Minha Gestão na Direção da Faculdade de Educação da UNICAMP (1980 a 1984) *

Fui Diretor da Faculdade de Educação de Abril de 1980 a Abril de 1984. Antes disso, fui Diretor Associado, na gestão do Prof. Antônio Muniz de Rezende (Abril de 1976 a Abril de 1980). Fiquei, portanto, na Direção da Faculdade, como Diretor ou Diretor Associado, durante os oito anos que se seguiram aos quatro anos iniciais da Faculdade, em que ela foi dirigida pelo finado Prof. Marconi Freire Montezuma (do início, em 1972, até Abril de 1976). Embora tenha ativamente participado da gestão da Faculdade enquanto Diretor Associado, vou limitar minhas observações ao período em que ocupei o cargo de Diretor, visto que o Prof. Rezende cobrirá o quadriênio em que ele exerceu este cargo.

Vou procurar reunir minhas considerações, admitidamente muito pessoais, ao redor de seis temas:

  • O Processo de Escolha
  • A Primeira Fase da Gestão: O Fortalecimento dos Diretores
  • A Crise de Outubro de 1981
  • A Segunda Fase da Gestão: Tecnologia Educacional
  • Rápida Apreciação
  • O Futuro

I. O Processo de Escolha

O implantador e primeiro Diretor da Faculdade de Educação foi escolhido através de decisão pessoal do então Reitor da Universidade, Prof. Zeferino Vaz. A escolha recaiu inicialmente sobre o Prof. José Aloísio Aragão, que, entretanto, veio a falecer, sendo, em seu lugar, escolhido o Prof. Marconi Freire Montezuma, que, contudo, apenas respondeu pelo expediente da Direção. (O Prof. José Aloísio Aragão era irmão do Dr. Francisco Alcilone Aragão, que, desde a criação da Faculdade até a sua aposentadoria, exerceu função que, na prática, era a de Secretário da Faculdade).

O segundo Diretor, Prof. Antônio Muniz de Rezende, também foi nomeado pelo Reitor Zeferino Vaz, que acatou a indicação feita pelo Prof. Montezuma. Este fez sua indicação depois de consultar vários membros da então pequena comunidade da Faculdade, tendo o nome do Prof. Rezende alcançado consenso entre os consultados, apesar de ele haver chegado à Faculdade pouco tempo antes (cerca de um ano).

No meu caso, o processo de escolha foi mais elaborado e, do ponto de vista da democracia, representou certo avanço. Já havia, na Faculdade, um Colegiado, que fazia as vezes da futura Congregação, que não podia ainda ser implantada em virtude de uma alegada não institucionalização da Faculdade. Do Colegiado participavam o Diretor, o Diretor Associado, os Coordenadores de Curso, os Chefes de Departamento, os representantes dos vários níveis docentes e representantes dos alunos de Graduação (Pedagogia e Licenciatura) e Pós-Graduação. Cada Departamento, cada nível docente e cada categoria de alunos se reuniu, discutiu a questão, e veio ao Colegiado com uma lista de nomes que representava um elenco hierarquizado de preferências. Meu nome alcançou consenso, tendo obtido o voto de todos os dezenove participantes da reunião do Colegiado. Para compor a lista a ser encaminhada ao Reitor – então já o Prof. Plínio Alves de Moraes – foram usados nomes de outros docentes da Faculdade, menos votados (já que cada participante da reunião podia votar em até três nomes). Com o respaldo da decisão do Colegiado, minha indicação para a Direção foi encaminhada ao Reitor pelo Prof. Rezende.

Minha nomeação, entretanto, demorou um pouco para sair, porque havia jogo de pressões nos bastidores, do qual participaram vários elementos da cúpula da Universidade que não estavam totalmente satisfeitos com o meu nome, em grande parte em virtude de meu ativo envolvimento, enquanto Diretor Associado, na famosa greve de 1979 e no processo de contratação do Prof. Paulo Réglus Freire, naquele mesmo ano. Neste episódio, em particular, eu, na qualidade de Diretor Associado da Faculdade, no exercício da Direção (o Prof. Rezende estava afastado), havia, à revelia da Reitoria, enviado uma carta, co-assinada pelo Reitor da PUC-SP, ao Ministério das Relações Exteriores, solicitando a liberação de passaporte para o Prof. Paulo Freire, que se encontrava na Suíça, visto que tínhamos, a Faculdade de Educação da UNICAMP e a PUC-SP, interesse em contratar o Prof. Paulo Freire – algo que, de fato, eventualmente ocorreu. Essa carta, graças à atuação bem intencionada mas desastrada do Prof. Moacir Gadotti (que, tendo, em Genebra, sido “apadrinhado” do Prof. Paulo Freire, acabou se tornando seu “padrinho” aqui no Brasil), recebeu desmedida atenção da imprensa local, dado o fato de que o Prof. Paulo Freire estava proscrito, proibido de retornar ao país, etc. É oportuno lembrar que a anistia “ampla, geral e irrestrita” não havia ainda sido concedida. Lembro-me bem, entretanto, do dia em que o Prof. Plínio me comunicou, durante a festa de casamento de um dos filhos dos Profs. Morency e Lucila Arouca, que minha nomeação estava saindo, como de fato saiu. Os elementos da cúpula da Universidade que resistiam ao meu nome não haviam, porém, desistido da luta, como ficaria claro 18 meses depois, na chamada Crise de 1981.

Minha gestão pode ser dividida em duas fases, separadas pela Crise de 1981. A primeira, que durou exatos 18 meses (de Abril de 1980 até a eclosão da crise, em Outubro de 1981), foi dedicada principalmente a atuação externa, no âmbito da Universidade. A segunda fase durou exatos dois anos, de Abril de 1982 a Abril de 1984. A crise durou exatos seis meses.

II. Primeira Fase da Gestão: O Fortalecimento dos Diretores

A gestão do Prof. Zeferino Vaz na Reitoria foi a do homem forte que era. Embora houvesse homens fortes na Direção de algumas unidades durante sua gestão, não havia dúvida de que eles, caso discordassem do Reitor, eventualmente seriam alijados de sua posição, como cabalmente demonstraram os “affaires” Fausto Castilho, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, e Marcelo Damy de Souza Santos, no Instituto de Física.

Preferiu o Prof. Zeferino ser sucedido por alguém que não lhe fizesse sombra, e, assim, conseguiu, junto ao então Governador Paulo Egydio Martins, que fosse nomeado como seu sucessor o Prof. Plínio Alves de Moraes – pessoa boníssima, a quem respeito até hoje, mas sem a menor condição política de exercer o cargo de Reitor, especialmente diante de um Governador forte, como era o caso de Paulo Salim Maluf, que assumiu o cargo em 1979. O Prof. Plínio foi o terceiro da lista enviada ao Governador Paulo Egydio Martins.

O Prof. Plínio, sendo um Reitor politicamente fraco, deixou espaço para o fortalecimento político dos Diretores, enquanto grupo, dentro da Universidade – especialmente daqueles Diretores que, tendo sido indicados, pela primeira vez na Universidade, por processo razoavelmente democrático de consulta e votação, estavam respaldados por sua comunidade. O resultado disso foi que os chamados “Diretores Democráticos”, com apoio da Representação Docente no Conselho Diretor (inexistia ainda o Conselho Universitário), ocuparam o vazio deixado pela fraqueza do Reitor – com a simpatia deste mas contra a vontade de seus acólitos, em especial do Dr. Paulo Gomes Romeu, “raposa velha”, então Vice-Reitor, como houvera sido na gestão do Prof. Zeferino Vaz, ex-Presidente do Conselho Estadual da Educação e burocrata por vocação; Dr. Pérsio Furquim Rebouças, Procurador-Geral da Universidade, de inexcedível incompetência, mas para quem a função de Procurador da Universidade nada mais era do que uma excelente ocasião de ajustar as leis e as normas à vontade daqueles a quem pessoalmente servia; Sr. Zuhair Warwar, Coordenador da Administração Geral, que cobria de mistério os mais elementares processos operacionais para que pudesse tipificar como gênio administrativo toda vez que isso pudesse lhe trazer algum dividendo, político ou de outra natureza; e Dr. Arnaldo Camargo – ex-Delegado do DOPS, com contatos nos mais recônditos porões da Ditadura Militar, figura tétrica e ameaçadora, que serviu de Chefe de Gabinete tanto do Prof. Zeferino Vaz como do Prof. Plínio Alves de Moraes. Que eu saiba, o único que teve coragem de enfrentar o Dr. Camargo foi o Prof. Rezende. Ele certamente se lembra disso.

Quando assumi a Direção da Faculdade, em Abril de 1980, estava em pleno processo de consolidação o “Grupo dos Diretores Democráticos”. Desde que o Prof. Plínio assumiu a Reitoria da UNICAMP, em 1978, ficou claro que a saída do Prof. Zeferino da Reitoria criara um vácuo de poder. Enquanto viveu o Prof. Zeferino, ele ainda se imiscuiu muito nos negócios da Universidade. Entretanto, após sua morte, em Abril de 1981, o vácuo ficou clamando para ser preenchido e os Diretores, que vinham gradativamente, e um pouco nas sombras, assumindo os espaços, e, assim o poder, no âmbito do Conselho Diretor, começaram a se articular mais às claras, junto com a Representação Docente, para assumir a Direção da Universidade, conduzindo o processo de sucessão do Prof. Plínio.

Faziam parte do Grupo o Prof. Maurício Prates de Campos Filho, da Faculdade de Engenharia (que incluía em uma só as atuais Faculdades de Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Engenharia Química), e que era reconhecidamente o líder do grupo; o Prof. Carlos Franchi, do Instituto de Estudos de Linguagem; o Prof. André Maria Pompeu Villalobos, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (que então englobava o atual Instituto de Economia); o Prof. Yaro Burian Júnior, do Instituto de Artes (apesar de ser Engenheiro Elétrico); o Prof. Aécio Pereira Chagas, do Instituto de Química; o Prof. Carlos Alfredo Argüello, do Instituto de Física; a Prof. Ayda Ignez Arruda, já falecida, do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação (que então englobava o atual Instituto de Computação); e eu, da Faculdade de Educação. Ao todo, oito Diretores.

Na divisão de tarefas, coube-me ser Presidente da Comissão de Orçamentos e Patrimônio (COP) do Conselho Diretor, função para a qual fui eleito em 1980 e reeleito em 1981. Junto com a Comissão de Legislação e Normas (CLN), que era presidida pelo meu colega e amigo, Prof. Rubem Azevedo Alves, então representante dos Professores Titulares no Conselho Diretor, a COP tinha um potencial político explosivo. Entre outras funções, tinha a atribuição de examinar as finanças da Universidade e de analisar a proposta de orçamento, recomendando ao Conselho Diretor as prioridades para a alocação de recursos. As comissões anteriores sempre haviam referendado o que o Coordenador da Administração Geral (Zuhair Warwar) lhes trazia pronto. A COP presidida por mim resolveu mexer em vários vespeiros: os contratos com a Ensatur (de propriedade do Deputado Nabi Abib Chedid), que tinha exclusividade no transporte fretado de funcionários, professores e alunos (visto que os ônibus urbanos de Campinas não chegavam até o campus); o processo de compras de gêneros alimentícios para os restaurantes, que envolvia recursos vultosos e era precedido de obscuras licitações; as verbas destinadas aos programas de residência médica no Hospital de Clínicas, que eram menina dos olhos do Prof. Zeferino; as gratificações dos altos funcionários da Universidade; etc. Na minha gestão na Presidência da COP o Conselho Diretor começou a democratizar o processo de preparação do orçamento e de execução orçamentária, com resultados que se mostraram assustadores para a cúpula da Universidade. A Administração Geral da UNICAMP (leia-se: Zuhair Warwar) fez guerra surda o tempo todo, em função da perda de poder, da revelação de quanto se gastava com a Ensatur e com as compras de gêneros alimentícios, etc.. Os Médicos Residentes fizeram greve por não desejarem que sua remuneração fosse fixada pela FUNDAP, conforme determinação do Governo, e porque queriam que se alocassem recursos para seu pagamento diferenciado, pretensão negada pela COP. Os funcionários mais altos da Universidade ganharam uma polpuda gratificação da Reitoria, mas a COP não alocou recursos para seu pagamento, o que fez com que entrassem todos com processos na Justiça. Em termos de democratização de procedimentos, é importante registrar que, quando da programação orçamentária e da concessão de suplementação de verbas, fazia-se uma reunião da COP com todos os Diretores para decidirem, em conjunto, como distribuir os recursos. Isso, naquela época, era inusitado.

Em conversas pessoais, o Reitor estimulava o ataque aos burocratas encastelados na alta administração da Universidade. Nas reuniões do Conselho Diretor, entretanto, procurava não confrontá-los diretamente, embora em muitas ocasiões tenha deixado de lhes dar a sustentação a que haviam se acostumado.

Esse processo de arejamento do Conselho Diretor alcançou seu ponto mais alto quando o Conselho, contra a orientação e a vontade da Mesa, aprovou uma Resolução, decorrente de proposta do Prof. Rubem Alves, que deflagrava o processo de sucessão na Reitoria, definindo uma agenda que previa a apresentação de candidatos, definia um prazo para debates com a comunidade, e estipulava uma data, na segunda quinzena de 1981, para uma Consulta à Comunidade. O mandato do Prof. Plínio se encerraria (como de fato se encerrou) em Abril de 1982. A resolução do Conselho pretendia que, realizada a consulta, o Conselho a apreciasse, e, naturalmente, referendasse o seu resultado, durante o mês de Novembro, encaminhando ao Governador a lista de nomes em tempo mais do que hábil para a indicação do novo Reitor. Esperavam os Diretores e as Representações Docente e Discente que a lista sêxtupla a ser enviada ao Governador não lhe deixasse escolha: todos os seis nomes escolhidos pela comunidade e referendados pelo Conselho deveriam ser de professores afinados com o grupo considerado democrático.

Os oito Diretores mencionados atrás resolveram se candidatar à sucessão do Prof. Plínio. Dois representantes docentes no Conselho, os Profs. Hermano Tavares e Jorge Lobo Miglioli, também se candidataram. Também se apresentou candidato o Prof. Paulo Freire, que não era membro do Conselho mas se identificava com o grupo majoritário no Conselho. Além desses, apresentaram-se outros candidatos, não afinados com esse grupo, como os Profs. Rogério Cerqueira Leite (ex-Diretor do Instituto de Física e ex-Coordenador Geral das Faculdades), José Aristodemo Pinotti (ex-Diretor da Faculdade de Ciências Médicas), Morency Arouca (ex-Diretor da Faculdade de Engenharia Civil, então em Limeira), e Attílio José Giarola (ex-Coordenador Geral de Pós-Graduação e na época Coordenador Geral das Faculdades).

III. A Crise de Outubro de 1981

A Consulta à Comunidade com vistas à escolha do sucessor do Prof. Plínio estava marcada para a semana de 19 de Outubro de 1981. No dia 17, um Sábado, a comunidade acadêmica foi surpreendida com a publicação, no Diário Oficial do Estado, de uma Portaria do Reitor, datada do dia anterior, dispensando de suas funções os oito Diretores que eram candidatos ao cargo de Reitor, sob a alegação de que não eram Professores Titulares, visto que, segundo pretendia o Reitor (com base num parecer rapidamente forjado pelo Conselho Estadual de Educação, a pedido do Dr. Paulo Gomes Romeo), a expressão “Professor Titular” deveria ser interpretada como significando “Professor Titular Concursado”. Ressalte-se que, na Universidade inteira, naquele momento, só havia dois Professores Titulares Concursados: o Prof. Pinotti, que conseguira, a todo custo, e agora ficava claro porquê, fazer aprovar seu concurso no Conselho Diretor meses antes, e o Prof. Arouca, que havia feito o concurso na Universidade de São Paulo, de onde viera para a UNICAMP.

Ao mesmo tempo que exonerava os oito Diretores, o Reitor nomeou oito novos Diretores, prontamente batizados de Interventores pela comunidade. A pressa na nomeação dos novos Diretores fez com que a Reitoria não avaliasse o impacto político, e nem mesmo jurídico, de seus atos. Para a Faculdade de Educação foi nomeado o Prof. Eduardo Daruge, dentista e professor da Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Para algumas unidades foram nomeados professores de fora da Universidade.

Não é difícil imaginar a conturbação que a Portaria gerou na comunidade universitária. Imediatamente foi decretada uma greve que durou seis meses. A Consulta à Comunidade foi realizada, mesmo com a comunidade em greve, tendo a lista sêxtupla sido constituída, nesta ordem, pelos Profs. Paulo Freire, Maurício Prates, Carlos Franchi, Rogério Cerqueira Leite, Yaro Burian e por mim.

Alguns dos Interventores tentaram tomar posse e foram barrados dos prédios das respectivas unidades. O Interventor do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação, de cujo nome felizmente não me lembro mais, mas que era de fora da Universidade, foi intencionalmente levado, pelo motorista da unidade, para um edifício muito distante, e teve que andar de volta até a Reitoria, perdido pelo campus, sob vaias e toda sorte de insultos, sendo alvo de moedas, balas, bolinhas de papel e outros pequenos objetos que lhe eram atirados. Na Faculdade de Educação o Prof. Daruge, depois de várias tentativas frustradas, finalmente conseguiu entrar no prédio, sendo recebido pelos membros do Conselho Interdepartamental da Faculdade que, através do Decano da Faculdade, Prof. Montezuma, então na Chefia do Departamento de Psicologia Educacional, lhe passaram, por ter aceito o cargo, severa e merecida descompostura, da qual o Prof. Daruge provavelmente nunca mais vai se esquecer até sua morte. O efeito imediato foi que o Interventor nunca mais colocou os pés nem mesmo perto da Faculdade de Educação. Consta que renunciou, mas a renúncia, se ocorreu, não foi publicada. De qualquer forma, ele sumiu.

Entrementes, a crise continuou e a Universidade permaneceu parada. De todo o país vieram moções de solidariedade à comunidade universitária agredida. Políticos de toda estirpe procuraram “faturar” em cima da crise, comparecendo ao campus, participando de reuniões, fazendo declarações, etc..

