que se propõe ser tudo para todos e, para isso, nos rouba cerca de 40% do que ganhamos.

Se trabalhamos até o mês de Maio para sustentar o governo, que, desde que o indivíduo seja pobre, lhe dá bolsa para tudo (até para gás de cozinha), por que alguém ainda vai dar voluntariamente do que sobra?

O Estado quer ser tudo para todos, ele que resolva todo problema que aparecer.

Em países, com os Estados Unidos, em que o Estado não é tão voraz na área fiscal, as pessoas são bem mais generosas. É por isso que a filantropia individual pura (não confundir com a chamada Responsabilidade Social Corporativa das empresas) ali é responsável por uma série projetos sociais significativos. Haja vista o que faz a Fundação de Bill e Belinda Gates, a Ford Foundation, a Rockefeller Foundation, a Carnegie Foundation, etc. Todos esses indivíduos foram (são, no caso de Bill e Melinda) extremamente ricos. Mas as pessoas da classe média também doam – e significativamente.

———-

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2401201102.htm

Folha de S. Paulo
24 de Janeiro de 2011

Editoriais

O valor da doação

Imagens de generosidade e calor humano sempre estiveram associadas à cultura brasileira. Notícia publicada na última sexta-feira, no caderno Mercado, poderia contudo levar algum espírito pessimista a contestar esse tipo de afirmação. O país está bem abaixo da média no que se refere à filantropia. Dados de uma fundação britânica situam o Brasil em 76º lugar, entre 153 nações, no ranking de atitudes humanitárias como doar dinheiro, dedicar parte do tempo livre a causas beneméritas ou ajudar desconhecidos.

Nos Estados Unidos, calcula-se em 2,1% do PIB a quantidade de recursos que os cidadãos destinam à filantropia; a proporção cai para 0,3% no Brasil, contra a média mundial de 0,8%.

A pesada e complexa carga tributária surge como um fator a ser levado em conta. A todo momento, o contribuinte é chamado a prestar novos sacrifícios, em nome de melhorias na saúde, da universalização do acesso à telefonia, da eletrificação das regiões rurais. Paga ainda pelas exigências do poder público quando se trata de inibir a poluição nas cidades ou financiar as estradas.

Num país em que o Estado não se mostra tão desavergonhado em seu propósito de escorchar os cidadãos, é de esperar que exista mais disposição em contribuir para causas filantrópicas.

A constante necessidade de recursos do Estado e sua ainda mais persistente vocação para o desperdício e a corrupção também estão na raiz de outro problema -a ausência de estímulos econômicos para doações.

Há pouca isenção de impostos para a benemerência. Por sua vez, o governo desconfia, não sem motivos, de que doações, patrocínios e campanhas sirvam a empresas e pessoas físicas como forma de burlar o fisco. Na outra ponta, ONGs muitas vezes são flagradas em irregularidades, quando não servem a interesses políticos e religiosos mal esclarecidos.

Numa palavra, é de um arcabouço institucional e legislativo mais eficaz e transparente -e não de mais amor ou generosidade- o que se precisa no país. E, vale lembrar, se de ganância se trata, é a do Estado, e não a dos cidadãos, que salta à vista.

editoriais@uol.com.br

———-

Em São Paulo, 24 de Janeiro de 2011.

Eita nóis… Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece!

Pelo jeito o reacionarismo pedagógico está em plena ação – e os Schwartz/smans são seus portavozes.

Helio Schwartsman, articulista da Folha (o outro é Simon e tem z, em vez de s, no sobrenome), empresta sua voz para os proponentes de uma educação tradicional. Agora é, por incrível que pareça, uma defesa da decoreba.

Vamos começar com algo que parece incontrovertido: SE se trata de memorizar informações, o método da decoreba (memorização por repetição e força bruta) funciona melhor do  que métodos alternativos (através da elaboração mapas conceituais, etc.).

CONCEDIDO.

A sutileza vem nesta passagem:

“A grande surpresa, porém, foi que os memorizadores se saíram melhor tanto nas perguntas que envolviam a mera reprodução das ideias originais como também nas questões que exigiam que eles fizessem inferências, estabelecendo novas conexões entre os conceitos.”

D-U-V-I-D-O  DE-O-DÓ, e quero provas: evidências e argumentos. Boto minha mão no fogo se isso for verdade que sobreviva a um escrutínio mais sério. O fato de o artigo estar publicado na Science não prova nada. A Science já publicou até fraude deliberada. E Thomas S Kuhn já mostrou (The Structure of Scientific Revolutions) que cientistas convencidos da verdade de seus paradigmas conseguem acreditar nos maiores absurdos se esses absurdos dão sustentação a seus paradigmas. Cientistas, nesses casos, são mais crédulos do que os monges medievais.

———-

Folha de S. Paulo
22 de Janeiro de 2011

HÉLIO SCHWARTSMAN

A vingança da decoreba

SÃO PAULO – Esta vai deixar alguns pedagogos de cabelos em pé. Trabalho publicado anteontem na “Science” mostra que alunos que estudam por métodos do tipo decoreba aprendem mais do que os que utilizam outras técnicas.

O “paper”, que tem como autor principal o psicólogo Jeffrey Karpicke, da Universidade Purdue, comparou o desempenho de voluntários que estudaram um texto científico se valendo de um método que enfatiza a memória (leitura seguida de um exercício de fixação mnemônica) com o de alunos que usaram a técnica do mapa conceitual, na qual leem o texto e depois desenham diagramas relacionando os conceitos apresentados.

