Desejos, Riqueza e Felicidade

José Mujica, presidente do Uruguai, declarou isto em entrevista para a Folha de S. Paulo de hoje (1/12/2013):

“Pobre é quem precisa de muito. Tenho um tipo de riqueza que muitos não ambicionam. Desprezo a acumulação de dinheiro. Tenho 78 anos e estou por um passo [da morte], vou acumular dinheiro?”

Transcrevi esse “dictum” na minha Linha do Tempo no Facebook e recebi o seguinte comentário do meu amigo Enézio Eugênio de Almeida Filho (Neddy):

“Neddy é, pela ótica mujicana, paupérrimo! Não levamos, mas um autor oriental milenar afirmou na Folha de Israel, que o homem bom deixa herança para os filhos dos filhos. Fico com este autor, mesmo sabendo que nada levarei quando morrer.”

Eu acrescentei:

“Analisando e interpretando:

* Há pessoas que têm muitas coisas (dinheiro, bens, etc.) mas desejam ainda muito mais. São pobres, não importando o quanto tenham em termos absolutos.

* Há pessoas que têm muito mais (dinheiro, bens, etc.) do que desejam. São ricas, mesmo que, em termos absolutos, tenham pouco.

* Há pessoas que têm tudo o que desejam. Não são nem pobres, nem ricas, em termos relativos — não importando o que tenham, em termos absolutos. “

Nesse ponto, lembrei-me de um artigo que escrevi, entre 1988 e 1990, e que foi publicado  em Pro-Posições, nº 4, Março de 1991, com o título: O artigo é  “Justiça Social, Igualitarismo e Inveja: A Propósito do Livro de Gonzalo Fernandez de la Mora”. Pro-posições é a revista da Faculdade de Educação da UNICAMP.

Não se trata, no artigo, de discutir desejo e riqueza, mas, sim, desejo e felicidade. Mas os dois tópicos são relacionados. [No final explico o significado das {chaves} e dos [colchetes].

———-

“I. Desejo e Felicidade

O desejo é a energia básica que alimenta a evolução humana. O que chamamos de felicidade é o estado criado pela satisfação de nossos desejos: ficamos felizes quando nossos desejos são realizados e infelizes quando não o são [4].

Acerca dessa questão a experiência nos mostra pelo menos duas coisas:

a) que desejamos o maior grau possível de felicidade, isto é, um estado em que todos os nossos desejos são satisfeitos;

b) que temos cada vez mais desejos {118-120 [5]}.

Na verdade, nossa felicidade não depende necessariamente da posse de bens materiais ou tangíveis: depende, fundamentalmente, de nossos desejos. Se estes são satisfeitos, seremos felizes. Caso contrário, não. {88} [6].

Se nossos desejos são poucos, ou facilmente realizáveis, não é tão difícil ser feliz. Na verdade, quem nada deseja não tem como ser infeliz, pois não terá nenhum desejo frustrado ou contrariado. O asceta, definido como aquele que conscientemente procura reduzir seus desejos a um mínimo, é, devemos presumir, tanto mais feliz quanto menos deseje [7] {118}.

Essa constatação, por sua vez, chama nossa atenção para o fato de que há uma relação estreita entre felicidade, de um lado, e conhecimento e imaginação, de outro — ou, talvez seja melhor dizer, entre felicidade e ausência de conhecimento e imaginação. Isto porque não podemos desejar aquilo de que não temos conhecimento ou que somos incapazes de imaginar: só o (de alguma forma) conhecido ou imaginado pode ser objeto do desejo.

Assim sendo, quem ignora as várias possibilidades que a vida oferece tem seus desejos circunscritos por sua falta de conhecimento e imaginação, e pode, por causa disso, ser mais feliz do que quem muito conhece ou imagina, e, em conseqüência, muito deseja, mas não tem como satisfazer seus desejos [8].

É preciso ressaltar, porém, que, embora o asceta, o ignorante e o não-imaginativo (que têm poucos desejos) possam ser felizes, sua felicidade parece ser negativa, vazia e estéril, por decorrer do fato de que (conscientemente ou não) pouco desejam. Além disso, sua ética (no caso do asceta) e seu comportamento (nos três casos) são involutivos, não levam à evolução humana.
O progresso e o desenvolvimento humano não são frutos da felicidade (negativa) causada pela ausência ou supressão do desejo. São conseqüência, isso sim, muito mais do desejo insatisfeito — mas que se acredita poder satisfazer. São a ética e o comportamento daqueles que observam ou imaginam estados e coisas que não possuem, e resolvem atingi-los ou consegui-los, que produzem o progresso e o desenvolvimento humano.
Em uma sociedade complexa como a nossa, uma das principais fontes a sugerir novos objetos de desejo à nossa imaginação é a visão de outras pessoas: a observação do que elas são, de como agem, do que possuem [9]. Nesse processo, apercebêmo-nos de que os outros são diferentes, que agem de forma diversa, que exercem outras atividades, que possuem coisas que não possuímos.

Essa percepção da diversidade dos outros não teria maior significado se não fosse freqüentemente acompanhada de uma avaliação: concluímos (com ou sem razão) que os outros são mais felizes do que nós; que são não só diferentes, mas melhores; que têm não só coisas diferentes, mas melhores e/ou em maior número; etc. Não é importante, neste contexto, que os outros realmente sejam mais felizes do que nós: basta que achemos que são.

Esse desejo de alcançar uma felicidade superior, que imaginamos que outros possuam, não é, em si mesmo, necessariamente negativo. Pode ser até positivo: “Homo sapiens estaria ainda aguardando uma mutação genética que lhe permitisse sair da era paleolítica se os humanos fossem totalmente insensíveis à superioridade da felicidade, real ou imaginada, dos outros” {118}.