Alguns Interventores de pronto renunciaram, como o do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, um biólogo, que foi substituído pelo Prof. Carlos Rodrigues Lessa, professor de economista do próprio Instituto, em episódio que gerou enorme controvérsia no campus e manchou para sempre a reputação dos envolvidos. O nome do Prof. Lessa para substituir o Interventor original foi indicado à Reitoria pelos economistas da Universidade: Profs. Sérgio Salomé da Silva (Diretor Associado do Instituto, que exercia interinamente a Direção, na ausência do Prof. André), Ferdinando de Oliveira Figueiredo, Jorge Lobo Miglioli, Wilson Cano, João Manoel Cardoso de Mello, Luciano Coutinho de Oliveira, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Maria Conceição Tavares e Paulo Renato Costa Souza (então em fim de mandato como Presidente da ADUNICAMP). Alegavam esses professores (e outros que lhes davam apoio) ser melhor ter um “interventor democrático” a um interventor não-democrático. O Prof. Lessa, embora residisse no Rio de Janeiro, dava uma aula por semana no Departamento de Economia da UNICAMP (da mesma forma que a Profa. Maria Conceição Tavares), assim fazendo parte, oficialmente, do Grupo dos Economistas da UNICAMP, mas era Professor, aparentemente Titular Concursado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A indicação do Prof. Lessa foi aceita pela Reitoria, pois esta estava interessada em rachar o movimento e pôr fim à crise. O Prof. Lessa, sem nenhuma vergonha e nenhum escrúpulo, tomou posse do cargo do Prof. André, e foi prontamente considerado pelos economistas da UNICAMP o legítimo Diretor do Instituto.

Os economistas da UNICAMP, portanto, dispensaram qualquer sutileza e deram um “golpe branco” no Diretor legitimamente eleito do IFCH, o Prof. André. Abriram, assim, em proveito próprio, uma brecha no movimento. Sua iniciativa foi energicamente repudiada pela comunidade. O campus foi forrado de pichações e faixas dizendo “Fora Lessa, Interventor”. As reais intenções políticas do Grupo dos Economistas da UNICAMP começaram a ficar claras naquele momento para toda a comunidade universitária. A partir de então, os economistas da UNICAMP, através do Prof. Lessa e, frequentemente, também dos outros membros do grupo, tornaram-se aliados da Reitoria e deixaram de fazer parte da oposição ao ato de força do Reitor. Maquiavel não poderia ter encontrado melhor evidência de Realpolitik.

Para mim o episódio Lessa não teria sido doloroso se não tivesse levado vários professores da Faculdade de Educação, simpatizantes dos economistas, a propor que se buscasse uma “solução Lessa” também para a Faculdade de Educação. Deixo de mencionar os nomes dos que aderiram a essa proposta, por estarem ainda conosco, mas sua ideia era a de que era preferível encontrar algum Professor Titular Concursado democrático em alguma universidade, e convidá-lo para assumir a Direção da Faculdade, a correr o risco de ter um outro Prof. Daruge na Direção. Felizmente, e para crédito da comunidade da Faculdade de Educação, os proponentes dessa tese ficaram na minoria e ela não prosperou.

Achei que era chegada a minha vez de agir sozinho. Com a assessoria da Dra. Ana Maria Tebar, amiga pessoal e advogada que trabalhava na Secretaria Geral da Universidade, foram rascunhadas as linhas mestras de um Mandado de Segurança contra o ato do Reitor. Usamos argumentos próprios e outros que foram apresentados pelo Prof. Dalmo de Abreu Dallari, que emitiu circunstanciado parecer denunciando o arbítrio e o abuso de poder do Reitor da UNICAMP. Através do Prof. Rubem Alves, contatei o Dr. Waldemar Thomazine, Juiz do Trabalho aposentado e membro da Comissão Justiça e Paz de Campinas, que se dispôs a gratuitamente impetrar o Mandado, colocando nossos argumentos em forma jurídica apropriada. No início de Dezembro de 1981, com muito poucos na Universidade sabendo o que estava sendo feito, o Mandado foi impetrado e liminar favorável foi concedida pelo Juiz de Direito Álvaro Érix Ferreira, então novo na cidade.

A liminar do Juiz caiu como uma bomba na comunidade e na cidade (foi manchete de primeira página dos dois jornais de Campinas), posto que me reconduzia ao cargo de Diretor. Imediatamente impetramos Mandados de Segurança em nomes de todos os Diretores exonerados, exceto os Profs. Carlos Franchi e Yaro Burian, que, por razões pessoais, preferiram não apelar à Justiça. Todos os que impetraram os Mandados receberam liminares favoráveis.

A Reitoria, apavorada, contratou, sem licitação e por uma fábula de dinheiro, o escritório do Dr. Alfredo Buzaid, indigníssimo proponente do Ato Institucional nº 5, para defendê-la nos Mandados de Segurança (assim, implicitamente, reconhecendo a incompetência do Dr. Pérsio Furquim Rebouças). O Dr. Buzaid trouxe seu quartel-general para Campinas, tentou intimidar os Juízes locais (tendo sido bem sucedido em uma instância, em que um Juiz voltou atrás na liminar), entrou com Agravos de Instrumento no Tribunal de Justiça – tudo sem sucesso (exceto no caso do Juiz que voltou atrás aqui em Campinas).

Quando a Reitoria percebeu que uma das liminares, envolvendo dois dos Diretores, fora revogada, resolveu agir com presteza. Convocou uma Reunião do Conselho Diretor para a Sexta-feira anterior ao Carnaval, em Fevereiro de 1982, com a finalidade de elaborar a Lista Sêxtupla para o Governador do Estado, Paulo Salim Maluf. Não contente com essa manobra, reforçou o seu time. Os seis representantes do Governo no Conselho Diretor foram substituídos por pesos-pesados oriundos do mais retrógrado órgão da burocracia educacional daquela época, o Conselho Estadual da Educação.

O Conselho Diretor, reunido, elaborou, sob veementes protestos do Prof. Rubem Alves e meus próprios, uma lista sêxtupla, colocando o nome do Prof. Pinotti em primeiro lugar. Após a reunião, que terminou depois das 18 horas, a lista foi encaminhada pessoalmente ao Governador Maluf, que estava viajando pelo Estado, em um de seus Governos Itinerantes. Num milagre de eficiência, a nomeação do Prof. Pinotti foi publicada no Diário Oficial do dia seguinte, um Sábado de Carnaval. Apropriado.

Pelos mapas de votação, competentemente organizados pelos alunos Cláudio de Oliveira Pinto e Sandra Aparecida Riscal, Representantes Discentes no Conselho, ficou patente que o Prof. Jorge Miglioli, economista e Representante Docente no Conselho, havia votado para o Prof. Pinotti, o fato deixando claro que os economistas haviam encontrado em uma aliança com o Prof. Pinotti, Professor Titular Concursado, a solução de seu problema (o acesso ao poder a qualquer custo). A posterior nomeação dos Profs. Wilson Cano, Ferdinando de Oliveira Figueiredo, e Paulo Renato Costa Souza para altos cargos na administração do Prof. Pinotti simplesmente confirmou o que já estava óbvio. Em 1984 o Prof. Pinotti indicou o Prof. Paulo Renato para o cargo de Secretário da Educação, para o qual ele, Reitor, havia sido convidado pelo Governador André Franco Montoro. Em 1985, o Prof. Pinotti apoiou a candidatura do Prof. Paulo Renato para substituí-lo na Reitoria da UNICAMP e, em contrapartida, foi ocupar o seu lugar na Secretaria da Educação em Abril de 1986, ao sair da Reitoria e passá-la para o Prof. Paulo Renato. Mas com isso saio do período que me compete analisar.

A crise certamente não terminou com a nomeação do Prof. Pinotti. Os processos continuaram a tramitar e, eventualmente, meu processo recebeu uma belíssima sentença definitiva, que chamou o Reitor de arbitrário, denunciou-o por abuso de poder e desmascarou até mesmo a ficção dos concursos. A Universidade continuou em greve.

O Prof. Pinotti, Reitor indicado, mas ainda não empossado, convidou o Prof. Maurício e a mim para uma conversa em sua casa. Ali propôs que retirássemos os processos da Justiça. Em contrapartida, anularia todos os atos do Prof. Plínio contra nós, pagaria as gratificações de Diretor correspondentes aos seis meses, de Outubro de 1981 a Abril de 1982, de todos os exonerados e nos daria o espaço político que desejássemos (desde que não na esfera da mais alta administração, que já estava toda definida). O Prof. Pinotti queria assumir o cargo como o Grande Pacificador da Universidade. Conversamos com os Diretores exonerados e todos concordaram que a proposta era razoável e que a Universidade deveria voltar à normalidade. Assim, assinamos um acordo e retiramos os processos da Justiça. (O meu processo estava em vias de receber uma sentença favorável em Segunda Instância, no Tribunal de Justiça, e isso, certamente, desempenhou um papel importante na decisão do Reitor nomeado).

Com destaque para a ausência conspícua do Prof. Maurício, a maior parte dos Diretores participou da posse do Prof. Pinotti, no Teatro do Centro de Convivência. Os Diretores assinaram um acordo, mas os alunos, não. Estes lotaram as dependências do teatro, fantasiados de palhaços, vaiaram o novo Reitor durante toda a cerimônia, não o deixando ler seu discurso. No entanto, o novo Reitor tomou posse e, aos poucos, o clima se acalmou dentro da Universidade.

O resultado da crise, no que me diz respeito, foi desilusão acerca de muitos colegas e um considerável cinismo acerca da política universitária. Depois da crise, realizei pouco pela Faculdade, tanto externa como internamente, porque fiquei profundamente desestimulado pelo jogo político sujo de que fui testemunha e vítima, e que me convenceu de que, até mesmo dentro da Faculdade, havia pessoas dispostas a promover, por baixo do pano, sua agenda política, e mesmo político-partidária, às custas da vontade expressa da maioria absoluta da comunidade da UNICAMP, em geral, e da Faculdade de Educação, em particular. A crise me fez perder a ingenuidade política, que me levava a crer que as pessoas, dentro da Universidade, estavam primariamente interessadas em preservar a integridade da Universidade contra ingerências externas, viessem de onde viessem, mostrando-me que muitos colegas, na Universidade, se opuseram à intervenção, não porque ela era intervenção, mas porque os interventores não portavam as mesmas cores e bandeiras políticas, e que estariam plenamente dispostos a conviver com a intervenção, desde que os interventores iniciais fossem trocados por interventores politicamente corretos, como o economista Carlos Lessa.

III. A Segunda Fase da Gestão: Tecnologia Educacional

Diante desse quadro, resolvi pensar um pouco mais em mim e um pouco menos na Universidade. A Crise de 1981 me demonstrou que, se eu houvesse sido exonerado de meu cargo de Professor, além do de Diretor, não teria muitas opções, porque não sabia fazer outra coisa na vida. Concluí que era hora de mudar isso. Assim que a crise foi equacionada, em Abril de 1982, matriculei-me num curso de computação (Programação em COBOL, duração 14 meses), na única escola de computação da cidade, a People Computação (que me foi indicada pelo Prof. Maurício). Dentro da Universidade, envolvi-me com o grupo que pesquisava o uso do computador da educação, liderado pelos Profs. Fernando Curado, do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação, e Raymond Paul Shepard, da Faculdade da Educação. Em 1983 propus à Reitoria a criação do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED). O Prof. Pinotti acatou minha sugestão, criou o Núcleo e me nomeou seu primeiro Coordenador.

Ao mesmo tempo, coordenei, na UNICAMP, em 1983, a elaboração do Projeto EDUCOM, apresentado ao MEC, que foi um dos cinco projetos aprovados em 1984 (dentre os 26 submetidos) e os trabalhos de tradução da linguagem LOGO para o Português, em Convênio com a Itaú Tecnologia S/A (Itautec). Esse convênio trouxe para a Faculdade de Educação três dos primeiros quatro microcomputadores a entrar na Universidade (o outro foi para projeto do Prof. Mario Jino, na Faculdade de Engenharia).

IV. Rápida Apreciação Pessoal

Minha atenção à política universitária, nos primeiros dezoito meses, a total paralização de atividades durante os seis meses da crise, e minha desmotivação, nos últimos vinte e quatro meses, significam que minha gestão não se distinguiu por grandes realizações no âmbito da própria Faculdade. Na verdade, acho que, internamente, realizei muito mais como Diretor Associado do que como Diretor, porque o Prof. Rezende me delegou boa parte das tarefas de administração interna e havia muito mais a ser feito, para por a casa em ordem, administrativamente, em 1976 do que em 1980.

É verdade que meu trabalho no âmbito do Conselho Diretor, minha candidatura à Reitoria, minha colocação entre os seis primeiros na lista da comunidade, meu papel na solução jurídica da crise, ajudaram a elevar a reputação da Faculdade de Educação dentro da Universidade – reputação esta que, é imprescindível que se diga, já havia tido considerável ascensão na proba e inatacável gestão do Prof. Rezende, mentor, colega e amigo, a quem publicamente manifesto meu mais profundo respeito e minha incondicional admiração.

Aproveito o ensejo para registrar minha profunda admiração por dois outros colegas e amigos. Um deles, o Prof. Rubem Alves, primeiro Presidente da ADUNICAMP e o mais bravo representante que a comunidade docente jamais teve no Conselho Diretor da Universidade. Com sua reputação internacional e, sobretudo, com suas ideias originais e sua integridade moral, o Rubem muito contribuiu para a necessária deflagração da Crise de 1981 e, posteriormente, para sua mais adequada solução. O outro, o Prof. Maurício Prates, líder inato, motivador por natureza, provocador nos momentos certos, sempre irrequieto, e incomparável realizador. A UNICAMP foi a que mais perdeu em decorrência de o Maurício não ter se tornado o seu Reitor em 1982, como devia. Teria sido realmente Magnífico. Aposentado da UNICAMP, a PUCCAMP hoje se beneficia de sua infindável energia e de seu contagioso entusiasmo.

Além desses três amigos, é preciso registrar que sem Ana Maria Tebar, Waldemar Thomazine e Álvaro Érix Ferreira não teria havido uma solução satisfatória da crise. Os dois últimos provavelmente não se deem conta disso; ela, entretanto, sabe – e sabe que eu sei, e agradeço. Mas agradeço aos outros dois também, onde quer que estejam.

Minha gestão não me cabe avaliar além dessa rápida apreciação pessoal. No futuro alguém provavelmente o fará, e gostaria que o fizesse com base na melhor documentação possível. Por isso, aproveito o ensejo para propor a criação, dentro da Faculdade, de um pequeno Centro de Memória da História da Faculdade de Educação, ao qual terei prazer de legar principalmente os recortes de jornais e as cópias dos processos judiciais relativos à crise. Duvido que alguém mais os tenha guardado.

V. O Futuro

Na gestão dos que me sucederam, a Faculdade de Educação cresceu, institucionalizou-se, ganhou prédio próprio, projetou-se nacional e internacionalmente, ganhou um setor audiovisual, aumentou consideravelmente o número de computadores disponíveis para funcionários, professores e alunos, e criou órgãos internos voltados para a pesquisa em tecnologia educacional. Cumprimento aqui todos os que me sucederam, inclusive o atual Diretor, por essas realizações.

Entretanto, a despeito da visível presença de tecnologia dentro das dependências da Faculdade, não me parece que a comunidade da Faculdade, no seu todo, ou mesmo em sua maior parte, tenha plenamente compreendido o impacto que os novos meios de comunicação, que convergem, inelutavelmente, para o computador, estão tendo, e cada vez mais vão ter, sobre a educação. Continuamos a formar semianalfabetos nessa área, tanto em nosso curso de Pedagogia como em nossas Licenciaturas, para não mencionar os Cursos de Pós-Graduação.

Estou convicto de que a educação, no século XXI, será cada vez mais informal, mais difusa, mais permeada pela tecnologia, mais desintermediada, mais permanente, mais tendente à onipresença e ubiquidade. Isso significa que a escola e o professor, em seus modelos atuais, terão um papel cada vez menor na educação, perdendo espaço para outras instituições e outros agentes que desempenharão um papel cada vez mais central na educação das pessoas.

Há muito que considero que o foco de atenção da Faculdade de Educação, voltado quase exclusivamente para a educação formal no âmbito da escola pública, representa um sério erro de avaliação – exemplo de miopia pedagógica que só consegue ver o que está perto. Dentro do cenário atual, e, mais ainda, dentro do que se descortina, acho que esse erro de avaliação passa a ser grave anacronismo, que poderá rapidamente pôr a perder a reputação que a Faculdade a duras penas angariou ao longo de seus 25 anos de vida.

 Campinas, 19 de Agosto de 1997

 * Trabalho apresentado na Mesa Redonda de Ex-Diretores da Faculdade de Educação no dia 19 de Agosto de 1997, quando se comemorou o 25º aniversário da criação da Faculdade.

Transcrito aqui em Salto, 3o de Junho de 2014

Aniversário de Quarenta Anos de Ingresso na UNICAMP

Hoje, 1/7/2014, faz quarenta anos que fui contratado pela UNICAMP, mediante proposta da Faculdade de Educação. Eu havia chegado, dias antes ((na realidade, em 7/6/1974), dos Estados Unidos, onde vivi por sete anos seguidos e ininterruptos. Meu nome foi sugerido à Diretoria da Faculdade de Educação, que buscava um filósofo da educação, pelo meu primo, Anello Sanvido, que hoje mora no Canadá, mas então fazia Química na Universidade. O Rubem Alves, que eu conhecera quando estudei no Seminário Presbiteriano da UNICAMP, e que já era professor da UNICAMP, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, apoiou a sugestão do Anello – e isso aparentemente decidiu a questão.

Naquela época, em que a UNICAMP estava se iniciando, e estava longe de ser completamente institucionalizada, havia um procedimento administrativo, chamado “Designação”, mediante o qual o Reitor, Prof. Zeferino Vaz, nomeava a título precário, e enquanto o processo de contratação tramitava pelas diversas comissões e por outros órgãos da burocracia universitária, as indicações de professores feitas pelos Diretores das unidades.

O ofício encaminhando minha indicação foi assinado e levado em mãos, naquela ocasião, pelo Prof. Marconi Freire Montezuma, que respondia pela Direção da Faculdade de Educação, porque a pessoa indicada para exerce-la, o Prof. José Aloísio Aragão, havia falecido pouco tempo antes em acidente de carro.

O Prof. Zeferino Vaz despachou, autorizando a minha designação em nível MS-4 (MS=Magistério Superior do Estado), e encaminhando o ofício à Diretoria da Administração para abertura de processo e envio do processo à CPDIDP – Comissão Permanente de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa.

Enquanto o processo tramitava, lentamente, entrou em efeito, em 15/8/1974, a lei que proibia contratações pelo serviço público por noventa dias antes e depois das eleições de 15/11/1974. Minha contratação formal, por causa disso, só se deu em 8/5 do ano seguinte, mas todos os efeitos foram retroagidos a 1/7/1974. Fui contratado em Tempo Integral (40 horas semanais) e Dedicação Exclusiva. Para isso tive de submeter Plano de Pesquisa à CPDIDP. Meu Plano de Pesquisa versou sobre a questão da Doutrinação, com especial atenção às áreas da Política, Moralidade e Religião.

Assim começou minha vida acadêmica no Brasil. Em 1977 fui promovido para o cargo de professor em nível MS-5 e, em 1980, através de processo seletivo interno, ascendi ao cargo de Professor Titular, no nível MS-6, nível mais alto da carreira docente nas universidades paulistas. Eu tinha 36 anos quando isso aconteceu.