Desenvolvido por Joseph Novak nos anos 70, o mapa conceitual tem como pressuposto a teoria da aprendizagem significativa, segundo a qual aprender é estabelecer relações relevantes entre ideias.

Uma semana depois, os estudantes fizeram um exame para descobrir quanto haviam aprendido. O grupo da decoreba teve um índice de acertos 50% maior do que o do mapa. A grande surpresa, porém, foi que os memorizadores se saíram melhor tanto nas perguntas que envolviam a mera reprodução das ideias originais como também nas questões que exigiam que eles fizessem inferências, estabelecendo novas conexões entre os conceitos.

Um segundo experimento aprofundou um pouco mais esses achados, explorando, por exemplo, o desempenho de um mesmo estudante com os dois métodos de estudo. Em todas as situações, a decoreba apresentou melhores resultados que o mapa conceitual.

Evidentemente, ainda é cedo para generalizar as conclusões desse trabalho, que ainda precisa ser reproduzido em outros centros para ganhar nível de evidência. Mas já é certo que ele cairá como uma bomba na guerra pedagógico-ideológica que opõe os entusiastas da educação construtivista aos defensores de métodos tradicionais.

———-

Em Salto, 22 de Janeiro de 2011.

O debate sobre a tecnologia e a educação continua…

Transcrevo, abaixo, um artigo de Simon Schwartzman, de 21/01/2011, distribuído por e-mail hoje e publicado em http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=2003&lang=pt-br. O título do artigo é “O Milagre da Tecnologia”.

Coloquei, no FaceBook, um comentário, que transcrevo abaixo, com algumas modificações e com uma significativa complementação.

Faz 31 anos este ano que milito na área de educação e tecnologia (anteriormente chamada de Informática Educativa, Informativa Educacional ou Informática Aplicada à Educação). Interessei-me por essa área assim que me tornei diretor da Faculdade de Educação da UNICAMP, em 1980, e tive de encaminhar à FINEP (Financiadora de Projetos, do Governo Federal), um projeto de pesquisa de dois colegas meus: Raymond Paul Shepard, da Faculdade de Educação, e Fernando Curado, do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação). Concluí que, se tinha de encaminhar o projeto, deveria pelo menos lê-lo. A leitura me fez ficar interessado na área, na qual imediatamente me envolvi. Ainda em 1980 e em 1981 participei dos primeiros Seminários de Informática Educativa convocados pela Secretaria Especial de Informática (SEI) – o primeiro em Brasília, o segundo em Salvador. Em decorrência deles, criei na UNICAMP, em 1983, o Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED), para hospedar a primeira tentativa do governo brasileiro de financiar pesquisas sobre o assunto, o Projeto EDUCOM. Esse projeto era financiado pela FINEP, tinha a coordenação geral da Secretaria Especial de Informática, com o apoio do MEC, e era microgerenciado pela FUNTEVÊ. Vinte e seis universidades brasileiras submeteram projetos e cinco foram selecionadas: a Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), com projeto coordenado por Paulo Gileno Cysneiros, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com projeto coordenado por Antonio Mendes, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com projeto coordenado por Lydinéa Gassmann, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com projeto coordenado por Léa Fagundes e Lucila Costi Santarosa, e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), através do NIED, em projeto coordenado por mim.

O debate continua o mesmo…

Em 1983, ano da criação do NIED, publiquei um artigo na revista Em Debate, do INEP, em que apontava para esse “either-or” que o Simon apresenta. A linguagem era, naquela época, um pouco diferente, mas o problema era o mesmo.

Naquela época não se falava quase nada no Brasil acerca de construtivismo, mas se falava bastante sobre “aprendizagem significativa” (“meaningful learning”, David P Ausubel), “aprendizagem por descoberta” (“discovery learning”), etc. Na área da tecnologia, nos anos 80, a linguagem de programação LOGO, de Seymour Papert, que havia estudado com J Piaget, em Genebra, era a bandeira carregada pelos defensores desse lado da batalha – assistida por bandeiras menores como Computer-Assisted Learning (CAL). Como se pode ver, a ênfase, aqui, era em aprendizagem.

Do outro lado, estavam os defensores da educação tradicional – os que defendem a tese (defendida por Simon no artigo abaixo) – de que “não se faz boa educação sem bons professores, escolas organizadas e estudantes estimulados e incentivados [vale dizer, motivados] a trabalhar”. Essa tese é defendida hoje também pelos partidários da observação e da emulação da Finlândia, da Coréia do Sul, de Hong Kong, de Cingapura… Na área da tecnologia, nos anos 80, a bandeira desse lado da batalha era a Instrução Programada, ou Computer-Assisted Instruction (CAI) – assistida por bandeiras menores como as Máquinas de Ensinar (“Teaching Machines”), propostas por B F Skinner. Como se pode ver, a ênfase aqui era em ensino e instrução.

Meu artigo de 83 falava máquinas de ensinar vs ferramentas de aprender. Mas o problema é o mesmo que é tratado por Schwartzman.

De um lado, uma educação focada na aprendizagem, e, por conseguinte, centrada no aluno. A preocupação aqui, é com processos, com o desenvolvimento de habilidades e competências. A forma de aprender é a forma natural de aprender fora da escola, o aprender decorrente da curiosidade natural, o aprender fazendo: observando, querendo fazer o mesmo (a questão da motivação começa resolvida), tentando, errando, recebendo feedback e ajuda, tentando de novo, conseguindo fazer em nível elementar, recebendo mais feedback e ajuda, melhorando o desempenho, até que… A avaliação, neste caso, se dá por observação e interação. Imaginem o Bernardinho avaliando o desempenho da nossa seleção de vôlei masculina…. Se existe um exemplo claro desse paradigma de aprendizagem é o desenvolvimento de habilidades e competências como andar, nadar, jogar bola, entender a fala e falar… O aprender, aqui, se dá fazendo aquilo que se quer aprender.