Na verdade, face à possibilidade de que os outros possam ser mais felizes do que nós, é possível assumir uma de três atitudes:

a) Desejar ser como os outros, agir como eles, possuir as coisas que possuem — essa a atitude de emulação;

b) Aceitar nossa (real ou suposta) inferioridade — essa a atitude de resignação;

c) Desejar que os outros percam aquilo que têm e que gostaríamos que fosse nosso — essa a atitude de inveja.

A atitude de emulação é positiva [10]. A emulação é, em parte, a mola propulsora do progresso e do desenvolvimento humano. Mas ela se torna realmente positiva e fonte de progresso quando gera no indivíduo o desejo de ser ainda melhor ou de ter ainda mais do que o outro: em outras palavras, quando produz nele o espírito de competição. No esporte, por exemplo, não haveria muito progresso se alguns se contentassem em apenas emular o bom desempenho de outros. O progresso real não vem do desejo de ser bom: vem do desejo de ser ainda melhor, e, eventualmente, de ser o melhor. É por isso que o lema que Fernández de la Mora nos propõe é: “Faz o que tens de fazer, e faze-o melhor do que qualquer outro” {121}.

A atitude de resignação é, de certa forma, neutra, podendo eventualmente assumir aspectos negativos e positivos [11]. É a atitude de quem tem desejos insatisfeitos mas se conforma com a sorte. Não agindo, decididamente, para a satisfação de seus desejos, o resignado, além de se resignar com não ser feliz, deixa de dar uma contribuição para o progresso e o desenvolvimento humano. Por outro lado, não incorrendo na inveja, não se sente mais miserável ainda por ver que outros alcançam aquilo que, desejando, não é capaz de obter, nem promove a involução humana, como a seguir se verá. A atitude de resignação leva, portanto, à estagnação.

A atitude de inveja, por outro lado, é negativa [12]. A inveja, ao contrário da emulação, leva à involução. O invejoso quer, em regra, o infortúnio e a miséria daqueles que ele inveja, quer que aqueles que lhe são melhores se vejam reduzidos ao seu nível.

É a inveja que é objeto de mais cuidadosa análise no livro de Fernández de la Mora [13].”

NOTAS:

[Entre {chaves} os números das páginas do livro La Envidia Igualitaria (Egalitarian Envy), de Gustavo Fernández de la Mora, na tradução para o Inglês].

[Em [colchetes] as seguintes notas de rodapé:

[4] John W. Gardner, em Excellence: Can We Be Equal and Excellent Too? (Harper & Row Publishers, Perennial Library, 1961, 1971) procura contestar essa definição de felicidade, afirmando (p.123) que “felicidade, a despeito de noções populares em contrário, não deve ser concebida como um estado em que todos os desejos são satisfeitos…”, devendo ser encontrada “no atingimento de metas significativas”. Ayn Rand, em “The Objectivist Ethics” (in The Virtue of Selfishness: A New Concept of Egoism [A Signet Book, The New American Library, New York, 1961, 1964], pp. 28-29, tradução brasileira de On-line Assessoria em Idiomas, sob o título de “A Ética Objetivista”, in A Virtude do Egoismo [Editora Ortiz S/A e Instituto Liberal Porto Alegre, 1991], p.39, aqui citada), afirma: “Felicidade é aquele estado da consciência que provém da realização dos próprios valores [NB]. . . . Felicidade é possível apenas para um homem racional, que deseja apenas objetivos racionais, procura apenas valores racionais e encontra sua alegria apenas em atos racionais”. A satisfação de desejos que não se sustentam em valores leva, segundo Rand, apenas a uma “pretensa felicidade”. Poder-se-ia argumentar que o “atingimento de metas significativas” ou “a realização dos próprios valores” só trazem felicidade para quem deseja atingir metas significativas ou realizar seus próprios valores, e que a noção popular de felicidade se fundamenta na simples satisfação do desejo. Pode muito bem dar-se o caso, ou pelo menos assim parece, de que alguém, que é feliz, não mereça sê-lo, do ponto de vista moral, porque seus desejos são, digamos, imorais (implicam metas não significativas, segundo Gardner). Também pode dar-se o caso de que alguém, que é feliz no momento (i.e., no curto prazo), não venha sê-lo no futuro, porque seus desejos não se sustentam em valores e, portanto, como diria Rand, não são no seu verdadeiro interesse, a longo prazo (visto esse interesse de um prisma puramente racional). Seria difícil, entretanto, negar, em casos assim, que a pessoa seja feliz (no seu entendimento de felicidade). Por outro lado, é inegável que pode haver pessoas que mereçam ser felizes e que não o são, porque seus desejos, por qualquer razão, não estão satisfeitos. Também pode haver pessoas (mesmo racionais) que se tornem infelizes, num determinado momento, porque a satisfação de seus desejos, a longo prazo, demora demais para acontecer. Creio que Kant, ao distinguir entre o conceito de felicidade e o conceito de ser digno de felicidade, concordaria comigo.

[5] Os números entre colchetes se referem estas notas, colocadas no fim do texto. Os números entre chaves se referem às páginas do livro.