Logo depois de assumir minhas funções docentes, no segundo semestre de 1974, dando um curso de Filosofia da Educação I para as alunas do Curso de Pedagogia, iniciado naquele ano, fui designado pelo Reitor, novamente por indicação do Prof. Montezuma, para exercer a função de Coordenador de Graduação da Faculdade (Curso de Pedagogia). Isso se deu em Setembro de 1974. Em Junho de 1975 foi criado o Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado da Faculdade, e fui indicado para compor a Comissão de Pós-Graduação da Faculdade, ao lado dos professores Joel Martins e Newton Aquiles von Zuben. Em Fevereiro de 1976 fui indicado Coordenador do Curso de Pós-Graduação e Diretor Associado da Faculdade – fazendo dupla com o Prof. Antonio Muniz de Rezende, que havia sido designado para substituir o Prof. Montezuma, só que agora com o cargo de Diretor da Faculdade (não Responsável pela Direção).

Exerci os dois cargos por um tempo e, depois, deixei o cargo de Coordenador de Pós-Graduação ficando só com Direção Associada da Faculdade, que exerci até Abril de 1980, quando passei a ocupar a Direção, tendo sido escolhido pelo Colegiado (embrião da Congregação), com unanimidade dos dezenove votos. Faziam parte do Colegiado então o Diretor, o Diretor Associado, os três Coordenadores (Pós-Graduação, Graduação-Pedagogia e Graduação-Licenciaturas), os chefes dos cinco Departamentos (Filosofia e História da Educação; Psicologia da Educação; Sociologia da Educação; Administração e Supervisão Educacional; e Didática e Metodologia de Ensino).

Minha indicação pelo Colegiado foi feita em Fevereiro de 1980, porque a Reitoria, então exercida pelo Prof. Plínio Alves de Moraes, estava sendo pressionada por elementos reacionários da administração (o Chefe de Gabinete do Reitor era ex-diretor do DOPS…) a não aprovar a minha indicação. A razão tinha que ver com o fato de que eu, alguns meses antes, enquanto no exercício da Direção (o Prof . Antonio Rezende ficou afastado de suas funções, durante os últimos seis meses de sua gestão, para preparar tese de Livre Docência), havia batalhado pelo retorno do Prof. Paulo Freire ao Brasil, tendo enviado ofício, em nome da Faculdade da Educação, ao Itamaraty, pedindo nova concessão de passaporte ao Prof. Paulo, que estava em Genebra. Essa decisão não caiu bem junto à cúpula da UNICAMP, que me ameaçou até mesmo de demissão, alegando que eu havia quebrado a hierarquia do serviço público, dirigindo-me a um Ministro, algo que apenas o Reitor da universidade poderia fazer.

Para encurtar, o Prof. Plínio conseguiu vencer as pressões e me nomeou, tomando eu posse em 16/4/1980.

Encerro este relato aqui. Acrescento em outro artigo um relato dos meus conturbados quatro anos frente à Diretoria da Faculdade de Educação.

NOTA: Algumas questões mencionadas neste artigo recebem tratamento um pouco mais detalhado no artigo seguinte, que resume a minha gestão como Diretor da Faculdade de Educação (1980-1984).

Em Salto, 30 de Junho de 2014.

How Far Can a Doctrine Change Before Becoming Something Else?

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PRELIMINARY NOTES

[Preliminary Note 1: This paper was written in 1990 to be presented (as indeed it was) at the meeting of the Second Assembly of World Religions, San Francisco, 1990. The Assembly took place from August 15 to 21, 1990, at the Hyatt Regency Hotel in San Francisco. It was sponsored by New ERA — New Ecumenical Research Association, an organization belonging to IRS — International Religious Foundation (Note added by Eduardo Chaves, on May 26, 2014, when this paper was transcribed here).]

[Preliminary Note 2: In the article “Duas Crises Hermenêuticas” (Two Hermeneutical Crises), published here [my blog Liberal Space], the day before [on May 25, 2014], in Portuguese [see the URL https://liberal.space/2014/05/25/duas-crises-hermeneuticas/%5D, I made a reference to the 1990 article, now published here, which was originally written in English, and up to that time was without translation into Portuguese (as it still is). The fact that few people had access to it was the main reason for publishing the 1990 article here as well. Even though written in the present form only in 1990, previous versions of this article were written beginning in 1970, as an attempt to achieve clarity about the reasons for my loss of religious faith in conservative, orthodox Christianity. And there are many points of contact and convergence between the 1990 article and “Duas Crises Hermenêuticas”, the 2014 article. But the older paper clearly contains elements which were not covered in the more recent article. This adds a second reason for publishing the 1990 article here in 2014. I feel it necessary to underline today (April 5, 2020), however, that my theological views were not stationary in the 24 years that went by between 1990 and 2014. As a matter of fact, they were (and still are) constantly undergoing change. As a result of some of these changes came back to the Presbyterian Church and am now a member of the First Independent Presbyterian Church of São Paulo, SP, here in Brazil. Additionally, I taught History of the Church and History of Christian Thought at the School of Theology of this church in São Paulo, SP, from August of 2014 to July 2017. I will eventually try to give an account of the changes my theological views have undergone in this period — especially since 2008, when I began returning to the church. (Note added by Eduardo Chaves, on April 5, 2020).]

[Preliminary Note 3: In reading a biography of Leslie Stephen, an English intellectual of the 19th century, who was an agnostic and a critic of Christianity, the author of the biography asks on p.255, in the chapter on Agnosticism: “How far belief may change and a man still call himself a Christian is a matter for much curious speculation”. Quite interesting, when compared with the title of this article — even though the question in the biography of Stephen has to do with someone’s right to continue to be called (or to continue to be considered) a Christian after his beliefs have undergone significant change. The title of the biography is Leslie Stephen; The Godless Victorian and the author is Noel Annan (Random House, New York, 1984). (Note added by Eduardo Chaves, on April 5, 2020).]

[Preliminary Note 4: The issue raised by Noel Annan in the previous Preliminary Note is discussed in great depth by J. Gresham Machen, in his book Christianity and Liberalism (New York, Macmillan, 1923), in which he defends the thesis that Theological Liberalism, in the version represented by Friedrich Schleiermacher, Albrecht Ritschl, Adolf von Harnack, and several others, could even be considered a set of interesting theses or theological doctrines, but it was certainly not a version of Christianity, but a totally distinct and different religion, which shared with Christianity some vocabulary, but not the meanings that Christianity attributed to this vocabulary. (Note added by Eduardo Chaves, on April 5, 2020)]. 

[Preliminary Note 5: Compare the following passage from C S Lewis: “Here at the outset I must deal with an unpleasant business. It seems to the layman that in the Church of England we often hear from our priests doctrine which is not Anglican Christianity. It may depart from Anglican Christianity in either of two ways: (a) It may be so ‘broad’ or ‘liberal’ or ‘modern’ that it in fact excludes any real Supernaturalism and thus ceases to be Christian at all. (b) It may, on the other hand, be Roman. It is not, of course, for me to define to you what Anglican Christianity is — I am your pupil, not your teacher. But I insist that wherever you draw the lines, bounding lines must exist, beyond which your doctrine will cease either to be Anglican or to be Christian: and I suggest also that the lines come a great deal sooner than many modern priests think. I think it is your duty to fix the lines clearly in your own minds: and if you wish to go beyond them you must change your profession. This is your duty not specially as Christians or as priests but as honest men. There is a danger here of the clergy developing a special professional conscience which obscures the very plain moral issue. Men who have passed beyond these boundary lines in either direction are apt to protest that they have come by their unorthodox opinions honestly. In defence of those opinions they are prepared to suffer obloquy and to forfeit professional advancement. They thus come to feel like martyrs. But this simply misses the point which so gravely scandalizes the layman. We never doubted that the unorthodox opinions were honestly held: what we complain of is your continuing your ministry after you have come to hold them. We always knew that a man who makes his living as a paid agent of the Conservative Party may honestly change his views and honestly become a Communist. What we deny is that he can honestly continue to be a Conservative agent and to receive money from one party while he supports the policy of another. [C S Lewis, “Christian Apologetics”, in God in the Dock (HarperOne. Kindle Edition. pp. 89-90) (Note added by Eduardo Chaves, on August 23, 2021).]

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ORIGINAL TEXT

John of Trier Eck: “Martin, how can you assume that you are the only one to understand the sense of Scripture? Would you put your judgment above that of so many famous men and claim that you know more than they all? You have no right to call into question the most holy orthodox faith, instituted by Christ the perfect lawgiver, proclaimed throughout the world by the apostles, sealed by the red blood of the martyrs, confirmed by the sacred councils, defined by the Church in which all our fathers believed until death and gave to us as an inheritance. … I ask you, Martin — answer candidly and without horns — do you or do you not repudiate your books and the errors which they contain?”

Martin Luther: “Since, then, Your Majesty and your lordships desire a simple reply, I will answer without horns and without teeth. Unless I am convicted by Scripture and plain reason — I do not accept the authority of popes and councils, for they have contradicted each other — my conscience is captive to the Word of God. I cannot and I will not recant anything, for to go against conscience is neither right nor safe. Here I stand, I cannot do otherwise. God help me. Amen” [1].

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I will try to wrestle with a serious theological problem from a very personal viewpoint.

The theoretical issue contained in the title of this paper will be given an autobiographical reply in the form of an answer to the following question: To what extent do I still have the right to call myself a Protestant, or even a Christian? [2].

I certainly can claim to have a Protestant background: I was born into a Protestant home, my father was (still is [3]) a Presbyterian minister, I accepted, for some time, the main tenets of one of the Protestant denominations, I have a degree in theology from a Protestant Seminary, etc. I cannot see how my Protestant background can be questioned.

If I had converted to, say, Roman Catholicism, I could well see that I no longer had the right to call myself a Protestant. However, that did not happen. Today, I am not affiliated with any religious body, Protestant or otherwise. I do not regularly attend any church. I cannot say that I maintain some form of private piety. From an intellectual point of view, I became skeptical of the claims not only of Protestantism, but also of every other religious body that I know, and consider myself a skeptic and an agnostic, as far as religious and theological doctrines are concerned [4].

And yet, I feel that Protestantism is not something you put on or shed at will and I think that, in a sense, I still have the right to call myself a Protestant (although, let me admit, I do not normally do so, except, perhaps, when filling out the forms for a Conference such as this) [5].

Let me clarify what I mean.

I will not try to define (as many have done) the essence of Protestantism. I will only describe what remained in my mind as characteristic of Protestantism.

First, Protestantism involves the right to search for truth and to not accept traditional ideas as to what truth is or as to where it should be found;

Second, Protestantism, as the name implies, and as history somehow corroborates, involves the right to protest when this search for truth becomes a firm conviction that one has definitively found it and that it is not compatible with the prevailing “ortho-doxy” [6];

Third, Protestantism involves the right to stand by what one believes to be true, even at the cost of having to leave, or being forced to abandon, the religious group to which one belongs (“Hier stehe Ich, Ich kann nicht anders“).

I do not pretend that I am exhausting the meaning of Protestantism, not even that I am giving an accurate description of it. What I am doing is offering a set of norms or criteria as to what being Protestant means to me. Being Protestant, in this sense, means, basically, that one has some rights over against the religious body to which one, by chance or decision, is committed, including the right to leave it and, in a sense, go on belonging to it, just because one had the courage to protest by leaving.

As I mentioned, I was born into a Protestant home of a very conservative and orthodox Presbyterian minister, a convert from Catholicism. Living in a country which, at the time I was born, was about 95% Roman Catholic, my father hesitated considerably to send me to public school — which, in his view, was totally controlled by the predominant religious view. I remember quite clearly that I had (by my father’s determination) to leave the classroom whenever there was religious instruction (which even the public schools were compelled to offer but which was optional to students, since, at that time, it was given almost exclusively by Roman Catholics). Since the public schools were dominated by Catholics and Protestants did not have their own schools where I was growing up, I was taught to read at home, from the Bible. From my early days I was instructed to read the Bible and find out by myself how the Roman Catholics were wrong…

But the Roman Catholics were not the only object of attack by my father. Fellow Protestants of other denominations would also regularly receive their due, especially the Pentecostals (which were beginning to grow in Brazil, as in the whole of Latin America), the Baptists (because of baptism by immersion), Seventh-Day Adventists (because of the Sabbath), Methodists and Anglicans (because they had bishops and so resembled too much the Catholics…), etc. Voodooism, then, was one hundred per cent devilish. Doctrinal controversy was not only allowed: it was stimulated. My father wrote articles and pamphlets against every religious group which was not his own — and even some subgroups within his particular religious denomination eventually received their share.

Of course, my father believed that controversy was beneficial to his cause because he was firmly convinced that the only possible outcome of controversy was persuading the others that they were wrong — unless, of course, they were already so firm in the hands of the Evil One as to be practically beyond the stage where they could be reached by reason and argument. It never occurred to him that he could be wrong.

This was the environment into which I was born. In this environment, the doctrinal elements of religion were most important, since truth mattered more than anything. Doctrine was more important than ritual, experience, and conduct. Lapses in ethical behavior and in religious practice could be forgiven, but not willful persistence in heresy. Reason was also important, for it was with its help that one’s convictions were promoted and defended. I learned to read in English with the help of an old book of Christian Apologetics.

In this context, I did not have any major intellectual difficulties with remaining Protestant and Presbyterian (except for some doubts as to the doctrine of Predestination) — until, of course, I went to Seminary, to study theology. The process which was supposed to strengthen my faith ended up destroying it — as is frequently the case. In Seminary I came in contact with Karl Barth, who did not accept the inerrancy of the Bible and the Virgin Birth of Jesus, with Rudolf Bultmann, who went further and considered a lot of the New Testament just plain myth, and with a number of minor theological stars, whose only consensus seemed to be that traditional Christianity was no longer acceptable. In Seminary, I became quite interested in history and in philosophy. In history, because of my interest to find out how much of the Bible was historically reliable, how historical was the Jesus of the Gospels, etc. In philosophy, because I wanted to sharpen my mastery of logic and epistemology, in order to better search for truth.

During all of this period, my conviction that truth, reason and history mattered only increased. Even though both Barth and Bultmann did have considerable impact on the development of my present views, I could not accept the Barthian claim that reason was unable to have a say in religious matters. Nor could I accept the Bultmannian views that the Jesus of History was not relevant for faith and that the resurrection need not have historically happened. In all of these issues, I was squarely on the side of the traditional Protestantism represented by my father. I agreed with Paul that if Christ did not raise from the dead, then our faith was in vain (I Corinthians 15:14). And, for me, resurrection from the dead was resurrection from the dead — and not some attenuated form of daily resurrection in the preaching of the church, as some theologians seemed to suggest.

My main theological interests in Seminary were in the so-called natural theology (the issue concerning its possibility, the arguments for the existence of God, the relation of reason to revelation, the question of miracles, including the issue of the resurrection, etc.).

My main philosophical interests, which had always been logic and epistemology, became centered on Analytical Philosophy, by then very much involved, under the sharp leadership of Antony Flew, in the analysis of religious discourse. Here also, even though I benefited tremendously from my studies, I could not agree with those philosophers who claimed that religious discourse lacked “cognitive significance”, and that, consequently, the categories of truth or falsehood could not apply to it. Richard B. Braithwaite, for instance, claimed, in his “An Empiricist’s View of the Nature of Religious Belief” [7], that religious language does not make claims which are either true or false, but is much more like literature (about which no one asks whether it is true or false). For me there was no doubt that when most religious persons (philosophers, perhaps, excluded) say that God exists and that he is perfectly good, omnipotent and omniscient, they mean these assertions to be true — literally true, as a matter of fact.

The net result of all these theological, philosophical and historical concerns was that it seemed to me profoundly dishonest what many liberal theologians were doing, especially Bultmann and Paul Tillich: they were denying the truth of traditional doctrines, but reinterpreting them in such a way as to make them acceptable to “modern man” — whatever this expression meant. “Christian Atheists” appeared declaring that one could be Christian without believing in God — something entirely preposterous to me.

Why could I not accept the reinterpretations of Christianity which were being offered by the “demythologizers” of the Bultmanninan school, by “the Ground-of-Beingers” of the Tillichian school and by the Christian “secularists” and “atheists”, or even by my fellow countrymen with their “Liberation Theology”? The answer was simple and straightforward: because whatever they proposed as a reinterpretation of Christianity seemed to me to dispense with everything Christianity had been associated with in the past. One does not need Jesus, and not even Paul, to be kind of Christian Existentialist that Bultmann proposes: it suffices being somehow Heideggerian. One does not need most of traditional Christianity to accept the doctrine of God as the Ground of Being. And certainly one does not need to be a Christian to be an atheist or a marxist.

The religious doctrines of traditional Christianity, in these cases, were so drastically reinterpreted that, in my view, they ceased being the same doctrines. They became something else, entirely different. And for this something else, the original religious doctrines seemed entirely dispensable.

My main question, then, became: why pour new wine into old vessels? Why not just drink the new wine, or keep it in its contemporary vessels? [8] Why pretend to believe the same thing as most of the faithful, when you no longer do? Why resort to every form of intellectual gymnastics in order to claim that this or that is what the Bible has been saying all along, when a plain reading of the Bible suggests the contrary?

Here my readings of Albert Schweizer’s The Quest of the Historical Jesus [9] bore fruit: given enough ingenuity, one can make the Bible say anything one wishes, one can paint the “historical” Jesus with the colors of one’s preference.

The new theologians prevented me from continuing to accept traditional Christianity, because they convinced me that it was not true. But my respect for truth prevented me from accepting their theologies, which tried to make what they believed to be unduly sound as if it were true — only in another, and “deeper”, sense. This, to me, was only a poor attempt to revive the medieval hermeneutics of the sensus plenior.

The end result of this phase of my religious quest was that I lost my faith and, in a coherent manner, left the Church, and became a secular teacher of philosophy (including philosophy of religion in the analytic — metadiscourse — sense).

Following my understanding of Protestantism, I believe that, in a sense, I was being consistently Protestant even when I left the Protestant church. “Here I stand, I cannot do otherwise”. And even today, I can call myself a Protestant, because I still keep an open mind and I do not allow my present religious unbelief to prevent me from continuing to search for truth in religion. Following the suggestion of my main philosophical mentor, David Hume, I am skeptical even of my own skepticism [10]. My behavior is (I presume) quite compatible with that of most believers, and I derive great emotional satisfaction from religious ceremonies and rituals — especially from singing the hymns I learned in my infancy. But since I do not believe the doctrines which give support to this behavior and to these rituals, I choose to behave in the way I do and attend religious services whenever I feel like, without identifying myself as a member of the religious institutions which patronize the behavior and the rituals. But even this may change… 

As a final observation, I must register, however, that it is far from me to suggest that in order to be truly Protestant one must abandon Protestantism.

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END NOTES

[1] Apud Roland H. Bainton, Here I Stand: A Life of Martin Luther (Mentor Books, New York, 1955, 1963), p.144.