De outro lado, uma educação focada no ensino e na instrução, e, por conseguinte, centrada no professor. A preocupação aqui, é com resultados, com a absorção e assimilação das informações transmitidas pelos professores. A forma de aprender aqui não é natural. O professor fala e os alunos, passivamente, ouvem, anotam, depois lêem material complementar. Como os alunos têm de absorver e assimilar informações em que, em regra, não estão interessados, o problema da motivação é central: o professor tem de motivá-los. Se são bons (como alguns artistas de palco de cursinhos pré-universitários), conseguem que os alunos gostem deles e prestem alguma atenção no que dizem – mas não que se interessem pelo conteúdo que estão a  transmitir. A avaliação, neste caso, se dá por testes, provas e exames: afere-se se os alunos absorveram e assimilaram (por um tempo) o conteúdo que os professores lhes transmitiram (delivered).

(Em parêntese, poucas expressões me causam mais nojo do que “content delivery” e “instruction delivery”.)

Voltemos à tecnologia.

Embora a escola tente domesticar o computador, transformando-o em um máquina de ensinar, que ajude seus professores a ensinar melhor aquilo que ela quer que os alunos aprendam (e os alunos a absorver e assimilar melhor aquilo que a escola quer que eles aprendam – e que os professores, de boa ou má vontade, ensinam), os alunos não têm o menor interesse nisso e não participam desse jogo.

Uma aula sobre algo que os alunos não têm interesse em aprender continua a lhes ser algo absolutamente intragável, mesmo que ministrada com a mais atualizada parefernália tecnológica, e os alunos têm total clareza sobre isso. É por isso que rapidamente esquecem o que lhes foi transmitido. É por isso que, ao final do ano, quando passaram nos exames finais, queimam os cadernos e livros usados. O Rubem Alves um dia disse que esse ritual de esquecimento, simbolizado pela queima de cadernos e livros, é a maior evidência que temos da saúde mental dos jovens. Nem a escola tradicional consegue destruí-la.

Rubem Alves tem o apoio de ninguém menos do que Samuel Butler e Karl R Popper nessa tese.

Em Erewhon (mais ou menos Nowhere, Nenhum Lugar, de trás para diante), publicado anonimamente em 1872, Samuel Butler afirma que a razão por que as escolas e os professores não causam maior dano aos alunos está no fato de que, por mais que elas (escolas) e eles (professores) tentem, nunca conseguem que os alunos os levem suficientemente a sério…

Em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (The Open Society and its Enemies), obra monumental publicada na década de 40,  ele diz que Platão é o inventor de nossas escolas secundárias e universidades – e que ele não consegue imaginar melhor prova de que nossos jovens são inteligentes e criativos do que o fato de que esse sistema avassalador de educação não conseguiu varrer a inteligência e a criatividade da face da Terra nesses últimos 2.500 anos…

A escola e muitos educadores (e analistas) não conseguem entender isso.

As inúmeras pesquisas que mostram que computadores não ajudam os alunos a aprender melhor os conteúdos disciplinares que a escola insiste em lhes transmitir (deliver) estão absolutamente certas, porque os alunos (corretamente, diga-se de passagem) não estão interessados em aprender isso.

Mas os computadores podem nos ajudar a transformar a educação e a reinventar os ambientes de aprendizagem. (Embora eu tenha adquirido na Internet domínios como novaescola.net e escolanova.net, acho que deveríamos deixar os termos “escola”, “professor” e “ensino” para os partidários da velha educação e não tentar colocar vinho novo em odres velhos).

Mas essa transformação da educação e essa invenção de novos ambientes de aprendizagem não acontecerá automaticamente. É preciso que queiramos fazer isso – e que os burocratas do ensino (o MEC, as SE, os Conselhos de Educação), os educadores e analistas da educação, os sindicatos e assemelhados, as editoras de livros didáticos, os donos de “sistemas de ensino” (eita expressão mais apta – é exatamente isso que eles são) não atrapalhem demais…

Aqui está o artigo do Simon.

———-

O milagre da tecnologia

Simon Schwartzman

Educação Básica 2011-01-21

No Brasil adoramos os milagres, que permitem resolver grandes problemas  sem precisar passar pelos processos dificeis de organização, planejamento, estudo, trabalho e investimento. Se nossa educação anda tão mal (apesar das grandes comemorações de pequenas melhorias que surgiram em algumas avaliações recentes), quem sabe que as novas tecnologias de informação e comunicação nos permitirão sair na frente? Com apoio do BNDES, o Governo Federal lançou no ano passado o Programa Um Computador por Aluno – PROUCA.

Várias Secretarias de Educação, entre as quais a do Rio de Janeiro, estão aderindo: no final de dezembro de 2010 foi assinado um convenio pelo qual, na cidade  do Rio,  “todos os 246 mil alunos do segundo segmento (6° ao 9° anos), de 397 escolas, terão computadores nas salas de aula.”

Ótimo, não é? Infelizmente,  quase todos os estudos sobre o uso de computadores em escolas mostram que eles não fazem diferença nos resultados da educação, e podem até ser prejudiciais.  Por exemplo, um estudo do Banco Mundial feito na Colômbia mostrou que “estudantes em escolas que receberam computadores e professores para seu uso não se deram melhor em testes do que estudantes em grupos de controle. Os pesquisadores não encontraram nenhuma diferença nos resultados dos testes quando olharam componentes específicos  em matemática e linguagem, como álgebra, geometria, gramática e uso de paráfrases em espanhol”.