[6] Émile Durkheim, em L’Éducation Morale (Librairie Félix Alcan, Paris, 1925), obra publicada em inglês com o título Moral Education: A Study in the Theory and Application of the Sociology of Education (Macmillan Publishing Company, 1961, 1973), pp.43-44 e 48-49, argumenta que “através da disciplina, e apenas por meio dela, podemos ensinar a criança a conter seus desejos, colocar limites em seus apetites de todos os tipos, limitar e (pela limitação) definir as metas de sua atividade. Esta limitação é a condição da felicidade e da saúde moral” (pp.43-44). “Através da disciplina”, diz ele, “aprendemos a controlar o desejo, sem o que o homem não pode alcançar a felicidade”. Por outro lado, Jean-Jacques Rousseau, em seu Émile, ou de l’Éducation (Éditions Garnier Frères, Paris), tradução brasileira de Sérgio Milliet, com o título Emílio ou da Educação (Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1968), afirma: “Em que consiste a sabedoria humana ou o caminho da felicidade verdadeira? Não consiste precisamente em diminuir nossos desejos, pois se se encontrassem abaixo de nossas forças, parte de nossas faculdades permaneceria ociosa e não gozaríamos de todo o nosso ser. Nem consiste tampouco em ampliar nossas faculdades, pois, se estas se ampliassem nas mesmas proporções, mais miseráveis ainda seríamos. Ela consiste, certo, em diminuir o excesso dos desejos sobre as faculdades e em por em perfeita igualdade o poder e a vontade” (p.62). “A miséria”, afirma ele, “não consiste na privação das coisas e sim na necessidade que delas se faz sentir” (p.63).

[7] Embora o asceta possa deixar de desejar bens materiais, ele certamente deseja bens imateriais, como paz de espírito, santidade, etc.. É difícil imaginar que alguém consiga se livrar de todo e qualquer desejo, e que seja, portanto, absolutamente feliz pela ausência total de desejos.

[8] Se encararmos as coisas de um prisma meramente quantitativo, somos forçados a concluir que muitas vezes, por mais felizes que sejamos (i.e., mesmo que tenhamos um grande número de desejos satisfeitos), um só desejo insatisfeito pode ser causa de grande miséria (desde que seja considerado importante).

[9] A observação dos outros certamente não é a única fonte de objetos do desejo: a imaginação, a criatividade, a inventividade, também o são. Qualitativamente, estas têm a vantagem de nos fornecer objetos de desejo “de primeira mão”, enquanto aquela nos traz objetos de desejo “de segunda mão”. Quantitativamente, porém, a maior parte dos desejos da maioria das pessoas é sugerida por sua observação dos outros.

[10] A atitude de emulação é positiva como ponto de partida e em comparação com as alternativas aqui descritas. Contudo, como se ressaltará, é preciso não parar na emulação, pura e simples: é necessário desejar ir além, ultrapassar, ser mais, para que haja inovação e progresso. {Cf.185}. Cf. Friedrich A. Hayek, The Constitution of Liberty, op.cit., p.45 da edição original, p.45 da edição brasileira, aqui citada: “A maior parte dos bens que buscamos são coisas que desejamos porque outros já as têm. Contudo, uma sociedade progressista , embora baseada nesse processo de aprendizado e imitação, considera os desejos que desperta somente um estímulo para um renovado esforço. Ela não garante que esses bens se tornem automaticamente acessíveis a todos. E permanece insensível ao sofrimento do desejo insatisfeito despertado pelo exemplo de outros. Ela parece cruel porque aumenta os anseios de todos na mesma proporção em que aumenta os seus dons para alguns. Todavia, enquanto ela for uma sociedade progressista, alguns irão à frente e os outros terão de segui-los”.

[11] A atitude de asceticismo pode ser vista como uma variante da atitude de resignação: só que a atitude ascética procura eliminar/sublimar o desejo ao invés de meramente se resignar à sua não satisfação. Poderíamos até dizer que o asceta procura fazer do que ele percebe como necessidade o que ele considera uma virtude. Contudo, ao lado desse aspecto negativo da resignação, essa atitude pode ter um aspecto mais positivo, que é aprender a viver com o desejo não satisfeito, educar-se para apreciar a felicidade dos outros, ser feliz “vicariamente” (como os pais supostamente são, quando os filhos são felizes). Fernández de la Mora dá bastante ênfase a essa estratégia como uma fórmula de combater a inveja {121-124}.

[12] O livro termina com esta afirmação: “A destrutiva inveja igualitária é responsável pelas páginas mais negras de nossa história; a emulação, que é hierárquica e criativa, explica seu esplendor” {186}.

[13] Não consegui encontrar nenhuma evidência de que Fernández de la Mora tenha lido Ayn Rand. Os paralelismos, porém, em alguns aspectos, são surpreendentes (embora haja, em outros aspectos, contrastes importantes). Em incisivo artigo, intitulado “The Age of Envy”, Rand observa que, apesar de “inveja” não ser o termo preciso para descrever nossa época, não existe outro que descreva “a manifestação mais clara de uma emoção que tem ficado sem nome: … o ódio do bom por ser ele bom”. O artigo de Rand, que originalmente apareceu em sua Newsletter, está republicado em The New Left: The Anti-Industrial Revolution (New American Library, Signet Books, New York, Edição Revista, 1971), pp.152-186. A citação foi tirada das pp.152-153. Talvez Rand tenha achado que o termo “inveja” não se aplicasse bem ao sentimento em questão porque considerasse, como muitos, que inveja inclua o que Fernández de la Mora chama de “emulação”, ou mesmo que com isso se identifique. No quotidiano, quando alguém adquire algo igual ao que outra pessoa já possui, é comum dizer-se que agiu por inveja. Fernández de la Mora — e aqui está a originalidade de sua contribuição — não usa o termo “inveja” neste caso, e apela para uma quantidade enorme de material histórico para justificar sua postura. O sentimento de querer ter algo que outros têm, ou de querer ser o que são, é um sentimento que está longe de ser negativo e de merecer as condenações que a inveja recebeu ao longo do tempo, dos pré-socráticos aos contemporâneos (querer ser tão santo quanto São Francisco de Assis, por exemplo, nunca foi condenado como inveja — pelo menos que eu tenha conhecimento). O sentimento que sempre foi condenado por moralistas, filósofos e teólogos inclui o desejo de que os outros percam o (bem material ou imaterial) que possuem e que desejamos — inclui o que Rand chama de “o ódio do bom por ser ele bom”. Por isso a inveja esteve freqüentemente associada ao “mal olhado” (que supostamente transmite azar e causa mal à pessoa a quem é dirigido). ]