[2] This question was already much discussed in print. See, especially, William Warren Bartley, III, “I Call Myself a Protestant”, Harper’s Magazine, May, 1959, reprinted, with parallel articles by Walter Kaufmann, Arthur A. Cohen, and Philip Scharper, in Leo Hamalian & Edmond L. Volpe, eds., Essays of Our Time (McGraw-Hill Book Company, Inc., New York, 1960). Warren W Bartley, III was my doctoral adviser at the University of Pittsburgh (1970-1972).

[3] This note was added on May 6, 2017, after the article was written and published. When I wrote the article, in 1990, my father was still alive. He came to die less than one year later on March 5, 1991.

[4] This note was also added on May 6, 2017, after the article was written and published. Beginning around 2008 I consciously decided to reexamine and review my beliefs and my outlook on life and the world. Most of what I wrote in this paragraph is therefore suspended. In November of 2010 I became a member of the First Independent Presbyterian Church of São Paulo, which I still am. [Since March 2020, I am no longer, but my leaving this local church does not have anything to do with change in my beliefs.]

[5] This note was also added on May 6, 2017, after the article was written and published. Beginning around 2008 I went back to calling myself a Protestant without scruples and misgivings.

[6] This note was also added on May 6, 2017, after the article was written and published. The text that was distributed in 1990 had a different wording for this paragraph, that was clearly inadequate. The present wording is more accurate. The original wording was: “Second, Protestantism, as the name implies, and as history somehow corroborates, involves the right to protest when this search for truth becomes a firm conviction that one has definitively found it in some form of “ortho-doxy”. 

[7] The Eddington Memorial Lecture delivered at the University of Oxford in 1955, reprinted in Ian T. Ramsey, ed., Christian Ethics and Contemporary Philosophy (The Macmillan Co., New York, 1966).

[8] Matthew 9:16-17: “And no one puts a piece of unshrunk cloth on an old garment, for the patch tears away from the garment, and a worse tear is made. Neither is new wine put into old wineskins; if it is, the skins burst, and the wine is spilled, and the skins are destroyed; but new wine is put into fresh wineskins, and so both are preserved”. Cp. Mark 2:21-22 and Luke 5:36-38.

[9] The Macmillan Co., New York, 1957, translated by W. Montgomery from the original German edition, Von Reimarus zu Wrede: Eine Geschichte der Leben-Jesu-Forschung, published originally in 1906.

[10] “A true sceptic will be diffident of his philosophical doubts as well as of his philosophical convictions …”. David Hume, A Treatise of Human Nature, Book I, Section VII, edition by L. A. Selby-Bigge (Clarendon Press, Onford, 1888, 1964), p. 273. I wrote my Ph.D. on Hume, under the title David Hume’s Philosophical Critique of Theology and its Significance for the History of Christian Thought (Pittsburgh, 1972).

© Copyright by Eduardo Chaves, 1990, 2014, 2017, 2020, 2021, 2022.

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[The text of the 1990 paper was transcribed here on this blog on May 26, 2014, in São Paulo, SP, occasion in which the text underwent minor revisions and received Preliminary Notes 1 and 2. The text underwent minor revisions again on May 6, 2017, in Salto, SP, Preliminary Note 3 being added at that time. Also, End Notes [3], [4], [5] and [6] were added at this time, the remaining end notes being renumbered. Preliminary Note 4 was added on April 5, 2020, in Salto, SP, occasion in which minor revisions were again made to the text. On December, 15, 2020 and on August 23, 2021, in Salto, SP, minor revisions were once more made in the text. Preliminary Note 5 was added during the revision of August 23, 2021. On June 7, 2022 (the day I write this), new revisions were made to the text. None of the revisions made to the text substantially altered the meaning of the original 1990 paper (except, perhaps, the one to which present End Note 6 is attached). Finally, it should be added that the original title in German of Albert Schweitzer’s book mentioned in End Note 9 was complemented with the sub-title on May 26, 2014, because the sub-title was omitted from the first edition of this paper (the 1990 edition).] 

Duas Crises Hermenêuticas

Sugiro que o leitor veja, primeiro, a parte inicial desde vídeo — feito em dois momentos:

Ele foi gravado ontem, e editado hoje, pelo meu querido sobrinho Vitor Chaves de Souza, talentoso teólogo, autor e fotógrafo. O vídeo é um teste visando à feitura de uma prolongada entrevista comigo para registrar em vídeo algumas ideias minhas.

A primeira pergunta foi sobre teologia… Como se deu a minha evolução teológica, por aí. Não foi uma entrevista planejada nem ensaiada. Tive literalmente de improvisar. Este texto foi escrito depois da entrevista, tendo-a como base. Não vice-versa.

1. Preâmbulo

Disse a ele que nasci num lar cristão – mais especificamente, protestante e presbiteriano. Meu pai era pastor, conservador e tradicional. Fundamentalista, mesmo, dir-se-ia hoje.

Nascendo num lar assim, cresci com uma visão conservadora e tradicional do cristianismo, do presbiterianismo, da Bíblia. Ao concluir o ginásio, e tentar fazer o Curso Científico (uma das variantes, a voltada para uma carreira na área científica, do Ensino Médio de então), descobri que não era por ali que deveria caminhar. Naquele ano de 1960 decidi fazer minha Profissão de Fé na Igreja Presbiteriana (não era professo até então) e ir para o Instituto José Manuel da Conceição fazer o Curso Clássico (a variante humanística do Ensino Médio de então), como pré-candidato ao ministério evangélico.

Fiz o Clássico no Instituto JMC de 1961 a 1963. E educação em sala de aula era boa, mas convencional, tradicional e conservadora. Mas a educação melhor que tivemos era informal, fora da sala de aula. O assunto “vida da escola” vs “escola da vida” foi um dos temas de meu discurso de formatura em 1963. E já escrevi sobre a educação recebida naquela escola num post com o título “O JMC nos deu Educação”. Isso significa que, embora muito bem preparado academicamente, saí do JMC em 1963 ainda um crente presbiteriano conservador.

2. A Primeira Crise

O choque veio no Seminário Presbiteriano de Campinas, a partir de 1964. O currículo, a metodologia de ensino e o corpo docente do Seminário eram conservadores. Mas os alunos veteranos que encontrei lá, não. Então, me vi, num dilema. De um lado, minha formação tradicional em casa e no JMC, muito bem reforçada pelo corpo docente do Seminário. De outro lado, a pressão dos pares (peer pressure) – reforçada pela curiosidade natural de descobrir o novo, de explorar uma nova forma de ver as coisas. Novamente a “vida da escola” vs “a escola da vida”. E novamente a escola da vida saiu ganhando.

Meu primeiro ano no Seminário foi dedicado basicamente a observar, ler, conversar, explorar… Mas fiquei meio fechado em mim mesmo. Era bom aluno (na verdade, tanto no JMC como no Seminário e, depois, em Pittsburgh, sempre fiquei com a melhor média de minha turma). Mas não era muito ousado, muito menos precipitado.

No segundo ano no Seminário, agora como veterano, comecei a “botar minhas manguinhas de fora”. Minhas leituras, neste ano, foram ousadas (do ponto de vista conservador). Li o bispo J. A. T. Robinson (Honest to God), Joseph Scheffler (Situation Ethics), Harvey Cox (The Secular City), e, principalmente Rudolf Bultmann (Neues Testament und Mythologie, Theologie des Neuen Testaments, etc.). Cheguei a traduzir o artigo de Bultmann que dá título à coletânea para o Português – e publica-la como apostila pelo Centro Acadêmico – para escândalo dos professores mais conservadores.

Essas leituras me levaram à minha primeira crise teológica. Foi, como a defini para o Vítor, uma crise hermenêutica. Até ali sempre havia interpretado a Bíblia de maneira literal – e não era suficiente crítico para duvidar da inerrância, literalmente interpretada. Minhas leituras no segundo ano no Seminário começaram a me convencer, porém, que era muito difícil ser um cidadão do Século XX, herdeiro do Iluminismo, na Revolução Científica, e da Revolução Industrial, e aceitar literalmente algumas coisas que pareciam evidentes na Bíblia. Primeiro, que o homem, essa criatura complexa e fascinante que somos, surgiu na face da Terra por transformação, mediante um sopro divino, de um boneco de barro esculturado por ele – e que a mulher, mais fascinante ainda, é resultado de uma reengenharia biológica a partir de uma costela. Segundo, que a cosmologia do Novo Testamento parecesse se limitar à crença de que a Terra era basicamente plana e tinha, acima dela, o Céu, e, embaixo, o Inferno, e que pessoas subiam (ou ascendiam ou eram assuntas) ao Céu (até mesmo ao sétimo), desciam ao Inferno, etc.. Terceiro, que doenças eram fruto, em muitos casos, de possessão da pessoa por demônios e espíritos maus, que sua cura precisava ser feita por exorcismos e milagres, que pessoas ressuscitavam depois de estarem mortas por vários dias, etc.

Quando se chega à conclusão que é muito difícil aceitar essas teses (e outras), que parecem evidentes na interpretação literalista da Bíblia, só há (a meu ver) duas opções. Primeira: rejeitar o Cristianismo, por considerar a Bíblia um livro cheio de mitos e histórias implausíveis. Segunda: abandonar a interpretação literalista da Bíblia e encontrar algum sentido mais profundo (sensus plenior) nas histórias e narrativas bíblicas que as tornasse mais aceitáveis. Não estava preparado para a primeira opção. Escolhi, portanto, a segunda. Tornei-me um bultmanniano e interpretei os evangelhos e principalmente as cartas paulinas num sentido existencialista (que Bultmann tomou emprestado de Heidegger).

No meu terceiro ano a crise assumiu contornos diferentes. Deixou de ser mera crise de fé e se tornou oposição ativa ao fato de que os professores do Seminário se recusavam a discutir as questões que me afligiam em sala de aula e que eu tivesse que, literalmente, me educar sozinho lendo, refletindo, interagindo com meus colegas. Como se vê, minha visão pedagógica então era retrógrada. Hoje acho que a educação que tive no Seminário, que independia em grande medida das aulas, foi das melhores. Mas isso acabou levando à minha expulsão do Seminário, por ousar criticar os professores e a instituição.

Fiquei só o primeiro semestre de 1966 no Seminário de Campinas, porque a Igreja Presbiteriana do Brasil deu uma guinada política à direita e o Seminário implodiu. Trinta e nove alunos, entre os quais eu, saímos de lá. Uns desistiram de estudar Teologia e foram fazer outra coisa. Outros, como eu, buscaram abrigo em Seminários de outras denominações protestantes: a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e a Igreja Metodista do Brasil, principalmente. Alguns foram estudar fora do Brasil, no Seminário Unido de Buenos Aires, especialmente. E eu fui, em 1967, para a Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, em São Leopoldo, RS. Lá Bultmann era muito bem aceito. Até certo ponto, Bultmann era lá a ortodoxia. Senti-me em casa. Mas era uma ortodoxia com a qual eu então me sentia confortável.

Estudei apenas um semestre em São Leopoldo, porém. No segundo semestre, fui para os Estados Unidos, para o Pittsburgh Theological Seminary, em Pittsburgh, PA, porque ganhei uma bolsa da instituição. Fui aceito para fazer o Mestrado, embora não tivesse concluído a Graduação. Na verdade, recebi um diploma de Bacharelado do Seminário de Pittsburgh no processo. Fiquei três anos fazendo o Mestrado, de Setembro de 1967 a Maio de 1970.

Ao longo desses três anos atravessei uma segunda crise, também hermenêutica.

3. A Segunda Crise

Como cheguei ao Seminário de Pittsburgh com uma formação razoavelmente boa nas línguas bíblicas (Hebraico e Grego) e com uma bagagem razoável de informações sobre a teologia do Novo Testamento e a teologia sistemática protestante então contemporânea (além de Bultmann, Karl Barth, Emil Brunner, Paul Tillich, etc.) dediquei-me a estudar a história das doutrinas. Interessei-me bastante por Tomás de Aquino, autor que nunca havia lido no Brasil por ser considerado tipicamente católico, o racionalismo do Iluminismo (em especial Hume e Kant), as tendências fideístas (anti-racionalistas), as tendências pietistas, o chamado liberalismo teológico do Século XIX, etc. E continuei ler Teologia Sistemática mais contemporânea.

Interessou-me em especial a controvérsia sobre as diversas faces de Jesus resultante do livro The Quest for the Historical Jesus (Von Reimarus zu Wrede), de Albert Schweitzer (1906), que é uma história crítica das diversas “Vidas de Jesus” escritas ao longo do Século 19.

Ao ler Tomás de Aquino, com sua teologia influenciada pelo Aristotelismo, e outras teologias influenciadas pelo Existencialismo, pela Fenomenologia, depois teologias influenciadas pelo Marxismo, e ao ler Schweitzer, comecei a me perguntar até que ponto era permissível interpretar não-literalmente a Bíblia… Os grandes e hábeis intérpretes pareciam ser capazes de extrair da Bíblia, a partir de doutrinas que, a partir uma interpretação literalista, pareciam implausíveis, as mais fantásticas interpretações. No processo o texto original era “torcido e espremido” de modo a dizer aquilo que o intérprete estava interessado e disposto a extrair dele. Comecei a me perguntar até que ponto é possível interpretar não-literalmente uma doutrina sem que ela se torne uma outra doutrina? Alguns anos depois escrevi um artigo sobre esse tema. O artigo publicado em 1990 sob o título “How Far Can a Doctrine Change Before Becoming Something Else?” está, agora, republicado aqui neste blog, no seguinte endereço:

How Far Can a Doctrine Change Before Becoming Something Else?

Outro desafio: se vou aceitar uma teologia existencialista ou marxista, porque um teólogo hábil conseguiu mostrar que a Bíblia, corretamente (i.e., não-literalmente) interpretada contém a história de um drama existencial, ou a história da redenção política da humanidade, por que não posso ser simplesmente existencialista ou marxista, em vez de um existencialista cristão ou um marxista cristão?

Minha segunda crise hermenêutica me trouxe ao seguinte dilema: interpretar a Bíblia de forma literalista é inaceitável porque essa interpretação conflita com importantes elementos de minha visão do mundo como pessoal do Século XX; por outro lado, admitir interpretações não-literalistas, com sentidos mais profundos escondidos no texto, parece abrir as portas para todo tipo de interpretação fantasiosa.

Essa segunda crise me fez desistir de ser pastor – embora já estivesse academicamente pronto para ser ordenado e a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos dificilmente me negasse a ordenação por causa de minhas crises hermenêuticas. Mas não me pareceu honesto.

A partir daquele momento, decidi me dedicar mais à Filosofia do que à Teologia. Quem sabe ela me ajudasse a resolver meus dilemas teológicos? Nunca abandonei o interesse na Teologia, porque continuei acreditando que as questões que a Religião coloca são fascinantes, ainda que as respostas dadas a essas questões deixem muito por desejar.

O meu pensamento teológico evoluiu bastante desde então – mas isto, quem sabe, é história para uma outra entrevista.

Em São Paulo, 25 de Maio de 2014

História de Lucélia, SP: Cidade em que Nasci

[Texto transcrito do site da Câmara Municipal da Lucélia. Vide mais informações no final]

Lucelia - foto 01[Vista parcial da cidade, com a Matriz ao centro]

1. Início da Colonização

Formado em engenharia civil em 1914, Luiz Ferraz de Mesquita iniciou sua atividade profissional, na demarcação judicial das terras da Fazenda Monte Alegre à margem direita do Rio do Peixe, quando a Estrada de Ferro Sorocabana atingia com suas linhas, em tráfego, a cidade de Assis, Monte Alegre é denominação vaga que servia para designar todas as terras entre o Rio do Peixe e Aguapeí aproximadamente até Bastos até a barraca do Rio Paraná.

 O trabalho de demarcação terminou em 1918 e ele recebera terras como pagamento de seus serviços. Na abertura de uma das picadas, quando atravessavam um dos afluentes do Rio do Peixe, perderam-se três balizas, então o denominaram de Ribeirão Baliza. Ainda em 1918 empreendeu Luiz Ferras de Mesquita a primeira abertura de uma clareira na mata virgem à margem esquerda do Ribeirão Baliza, onde se localizaram as primeiras famílias chefiadas pelo patriarca Benedito Lopes. Todavia, a colonização da referida região foi iniciada praticamente por volta de 1927, quando o Dr. Luiz Ferraz de Mesquita iniciou a abertura e formação da Fazenda Baliza e a seguir de Santa Cecília. Nessa mesma época chegaram pela Sorocabana, imigrantes Russos e outros Eslavos que negociando com o Dr. Luiz Ferraz de Mesquita se estabeleceram nos bairros de Baliza e Água Grande. A gleba que ira formar a Fazenda Baliza e Santa Cecília foi ligada à José Theodoro (Martinópolis), de onde Luiz Ferraz de Mesquita passou a orientar e dirigir os trabalhos de desbravamento e colonização.

 Os colonos, principalmente estrangeiros que compravam terras de sua propriedade, tinham que parar no Baliza para iniciar a derrubada das terras que havia adquirido o que fez dela um patrimônio centro de colonização, tendo o Dr. Mesquita tendo que instalar uma serraria e uma máquina de beneficiar arroz.

 Em 1929, João de Arruda, abrindo uma clareira na mata virgem construindo o primeiro rancho, dando origem ao patrimônio chamado “Zona da Mata”, ou seja, a origem da atual Lucélia. Na realidade não passou de dez a doze casas e corresponde presentemente ao local ocupado pelo cemitério e algumas chácaras. A cidade de Lucélia, sede do município do mesmo nome não surgiu ao acaso mas de um plano urbanístico e econômico racional idealizado pelo engenheiro Luiz Ferraz de Mesquita. Parece que para não arcar sozinho com toda a responsabilidade de vendas de lotes, procurou associar-se ao Sr. Max Wirth e a C.A.I.C. (Companhia de Agricultura, Imigração e Colonização). Em 1939, se deu a fundação de Lucélia, no município de Martinópolis 6 Km do distrito de Baliza.

 Feito o traçado da cidade, ergueu-se na avenida principal que é ponto mais alto do espigão divisor das águas do Peixe e Aguapeí, uma capelinha em 24 de junho de 1939 foi realizada a primeira missa do povoado pelo padre Gaspar Cortez Aguilar.

 Lucélia desenvolveu rapidamente em virtude econômicas das terras. É curioso observar que até 1944 as terras de Lucélia pertencia às comarcas de Araçatuba, Guararapes, Martinópolis, Tupã e Valparaíso. A própria povoação estava assim dividida: do lado direito da avenida Internacional, do início até a atual praça José Firpo, pertencia ao município de Guararapes; continuando até onde estava a Indústria de Óleo Granol, pertencia ao município de Valparaíso. Do lado esquerdo da avenida Internacional do início até a altura da Granol pertencia ao município de Martinópolis.