Várias explicações foram apresentadas para isto, uma delas sendo que os professores não usavam muito os computadores, ou os usavam para ensinar como usar o computador, e não para ensinar os conteúdos das disciplinas.

Recentemente, circulou na Internet um artigo de  Clayton M. Christensen, especialista em temas de inovação da Harvard Business School, baseado em um livro seu de 2008,  ’Disrupting Class’, cujo resumo e critica pode ser visto por exemplo aqui. Basicamente, o que ele diz é que os computadores realmente não servem para o ensino convencional,  mas podem ter um efeito importante se forem utilizados de forma não convencional, para que cada estudante possa encontrar seu próprio caminho.

Não por acaso, estas idéias foram retomadas e defendidas em um artigo recente de Rafael Parente, que é Subsecretário de Educação da Cidade do Rio de Janeiro (“Aula de Ruptura”). Uma das teses principais de Christensen, apresentada por Parente, é que  “a chave para a transformação da sala de aula com tecnologia é como ela será implementada. Precisamos começar a inovação através de uma ruptura, não para competir com paradigmas existentes e servir clientes atuais, mas para conquistar aqueles que não estão sendo servidos, chamados de não-consumidores. Dessa maneira, tudo o que uma nova abordagem tem de fazer é ser melhor do que a alternativa, que não existe.”

Fica a pergunta de se é isto que o Ministério da Educação e as Secretarias municipais e estaduais que estão comprando todos estes computadores pretendem fazer.  Será que a idéia é acabar de vez com o ensino regular, com conteúdos bem definidos,  professores bem capacitados e alunos incentivados a trabalhar, que ainda não conseguimos implantar, e partir logo para um novo ensino revolucionário e individualizado, segundo um modelo tirado das teorias de inovação das escolas de business,  que não sabemos exatamente como deve ser?

Transferindo as idéias de Christensen para o Brasil, quem seriam os “não consumidores”  que não estão sendo servidos pela educação?  Os que abandonaram as escolas ou os que estão matriculados hoje, mas recebendo educação de má qualidade?

O ponto principal, que nenhuma tecnologia vai resolver, é que não se faz boa educação sem bons professores, escolas organizadas e estudantes estimulados e incentivados a trabalhar. Com estes ingredientes, então as novas tecnologias podem ajudar muito. Sem eles, elas servem muito pouco. Seria importante ter clareza sobre estas coisas antes de embarcarmos tão confiantes nas maravilhas das novas tecnologias (que, aliás, com os tablets, tornarão todos estes milhares de computadores obsoletos em  muito pouco tempo).

Address: http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=2003&lang=pt-br

———-

Em Salto, 22 de Janeiro de 2011.

O Super Bowl

O Super Bowl de número 45 está chegando. Meu time, o Pittsburgh Steelers, está no páreo. O Steelers, de Pittsburgh, PA, cidade em que passei cinco anos estudando, de 1967 a 1972, já ganhou o SuperBowl seis vezes – sendo o recordista de campeonatos. O primeiro Super Bowl foi, portanto, em 1967, ano que cheguei aos Estados Unidos. Os dois primeiros Super Bowls foram ganhos pelo Green Bay Packers.

O Dallas Cowboys e o San Francisco 49ers vêm em segundo lugar no quesito número de vitórias no SuperBowl, com cinco vitórias cada.

Eis aqui a lista, com o número do Super Bowl, o ano, a data do jogo, quem ganhou, o resultado, e contra quem foi o jogo. A formatação aqui é meio ruim… Mas eu forneço abaixo o link de onde tirei os dados.