Livros de C S Lewis que eu tenho (22-11-2013)

[No caso de livros de ensaios ou artigos, o título dos ensaios ou artigos é fornecido, ficando, numerado, dentro de colchetes. Os títulos dos livros não são precedidos de nada, e estão listados um por linha]

C S Lewis, A Abolição do Homem

C S Lewis, A Grief Observed

C S Lewis, As Crônicas de Narnia

C S Lewis, Cartas a uma Senhora Americana

C S Lewis, Christian Reflections  (Kindle E-Book)

[01] Christianity and Literature

[02] Christianity and Culture

[03] Peace Proposals for Brother Every and Mr Bethell

[04] Religion: Reality or Substitute

[05] On Ethics

[06] De Futilitate

[07] The Poison of Subjectivism

[08] The Funeral of a Great Myth

[09] On Church Music

[10] Historicism

[11] The Psalms

[12] The Language of Religion

[13] Petitionary Prayer: A Problem Without an Answer

[14] Modern Theology and Biblical Criticism

[15] The Seeing Eye

C S Lewis, Cristianismo Puro e Simples

C S Lewis, Essay Collection on Faith, Christianity and the Church  (Kindle E-Book)

[Part 1] The Search For God

[01] The Grand Miracle

[02] Is Theology Poetry?

[03] The Funeral Of A Great Myth

[04] God In The Dock

[05] What Are We To Make Of Jesus Christ?

[06] The World’s Last Night

[07] Is Theism Important?

[08] The Seeing Eye

[09] Must Our Image Of God Go?

[Part 2] Aspects Of Faith

[10] Christianity And Culture

[11] Evil And God

[12] The Weight Of Glory

[13] Miracles

[14] Dogma And The Universe

[15] ‘Horrid Red Things’

[16] Religion: Reality Or Substitute?

[17] Myth Became Fact

[18] Religion And Science

[19] Christian Apologetics

[20] Work And Prayer

[21] Religion Without Dogma?

[22] The Decline Of Religion

[23] On Forgiveness

[24] The Pains Of Animals

[25] Petitionary Prayer: A Problem Without An Answer

[26] On Obstinacy In Belief

[27] What Christmas Means To Me

[28] The Psalms

[29] Religion And Rocketry

[30] The Efficacy Of Prayer

[31] Fern-Seed And Elephants

[32] The Language Of Religion

[33] Transposition

[Part 3] The Christian In The World

[34] Why I Am Not A Pacifist

[35] Dangers Of National Repentance

[36] Two Ways With The Self

[37] Meditation On The Third Commandment

[38] On Ethics

[39] Three Kinds Of Men

[40] Answers To Questions On Christianity

[41] The Laws Of Nature

[42] Membership

[43] The Sermon And The Lunch

[44] Scraps

[45] After Priggery – What?

[46] Man Or Rabbit?

[47] ‘The Trouble With “X”…’

[48] On Living In An Atomic Age

[49] Lilies That Fester

[50] Good Work And Good Works

[51] A Slip Of The Tongue

[52] We Have No ‘Right To Happiness’

[Part 4] The Church

[53] Christian Reunion

[54] Priestesses In The Church?

[55] On Church Music

[Part 5] Letters

[56] The Conditions For A Just War

[57] The Conflict In Anglican Theology

[58] Miracles

[59] Mr C. S. Lewis On Christianity

[60] A Village Experience

[61] Correspondence With An Anglican Who Dislikes Hymns

[62] The Church’s Liturgy, Invocation, And Invocation Of Saints [63] The Holy Name!

[64] Mere Christians

[65] Canonisation

[66] Pittenger-Lewis And Version Vernacular

[67] Capital Punishment And Death Penalty

C S Lewis, George MacDonald

C S Lewis, God in the Dock: Essays  (Kindle E-Book)

[Part 1]

[01] Evil and God

[02] Miracles

[03] Dogma and the Universe

[04] Answers to Questions on Christianity

[05] Myth Became Fact

[06] ‘Horrid Red Things’

[07] Religion and Science

[08] The Laws of Nature

[09] The Grand Miracle

[10] Christian Apologetics

[11] Work and Prayer

[12] Man or Rabbit?

[13] On the Transmission of Christianity

[14] ‘Miserable Offenders’

[15] The Founding of the Oxford Socratic Club [16] Religion without Dogma?

[17] Some Thoughts

[18] ‘The Trouble with “X”…’

[19] What Are We to Make of Jesus Christ? [20] The Pains of Animals

[21] Is Theism Important?

[22] Rejoinder to Dr Pittenger

[23] Must Our Image of God Go?

[Part 2]

[24] Dangers of National Repentance

[25] Two Ways with the Self

[26] Meditation on the Third Commandment

[27] On the Reading of Old Books

[28] Two Lectures

[29] Meditation in a Toolshed

[30] Scraps

[31] The Decline of Religion

[32] Vivisection

[33] Modern Translations of the Bible

[34] Priestesses in the Church?

[35] God in the Dock

[36] Behind the Scenes

[37] Revival or Decay?

[38] Before We Can Communicate

[39] Cross-Examination

[Part 3]

[40] ‘Bulverism’

[41] First and Second Things

[42] The Sermon and the Lunch

[43] The Humanitarian Theory of Punishment

[44] Xmas and Christmas

[45] What Christmas Means to Me

[46] Delinquents in the Snow

[47] Is Progress Possible?