 Graças ao prestígio do seu fundador, Lucélia foi elevada de uma só vez à categoria do Distrito de Paz, Município e Comarca pelo Decreto Lei Nº 14.334 de 30 de novembro de 1944. O município de Lucélia foi criado com sede no povoado do mesmo nome e com terras desmembradas dos municípios de Andradina, Valparaíso, Guararapes, Martinópolis, Presidente Prudente, Presidente Bernardes, Santo Anastácio e Presidente Venceslau. O referido município contou inicialmente com os Distritos de Paz de Aguapeí do Alto (Flórida Paulista), Guaraniúna (Pacaembu) e Gracianópolis (Tupi Paulista).

 A partir de 1939, Luiz Ferraz de Mesquita fez de tudo por Lucélia e conseguiu oito estradas convergentes, sendo três de acesso à Estrada de Ferro Sorocabana (Rancharia, Martinópolis, Presidente Prudente), três para a estrada de Ferro Noroeste (Valparaíso, Guararapes e Araçatuba) e as duas de saída e chegada pelo espigão da Companhia Paulista.

 Com a elevação de Lucélia a município na época da Ditadura o seu primeiro prefeito foi por nomeação do interventor estadual, que na época era o Sr. Adhemar Pereira de Barros concunhado do Dr. Mesquita em que recaiu a nomeação de prefeito.

Desde a elevação de Lucélia a município, somente o Dr. Luiz Ferraz de Mesquita fora nomeado Prefeito pelo Interventor Estadual (Governador do Estado). Todos os demais foram eleitos democraticamente.

2. Fundador de Lucélia

LUIZ FERRAZ DE MESQUITA, fundador da cidade, foi um verdadeiro bandeirante dos tempos modernos.

Nas primeiras décadas deste século, em pleno sertão bruto do noroeste do Estado de São Paulo, viveu acampado, em grandes trabalhos de geodesia.

Derrubou florestas e abriu estradas, trabalhos que lhe renderam como pagamento a área onde anos mais tarde pôde realizar o sonho de sua mocidade ativa e empreendedora: fundar uma cidade!

No final da década de 30, nas terras que ganhou, traçou os lineamentos de Lucélia.

Demarcou as ruas e as praças e iniciou o loteamento daquela que seria desde então “a pupila de seus olhos.”

Como fruto deste trabalho que o mantinha quase sempre distante de sua família, sustentou, na Capital sua prole numerosa – 10 filhos – educados e formados sob supervisão dedicada de sua esposa Cecília.

Da união da sílaba LU de seu nome e da sílaba CE do nome de sua esposa Cecília, acrescidos da desinência LIA, tão comum nas cidades da vizinhança, tais como Gália, Cabrália, Marília, surgiu o nome LUCÉLIA.

Tornada Comarca na década de 1.940, Luiz Ferraz de Mesquita foi seu primeiro prefeito municipal, ocorrendo na gestão, a primeira eleição para presidente da República, depois da ditadura Vargas, sendo eleito o Marechal Dutra.”

Faleceu em Lucélia no dia 14 de novembro de 1.960, deixando a viúva, os 10 filhos e mais de 30 netos… e a comunidade pela qual sonhou e viveu.

3. A Primeira Planta de Lucélia

Vejam na imagem abaixo, a primeira planta da cidade de Lucélia, elaborada pelo Dr. Luiz Ferraz de Mesquita

Lucelia - foto 02[Primeira planta da cidade de Lucélia]

Essa planta foi o documento utilizado pela empresa L.F. Mesquita quando se iniciou a venda de terrenos para a formação da cidade de Lucélia.

O Portal Nossa Lucélia agradece a família Galetti, na pessoa do Sr. Diógenes Galetti que gentilmente cedeu uma cópia desse documento e autorizou a publicação do mesmo.

A cidade de Lucélia, não surgiu ao acaso, mas de um plano urbanístico e econômico racional idealizado pelo engenheiro Luiz Ferraz de Mesquita. Em 1.939, deu-se a fundação de LUCÉLIA, no município de Martinópolis a 6 km do distrito de Baliza. O Dr. Luiz Ferraz de Mesquita foi o engenheiro incumbido da divisão e colonização das terras onde seria a cidade de Lucélia.

Com a área já estava totalmente demarcada, foi lançado um panfleto para divulgar a venda dos terrenos ao povo daquela época que desejavam se instalar na região no novo município de Lucélia.

O panfleto que dizia: “Lucélia, A cidade da terra boa” e “Quem vai adiante bebe água limpa”, tinha a responsabilidade de L.F. Mesquita, com sede à Rua Conselheiro Crispiniano, nº. 29 na cidade de São Paulo.

4. Um Distrito Chamado Baliza

[O texto nesta seção é do jornalista José Carlos Daltozo, com colaboração de Marcos Vazniac.]

Hoje é uma simples pastagem, cortada por um riacho assoreado denominado Baliza, mas já foi de grande importância para as cidades de Martinópolis, Lucélia e Osvaldo Cruz. Estamos falando do antigo distrito de Baliza, que pertenceu originalmente a Martinópolis e depois da emancipação de Lucélia, em fins de 1944, passou a ser distrito daquela cidade da Alta Paulista.

Quando surgiu o povoado de Califórnia, atual cidade de Osvaldo Cruz, este também passou a pertencer juridicamente ao distrito de Baliza, como bem informa o escritor José Alvarenga em seu livro Osvaldo Cruz – Achegas Históricas: “…a 16 de novembro de 1942, pelo decreto-lei estadual nº 13.050, a então Vila de Califórnia, sob a administração de Walter Wild, foi elevada à categoria de distrito de 2ª zona com sede em Baliza, no município de Martinópolis e comarca de Presidente Prudente.” Baliza era, então, um florescente povoado com várias residências, algumas casas comerciais, uma serraria, um clube esportivo, uma igreja Batista e uma Igreja Ortodoxa Russa, uma vez que ali residiam inúmeros eslavos. O motivo de ter existido, naquele povoado, vários descendentes de povos eslavos, é interessante.

Em recente visita à cidade de Lucélia, entrevistei alguns imigrantes eslavos e fiz um ligeiro apanhado histórico da chegada deles neste longínquo rincão do Brasil. Eles fugiam do comunismo e da pobreza reinante na então União Soviética e nos países satélites. Eram russos, ucranianos, romenos, búlgaros, entre outros, que ao chegar ao Brasil se espalharam por várias cidades do interior paulista. Ficaram sabendo da venda de terras em suaves prestações, por parte de Luiz Ferraz de Mesquita, que estava parcelando parte de sua fazenda de 2.735 alqueires, tendo a denominado Fazenda Baliza. Mesquita obteve essa fazenda como pagamento pelos seus serviços de agrimensor na demarcação de terras da gigantesca Fazenda Monte Alegre. Deu esse nome ao local porque perdeu três balizas de demarcação nas proximidades do ribeirão que cortava o loteamento rural. Ficava a cerca de 50 km. de Martinópolis, sede do município, pois naquela época nosso território avançava além do rio do Peixe, nossa atual divisa municipal com Pracinha, chegando até o espigão divisor Peixe-Aguapeí.

O povoado de Baliza era pequeno, mas a zona rural ao redor era formada de terras férteis, chegando a ter 2.756 habitantes. Segundo entrevista do autor deste artigo com Stepam Povliuki, em junho de 1997, para o jornal Folha da Cidade de Martinópolis, este relatou: “desci na estação ferroviária de José Teodoro, nome antigo de Martinópolis, no ano de 1932, me dirigindo ao povoado de Baliza, onde já haviam outros russos, uma vez que um capataz de uma fazenda nas proximidades era dessa nacionalidade e foi chamando os conterrâneos. Lembro que Baliza chegou a ter umas quarenta residências, cinco casas comerciais, uma igreja ortodoxa, uma farmácia, uma serraria e um cemitério. Hoje nada mais existe no local, todo mundo foi se mudando para Lucélia quando fundaram aquele povoado e venderam terras baratas. Sou nascido em Pitronska, na Bessarábia, atual Romênia, mas na época que nasci, em 1918, pertencia à Rússia. Tivemos muita dificuldade ao chegar no Brasil e, depois, na adaptação ao clima e costumes da nova terra, pois não conhecíamos lavouras de café, nem sabíamos como cultivá-lo. Também desconhecíamos a mandioca e frutas como banana, mamão e manga. Aqui era tudo muito diferente.”

No Histórico de Lucélia, fornecido pela Prefeitura daquela cidade, consta que a colonização de Lucélia foi iniciada por volta de 1927, quando o Dr. Luiz Ferraz de Mesquita iniciou a abertura e formação das fazendas Baliza e Santa Cecília. Nessa mesma época chegaram pela E.F. Sorocabana, imigrantes russos e outros povos eslavos que, negociando com o Dr. Mesquita, se estabeleceram nos bairros de Baliza e Água Grande. A gleba foi ligada por uma estrada de rodagem ao povoado de José Teodoro (atual Martinópolis), de onde o Dr. Mesquita passou a orientar e dirigir os trabalhos de desbravamento e colonização. Os estrangeiros que compravam terras tinham que parar em Baliza para iniciar a derrubada da mata, o que fez dela um patrimônio centro de colonização, com a instalação de uma serraria e uma máquina de beneficiar arroz.

A cidade de Lucélia, fundada em 1939, a seis quilômetros do distrito de Baliza, mas ainda dentro do município de Martinópolis, foi fruto de um plano urbanístico e econômico racional, numa associação de Luiz Ferraz de Mesquita com Max Wirth e a CAIC – Companhia de Agricultura, Imigração e Colonização.”

Lucélia tem um histórico curioso em seus primeiros anos de vida, quando era um insipiente povoado e seu território fazia parte de Martinópolis. Os comerciantes estabelecidos no lado esquerdo da atual Avenida Internacional pagavam seus impostos à Prefeitura de Martinópolis, enquanto parte dos comerciantes estabelecidos no lado direito pagavam para a Prefeitura de Valparaíso e outra parte para a de Guararapes.

A avenida, situada exatamente no espigão divisor dos rios Peixe-Aguapeí, foi implantada exatamente na fronteira dos territórios dessas três cidades, uma da região Alta Sorocabana e duas da região Noroeste. O Decreto 9.775, de 30.11.1938, que criou o Município de Martinópolis, foi publicado no Diário Oficial de 19.12.1938 e menciona, no final, a criação de Baliza com as seguintes confrontações: “O distrito de paz de Baliza, que fica criado, terá as seguintes divisas internas, com a sede do município de Martinópolis: começam no rio do Peixe, na foz do Ribeirão da Confusão e descem por aquele até a barra do ribeirão dos Ranchos.” Do outro lado, como dissemos anteriormente, ia até o espigão divisor dos rios Peixe-Aguapeí. Uma entrevista realizada há poucos meses com Jorge Cavlak, nascido em Baliza e atualmente residindo em Lucélia, esclarece que na realidade haviam dois pequenos povoados, um ao redor do ribeirão Baliza, no local onde passava a estrada de rodagem de Martinópolis para Lucélia, e outro um pouco mais adiante, no ribeirão Água Grande. Mencionou vários nomes de pequenos proprietários eslavos que residiam em sítios vizinhos ao povoado e à estrada de rodagem. O sítio mais próximo à estrada era de Stefan Paley, no sítio ao lado moravam os Trukshen, em seguida vinham os sítios de Inácio Brichiuk, Simão Popik e por último Demétrio Bastinvadji. Do outro lado do ribeirão, fazendo fronteira com esses proprietários, havia os sítios de Nicolau Uzum, Jorge Delive, Basílio Greck, Hartion, Afanásio, Jeremias Posledniak, Profor, Jacob e por fim Demétrio Cavlak.

Terminando os sítios havia a fazenda do Dr. Mesquita. Nos fundos dos sítios dos primeiros citados, havia os sítios de Jorge Mueulik, Jorge Puskof, Basílio Kirkoff e João Berholf. Do outro lado da estrada só havia dois pequenos proprietários, Stepan Pavioliuk e Pedro Peikof, em seguida vinham as terras pertencentes à fazenda do Dr. Zeferino Veloso. Jorge Cavlak informou também que a igreja próxima à estrada, dentro do sítio dos Paley, era protestante (Batista) e que a Igreja Ortodoxa Russa ficava um pouco mais distante, na propriedade de Jeremias Posledniak. Um padre russo visitava essa igreja poucas vezes por ano, devido à distância da ferrovia e a precariedade das estradas. As recordações que ele tem do pequeno povoado de Água Grande são poucas, ficava distante dois quilômetros de Baliza, em direção de Lucélia. Recorda-se da existência de apenas uma casa comercial, uma serraria e um clube social e esportivo com o nome de ABC. Ambos, Baliza e Água Grande, desapareceram com o crescimento de Lucélia, principalmente depois da chegada da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e os atrativos e oportunidades de uma cidade em franco desenvolvimento. Todos os eslavos foram vendendo, aos poucos, suas propriedades rurais e mudando para Lucélia, até extinguir os dois povoados.

A mãe do Jorge, Dona Helena, bastante idosa mas ainda muito lúcida, informou que nasceu na Bulgária, acompanhou seu marido no desbravamento da região de Baliza, onde morou muitos anos. O que mais se recorda são as festas rurais, onde as mulheres podiam se alegrar um pouco. Isso porque os homens, mesmo trabalhando de sol a sol nas lavouras, iam aos jogos de futebol nos finais de semana, ou jogavam baralho, bebiam, viajavam para Martinópolis buscar mantimentos, vender porcos, galinhas etc. As mulheres, no entanto, passavam a maior parte de suas vidas trancadas em casa, costurando, bordando, fazendo comida, cuidando dos filhos. Os bailes e as cerimônias religiosas eram as únicas oportunidades que tinham de se divertir um pouco.

O jornalista Marcos Antonio Vazniac, do jornal Gazeta Regional, editado em Lucélia, também é descendente de eslavos e sempre que consegue algumas fotos antigas, publica-as no jornal onde trabalha, na seção Recordando.

Outro morador de Lucélia, o professor Jeová Severo da Silva, escreveu uma monografia de conclusão de curso de Geografia na Unesp de Presidente Prudente sob o tema “Lucélia-SP, do início ao meio: uma análise da evolução do município”, onde também faz breve apanhado histórico sobre Baliza, considerando-a o berço de sua cidade.

Quem passar pela estrada vicinal que liga Lucélia ao novo município de Pracinha, em direção ao Rio do Peixe, verá um pequeno riacho assoreado, barrancos de dois metros de altura nas laterais, algumas árvores nas margens, terreno todo plantado com capim, alguns bois pastando, esse era o local onde existiam os sítios dos russos e demais eslavos, onde um povoado chamado Baliza foi formado, mas que desapareceu completamente a partir da década de 1950. Foi um povoado de grande valor histórico, pertenceu a Martinópolis muitos anos e tornou-se a célula mater de duas importantes cidades da Alta Paulista: Lucélia e Osvaldo Cruz. .

5. Baliza o Distrito que Desapareceu

[Texto escrito com a colaboração de Marcos Vazniac]

A duas léguas do Bairro BALIZA, no alto do espigão do Peixe/Aguapeí, acontecia muito rápido o nascimento de LUCÉLIA. E com isso, começava o desaparecimento do Bairro Baliza.

Nada mais existe no local, nem vestígios de construções. Apenas um rio chamada Baliza, que separa Lucélia de Pracinha. Nas margens desse rio é que existia o povoado.

A reportagem da Folha da Cidade de Martinópolis, esteve no local em 1997 e encontrou um remanescente, um senhor de origem russa, Stepan Povliuk que apesar dos 79 anos, ainda lúcido, contou o que sabia.

“Na época que vim para José Theodoro (nome antigo de Martinópolis), em 1932, já havia uma colônia russa no local chamado Baliza. Ainda nem se pensava que existiria a cidade de Lucélia.

O motivo de se juntarem muitos russos naquele local é que havia um capataz de uma fazenda dessa origem e foi chamando os demais, espalhados em várias cidades do interior paulista. Lá nas margens do rio Baliza, chegou a ter umas quarenta residências, cinco casas comerciais, uma igreja ortodoxa, cemitério, farmácia, uma serraria e hoje nada mais existe. Todos venderam seus lotes baratos e mudaram-se para Lucélia, quando abriram o novo povoado. Só eu estou ainda aqui, neste sítio. Sou nascido em Pitronka, na Bessarábia, atual Romênia. Quando nasci (27.10.1918), minha cidade pertencia à Rússia.

A vida naquele tempo era uma dificuldade. Na roça, nosso povo não estava acostumado com lavouras do tipo que se plantava aqui. Foi difícil se acostumar com mandioca, café, banana, mamão, manga. Era tudo desconhecido para nosso povo. Mas sobrevivemos e alguns descendentes hoje moram em Lucélia”.

6. Colônia de Imigrantes Eslavos foi Pioneira em Lucélia

A história de nossa cidade data alguns anos antes de sua emancipação política ocorrida em 1.944.

Um grupo de imigrantes Eslavos (russos, romenos, búlgaros e ucranianos) construíram um povoado situado no Bairro Baliza.

Ali construíram suas casas incluindo um cemitério, mas a colônia dos eslavos não prosseguiu.

Com a fundação de Lucélia, o Bairro Baliza desapareceu e nada restou no local. Os moradores desta colônia acabaram mudando para outras cidades como São Paulo, Campinas, Maringá e Curitiba.

Um destaque sobre a colônia eslava do Bairro Baliza, é que os imigrantes oriundos da Rússia, não aprenderem a falar nossa língua, e os filhos destas famílias lembravam muito a “Mãe Rússia”.

Parte da memória da imigração destas famílias para o Brasil e consequentemente para Lucélia, devem estar nos arquivos do Museu da Imigração em Santos e no Rio de Janeiro, ou em outros países como Canadá, EUA, França e Alemanha, visto que estes imigrantes quando vinham para o Brasil, pensavam que estavam indo para a América do Norte (Canadá e EUA), pois parte de seus pertences foram transferidos para outros navios que iam até aos países da América Anglo-Saxônica.

Estas famílias embarcavam nos portos de Hamburgo e Marselha. Cada embarcação marítima ganhava por pessoas que transportavam.

7. Comarca de Lucélia

A instalação da Comarca de Lucélia aconteceu em 13 de junho de 1945. O primeiro Fórum Av. Internacional, no prédio onde hoje funciona a Coletoria e Juizado de Pequenas Causas.

O prédio atual do Fórum, lugar definitivo do Poder Judiciário, tem sua marca inicial no ano de 1958.

O 1º Juiz de Direito da Comarca foi o Dr. Nelson Pinheiro Franco, e o 1º Promotor Público foi o Dr. Otan Olandim de Matos.

8. Prédios da Av. Internacional Preservam a História de Lucélia

Lucelia - foto 03[Centro de Lucélia: Av. Internacional, a mais importante da cidade]

A cidade de Lucélia começou a ser colonizada, como toda a região da Nova Alta Paulista, na década de 1920. Na época, o município recebeu a influência de diversas colônias de imigrantes europeus, que ajudaram na construção da futura cidade.