01    1967 (15 January, 1967)    Green Bay Packers       35-10    Kansas City Chiefs
02    1968 (January 14, 1968)    Green Bay Packers      33-14    Oakland Raiders
03    1969 (January 12, 1969)    New York Jets              16–07     Indianapolis Colts
04    1970 (January 11, 1970)    Kansas City Chiefs        23–07     Minnesota Vikings
05    1971 (January 17, 1971)    Baltimore Colts               16–13     Dallas Cowboys
06    1972 (January 16, 1972)    Dallas Cowboys              24–03     Miami Dolphins
07    1973 (January 14, 1973)    St Louis Rams                 14–07     Washington Redskins
08    1974 (January 13, 1974)    Miami Dolphins              24–07     Minnesota Vikings
09    1975 (January 12, 1975)    Pittsburgh Steelers        16–06     Minnesota Vikings
10    1976 (January 18, 1976)    Pittsburgh Steelers         21–17    Dallas Cowboys
11    1977 (January 09, 1977)    Oakland Raiders              32–14    Minnesota Vikings
12    1978 (January 15, 1978)    Dallas Cowboys                27–10    Denver Broncos
13    1979 (January 21, 1979)    Pittsburgh Steelers         35–31    Dallas Cowboys
14    1980 (January 20, 1980)    Pittsburgh Steelers        31–19    St. Louis Rams
15    1981 (January 25, 1981)    Oakland Raiders              27–10    Philadelphia Eagles
16    1982 (January 24, 1982)    San Francisco 49ers        26–21    Cincinnati Bengals
17    1983 (January 30, 1983)    Washington Redskins      27–17    Miami Dolphins
18    1984 (January 22, 1984)    Oakland Raiders              38–09     Washington Redskins
19    1985 (January 20, 1985)    San Francisco 49ers        38–16    Miami Dolphins
20    1986 (January 26, 1986)    Chicago Bears                  46–10    New England Patriots
21    1987 (January 25, 1987)    New York Giants             39–20    Denver Broncos
22    1988 (January 31, 1988)    Washington Redskins     42–10    Denver Broncos
23    1989 (January 22, 1989)    San Francisco 49ers       20–16    Cincinnati Bengal
24    1990 (January 28, 1990)    San Francisco 49ers       55–10    Denver Broncos
25    1991 (January 27, 1991)    New York Giants              20–19    Buffalo Bills
26    1992 (January 26, 1992)    Washington Redskins      37–24    Buffalo Bills
27    1993 (January 31, 1993)    Dallas Cowboys                 52–17    Buffalo Bills
28    1994 (January 30, 1994)    Dallas Cowboys                30–13    Buffalo Bills
29    1995 (January 29, 1995)    San Francisco 49ers         49–26    San Diego Chargers
30    1996 (January 28, 1996)    Dallas Cowboys                 27–17    Pittsburgh Steelers
31    1997 (January 26, 1997)    Green Bay Packers            35–21    New England Patriots
32    1998 (January 25, 1998)    Denver Broncos                 31–24    Green Bay Packers
33    1999 (January 31, 1999)    Denver Broncos                 34–19    Atlanta Falcons
34    2000 (January 30, 2000)    St. Louis Rams                 23–16    Tennessee Titans
35    2001 (January 28, 2001)    Baltimore Ravens              34–07     New York Giants
36    2002 (February 3, 2002)    New England Patriots       20–17    St. Louis Rams
37    2003 (January 26, 2003)    Tampa Bay Buccaneers    48–21    Oakland Raiders
38    2004 (February 1, 2004)    New England Patriots       32–29    Carolina Panthers
39    2005 (February 6, 2005)    New England Patriots       24–21    Philadelphia Eagles
40    2006 (February 5, 2006)    Pittsburgh Steelers           21–10    Seattle Seahawks
41    2007 (February 4, 2007)    Indianapolis Colts               29–17    Chicago Bears
42    2008 (February 3, 2008)    New York Giants                17–14    New England Patriots
43    2009 (February 1, 2009)    Pittsburgh Steelers            27–23    Arizona Cardinals
44    2010 (February 7, 2010)    New Orleans Saints             31–17    Indianapolis Colts

The Pittsburgh Steelers have won the most Super Bowls with six championships

The Dallas Cowboys and San Francisco 49ers have five wins each

Dallas has had the most Super Bowl appearances, playing in eight               

The Buffalo Bills, Denver Broncos, and Minnesota Vikings each have lost a record four Super Bowls               

Buffalo and Minnesota are both 0–4 in the Super Bowl

http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Super_Bowl_champions               

Em São Paulo, 17 de Janeiro de 2011

84 Charing Cross Road

Ontem (15.1.2011), ao voltar de um passeio e um jantar de despedida em Londres que envolveu Piccadily Square e Oxford Circus, resolvemos voltar, a Paloma e eu, a pé para o hotel pela Charing Cross Road (que está em reforma na parte em que cruza a Oxford Street, que ali passa a se chamar New Oxford Street). Eram mais ou menos 20h. A razão para o desejo de voltar pela Charing Cross Road, que envolveu uma volta bem maior no trajeto, foi verificar se havia, na rua, o número 84. E a razão para esse desejo foi o magnífico filme, quase “cult“, que tem, no original, o título de 84 Charing Cross Road.

É um filme fora de série, de 1987, com Anne Bancroft (que, infelizmente, morreu em 2005 com 73 anos) e Anthony Hopkins (que, felizmente, continua firme) – dois dos principais monstros sagrados na minha lista desses monstros… Vide a ficha técnica do filme em http://www.imdb.com/title/tt0090570/.

A terrivelmente inadequada descrição do filme colocada no site diz o seguinte:

“História real de uma correspondência comercial transatlântica sobre livros usados que se tornou uma estreita amizade”.

Alguém iria se preocupar em ver um filme sobre correspondência comercial acerca de livros usados, mesmo que essa correspondência fosse transatlântica e houvesse se tornado uma estreita amizade?

O sumário do enredo no site IMBD, escrito por um leitor do site IMDB, também não revela adequadamente a natureza do filme. Diz o seguinte:

“Quando uma leitora de enredos, que mora em um apartamento em Nova York, lê, no  Saturday Review of Literature, um anúncio de uma livraria em Londres que vende livros pelo correio, ela começa uma correspondência muito especial com Frank Doel, funcionário da livraria de livros usados Marks & Co., que opera em 84 Charing Cross Road, Londres”.

Um filme com esse enredo geraria tanto interesse?

O filme trata, na realidade, de um delicado romance epistolar. Quem escreveu a descrição e o sumário do enredo não percebeu a sutileza das entrelinhas e dos entreditos, o significado daquilo que fica apenas implícito no texto das cartas e no diálogo dos personagens, o sentido profundo de olhares sem foco que se perdem voltados para lugar nenhum, depois de ler uma carta, o “texto” que se escreve mais numa expressão facial sutil de um grande ator do que com letras e palavras…

Uma resenhadora anônima do filme captou (também no site IMDB) a sua mensagem perfeitamente:

“Helene e Frank de fato nunca disseram um ao outro que se amavam – eles nem mesmo se encontraram, que diabos! Mas eles se amavam daquela forma não expressa necessariamente em palavras que as pessoas de hoje não compreendem. O filme não baixa ao nível da convenção, não apela para o romance pegajoso. Helene e Frank fazem bem um para o outro, enriquecem a vida um do outro. Isso não é amor? Hopkins tem um momento inesquecível no filme, quando lê a carta em que Helene lhe comunica que terá de cancelar, por problemas de saúde, a viagem que havia planejado fazer a Londres.  A expressão de sua face diz tantas coisas, tudo de uma vez só, que é realmente lindo constatar que um ator pode expressar tanto sem dizer nada. Fico comovida toda vez que vejo a cena – e vou ficar, não importa quantas vezes a veja. Sou extremamente grata por esse filme ter sido feito com tanta sensibilidade”.