[48] We Have No Right to Happiness’

[Part 4]

[49] Letters

C S Lewis, Mere Christianity

C S Lewis, Mere Christianity (Kindle E-Book)

C S Lewis, Miracles

C S Lewis, Miracles (PDF)

C S Lewis, Oração: Cartas a Malcom

C S Lewis, Screwtape Letters

C S Lewis, Surprised by Joy

C S Lewis, The Abolition of Man

C S Lewis, The Collected Letters of C S Lewis – Vol 1

C S Lewis, The Collected Letters of C S Lewis – Vol 2

C S Lewis, The Collected Letters of C S Lewis – Vol 3

C S Lewis, The Four Loves

C S Lewis, The Pilgrim’s Regress  (Kindle E-Book)

C S Lewis, The Problem of Pain

C S Lewis, The Weight of Glory  (Kindle E-Book)

C S Lewis, The World’s Last Night

C S Lewis, Till we Have Faces

LIVROS SOBRE C S LEWIS QUE EU TENHO

A N Wilson, C S Lewis, A Biography

Alister McGrath, Mere Apologetics: How to Help Seekers and Skeptics Find Faith (Kindle E-Book)

Alister McGrath: C S Lewis: A Life – Eccentric Genius, Reluctant Prophet (Kindle E-Book)

Alister McGrath: The Intellectual World of C S Lewis (Kindle E-Book)

Beatrice Gormley, C S Lewis: The Man Behind Narnia

Bob Johnson, An Answer to C S Lewis’ Mere Christianity  (Kindle E-Book)

David Baggett et al, C S Lewis as a Philosopher: Truth, Goodness and Beauty  (Kindle E-Book)

David Downey, C S Lewis: O Mais Relutante dos Convertidos

Douglas H Gresham, Kack’s Life: The Story of C S Lewis

Douglas H Gresham, Lenten Lands: My Childhood with Joy Davidman & C S Lewis

Gabriele Greggersen, A Magia das Crônicas de Narnia

Gabriele Greggersen, A Pedagogia Cristã na Obra de C S Lewis

Gabriele Greggersen, Antropologia Filosófica de C S Lewis

Gabriele Greggersen, O Evangelho de Narnia

George Sayer & Lyle W Dorsett, Jack: A Life of C S Lewis

John Beversluis, C S Lewis and the Search for Rational Religion

Jordan Ferrier, Calvin and C S Lewis: Solving the Riddle of the Reformation  (Kindle E-Book)

Joy Davidman, Out of my Bone: The Letters of Joy Davidman

Joy Davidman, Smoke on the Mountain: An Interpretation of the Ten Commandments

Lyle W Dorsett, And God Came in: The Extraordinary Story of Joy Davidman

Peter Kreeft, C S Lewis for the Third Millenium  (Kindle E-Book)

The C S Lewis Encyclopedia

The Cambridge Companion to C S Lewis

Victor Reppert, C S Lewis’Dangerous Idea: In Defense of the Argument from Reason

Walter Hooper, C S Lewis: A Complete Guide to His Life and Works

Wayne Martindale, Beyond the Shadowlands: C S Lewis on Heaven and Hell  (Kindle E-Book)

Em São Paulo, 22 de Novembro de 2013

50 Anos sem C S Lewis (1898-1963)

Hoje faz 50 anos que morreu C S Lewis (29-11-1898 / 22-11-1963). Escritor, acima de tudo. Especialista em literatura medieval. Escritor de livros para crianças. E teólogo que escreveu para o grande público. Dentro da teologia, foi um apologeta — um defensor do Cristianismo. Mas não foi sempre um defensor da fé cristão. Por um bom tempo foi ateu. Depois se converteu ao Cristianismo.

Trabalhou nas duas grandes universidades inglesas: Oxford e Cambridge. Mais em Oxford, onde trabalhou primeiro.

Durante a maior parte de sua vida foi um solteirão, que morava com seu irmão, historiador, também solteirão. Em 1956 se casou com Joy Davidman, uma escritura americana, divorciada, com dois filhos, dezessete anos mais nova que ele. Ela morreu de câncer quatro anos depois do casamento. A história do amor, da amizade, da admiração mútua, da parceria deles tem sido objeto de vários livros e de mais de um filme. O mais lindo deles, na minha avaliação, é Shadowlands (Terras de Sombra), em que Lewis é representado pelo incomparável Anthony Hopkins e Debra Winger faz o papel de Davidson.

Seu livro mais interessante, do ponto de vista teológico e apologético, é Mere Christianity Cristianismo Puro e Simples, em Português. Foi escrito durante a Segunda Guerra na forma de conversas ao rádio com as tropas ingleses que estavam no campo de batalha. É um bestseller até hoje.

The Chronicles of Narnia (As Crônicas de Narnia) já gerou quatro filmes de cinema, filmes de TV, programas de rádio. Lewis era amigo chegado de J. R. R. Tolkien, que escreveu a série The Lord of the Rings (O Senhor dos Anéis).

Um grande intelectual, um grande autor, um grande cristão, um grande homem.

Em São Paulo, 22 de Novembro de 2013

50 Anos Atrás: Meu Ano de 1963

Em Novembro de 1998, quinze anos atrás este mês, escrevi um artigo no blog que tinha no site do Instituto JMC, que eu mantinha, com o título:

35 Anos Atrás: Meu Ano de 1963

http://institutojmc.wordpress.com/2010/03/08/trinta-e-cinco-anos-atras-%E2%80%93-meu-ano-de-1963/

Naquele mês e ano — Novembro de 1963 — eu terminava o Curso Colegial, Modalidade Clássico (equivalente ao Ensino Médio de hoje, naquela instituição educacional, que veio a ser fechada pela Igreja Presbiteriana do Brasil em 1970, por razões nunca explicadas.

(Este ano de 2013, exatamente cinquenta anos depois, minha filha-enteada, Bianca, também termina o Ensino Médio. Ela nasceu em 1996 — eu em 1943, 53 anos antes… Demorei cerca de dois anos para entrar na escola e parei de estudar durante um ano: 1960).