Lucélia teve sua colonização em uma época histórica e economicamente denominada “Ciclo do Café”.

Segundo o historiador e economista Caio Prado Jr., em sua obra “História Econômica do Brasil”, enquanto as cidades da Nova Alta Paulista estavam sendo povoadas, no declínio do ciclo cafeeiro, o Brasil entrava na industrialização. Em fotografias publicadas na imprensa local, percebe-se que a Avenida Internacional, em imagens da época, pouco mudou, se comparada aos dias de hoje.

A arquitetura do ciclo cafeeiro foi preservada – percebe-se esse fato, por exemplo, nas construções que abrigam as principais lojas da Avenida Internacional. As telhas francesas ainda cobrem o comércio daquela região, sem perder o estilo de décadas.

A Avenida Internacional difere das demais avenidas de Lucélia e de cidades da região, pois é a única avenida central de uma cidade que é torta, em forma de “S”. Existem algumas explicações para esse formato. Uma delas dá conta de que a avenida tem esse formato por não ter sido projetada no traçado original da cidade. Lucélia foi projetada na atual Vila Rancharia e a avenida central do município, era para ser a Avenida São Paulo – atual Avenida Vereador Jorge Mansur Filho.

Outra explicação é que a Avenida Internacional foi construída em um Espigão, que divide o município em dois, pois as águas das chuvas que caem naquela avenida acabam desaguando nos rios Feio e do Peixe, e a construção de uma avenida nas vilas Rennó e Rancharia seria inviável, pois sofreria, futuramente, com inundações.

Outra versão é que a Avenida Internacional era uma rua que ligava os municípios de Lucélia a atual Inúbia Paulista, e de que o comércio se estabeleceu rapidamente no local, transformando, mais tarde, a rua na principal avenida luceliense.

Muitos podem achar o trajeto da Avenida Internacional de pouca beleza, pelo fato de ser “torta”. Podem também achar que sua arquitetura é inferior à arquitetura das avenidas de cidades vizinhas, como Osvaldo Cruz e Adamantina. A favor de Lucélia pesa, no entanto, a sua história. Se as cidades históricas de Minas Gerais (Ouro Preto, Mariana, São João Del Rey, Sabará, etc.) preservam sua arquitetura colonial e são considerados patrimônios culturais e históricos da humanidade, recebendo turistas de todo o mundo, nossa população também deveria observar a Avenida Internacional e perceber, em cada metro quadrado, um pouco do seu passado histórico: a época dos grandes carnavais; do cinema; dos barões do café; dos desfiles memoráveis; a época em que Lucélia era pequena e suas ruas não eram pavimentadas, sem muito conforto, mas deixando no ar um pouco do seu “período colonial”.

9. Igreja Matriz

Lucelia - foto 04[A Matriz de Lucélia em construção]

Os primeiros vestígios de Civilização Cristã em nossa região, datam de 1.904, com o Frei Segismundo de Canazé, com a colaboração de outros frades capuchinhos que igualmente trabalharam na missão ao lado dos índios coroados e xavantes.

A primeira capela foi construída em 1935 pelos imigrantes alemães, sob a denominação Santo Antonio”, no Bairro Colônia Paulista.

Em 1939 foi edificada uma capela de madeira na Avenida principal de Lucélia.

Em janeiro de 1944, o então bispo de Cafelândia, Dom Henrique César Fernandes Mourão nomeou o Pe. Bernardo Reckers para desenvolver os trabalhos pastorais em Lucélia.

Em janeiro de 1945 foi iniciada a construção da casa paroquial, em terreno doado por Luiz Ferraz de Mesquita.

O Pe. Bernardo já residia em Lucélia quando o Monsenhor Victor Mazzei, vigário capitular da diocese de Cafelândia, publicou em 25 de maio de 1.945 o decreto de fundação da Paróquia Sagrada Família e confiou a ele o posto de primeiro vigário da nova comunidade.

junho de 1.946, foi lançada a primeira pedra para a construção da nova matriz, que em virtude de um forte vendaval, desabou ainda em construção.

Em 28 de outubro de 1.954, a paróquia foi entregue à Congregação Salesiana e as atividades religiosas foram transferidas para a capela do Ginásio Salesiano.

Em 25 de fevereiro de 1.955 foi lançada a pedra fundamental para a construção da atual Igreja Matriz.

No dia 19 de março de 1955, todas as atividades religiosas foram transferidas para o salão onde funcionou por muito tempo o Lucélia Futebol Clube.

A edificação da igreja teve um grande avanço a partir da posse em 06 de janeiro de 1957, do Padre FRANCISCO MAHR, que era engenheiro e foi quem planejou a atual Igreja Matriz.

A primeira missa na nova Matriz foi celebrada em 08 de janeiro de 1.960.

Outro fato muito importante na história da Igreja Matriz, é a data de 29 de março de 1.968, quando foi recepcionada em nossa cidade a imagem verdadeira de Nossa Senhora de Aparecida.

10. O Futebol Médio (Society) Foi Inventado em Lucélia

O FUTEBOL MÉDIO, também chamado futebol suíço ou futebol society, foi idealizado em Lucélia no ano de 1966, e reconhecido como invenção da Capital da Amizade, conforme Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Lucélia, sob o n.º 185 do Livro B e, publicado no Diário Oficial do Estado, em Ineditoriais, na página 2, do dia 18 de março de 1978.

Seus fundadores são: Hamilton Di Stéfano e Paschoal Milton Lentini. Desta idealização, surgiu o esporte que hoje é praticado em todos os Estados do Brasil.

Nas grandes cidades, são jogadas partidas entre funcionários, empresários e a origem deste esporte está em nossa Lucélia, conforme registros do Tênis Clube de Lucélia, Jornal Folha de Lucélia, O Divulgador, Revista O Divulgador, Rádio Difusora de Lucélia e também a Rádio Bandeirantes de São Paulo, quando tivemos a honra de contar com a participação do ilustre radialista esportivo o Sr. Fiori Giliotti, que na época fez a divulgação a nível nacional.

São 18 as regras do futebol-médio, conforme regulamento oficial, registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos da comarca de Lucélia, sob nº 185 do Livro B e, publicado no Diário Oficial do Estado em ineditoriais, na página 2, do dia 18 de março de 1978 .

De lá para cá, diversos torneios foram disputados em Lucélia, milhares de partidas são disputadas por esse Brasil afora, e se recordar é viver, temos que lembrar às novas gerações que este esporte praticado em todos os cantos do Brasil e do mundo, por artistas, cantores e atletas em geral, foi criado e idealizado em Lucélia.

11. Fundação do Aeroclube

Lucelia - foto 05[O Aeroclube de Lucélia]

Data de 1º de janeiro de 1.943, a fundação do Aeroclube de Lucélia, Sociedade Civil, com a finalidade de proporcionar aos associados a aprendizagem do exercício da aeronáutica em aeroplanos de pequeno e médio porte. Ao longo de sua existência o aeroclube jamais deixou de funcionar, formando pilotos de Lucélia, da região e principalmente de vários estados do Brasil, tais como Pará, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, entre outros.

Fundado por um grupo de pioneiros, tendo como principal colaborador Dr. Luiz Ferraz de Mesquita. fundador da cidade e primeiro prefeito nomeado.

Naquela oportunidade doou um terreno para ser o primeiro campo de aviação. Neste terreno, hoje está parte da Vila Rancharia.

O primeiro Hangar do Aeroclube de Lucélia (foto ao lado) foi construído em 1943. A pista de pouso era localizada na Vila Rancharia.

Hoje no local do Hangar está construído o Colégio Missionário das Irmãs de São José de Cluny (Colégio das Freiras).

De suas fileiras, saíram grandes nomes da aviação comercial que hoje pilotam Boeing e MD11. Nas épocas áureas, proporcionou emocionantes eventos aeronáuticos, com apresentação da esquadrilha da Fumaça, com os famosos aviões T-6M, comandados pelo não menos famoso Cel. Braga.

Seu Estatuto encontra-se registrado no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Presidente Prudente, aos 18 dias do mês de janeiro de 1.943, pois naquela época Lucélia ainda não era Comarca.

 Lucelia - foto 06

[O Aeroclube de Lucélia já foi o terceiro do brasil em formação de pilotos]

Na década de 60, o Aeroclube de Lucélia era o terceiro do país em formação de pilotos. Neste período, o Aeroclube recebia jovens de diversas cidades do estado de São Paulo e também do Mato Grosso e Paraná que aprendiam a pilotar um avião aqui em Lucélia.

Neste período áureo, o Aeroclube foi destaque nacional, sendo fonte de inspiração para uma matéria jornalística na extinta Revista Realidade, da Editora Abril, que na época ao lado da Manchete eram as principais revistas do Brasil.

O repórter José Severo, acompanhado do fotógrafo Armando Chiodi, vieram para Lucélia com o objetivo de fazer uma matéria sobre o primeiro voo de um piloto. O jornalista da Realidade acabou tomando o banho de óleo e voltou com a matéria “VOEI”, onde relata passo a passo sua estadia em Lucélia, a vida cotidiana da pequena e jovem cidade da Nova Alta Paulista, seus personagens populares, intrigas e o dia a dia da aula de pilotagem que ele teve no Aeroclube de Lucélia, com o instrutor Cassimiro Anheschivich, mais conhecido como “Russo”.

Na reportagem, é relatado que o Aeroclube de Lucélia apresentava na época o maior índice de aprovação do interior do Brasil, ficando na honrosa terceira colocação, atrás apenas do aeroclube e da escolinha de São Paulo. Lucélia recebia estudantes de várias localidades. Todos os anos apareciam candidatos de todos os cantos do Brasil, sem dinheiro, sem bagagem e sem nada a prometer, apenas com o certificado de aprovação num exame teórico, pedindo que os ajudassem a ser piloto.

Esta fama de Lucélia possuir o melhor Aeroclube do Brasil era pelo preço cobrado, barato para a época. O preço por hora aula era três a quatro vezes inferior ao preço cobrado nas grandes cidades. O valor cobrado pelas aulas não cobria as despesas com gasolina e, a sobrevivência do Aeroclube se dava com rifas, quermesses e doações.

O repórter da Realidade recebeu instruções de voo com Cassimiro e também passou pela experiência de voar sozinho e tomar o tradicional banho de óleo.

Era costume logo após realizar seu voo solo, o piloto ser recebido com festa, tendo suas roupas rasgadas e acabar tomando banho de 20 litros de óleo, ficando com o corpo coberto

[Acréscimo 1 de Eduardo Chaves]

A fonte deste material está no Site da Câmara Municipal de Lucélia, no seguinte endereço.

http://www.camaralucelia.sp.gov.br/index2.php?pag=T1RVPU9EZz1PV0k9T1RrPU9UUT0=&&id=3]

Como se pode facilmente constatar, trata-se de um texto escrito por várias mãos. Em uma das seções dá-se crédito ao meu amigo, o jornalista José Carlos Daltozo, MTb 32.709, de Martinópolis, que, por sua vez, reconhece a colaboração de Marcos Vazniac. Em outra seção se reconhece a colaboração de Vazniac mas não se esclarece quem é o autor principal. Nas demais seções o texto não contém informação sobre o autor. Acredito que a grafia corretado distrito do qual surgiu Lucélia seja Baliza, e não Balisa, como constava em algumas passagens. Padronizei. Fiz outras pequenas correções ortográficas onde ficava evidente que se tratava de erro de digitação ou, então, para ajustar às peculiaridades do novo Acordo Ortográfico. As afirmações “ufanistas” são, naturalmente, de responsabilidade de quem as fez. Eu já havia publicado este texto em meu site http://lucelia.info, que, infelizmente, está fora do ar. Por isso o transcrevo aqui novamente.

[Acréscimo 2 de Eduardo Chaves]

Minha Certidão de Nascimento original dizia que nasci no “Patrimônio” (Lugarejo) de Lucélia, Distrito de Baliza, Município de Martinópolis, Comarca de Presidente Prudente. Lucélia nem era município naquela época. Com base nesse documento, todos os meus outros documentos (com uma exceção) dizem que nasci lá e, para mim, o assunto está encerrado. (A exceção é meu “Certificado de Conclusão do Curso Primário”, obtido em 1955, que diz que nasci em Martinópolis).

Na única vez que voltei a Lucélia, há cerca de 15 anos, tirei uma nova via da minha Certidão. Nela veio registrado certinho que “nasci na Comarca de Lucélia” (embora naquela época Lucélia nem Município fosse. Mas Lucélia já era Comarca quando essa cópia da minha Certidão foi emitida — por isso considerei que a informação registrada estava certinha.

Recentemente precisei de uma “cópia atualizada” da minha Certidão de Nascimento. Liguei para o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais da cidade, pedi uma cópia, paguei, e a recebi direitinho. Só que ela diz que nasci no Município de Martinópolis. Liguei para lá. Eis o que me explicou o Oficial. O pessoal do Governo Federal, que não faz outra coisa a não ser bolar coisas para prejudicar a vida dos cidadãos, resolveu padronizar os formulários de Registro de Nascimento, que, agora, vêm pré-impressos e contém (entre outros) os seguintes dizeres: “nascido no município de _____”. Ou seja: o Cartório agora não pode dizer mais que “nasci em Lucélia, Distrito de Baliza, Município de Martinópolis, Comarca de Presidente Prudente”. Tem de dizer que “nasci no Município de Martinópolis”. Azar deles: continuo nascido em Lucélia.

Transcrito aqui em Salto, 21 de Maio de 2014

Atualizado em São Paulo, 4 de Novembro de 2015

A Relatividade da Importância que Damos a Certas Coisas…

Aposentei-me da UNICAMP em Dezembro de 2006. Já fez sete anos.

Só agora, quando estou arrumando meus livros e meus arquivos aqui no sítio, tive coragem de realmente dar adeus às besteiragens e bobageiras da vida acadêmica.

Já enchi umas dez caixas enormes com cópias de teses e dissertações de que fui banca; com certificados de participação em bancas de tese, dissertação e concurso, de orientação de tese e dissertação, de participação em eventos (congressos e assemelhados), de ministração de palestras, etc.

Alguns certificados são lindos, dá dó jogar fora… Fico imaginando que qualquer médico, dentista ou advogado (são os que pregam certificados na parede) ficaria contente de pregar os certificados, devidamente emoldurados, na parede de seu consultório/escritório e lhe cobrar 50 reais a mais na consulta em decorrência de cada certificado… (Flames > Nul)

Estou me sentido tão mais leve! Nunca mais — literalmente: nunca mais! — vou precisar disso.

Do meu curriculum vitae, ultimamente, venho retirando coisas. E olhem que nunca nem coloquei nele as palestras ministradas, as participações em banca, orientação, congressos e outros eventos, etc.

Assim, conforme fui ficando mais velho e gradativamente me desligando (primeiro espiritualmente, depois materialmente) do circo acadêmico, meu curriculum vitae veio diminuindo… Não porque eu deixasse de fazer coisas, mas porque deixei de as considerar importantes, por não precisar mais delas.

Ainda tenho umas manias das quais tenho dificuldade de me livrar.

Li ontem à noite, em uma biografia de C S Lewis (por Walter Hooper), que ele, ao acabar um artigo ou um livro, jogava os rascuhos, as versões pré-finais, etc., tudo fora. E que, uma vez que o artigo fosse publicado, jogava fora até a versão final. E não registrava, em nenhum lugar, os artigos e os livros que a escrevia. Nem guardava cópia do volume publicado. Foi só quando Walter Hooper (o biógrafo) foi contratado como seu secretário que ele, Hooper, começou a procurar e a listar tudo o que o mestre havia escrito.

Não consigo ter esse nível de desligamento. Guardo sempre as “trocentas” versões de tudo que escrevo. Em formato digital e impresso. Mas vou me esforçar para chegar lá.

Em Salto, 13 de Fevereiro de 2014

50 Anos Atrás: Meu Ano de 1963

Em Novembro de 1998, quinze anos atrás este mês, escrevi um artigo no blog que tinha no site do Instituto JMC, que eu mantinha, com o título:

35 Anos Atrás: Meu Ano de 1963

http://institutojmc.wordpress.com/2010/03/08/trinta-e-cinco-anos-atras-%E2%80%93-meu-ano-de-1963/

Naquele mês e ano — Novembro de 1963 — eu terminava o Curso Colegial, Modalidade Clássico (equivalente ao Ensino Médio de hoje, naquela instituição educacional, que veio a ser fechada pela Igreja Presbiteriana do Brasil em 1970, por razões nunca explicadas.

(Este ano de 2013, exatamente cinquenta anos depois, minha filha-enteada, Bianca, também termina o Ensino Médio. Ela nasceu em 1996 — eu em 1943, 53 anos antes… Demorei cerca de dois anos para entrar na escola e parei de estudar durante um ano: 1960).

No ano seguinte, 1964, fatídico, eu iria (como fui) para o Seminário Presbiteriano de Campinas. Lá minha festa de calouro seria no dia Primeiro de Abril — primeiro dia do Golpe de Estado que pôs o governo nas mãos dos militares.

Dias antes de minha festa de formatura no JMC fizemos uma viagem de ônibus de 30 dias, os formandos do Clássico e os do Ginásio, pelo Sul do Brasil. Saímos de Jandira, passamos em Curitiba, Camboriú, Florianópolis, Tubarão, Porto Alegre, Lajes, Curitiba de novo, e voltamos para Jandira.

Enquanto estávamos em Florianópolis, no dia 22 de Novembro, numa praia deserta e fria, ficamos sabendo, através de um radiozinho portátil que alguém carregava, que o presidente Kennedy havia sido assassinado.

Tudo isso faz 50 anos este mês.

O dia 22 de Novembro já fazia parte de meu imaginário.

Havia uma canção de Cascatinha e Inhana, chamada Santa Cecília, que eu conhecia aparentemente desde sempre, que dizia que 22 de Novembro era o dia da consagração da Santa Cecília. Aquilo ficou na minha cabeça.

Em 1959, ano que terminei o Ginásio, tive uma namorada chamada Cecília — que, não surpreendentemente, aniversariava no dia 22 de Novembro. Nesse dia, dei-lhe um colar de presente e fomos assistir Suplício de uma Saudade, no Cine Tangará, em Santo André — onde, dias depois, seria nossa formatura. Eu tinha 16 anos.

Anos depois, em 1975, minha segunda filha nasceu em 22 de Novembro — mas não lhe dei o nome de Cecília. Chamou-se (ainda se chama) Patrícia.

Agora estamos nos aproximado do quinquagésimo aniversário da morte do Kennedy – e do trigésimo oitavo aniversário da Patrícia.

Um relato, talvez desnecessária e exageradamente detalhado, de minhas atividades em 1963 pode ser lido no artigo de 1998. Aqui, 15 anos depois, fica apenas o registro de que estou aqui ainda.

Falei de três namoradas no texto. Isso poderia trazer problemas para qualquer um. Mas a Paloma sabe que o maior amor é o último.