É isso.

Fala-se muito, hoje, em romances que se desenvolveram através de contatos pela Internet. Conheço os personagens de alguns desses romances que podem ser descritos como “transatlânticos”. Mas isso, hoje, não importa tanto, porque a Internet e os vôos internacionais relativamente baratos reduziram as distâncias entre os continentes… Assim, o romance epistolar pela Internet logo se transforma em um romance relativamente normal – ou termina. 

Mas, antes da Internet, e antes de as passagens aéreas internacionais se tornaram acessíveis a boa parte das pessoas, havia o romance epistolar, o amor que se alimentava, durante longo tempo, meramente de palavras escritas a mão em cartas cuidadosamente redigidas em folhas de papel de carta às vezes levemente perfumadas (que desapareceram de nossas papelarias por total desuso em tempos de email). Esse amor, a maior parte das vezes, não se transformava logo em contato face-a-face, porque a distância e a falta de dinheiro o impediam. O romance epistolar de Helene e Frank, que o filme descreve, durou quarenta anos. A história é baseada em fatos reais.

84 Charing Cross Road é um filme desse tipo. Extremamente delicado – que mais se pode esperar de um filme com Anne Bancroft e Anthony Hopkins?

Em Português o título foi, se não me engano, Nunca Te Vi, Sempre Te Amei. Em Portugal o título foi A Carta do Adeus. Em países de fala espanhola o filme se chamou La Carta Final. Desses, o título em Português é o que mais se aproxima do conteúdo do filme. O título em Inglês é virtualmente ininteligível para quem não sabe que a região de Londres em que está o endereço que dá título ao filme é cheia de livrarias, muitas delas de livros usados… 

84 Charing Cross Road me faz lembrar um outro filme de amor intenso, mas delicado, e que também não se materializa (embora, no caso, não por dificuldade de proximidade física): The Remains of the Day (Vestígios do Dia), também com Anthony Hopkins, mas neste caso com Emma Thompson.

Traduzo o texto de mais uma resenha de 84 Charing Cross Road e transcrevo várias outras no original em Inglês:

“Não mudaria uma coisa sequer nessa produção. Cada membro do elenco faz o que deve fazer, a história é emocionante e verdadeira, os personagens ganham vida e você fica envolvido em suas vidas. Quando você se cansar de ver corridas de carros pelas ruas, com acidentes e explosões, ou de ouvir linguagem que você não tem coragem de repetir para sua mãe, ou relacionamentos humanos distorcidos e cheios de clichés, ou humor baseado em funções corporais que normalmente seriam consideradas privadas, dê um presente a si mesmo e assista a esse filme”.

Eis algumas das inúmeras resenhas deixadas pelos leitores no site IMDB.

———-

36 out of 36 people found the following review useful:

Simply the best., 12 April 2004

84 Charing Cross Road is one of my favorite movies. Based on the memoirs of Helene Hanff (the book contains the letters from which they read throughout the film), this is the story of a single New York woman named Helene Hanff (Anne Bancroft) who builds a forty-year friendship with some people who work in a bookstore in England. The movie begins during WWII as Helene, a writer, is searching for out-of-print books and, frustrated at the poor selection in the city’s bookstores, starts writing letters to the Marx brother’s bookstore in England. Through her letters, she not only becomes a frequent customer, but eventually, becomes quite close with all of the bookstore’s employees. And through their letters, they share experiences over the years, which the viewer witnesses through a juxtaposition of two different cultures: American and British.

I like the technique used in this film. The interaction between Helene and her British friend occurs only through letters, so rather than have the characters write a letter and then dub what is written, eventually, the characters just face the camera and say what they would have written, with the camera cutting back and forth for each other’s response, at times as though we suddenly become the recipient of their conversations.

The film also has a wonderful cast with Anne Bancroft as Helene, Anthony Hopkins as the generous Frank P. Doel, Judi Dench as his wife, and Mercedes Ruehl as Helene’s neighbor. It is a wonderful story.

———-

34 out of 35 people found the following review useful:

My favourite film, 17 August 2004

Whenever anyone asks me, which isn’t often, I tell them this is it. And they invariably have never heard of it, which is a terrible shame.

I love the film, and advise those who love it as well that they SHOULD read the book too… and also read The Duchess of Bloomsbury Street, and find out what happened when Helene went to England after all those years.

And don’t stop there… look up the Oxford Book of English Prose and the Oxford Book of English Verse (http://www.bartleby.com/101/), edited by the venerable Q (Sir Arthur Quiller-Couch), and see what inspired Helene to begin the correspondence in the first place (basically she decided to read everything Q mentioned, “unless it’s fiction.”)

———-

29 out of 30 people found the following review useful:

A poignant and well-crafted story of long-distance friendship., 2 December 2003

This movie is an example of how the cinematic medium can powerfully explore a mundane activity as letter writing. The movement of the characters through their activities and concerns over different times of life and across two physically separated cultures is smooth, subtle and engaging. The movie does not contain the bombast that many others seem to be more pre-occupied with. Rather the viewer is taken into the quiet enjoyment of human conversation and communication. And just like a good conversation, one is left with both satisfaction and longing.