No ano seguinte, 1964, fatídico, eu iria (como fui) para o Seminário Presbiteriano de Campinas. Lá minha festa de calouro seria no dia Primeiro de Abril — primeiro dia do Golpe de Estado que pôs o governo nas mãos dos militares.

Dias antes de minha festa de formatura no JMC fizemos uma viagem de ônibus de 30 dias, os formandos do Clássico e os do Ginásio, pelo Sul do Brasil. Saímos de Jandira, passamos em Curitiba, Camboriú, Florianópolis, Tubarão, Porto Alegre, Lajes, Curitiba de novo, e voltamos para Jandira.

Enquanto estávamos em Florianópolis, no dia 22 de Novembro, numa praia deserta e fria, ficamos sabendo, através de um radiozinho portátil que alguém carregava, que o presidente Kennedy havia sido assassinado.

Tudo isso faz 50 anos este mês.

O dia 22 de Novembro já fazia parte de meu imaginário.

Havia uma canção de Cascatinha e Inhana, chamada Santa Cecília, que eu conhecia aparentemente desde sempre, que dizia que 22 de Novembro era o dia da consagração da Santa Cecília. Aquilo ficou na minha cabeça.

Em 1959, ano que terminei o Ginásio, tive uma namorada chamada Cecília — que, não surpreendentemente, aniversariava no dia 22 de Novembro. Nesse dia, dei-lhe um colar de presente e fomos assistir Suplício de uma Saudade, no Cine Tangará, em Santo André — onde, dias depois, seria nossa formatura. Eu tinha 16 anos.

Anos depois, em 1975, minha segunda filha nasceu em 22 de Novembro — mas não lhe dei o nome de Cecília. Chamou-se (ainda se chama) Patrícia.

Agora estamos nos aproximado do quinquagésimo aniversário da morte do Kennedy – e do trigésimo oitavo aniversário da Patrícia.

Um relato, talvez desnecessária e exageradamente detalhado, de minhas atividades em 1963 pode ser lido no artigo de 1998. Aqui, 15 anos depois, fica apenas o registro de que estou aqui ainda.

Falei de três namoradas no texto. Isso poderia trazer problemas para qualquer um. Mas a Paloma sabe que o maior amor é o último.

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013

Dia da Bandeira

Fico me lembrando dos meus dias de criança, no Grupo Escolar “Prof. José Augusto de Azevedo Antunes”, em Santo André, SP, nos dias 19 de Novembro. Na aula, a professora discorria sobre a importância da bandeira como símbolo nacional e explicava o significado das formas e das cores da nossa bandeira, detendo-se na frase “Ordem e Progresso”, esclarecendo  o significado do número de estrelas e da estrela maior, separada, do outro lado  da faixa. Num determinado momento, todos nos reuníamos, a bandeira era hasteada e era cantado o “Hino à Bandeira”, com letra escrita por Olavo Bilac e música composta por Franciso Braga. O hino foi apresentando pela primeira vez em 9 de novembro de 1906. Eis a letra:

HINO À BANDEIRA

Salve lindo pendão da esperança!
Salve símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza daPátria nos traz.

Recebe o afeto que se encerra
em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever,
E o Brasil por seus filhos amados,
poderoso e feliz há de ser!

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Sobre a imensa Nação Brasileira,
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre sagrada bandeira
Pavilhão da justiça e do amor!

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Muito tempo depois, quando fui estudar nos Estados Unidos (1967), fiquei surpreso com a devoção que os americanos tinham para com sua bandeira (carinhosamente apelidade de “Old Glory”). Eles a hasteavam em suas casas nos feriados nacionais. Muitos deles andavam com um button da bandeira em suas lapelas.

É verdade que com os protestos contra a guerra no Vietnam a bandeira sofreu perda de respeito e afeto. Muitos americanos chegaram a queimar sua própria bandeira em frente ao Capitólio e à Casa Branca.

Terminada a guerra, com um desfecho que teve sabor de derrota, a bandeira, meio desprestigiada, foi aos poucos requistando o carinho e o respeito dos americanos. Em especial em locais ono interior do país, conhecidos pelo seu conservadorismo, elas voltaram a aparecer, cheias da Velha Glória, na frente das casas em dias cívicos.

Aqui no Brasil nunca senti muito carinho pela bandeira, exceto quando Ayrton Senna pegava uma bandeira e circulava com ela depois de uma vitória, ou quando algum esportista ou algum time brasileiro ganhava uma competição e se embrulhava na bandeira, ou, então, no Sete de Setembro, quando ela era hasteada no início das celebrações.

Quando a gente visita algum país estrangeiro, ou mora no exterior, e passa diante de algum prédio internacional, e vê a bandeira brasileira tremulando, a gente fica mais emocionado… Mas é alguma coisa momentânea.

Será que a existência desses símbolos nacionais, como bandeira, hino, brazão (armas), vão continuar ainda por muito tempo? Ou será que a globalização levará a uma internacionalização da vida a tal ponto que o nacionalismo e o patriotismo desaparecerão de vez?

Acabamos de ver um jogador, nascido no Brasil, cidadão brasileiro, convocado para a Seleção Brasileira e também para a Seleção Espanhola, optar por estar. Algumas pessoas chegaram a chama-lo de traidor, de calabar, etc., mas a maioria dos brasileiros parece ter achado natural e defensável a decisão dele.

Corredores de Fórmula 1 de vários países, inclusive os brasileiros (só nos resta o Massa) assumem residência em Mônaco, para pagar menos impostos. Há aqueles que adotam outra cidadania (mantendo ou não a brasileira) para se livrar de taxação abusiva.