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013

O que Será do meu FaceBook Quando eu Morrer?

Meu amigo Jarbas Novelino chamou minha atenção, hoje cedo, através do Facebook, para um artigo que anuncia a criação, em Israel, de algo, não virtual, infelizmente, que parece um Facebook dos Mortos. Ele fotografa lápides e cria um site onde, um perfil para cada lápide, elas são exibidas e os parentes podem deixar suas memórias e curtições para o finado.

Acho desnecessário — e meio mórbido — fotografar lápides físicas para criar os perfis em um site. Deveria ser possível, mediante a apresentação da certidão de óbido, já criar o perfil do recém-falecido (ou do falecido há tempo), com fotos e demais memorabílias.

Certamente fica mais barato. Talvez, não tão bonito: veja a foto.

Cemetery in Israel

Cemetery in Israel

Um acordo com o Mark Zuckerberg poderia até permitir que o perfil e timeline do aposentado da vida fosse transferido para o site — que poderia se tornar, por assim dizer, e com perdão do trocadilho de mau gosto, um arquivo morto do Facebook. Este teria a vantangem de poder dar uma depurada no seu sistema, eliminando os que já passaram desta para aquela. Afinal de contas, os estatísticos já preveem que em 2065 o Facebook terá mais perfis de mortos do que de vivos, dadas as curvas atuais (curvas de novos membros e de falecentes).

Sempre acho essas coisas fascinantes.

Uma rápida busca em meu blog identificou três ocasiões: duas muito perto uma da outra, em Agosto de 2006, outra no fim de 2011.

“O que Será dos meus Hard Disks?” (de 21/8/2006)

http://liberalspace.net/2006/08/21/o-que-sera-dos-meus-hard-disks/

Literatura, Cinema… Alienação? (25/8/2006)

http://liberalspace.net/2006/08/25/literatura-cinema-alienacao/

Que Será de Nossos Pertences Digitais quando Morrermos? (17/11/2011, 28/12/2011)

http://liberalspace.net/2011/12/28/que-ser-de-nossos-pertences-digitais-quando-morrermos/

Quem estiver a fim de enfrentar uma discussão meio mórbida, vá em frente.

Acho que aos poucos estamos encontrando a chave para uma vida após a morte. Ela será uma vida “apenasmente” virtual, mas é melhor do que nada. Não vai exigir ressurreição, arrebatamento, nada. Uma mera transferência dos arquivos de um site para o outro.

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013

Now There is a Facebook for Dead People

By Christopher Mims @mims November 18, 2013

An Israeli entrepreneur has spent “hundreds of thousands of shekels” (tens of thousands of US dollars) to photograph and log 120,000 gravestones, in an effort to create a sort of Facebook/Wikipedia for the dead. It sounds ghoulish, but the project, Neshama, is intended to be the opposite: each page is to be a memorial to a particular deceased person, where family members can leave remembrances.

So far the site encompasses just five cemeteries, but the idea for the site seems eminently exportable. It’s unclear whether Shelly Furman Asa, the site’s founder, sought permission to take the photographs. But at least in the US, there is little to protect gravestones from being photographed, and similar sites like Find A Grave and BillionGraves already serve amateur genealogists in the US.

Facebook allows relatives to “memorialize” the profile of a deceased person, and cartoonists have calculated that Facebook could have more dead people than living by as early as 2065. Neshama’s differentiator is that Facebook has only existed since 2004, but people have been marking the site of their dead relatives for millennia.

Asa says digitization of more cemeteries is ongoing, and that eventually the site will make money by charging relatives to upload images and other tokens to their relatives’ pages.

http://qz.com/148560/now-theres-a-facebook-for-dead-people/

Meu Pai, o Rev. Oscar Chaves (1912-1991)

Meu pai, o Rev. Oscar Chaves (nome completo), nasceu no Triângulo Mineiro, em Patrocínio, Minas Gerais, cerca de 140 km a leste de Uberlândia, no dia 11 de Outubro de 1912, filho de Carlos Gonçalves Chaves, comerciante, e Alvina Jacintha de Oliveira Chaves, do lar. Teve cinco irmãos que sobreviveram até a idade adulta — quatro homens e uma mulher, a caçula: Carlos, Raul, [Oscar], Mauro, Aldo, e Dulce.

Fui privilegiado de conhecer a minha avó e todos os meus tios. Só não conheci meu avô, que faleceu quando meu pai era pequeno.

Dos tios, Carlos Chaves, “O Professor”, maçom livre, tradutor profissional (alguns volumes de Sherlock Holmes), escritor (Aprenda Sozinho Ortografia, etc.), foi o que me marcou mais fortemente. Simpático, mas calado e taciturno, normalmente dizia aos se despedir: “Beneficia-los-ei com minha ausência…” Até hoje digo isso ao me despedir dos de casa, que o conheceram. Por um tempo, tive uma assinatura que imitava a sua, inconfundível, até com os três pontinhos. Tinha muito orgulho de dizer aos meus professores do Ginásio que meu tio havia traduzido As Aventuras de Sherlock Holmes para a Melhoramentos [1].

Meu pai nasceu em lar católico e cresceu como católico sincero, indo à igreja todos os domingos, acompanhando todas as procissões, especialmente as da Semana Santa. Quando ainda bem jovem, fez parte da Conferência de São Vicente de Paula, que naquele tempo só tinha pessoas de idade. Mais tarde, mas ainda quando jovem, começou a estudar o espiritismo de Allan Kardec e se tornou um católico-espírita. Freqüentou muitas sessões espíritas com sua mãe. Depois foi convidado para os cultos protestantes (crentes), tendo aceito vários convites.

Começou a ler livros de polêmicas religiosas do pastor presbiteriano Rev. Álvaro Reis com espíritas (Cartas a um Doutor Espírita) e abandonou as idéias espíritas. Depois devorou livros de controvérsias com padres católicos, escritos por diversos autores presbiterianos.

O que mais o esclareceu e o entusiasmou foi Mimetismo Católico, discussão entre o Rev. Álvaro Reis e o Dr. Carlos de Laet, grande líder católico. Chegou a ler esse livro oito vezes! Mas ainda não era “crente” e tinha vergonha de entrar na Igreja Evangélica. Só no final de 1932 veio a se converter. Para que isso acontecesse, teve de ir para uma outra cidade, Patos de Minas, MG, onde ficou cinco meses lecionando num pequeno colégio [2].

Em Patos se firmou no Evangelho e, voltando para Patrocínio, em Dezembro de 1932, fez, no dia 1º de Janeiro de 1933, sua profissão de fé na Igreja Presbiteriana, com o Rev. Dr. Eduardo Lane (em homenagem ao qual eu recebi meu nome). Em Fevereiro, um mês depois de professar, já fez sua primeira pregação no púlpito daquela igreja, a convite do pastor. Nessa data, 1/2/1933, o texto de seu primeiro sermão foi o do Evangelho Segundo João, cap. 5, vers. 40: “E não quereis vir a mim para terdes vida.”

Naquele mesmo ano desejou ir estudar para o ministério em São Paulo. Seu pastor, Dr. Lane, viu, porém, que ele estava muito “verde” e o fez esperar um ano. Em Fevereiro de 1934 foi para o Curso Universitário “José Manuel da Conceição”, em Jandira, onde estudou cinco anos (quando foi para o JMC já tinha o 3º Ginasial). Lá se formou em 1938, indo então para o Seminário de Campinas, onde concluiu o curso teológico em 1941.

Foi licenciado pregador do Evangelho em 26 de Janeiro de 1942 (segunda-feira), pelo então Presbitério de São Paulo, na Congregação Presbiterial “Betânia”, em Pinheiros, sob o pastorado do Rev. Avelino Boamorte. Seu sermão de prova versou sobre João 18:36: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos para que eu não fosse entregue aos Judeus. Mas agora o meu reino não é daqui”.

Licenciado, foi enviado para a remota cidade de Paracatu, MG, para trabalhar com a West Brazil Mission (um dos ramos missionários que os presbiterianos americanos tinham no Brasil), sendo o primeiro obreiro evangélico a residir naquela antiga cidade mineira.

De Paracatu veio para Campinas, em Julho de 1942, para se casar, no dia 3 (dia do meu casamento religioso com a Paloma, setenta anos depois…), com minha mãe, Edith de Campos, com quem ficou casado até o fim de sua vida. Minha mãe foi com ele para Paracatu, depois das núpcias. Minha mãe havia nascido em 7 de Agosto de 1924 na Fazenda Boa Vista, nos arredores de Campinas (do lado de onde fica a Bosch, hoje, na saída para Hortolândia, antiga Jacuba). Ela era filha de José de Campos e Angelina Claro Godoy de Campos. Teve uma única irmã, Alice, que sobrerviveu até a idade adulta — a minha tia favorita, em muitos aspectos minha segunda mãe.

No fim de 1942 meu pai foi convidado para ser missionário da Junta de Missões Nacionais (JMN) e, aceitando o convite, foi ordenado para o ministério pelo Presbitério de São Paulo, no dia 31 de Janeiro de 1943 (domingo, à noite), no templo da Igreja Cristã Reformada da Lapa, em São Paulo. Com ele foram ordenados Wilson de Castro Ferreira e Domício Pereira de Matos. Estavam presentes no culto os Revs. William Kerr, Avelino Boamorte, Mario Cerqueira Leite, Amantino Vassão, Miguel Rizzo (orador), Paulo Pernassetti, Júlio C. Nogueira, Jorge César Mota e o pastor da Igreja Cristã Reformada. Oficiaram como ministros assistentes os Revs. Zaqueu de Melo (que era irmão de uma cunhada sua, minha tia, Da. Maria de Melo Chaves, mulher do tio Carlos, autora de um livro sobre o Protestantismo brasileiro, Bandeirantes da Fé, traduzido para o francês como Pionniers de la Foi) e Moisés Aguiar. Seu sermão de ordenação versou sobre Filipenses 1:21: “Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é ganho”. A primeira parte desse versículo é, em grego, o moto do Instituto JMC: “‘emoì gàr tò zên Christós“.

Ordenado o meu pai, ele e minha mãe foram enviados para Lucélia, na Alta Paulista, onde meu pai fundou o trabalho presbiteriano, que nasceu na sala de visitas da casa deles (e, pouco depois, minha também). Ficaram ali dois anos (eu, menos de um ano e meio) deixando um terreno comprado, um grande salão construído e uma Escola Dominical com 127 alunos. Foi ali em Lucélia que nasci, na Rua Amazonas, s/nº, no dia 7 de setembro de 1943. Meu pai plantou muitas igrejas na Alta Paulista. Recentemente descobri que foi o fundador do trabalho Presbiteriano em Dracena, SP, que recentemente celebrou 70 anos — nasceu no mesmo ano que eu.

De Lucélia meus pais foram enviados pela JMN para Irati, no sul de Paraná (entre Ponta Grossa e Guarapuava), onde ficaram um ano, pois o trabalho era realizado entre luteranos, o que não era um campo propício para a Junta. (Hoje meu amigo e ex-professor, João Wilson Faustini, mora em Irati. Passamos perto de lá recentemente, quando voltávamos de Foz do Iguaçu, PR.

De Irati foram enviados para o norte do Paraná, região para a qual afluíam, naquela época, famílias vindas de toda a parte do país, aventureiros, criminosos fugidos da polícia, etc. Em Marialva fomos residir em uma casa de madeira, inacabada, pois era tremenda a escassez de moradias, devido ao alto número de famílias que chegavam todos os dias. Em Marialva já havia uma pequena Escola Dominical num pequenino salão de madeira, que era visitada pelo Rev. Wilson Lício, então pastor em Arapongas. PR. Foi comprado um harmônio, um terreno e construído um grande templo de madeira. Em três anos havia uma Escola Dominical com 173 alunos e um imponente coral com quase trinta coristas, com todos os coristas de uniforme (herança do JMC) — algo que revolucionou aquela pequenina cidade que, naquela época, era uma cidade estilo “velho Oeste”, com cenas de “bang-bang” na rua. Ali recebeu mais de 60 novos membros, a maioria vinda do romanismo e do espiritismo. O Rev. José Carlos Nogueira, quando visitou aquele campo, disse que Marialva era a “Antioquia do Paraná”.

Mas, depois de três anos, formado o trabalho em Marialva, meus pais foram enviados para Maringá, PR, para abrir ali o trabalho presbiteriano, pois a cidade, oficialmente criada em 1947, devia se tornar, como de fato se tornou, a mais importante cidade do Paraná a oeste de Londrina. Eu, e agora, o meu irmão Flávio, nascido em 20 de dezembro de 1946 (em Campinas), naturalmente, fomos juntos. Meus pais alugaram uma casa com um salão comercial na frente e, no salão, começou uma Escola Dominical com 18 alunos. Não havia luz elétrica, água encanada, calçamento. Ali meu pai teve um campo que, quando de sua saída, no início de 1952, se desdobrou em quatro outros. De jardineira da Viação Garcia, ou, por vezes, a cavalo, visitava Marialva, Mandaguari, Jandaia do Sul, Pirapó, Taquarussu, Peaberu, Campo Mourão, Paranavaí, Capelinha e outros lugarejos.

Depois de três anos em Maringá, viemos para São Paulo, porque estava passando da hora de eu entrar na escola. No final de 1951, quando a decisão foi tomada, eu já tinha mais de oito anos, sem estar na escola (embora soubesse ler e escrever bastante bem, fruto especialmente do trabalho de minha mãe.

Ao sair de Maringá, meu pai deixou lá dois bons lotes de terreno comprados, onde depois foi construído o atual templo, e uma Escola Dominical com 137 alunos.

A convite do Presbitério de São Paulo, ele assumiu, a partir de Março de 1952, o pastorado da Igreja Presbiteriana de Santo André — igreja recém organizada (o fora em 1951), com poucos recursos humanos e financeiros. A Escola Dominical, quando tinha 60 pessoas, estava animadíssima. O pequeno salão de cultos, construído na Rua 11 de Junho, 878, onde está hoje o Edifício de Educação Religiosa, poucas vezes se enchia. O campo era formado pela igreja de Santo André e as congregações de São Bernardo do Campo e do Parque das Nações, este, um bairro de Santo André.

Em 1982 (quando foram preparadas as notas biográficas que estou utilizando aqui, para comemorar os 40 anos de sua ordenação ao ministério), a Igreja Presbiteriana de Santo André tinha 600 membros adultos, uma Escola Dominical com 580 alunos, e um Conjunto Coral de 90 vozes. A Igreja de Santo André tinha, em 1982, cinco filhas já emancipadas e organizadas: as Igrejas Presbiterianas de São Bernardo do Campo, Parque das Nações, Utinga (também bairro de Santo André), Mauá e Ribeirão Pires, além de congregações em Jardim das Monções, Cidade São Jorge, e Vila Suiça, todas em Santo André. A Igreja de Santo André já tinha (também em 1982) uma “neta”, a Igreja Presbiteriana de Santo Alberto, criada pela Igreja do Parque das Nações.

Meu pai foi reeleito diversas vezes pastor da Igreja Presbiteriana de Santo André. Em outubro de 1976, depois de pastorear a igreja por 24 anos, foi reeleito, pela sétima e última vez, com 99,1% dos votos da assembléia, prova da estima que a igreja lhe tinha [3].

Em 1982 meu pai completou 70 anos de idade e foi jubilado (aposentado), por força das normas trabalhistas da Igreja Presbiteriana do Brasil. Permaneceu, entretanto, ajudando na Igreja, que passou a ser pastoreada pelo até então pastor auxiliar, Rev. Evandro Luiz da Silva, que havia sido meu colega no Instituto José Manuel da Conceição e no Seminário Presbiteriano de Campinas.

Em um desses lamentáveis acontecimentos a que nem as pessoas mais bem intencionadas estão imunes, meu pai e o Rev. Evandro Luiz da Silva se desentenderam a tal ponto que, em 1986, meu pai e um grupo de membros da Igreja Presbiteriana de Santo André deixaram a igreja e formaram uma congregação que eventualmente se tornou a Segunda Igreja Presbiteriana de Santo André, hoje chamada Igreja Presbiteriana Maranatha de Santo André. Ali os membros que o acompanharam o declararam Pastor Emérito – corrigindo o que só pode ser qualificado de uma indelicadeza cometida pela Igreja que ele pastoreou durante mais de 30 anos, que não havia tomado a iniciativa de assim honrá-lo.

A Igreja Presbiteriana Maranatha tem, há bastante tempo, prédio próprio onde funcionam o templo e as instalações de Educação Religiosa.

Meu pai faleceu em 5 de março de 1991, no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, vitimado por câncer na próstata. Morreu um ano e pouco antes de poder comemorar o seu octagésimo aniversário, o Jubileu de Ouro de sua ordenação e as suas Bodas de Ouro com minha mãe. Foi velado no salão social de sua igreja [4].

Meu pai foi Presidente dos Presbitérios Paulistano e da Borda do Campo, tendo sido também Tesoureiro deste e do Sínodo que o congregava (Sínodo Santos-Borda do Campo). Foi Presidente da Junta de Missões Nacionais da Igreja Presbiteriana do Brasil e membro da Comissão de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil. Visitou uma vez os Estados Unidos, a convite do Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (presidido pelo arqui-conservador Rev. Carl MacIntyre), para assistir, como observador, a uma de suas grandes reuniões, em Atlantic City, New Jersey.

Ele foi convidado para ocupar vários cargos na administração da Igreja Presbiteriana do Brasil, e mesmo para ser professor de sua alma mater, o Seminário Presbiteriano de Campinas. Entretanto, sempre declinou dos convites, preferindo o trabalho na igreja local. Fez diversos trabalhos de evangelização pelo rádio, em duas emissoras de Santo André. Pregou em mais de cem cidades de treze Estados brasileiros.

Além de dedicado pastor e excelente homem de púlpito, meu pai era poeta e músico. Escreveu várias poesias e inúmeras letras de hino, tendo também composto a melodia de alguns. Tocava vários instrumentos, todos eles de ouvido: órgão (inclusive elétrico), piano, acordeon, flauta transversal, flauta doce, gaita, violão, cavaquinho, bandolim, e até mesmo serrote. Era bom pintor de telas em aquarela e guache – embora quase todas elas, e suas gravuras a lápis, exibissem o mesmo tema bucólico e campestre, pleno de por-de-sóis, montanhas, araucárias, palmeiras, e lagos com pequenos barcos a vela.

Mas o que gostava mesmo de fazer era escrever folhetos e artigos criticando os “erros” das outras igrejas. A Católica era seu alvo favorito. Mas as pentecostais também levavam muito chumbo. Era um crítico mestre das outras igrejas.