———-

16 out of 16 people found the following review useful:

A remarkably fine film for those who enjoy a great personal story. Here, we get too!, 24 June 2004

’84 Charing Cross’, from the address of the used book store in London, takes place over roughly 20 years from 1949 to 1969. Watching it today, I became totally immersed in the story, and I found out why later, because it is based on the real story of Helene and Frank. I always like movies based on real people, and closely identify with the idea of a seemingly random event triggering a new and perhaps lasting friendship. Helene (Anne Bancroft), a New York Jew and struggling writer, loves English literature but cannot find suitable and reasonably-priced books that she wants in NYC. She finds a simple ad in a publication, writes to the bookstore in London, they send her two of the three books she seeks, for a total of $5.30, and the story begins in earnest from that point. Bancroft (Helene) and Hopkins (Frank) are magnificent here, in this wonderful little movie of two people, quite different, living worlds apart, but who become lifelong friends. One of my new favorites!!

The rest of my comments contain SPOILERS for my recollection, please stop reading if you have not seen the movie.

The correspondence between Frank and Helene, who became a somewhat successful TV writer, carried on for 20 years from 1949 to 1969, and was published in 1970, which eventually led to this movie. During that time he sent her photos of his family, she sent ‘care packages’ of food to them in post-war rationing times, she requested certain books, he found and sent them. One planned trip to London had to be cancelled because of $2500 of emergency dental work for Helene. Then, in 1969 she gets a letter that Frank had died after an attack of appendicitis, and later that the bookstore would be closed. When she finally was able to make her trip, we see her walk into a now vacant space, but she smiles as she recalls 20 years of correspondence with Frank and the other workers there.

The movie actually begins at the end, as she is on a plane, and awakes to sunlight through her window as she approaches London. Then, as she enters the vacant store, the movie flashes back to 1969. When the movie ends, we see her in the store, the completion of that earlier scene. No extras on the DVD, but it has a good picture and sound.

———-

16 out of 17 people found the following review useful:

A Different View of Singlehood, 9 June 2005

I saw this movie in 1987, read the book, and just rented it again in memory of Anne Bancroft. It remains for me a gem – an amazingly done story. What is really amazing, however – and a sad comment on where people’s attentions are focused – is that in 1987 there were two movies that dealt with married men and single women. This was one of them; the other was “Fatal Attraction.” What a difference! People flocked to see the latter film in which (spoilers for “F.A.” here) a single urban career woman has a brief affair with a married man, tries to kill herself, tries to kill everyone else, fricassees a pet rabbit, etc. Now in “84 Charing Cross Road,” the heroine’s finances prevent her from crossing the ocean to actually meet the married man of her daydreams – but even if she had been able to visit England and meet him, I doubt she would have baked his children’s pets or kidnapped his children. This was not, thankfully, that kind of film. This was a true story of a single career woman whose life was happy in spite of her being single. She had friends, her writing, the books she was buying and reading. We see at one point a photograph on her bureau of a man in uniform – was this a former boyfriend, a fiancé who was killed in the war? Possibly – but the woman does not live in grief nor does she go melodramatically crazy. It’s too bad that America chose to make the derivative trash that is “F.A.” popular while not honouring “84 Charing Cross Road” for its depiction of a brainy adult relationship.

———-

16 out of 17 people found the following review useful:

Impeccable Acting & Dialogue, 17 October 2003

A fantastic piece of work. This movie is for those who are interested in dialogue and masterful acting. The acting is impeccable and the dialogue is magnificent and very touching. Surely Anthony Hopkins deserved an AA and so did Anne Bancroft.

———-

17 out of 19 people found the following review useful:

Next time, I’m in London!, 4 June 2002

’84 Charing Cross Road’ is a wonderful, enchanting film about the differences and similarities between the Brits and the New Yorkers over the years. Helene Hanff really was a special writer. She gave an identity to 84 Charing Cross Road to last a lifetime. Her letter writing relationship between a bookstore and herself is one of legendary stories to become part of London and New York. Sadly, she died 5 years ago. I am sure that 84 Charing Cross Road will always remember the writer, Helene Hanff, who inspired such a legacy. Anyway the film has a wonderful cast like Anne Bancroft who is ageless in the role. Sir Anthony Hopkins as the bookseller. Dame Judi Dench as his wife and Maurice Denham in a supporting role. Also, I have been to London three more times since I wrote this review and sadly this time, I made the effort to visit 84 Charing Cross Road. . . Sorry, folks, it’s a Pizza Hut and I had dinner there tonight anyway. There is no plaque. I still think Anne Bancroft was superb now that she’s gone. So has Maurice Denham since I last wrote this review. God Bless them wherever they are.

———-

15 out of 17 people found the following review useful:

A very pleasant , very intimate film, 27 June 2005

I recently saw this film for the first time, as a chance to see an Anne Bancroft film I had not seen before. Bancroft and Hopkins are both excellent in this. And, more than almost any other film, they have to be excellent: their performances are the only thing this little film hangs on.

Everything about this film violates almost every “Screenwriting 101” type rule. The two main characters communicate primarily through letters. Characters address the audience directly. There is no real conflict. Change occurs only with the natural passage of time in the characters’ lives. No heroes, no villains. No romance, no violence, no adventures – just two people (one a writer, the other a rare-book dealer) living their lives and caring about how the other leads theirs.