No futebol (e até mesmo em outros esportes), troca-se de cidadania para poder jogar na seleção de outro país. Acredito que que Mazzola (apelido: nome de batismo José João Altafini), natural de Piracicaba, SP, foi o primeiro a fazer isso. Jogou na Seleção Brasileira campeã mundial de 1958, ficou famoso, foi contratado pelo Milan (depois passando pelo Napoli e pelo Juventus) e virou italiano, jogando, inclusive na Azurra, com o nome de Altafini. É o terceiro maior goleador all time na liga principal do futebol italiano.

Os países estão ficando mais tolerantes com dupla e tripla cidadania. Antes da atual Constituição, menores com dupla cidadania (por serem filhos de pais cidadãos de um país e nascerem em outro, como é o caso de minha filha Andrea, nascida nos EUA) tinham de optar por uma cidadania ao alcançar a maioridade. Hoje não. Minha filha (maior de idade, naturalmente) e suas filhas têm nacionalide americana e brasileira.

Imagino que isso vá se tornar mais e mais comum em um mundo globalizado. As pessoas viajam mais, trabalham mais em países que não é o seu, casam-se com pessoas de outros países, e isso vai fazendo com que o nacionalismo e o patriotismo arrefeça.

As pessoas vão ter várias lealdadas ligadas a diferentes locais geográficos. Sempre nascerão em algum lugar específico. Mas pode ser que logo se mudem para outro, e que venham a estudar num país, trabalhar em outro, casar-se com alguém de ainda um outro. Tenho um amigo brasileiro, casado com uma austríaca, que mora nos EUA. A filha deles é cidadã de três países e não tem maiores laços afetivos com nenhum deles. Casou-se com alguém que é cidadão de dois outros países. Seus filhos, quando os tiverem, e dependendo de onde nascerem, poderão ter opção de até seis cidadanias.  (Na hora de cometer um crime é conveniente, não é, Pizzolato?).

Brasileiros vão de deixar de torcer por um time de futebol de seu país para torcer para o Barcelona ou o Milan — como o pessoal do Norte e do Nordeste brasileiro torcia para o Flamengo ou para o Fluminense ou para o Botafogo nos tempos de antanho.

Em Fórmula 1, há muito tempo torço pelos alemães — Schumacher, primeiro, Vettel, agora. O fato de Massa brasileiro não significa absolutamente nada. Falta-lhe o carisma que sobrava em Senna e mesmo em Fittipaldi e Piquet. Barrichello só servia de piada, tristemente.

Em futebol, sou são paulino, mas gosto do Barcelona, do Milan, do Porto. . .  Em futebol americano e beisebol torço pelos times de Pittsburgh, onde estudei, os Steelers e os Pirates. No basquete torcia pelos Boston Celtics — hoje não torço para ninguém. Em hóquei, pelo Toronto Maple Leafs.

Em literatura, meus autores favoritos são Ayn Rand, Graham Greene, Mario Vargas Llosa e Isabel Allende. A primeira era russa, naturalizada americana; o segundo, inglês; o terceiro, peruano, mas com raízes na França, na Espanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos; a quarta, chilena que viveu em vários países sul-americanos e hoje mora nos EUA, na California, casada com um americano.

Em política, admirei muito mais o Ronald Reagan e a Margareth Thatcher, dos EUA e do Reino Unido, do que qualquer político brasileiro de qualquer época — com a possível exceção, mais sentimental e intelectual, do Imperador Pedro II. Tenho uma enorme simpatia e admiração pela rainha Elizabeth II.

Falando especificamente do Brasil, sinto-me mais paulista do que brasileiro, mais preto, branco e vermelho do que verde e amarelo. Sinto-me em casa na pátria paulista, mas também me sinto em casa nos Estados Unidos e na Suíça. Como cidade, gosto de São Paulo, onde moro, de Campinas, onde morei cerca de 40 anos, e de Santo André, onde cresci dos 8 aos 18 — mas gosto mais de Genebra, onde, somando todo o tempo passado lá em inúmeras visitas, a trabalho e como turista, passei apenas cerca de um ano. Mas Genebra tem também a ligação emotiva com Calvino e a igreja reformada. E adoro Chaves, nos Trás-os-Montes, no Norte de Portugal, já perto ta Galizia — cidade de quase dois mil anos cujo nome carrego no meu.

Enfim, sinto-me, aos setenta anos, de certa forma um cidadão do mundo, um Weltbürger, que, se preciso, consegue morar e se sentir bem em diferentes partes do mundo. Acredito que as pessoas vão, mais e mais, se tornar assim, parcialmente desenraizados das cidades, dos estados (das províncias), dos países em que nasceram e enraizados, também parcialmente, em várias outras partes do mundo.

Quando o mundo se tornar assim, bandeiras não significarão grande coisa. Hinos, talvez, porque a música carrega componentes emocionais que um pedaço de pano não comporta.

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013.

Dia de Ação de Graças / Thanksgiving Day (em comemoração do dia que está chegando)

Considerei-me ateu por muito tempo. Uns 35 anos. E sempre celebrei o Dia de Ação de Graças. Pode não ter sido uma celebração, assim, com almoço, peru, farofa, cranberry sauce, e torta de abóbora de sobremesa, velas e frutas em cima da mesa, e tudo. Mas foi uma celebração: por vezes silenciosa, sem que os demais percebessem, só me, myself and I.

Às vezes, quando alguma coisa boa acontecia (havendo a possibilidade de acontecer algo mau), eu dizia “Graças!!!”

Muitas pessoas religiosas, ou simplesmente implicantes, me perguntavam, quando me viam fazer isso: Graças a quem???

Sempre acreditei que, no mundo, em geral, e na nossa vida, em particular, há um bocado de (adaptando o conceito) “serendipity”. Serendipity é o que acontece quando alguém faz uma descoberta importante por acaso — tipo assim. Generalizando o conceito, podemos dizer que serendipity é o acaso (bom o mau), o imprevisto, o não planejado. Aquilo que a maior parte de nós chama de sorte ou azar.