Meu relacionamento com ele não foi sempre fácil, em especial depois de eu haver decidido ir para o Seminário para me preparar para o ministério. Creio que essa minha decisão (tomada em 1960) elevou suas esperanças a meu respeito, levando-o a imaginar que eu um dia pudesse dar continuidade à sua obra. Quando ele percebeu que, teologicamente e no que diz respeito a política eclesiástica, nós caminhávamos em direções opostas, seu desapontamento foi grande – e o conflito inevitável. Mas esse assunto não cabe aqui neste artigo. Basta dizer que, na minha modesta opinião, mantida até hoje, meu pai, apesar de ser um excelente crítico das outras igrejas, foi bem menos crítico do que devia de sua própria. Foi isso que nos separou teológica e eclesiasticamente. (Vide mais, abaixo: “Ideias”).

A seguir vou apresentar algumas vinhetas da vida do meu pai – pequenos e não tão pequenos episódios que considero importantes ou interessantes.

O Noivado com Loyde Bonfim

Meu pai, quando estudante em Campinas (1939-1941), foi, o tempo quase todo, noivo de Loyde Bonfim, da Missão dos Índios Caiuá, que acabou se casando com um colega de meu pai, o Rev. Orlando Andrade. Nunca tive muitos detalhes do caso, até porque o assunto não era dos que minha mãe mais gostasse de ver discutidos em sua presença. Soube, porém, que o rompimento foi meio inesperado e, portanto, traumático, e que o noivado e casamento com minha mãe, logo depois, não foi muito bem visto nos círculos eclesiais. Pelo que soube, o Rev. Miguel Rizzo teria até mesmo se oposto à ordenação de meu pai em função do ocorrido. (O leitor verá que tive, portanto, por quem puxar, quando, futuramente, terminei alguns namoros e dois casamentos de forma meio abrupta e, para a outra parte, inesperada).

Anos depois, quando eu já era jovem e estudava no Seminário de Campinas, fiquei conhecendo Loyde Bonfim Andrade. Lembro-me de ter ficado surpreso quando ela me perguntou, de sopetão, se eu sabia que por pouco ela não havia sido minha mãe…

Seu aluno, Aharon Sapsezian

Aharon Sapsezian foi meu grande amigo dos meus 45 anos em diante – ou seja, nos últimos quase 25 anos, até sua morte, no ano passado.

Conheci-o pessoalmente em 1967, quando precisava de uma passagem aérea para os Estados Unidos (ida e volta), para poder usufruir uma bolsa de estudos de três anos que me concedera o Pittsburgh Theological Seminary. O Aharon – Rev. Aharon, para mim, naquela época – era, na ocasião, Secretário Executivo da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos. Mesmo sem me conhecer, apenas ouvindo minha história (havia sido expulso do Seminário Presbiteriano de Campinas, com mais de 7o colegas), arrumou, junto ao National Council of the Churches of Christ in the United States of America, a desejada bolsa.

Não o vi mais, nem ouvi falar dele, daquele momento até 1988, vinte e um anos depois, quando já era Professor Titular da UNICAMP, emprestado para dirigir o Centro de Informações de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde. Nessa qualidade, tive de ir até Genebra, para uma série de reuniões relacionadas a sistemas de informação de saúde, em especial os sistemas de notificação de moléstias contagiosas de notificação compulsória, a ser realizada na Organisation Mondiale de la Santé (OMS – ou World Health Organisation — WHO), que tem sede lá.

Nunca havia ido a Genebra, cidade que sempre figurou no meu imaginário por seu papel na tradição reformada (calvinista). Sabedor que meu amigo e colega na UNICAMP, Rubem Alves, ia com certa frequência lá, por suas ligações com o Centre Oecumenique (CO), sede do World Council of Churces (WCC). Perguntei a ele se conhecia alguém lá e ele indicou o Aharon – que trabalhava exatamente no WCC. Disse que só tinha visto o Aharon uma vez na vida, e ele me assegurou que eu seria muito bem vindo.

Em Genebra, liguei para o Aharon por volta das 10h da manhã do meu primeiro dia de trabalho, e ele me convidou para almoçar no apartamento dele já naquele dia. Ficamos melhores amigos à primeira vista. Voltei lá inúmeras vezes e via o Aharon quase todos os dias, todas as vezes.

Numa de nossas conversas, em 1988, ele espiculou sobre minha família, e falei de meu pai, que era de Patrocínio… Ele ficou sério de repente, matutando… E me disse: acho que seu pai foi meu professor de Caligrafia no Instituto Bíblico de Patrocínio, em 1933 (dez anos antes de eu, Eduardo Chaves, nascer). O pai do Aharon era um refugiado armênio, reformado (presbiteriano), mascate pelo interior de Minas, que fixou residência em Patrocínio para que os filhos pudessem frequentar a escola presbiteriana.

Naquele dia liguei para meu pai, já com 76 anos, e perguntei-lhe se se lembrava do Aharon. Disse que sim – e o provou dizendo o nome de sua irmã, Asniv, e de seu irmão (nome que me escapa agora).

Fiquei pasmo com a coincidência. Mas minha vida tem se caracterizado por inúmeros casos de coincidência parecidos como esse. Chamo-os de casos de provincidência – uma mistura de providência com coincidência.

Interesse por Michel Zévaco

Logo depois de nos mudarmos para Santo Andreé, em 1952, meu pai comecou a comprar uma série de livros de um autor francês chamado Michel Zévaco. Os primeiros livros da série se chamavam Os Pardaillan. Outros titulos incluiam Epopéia de Amor, Fausta, Pardaillan e Fausta, Fausta Vencida, O Pátio dos Milagre, A Ponte dos Suspiros, Amantes de Veneza, Nostradamus, O Capitan, Borgia, A Marquesa de Pompadour, João sem Medo, etc. Muitas das histórias giravam em torno do garboso Cavaleiro de Pardaillan e seu intrépido pai, mesmo quando o nome dele não figurava no título. Outras histórias não o tinham como personagem. A histórias todas se passavam na atraente e misteriosa França da segunda metade do século XVI. Sob influência de meu pai comecei a ler os livros e, como ele, apaixonei-me pelas histórias.

Um dia, em 1989, quando estava de novo em Genebra, na Suiça, prestando serviços para a Organização Mundial da Saúde, encontrei em uma livraria Fnac, em Les Halles, a série completa Les Pardaillan, de Michel Zévaco, em três densos volumes que, no total, perfazem quase quatro mil paginas [5]. Ao voltar a São Paulo, encontrei, meses depois, a obra, na Livraria Francesa, na Rua Barão de Itapetininga, 275. Não tive dúvidas: comprei-a, às vésperas do meu aniversário. (A data nos livros é 7 de Setembro de 1989 – mas como esse dia é feriado, imagino que tenha comprado os livros no dia anterior, e tenha colocado a data do meu aniversário para que ficasse registrado que os livros eram um presente que eu dava a mim mesmo).

A edição francesa contém um longo prefácio, de cerca de 140 paginas, escrito por Aline Demars, com o título “Michel Zévaco, Anarchiste de Plume et Romancier d’Épée”. Ali se informa que Zévaco nasceu em 1860 na Corsa e morreu em 1918, em Paris. A historiadora da literatura popular francesa explica que Les Pardaillan começou a ser publicado em Março de 1902, na forma de folhetim (“roman feuilleton”), com o título Par le Fer et par l’Amour.

Aline Demars informa que Zévaco foi um dos maiores sucessos literários do fim do século XIX e do início do século XX. Embora seu nome geralmente não conste dos compêndios de literatura francesa, por ter optado pele gênero “Literatura Popular”, publicada em folhetins, vários intelectuais importantes, entre eles Jean-Paul Sartre, admitiram ter sido fascinados pela obra de Zévaco quando eram crianças e adolescentes. Aqui no Brasil, como vim a saber oito anos depois, Darcy Ribeiro, em suas Confissões, menciona que Zévaco era uma de suas leituras favoritas quando criança e adolescente. Eu estava, portanto, em boa companhia… [6]

No mesmo dia em que comprei os livros em francês, ao voltar para o hotel, comecei a ler as histórias que havia lido 40 anos antes, agora no belíssimo francês do original. Em determinado momento, ao ler, numa das histórias de Zévaco, que o cavalo de Pardaillan se chamava Galaor, veio-me à memoria algo que aparentemente não me ocorrera quando eu lera os livros em português na década de 50: tive a nítida impressão de que, quando eu era menino, no Paraná, meu pai tivera um cavalo chamado Galaor.

Liguei para o meu pai, em Santo André, então já com 77 anos, e lhe perguntei se havia tido um dia um cavalo Galaor. Disse que sim. Perguntei-lhe a razao do nome, e a resposta foi a esperada: esse era o nome do cavalo de Pardaillan. Mas como seria isso possível, indaguei, se ele só veio a ler Zévaco quando veio para Santo André em 1952? Que nada, disse-me ele, em Santo André li tudo pela segunda vez. A primeira foi quando era menino, em Patrocínio. Os livros, continuou, eram vendidos naquela epoca na forma de foletim, um pequeno volume a cada poucos dias. Isso, nos anos 20 do século XX  [7].

Fiquei surpreso como fato de que um famoso autor popular francês, no início do século, tivesse seus folhetins semanais traduzidos para o português e que esses viessem a ser distribuídos até mesmo numa cidade pequena do então distante Triângulo Mineiro! E há muita gente que pensa que globalização é algo recente.

Seja lá como for, os Pardaillan, pai e filho, foram uma das poucas coisas acerca de que pai e filho estariam de acordo na esfera literária. Sempre estiveram.

Recentemente, meu sobrinho Vítor Chaves, ao comprar seu primeiro carro, batizou-o Galaor. Infelizmente eu não tive nada que pudesse ter batizado de Galaor. Quem sabe batize, retrospectivamente, meu Corolla de 12 anos de Galaor… Seria a segunda geração de Galaores na família, completada agora com o Galaor do Vítor…

Ideias

Teologicamente, meu pai era conservador, calvinista ortodoxo, tendente ao fundamentalismo. Politicamente, depois de ter tido algum interesse pelas ideias comunistas (menos o materialismo e ateismo), quando estava no Paraná, foi se movendo cada vez mais a direita, a ponto de admirar, dentre os Presidentes militares, Arthur da Costa e Silva mais do que qualquer outro. Na verdade orgulhava-se de parecer-se com Costa e Silva — algo que, pessoalmente, achava dificil de entender, ate porque o achava (a meu pai) muito mais bonito e simpático.

Gostava de controvérsias: escreveu inúmeros artigos contra católicos (tradicionais, progressistas e carismáticos), espiritas e adeptos de outras denominacoes evangelicas (batistas, pentecostais, Adventistas do Sétimo Dia, Testemunhas de Jeová, e até batistas e metodistas), criticando-os pela não aceitação da recta doctrina (ortodoxia) calvinista.

Dava enorme importancia à doutrina correta (ortodoxia) — mais do que à conduta correta, eu diria. O importante, para ele, era crer certo. A principal missão do pastor, para ele, era doutrinar as suas ovelhas. De certo modo assimilei dele essa visão de que religião, mais do que conduta correta (ética) ou comunhão entre os fieis (koinonia), era uma questão de aceitação de doutrinas (crença) e assentimento à sua presumida veracidade. Assim, quando vim a rejeitar as doutrinas, rejeitei ao mesmo tempo a religião, posto que não conseguia imaginar, naquela época, uma religião nao doutrinal. Quando comecei a rejeitar a doutrina, fui rejeitado pelo pastor e pai — ficamos cerca de dois anos sem conversar. A crença certa era mais imprtante até mesmo do que a comunhão familiar.

Hoje, felizmente, penso diferente. Foi essa mudança que me permitiu voltar para a igreja, 44 anos depois de ter saído dela.

A moralidade, para meu pai, era menos uma questão de agir, fazendo o bem, do que uma questão de não pecar, fazendo o que era errado. E o que era errado não era visto em termos de grandes questões (como, por exemplo, não cometer injustiças), mas em termos de “pequenos comportamentos”: não fumar, não beber, não dançar, não ir ao cinema aos domingos — até mesmo não ouvir a transmissão de jogos pelo rádio aos domingos!

Meu pai advertia as mulheres que vinham à igreja com blusa transparente ou saia curta. Num determinado momento proibiu que as mulheres viessem ao culto de calças compridas. Não fazia casamento de divorciados, negava comunhão aos que viviam juntos sem estarem casados, considerava o hossexualismo um pecado dos mais graves. Nisso tudo, entretanto, não estava sozinho dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil.

É isso. Quem sabe, por enquanto.

Em São Paulo, 29 de Outubro de 2013

NOTAS:

[1]      As informações que seguem acerca de meu pai, exceto onde assinalado, e até uma nova manifestação minha a esse respeito, na Nota 3, são basicamente autobiográficas, retiradas que foram de resumo dos principais fatos de sua vida preparado por ele próprio e destinado a uma publicação feita pela Igreja Presbiteriana de Santo André, quando ele comemorou 40 anos de ordenação ao ministério em 1982. Para tornar a leitura mais fácil, porém, relato em primeira pessoa, como se eu houvesse registrado as informações. Alguns fatos foram acrescentados ao relato biográfico com base em outras anotações, também de autoria dele, feitas em sua primeira Bíblia, ganha do Rev. Eduardo Lane como presente de Natal no ano de 1932, e que hoje está guardada sob minha responsabilidade.

[2]      Com data de 28 de fevereiro de 1931, quando ele tinha, portanto, 18 anos, meu pai transcreveu, em um caderno de capa dura, e em caprichada letra de imprensa, 39 páginas de um trecho sobre a “A Matança dos Protestantes, em Paris, no dia 24 de Agosto de 1572, Domingo, Dia de São Bartolomeu”, retirado do romance histórico de Michel Zévaco chamado “Epopéia d’Amor”. Depois de transcrever, escreveu, de próprio punho: “Não nos admira nada que tal coisa acontecesse, porque isso é o cumprimento da prophecia do Apocalypse, que, referindo-se à Egreja Romana (que mais tarde havia de apostatar), disse: ‘E não luzirá mais em ti a luz das lâmpadas, nem se ouvirá mais em ti a voz do esposo e da esposa, porque os teus mercadores eram príncipes da terra, porque nos teus ensinamentos erraram todas as gentes. E nella (na Egreja) foi achado o sangue dos prophetas, dos santos, e de todos os que foram mortos sobre a terra’ (Apocalypse 18:23,24). ‘E a mulher (a Egreja Romana) estava vestida de púrpura e de escarlata, adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas . . . e na sua fronte estava escripto este nome: Mistério! Babilônia, a Grande, a mãe da fornicação e das abominações da Terra. E a mulher achava-se embriagada com o sangue dos santos e das testemunhas de Jesus’ (Apocalypse 17:4,5,6). O castigo dessa egreja apóstata será grande, e, por isso, a todos dirige o Senhor este apêllo: ‘Sahi della, povo meu, para não serdes participantes dos seus delictos, e para não serdes comprehendidos nas suas pragas. Porque os seus peccados chegaram até os céus, e o Senhor se lembrou das suas iniqüidades’. (Apocalypse 18:4,5).” Fim da citação. Só 22 meses depois Oscar Chaves iria formalmente abraçar a Igreja Presbiteriana. Mas sua convicção acerca da Igreja Romana estava firmada bem antes disso, como demonstra não só a citação, mas o esforço necessário para transcrever a mão, em letra de imprensa, 39 páginas de um texto vibrante de denúncia das atrocidades cometidas pelos Católicos contra os Protestantes (Huguenotes) naquele Domingo de São Bartolomeu em Paris, no ano de 1572.

[3]      A partir daqui, acréscimo meu.

[4]      O Rev. Evandro, pelo que consta, continua seu trabalho de dividir igrejas – até mesmo no exterior.

[5]      Michel Zévaco, Les Pardaillan (Coleção Bouquins, Robert Laffont, Paris, 1988). Os dez livros que compõem essa coleção são, no original francês: Volume I (dois livros e meio): Les Pardaillan, L’Épopée d’Amour, La Fausta; Volume II (quatro livros e meio):La Fausta (suite), Fausta Vaincue, Pardaillan et Fausta, Les Amours du Chico; Volume III (quatro livros): Le Fils de Pardaillan (deux livres), La Fin de Pardaillan, La Fin de Fausta.

[6]      Descobri, também, em 1989, em conversa pessoal, quando participávamos do Comitê que fez propostas e recomendações acerca da criação da Universidade Tecnológica de São Paulo (apelidade na impressa de “Universidade da Zona Leste”), que Ubiratan D’Ambrósio, meu colega na UNICAMP, era também um grande admirador de Zévaco, cujos livros havia devorado quando criança e adolescente.

[7]      Tempos depois, ao vasculhar os papéis de meu pai, depois de sua morte, encontrei o caderno, já mencionado, em que ele transcreveu, em 1931, um trecho de Epopéia de Amor, sobre a matança dos protestantes na França no Domingo de São Bartolmeu, 24 de Agosto de 1572, como mencionado no texto.

Memória e Esperança

No artigo anterior mencionei John Locke, que afirma que aquilo que fui – ou melhor, aquilo que me  lembro acerca do que fui – condiciona o que sou: é a chave de minha identidade pessoal.

(Rubem Alves, quando responde “Sou, porque fui”, à pergunta se ainda é protestante, parece concordar com essa tese lockeana. Eu próprio já me manifestei de acordo com essa ideia).

Aqui gostaria de sugerir uma visão diferente: aquilo que eu quero ser – em outras palavras: a minha esperança – me condiciona mais do que aquilo que eu fui, ou aquilo que eu me lembro acerca do que fui – em outras palavras, a minha memória.

Aquilo que eu quero ser – a minha esperança – é a minha memória projetada para o futuro, é a memória que eu vou querer ter daqui a algum tempo.

Consta que Ayrton Senna, antes das corridas, se concentrava correndo, em sua mente, a corrida que em poucos minutos iria correr na pista. Ele se via acelerando, ultrapassando adversários, ganhando a bandeirada de chegada. Era isso que o ajudava a fazer do que era, num momento, a sua esperança, no momento seguinte, a sua memória. Ele “remembered forward”.

A contrapartida de “forward remembering” é “backward hoping”. Há um samba, acho que interpretado pela Beth Carvalho, parece que chamado “Foi Mangueira que chegou”, que diz: “Nossos barracos são castelos na nossa imaginação”. Fico pensando se isso não é verdade também na nossa memória. Imaginamos castelos onde de fato só existiram barraquinhos. Se, um dia, alguma coisa precipitar o reconhecimento de que foi só um barraco, vamos rejeitar o fato para ficar com o castelo da esperança voltada para trás. Este é um exemplo de “backward hoping”. Projeta-se no passado aquilo que se deseja para o futuro.

Nós somos, portanto, não apenas o que fomos, mas, também, o que esperamos (porque queremos, desejamos) ser.

Memory and Hope”. Este é o título de um livro antigo (mais de quarenta anos?) de um dos mais importantes professores que eu tive, Dietrich Ritschl (neto do famoso teólogo Albrecht Ritschl, que viveu no século XIX). Tanto quanto eu saiba, foi ele que cunhou as expressões “forward remembering” e “backward hoping”.

Em São Paulo, 29 de Outubro de 2013