And yet, the film works. Over the span of the 20+ years portrayed in the film, the audience gets to know and like both of the main characters, and their compatriots as well. And just getting to know them and their unique friendship makes it all worthwhile.

Also, the portrayal of the privations of the post-war U.K. of rations and food shortages is done very well. Michael Palin, amongst others, has addressed the tragicomic aspects of postwar rationing in the U.K., but in this film, it is poignant how even a poor American managed to make the entire bookstore’s Christmases worthwhile with a well-timed shipment of Danish food.

———-

ET: Tanto quanto pude aferir, não existe o número 84 na Charing Cross Road… 😦  Existe uma pizzaria, como afirma uma das resenhas, mas não é no número 84 (embora seja bem próximo).

Em Londres, 16 de Janeiro de 2011 (dia anterior ao do retorno para o Brasil).

Gullar sobre Lulla

O artigo de Ferreira Gullar sobre Lulla na Folha de hoje, que transcrevo abaixo para que quem não assina a Folha ou o UOL possam ler, traz um pouco de bom senso à avaliação do ex-presidente e de sua gestão.

———-

Folha de S. Paulo
16 de Janeiro de 2011

FERREIRA GULLAR

Quando dois e dois são quatro

O tempo se encarregará de pôr as coisas no lugar. O presidente Médici também obteve 82% de aprovação

TALVEZ SEJA esta a última vez que escreva sobre o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil. Com alívio o vi terminar o seu mandato, pois não terei mais que aturá-lo a esbravejar, dia e noite, na televisão, nem que ouvir coisas como esta: “Ele é tão inteligente que fala todas as línguas sem ter aprendido nenhuma”. Pois é, pena que não fale tão bem português quanto fala russo.

É verdade que tivemos, ainda, que aturá-lo nos três últimos dias do mandato, quando “inaugurou” obras inexistentes e fez tudo para ofuscar a presidente que chegava.

Depois de passar a faixa, foi para um comício em São Bernardo, onde, até as 23h, continuava berrando no palanque, do qual nunca saíra desde 2002.

Aproveitou as últimas chances para exibir toda a sua pobreza intelectual, dizendo-se feliz por deixar o governo no momento em que os Estados Unidos, a Europa e o Japão estão em crise.

Alguém precisa alertá-lo para o fato de que a crise, naqueles países, atinge, sobretudo, os trabalhadores. Destituído de senso crítico, atribui a si mesmo (“um torneiro mecânico”) o mérito de ter evitado que a crise atingisse o Brasil. Sabe que é mentira mas o diz porque confia no que a maioria da população, desinformada, acreditará.

Isso dá para entender, mas e aqueles que, sem viverem do Bolsa Família nem do empréstimo consignado, veem nele um estadista exemplar, que mudou o Brasil? É incontestável que, durante o seu governo, a economia se expandiu e muita gente pobre melhorou de vida. Mas foi apenas porque ele o quis, ou também porque as condições econômicas o permitiram?

Vamos aos fatos: até a criação do Plano Real, a economia brasileira sofria de inflação crônica, que consumia os salários. Qual foi a atitude de Lula ante o Plano Real? Combateu-o ferozmente, afirmando que se tratava de uma medida eleitoreira para durar três meses.

À outra medida, que veio consolidar o equilíbrio de nossa economia, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lula e seu partido se opuseram radicalmente, a ponto de entrarem com uma ação no Supremo para revogá-la. Do mesmo modo, Lula se opôs à política de juros do Banco Central e ao superávit primário, providências que complementaram o combate à inflação e garantiram o equilíbrio econômico. Essas medidas, sim, mudaram o Brasil, preservando o valor do salário e conquistando a confiança internacional.

Lembro-me do tempo em que o preço do pão e do leite subia de três em três dias. Quem tinha grana, aplicava-a no overnight e enriquecia; quem vivia de salário comia menos a cada semana.

Se dependesse de Lula e seu partido, nenhuma daquelas medidas teria sido aplicada, e o Brasil -que ele viria a presidir- seria o da inflação galopante e do desequilíbrio financeiro. Teria, então, achado fácil governar?

Após três tentativas frustradas de eleger-se presidente, abandonou o discurso radical e virou Lulinha paz e amor. Ao deixar o governo, com mais de 80% de aprovação, afirmou que “é fácil governar o Brasil, basta fazer o óbvio”. Claro, quem encontra a comida pronta e a mesa posta, é só sentar-se e comer o almoço que os outros prepararam.

A verdade é que Lula não introduziu nenhuma reforma na estrutura econômica e social do país, mas teve o bom senso de dar prosseguimento ao que os governos anteriores implantaram. A melhoria da sociedade é um processo longo, nenhum governo faz tudo. Inteligente, mas avesso aos estudos, valeu-se de sua sagacidade, já que é impossível conhecer a fundo os problemas de um país sem ler um livro; quem os conhece apenas por ouvir dizer não pode governar.

Por isso acho que quem governou foi sua equipe técnica, não ele, que raramente parava em Brasília. Atuou como líder político, não como governante, e, se Dilma fizer certas mudanças, pouco lhe importará, pois nem sabe ao certo do que se trata. Para fugir a perguntas embaraçosas, jamais deu uma entrevista coletiva. Afinal, ninguém, honestamente, acredita que com programas assistencialistas e aumento do salário mínimo se muda o Brasil.

O tempo se encarregará de pôr as coisas em seu devido lugar. O presidente Emílio Garrastazu Médici também obteve, em 1974, 82% de aprovação.

———-

Londres, 16 de Janeiro de 2010.