Já escrevi sobre isso no meu blog, mais de uma vez. Também, com setenta anos e mais de 800 artigos em somente um dos meus blogs (tenho mais de vinte, alguns meio secretos), já escrevi sobre quase tudo que me interessa. Mas, de vez em quando, surge um assunto novo.

Sobre sorte e azar, ou só sorte, ou só azar, vide:

“Desemprego, Informática, Sorte e Azar” (7/9/2007 – mas escrevi nos anos 90)

http://liberalspace.net/2007/09/07/desemprego-informatica-sorte-e-azar/

“Sorte” (a propósito do filme Match Point, de Woody Allen, 4/6/2006)

http://liberalspace.net/2006/06/04/sorte/

Coincidências caem mais ou menos na mesma categoria. Há coincidências boas e bem-vindas (sorte) e coincidências ruins e mal-vindas (azar).

No Facebook explorei alguns desses temas em alguns posts, e criei um neologismo: provincidência — uma mistura de providência com coincidência, um termo que nos permite não nos comprometer afirmando trata-se de um ou de outro.

Eis o que escrevi no Facebook em 1/5/2013 (Dia do Trabalho!):

“A todos, mas especialmente para Enézio Almeida Filho, Allan Ribeiro e Paloma Epprecht Machado Campos Chaves.

Aqui vai um trecho surpreendente de um livrinho de Schopenhauer, que tem o título não menos surpreendente de “Especulação Transcendente sobre a Aparente Intencionalidade do Destino do Indivíduo”.

É isso que eu tenho em mente quando falo em Provincidência: encontros e acontecimentos que, quando aconteceram, a gente considerou apenas fruto de coincidência, obra do acaso, mas que, em retrospectiva, vistos em contexto, parecem fazer parte integrante, essencial mesmo, de um plano ou desígnio que, por ser tão sofisticadamente elaborado, não pode ser explicado simplesmente como fruto de coincidência ou obra de acaso, só podendo ser visto como um enredo cuidadosamente elaborado pela Divina Providência…

Aqui vai…

“Ao olhar para trás sobre o curso de nossa própria vida, a gente constata que encontros e eventos que, quando se deram, pareciam fruto do acaso, vieram a se tornar aspectos estruturantes de uma história de vida não-intencional, através dos quais as potencialidades do nosso caráter foram tomando forma e se transformando em realidade. Ao se dar conta disso, é difícil resistir à conclusão de que o curso de nossa biografia se assemelha ao enredo de uma obra de ficção habilmente construída. E a gente fica apenas imaginando quem pode ter sido o autor desse enredo tão surpreendente!”

Original da minha tradução para o Inglês:

“Looking back over the course of one’s own days and noticing how encounters and events that appeared at the time to be accidental became the crucial structuring features of an unintended life story through which the potentialities of one’s character were fostered to fulfillment, one may find it difficult to resist the notion that the course of one’s biography as comparable to that of a cleverly constructed novel, wondering only who the author of the surprising plot can have been!”

[Arthur Schopenhauer, “Transcendent Speculation upon an Apparent Intention in the Fate of the Individual”, apud Joseph Campbell: A Fire in the Mind — The Authorized Biography, by Stephen and Robin Larsen].”

Assim, a atitude de agradecer ou ser grato não precisa ter Deus necessariamente como objeto. A gente pode ser grato à vida, à sorte, a seja lá o que for, ou quem for, que tenha contribuído para a boa situação que temos. Aos pais, ainda que já mortos, que nos deram uma boa educação; aos que contribuíram e continuam a contribuir conosco na construção de uma boa vida; àqueles que nos dão amor, carinho, cuidado, etc.

Um dia perguntaram ao Jô Soares, num dos programas dele, por que ele morava aqui no Brasil, se podia morar na Suíça, onde estudou. Disse algo mais ou menos assim: “Nasci aqui. Poderia ter nascido em Bangladesh e minha vida provavelmente teria sido muito pior. Talvez nem tivesse estudado na Suíça…”

Em outras palavras: até por ter nascido no Brasil a gente deve ser agradecido — malgré tout!

Recuperei nos meus guardados digitais uma troca de posts sobre esse assunto entre mim e o meu sobrinho, Vitor Chaves — também teólogo, como (de certa forma) eu, que deve ter acontecido na mesma época que o post anteriormente citado:

Eduardo Oscar Epprecht-Machado Campos-Chaves É possível dar graças sem especificar exatamente a quem / a quê (mas sabendo por quê)? A maioria das pessoas, quando diz “Graças a Deus” simplesmente quer dizer “Estou grato”… ou “Tive sorte”. Não é?

Vitor Chaves Lembrando de um post no teu blog há muitos anos (que amar a todos só por amar seria imprudência), dar graças sem especificar a quem ou a quê também seria imprudência, não? No caso, penso em algo além, em uma pessoa que faz um exame detalhado de sua vida, que busca saber os muitos motivos dos “por quês” e dos “quem”, e ao final encontra alguns sentidos profundos que constituíram sua vida. Deste modo o dar graças seria uma gratidão forte pela provincidência.

Eduardo Oscar Epprecht-Machado Campos-Chaves Interessante, Vitor. Parece-me que o “dar graças” ou “ser grato” reflete uma atitude. A atitude daquele que sabe que nossa vida pode dar errado ou enfrentar percalços de muitas maneiras, e que nem sempre ela dá certo, ou deixa de dar errado, por causa de ações deliberadamente tomadas por nós. Sorte e acaso (outro nome para “provincidência”) têm um papel importante na nossa vida. Vide Match Point, do Woody Allen. Eu já poderia ter morrido várias vezes em acidentes graves dos quais escapei por um triz, especialmente ao volante, não por perícia minha, nem, talvez, por perícia de outros motoristas, mas por? Por o quê? Sorte? Providência?

Uma postura que me irrita foi assumida, um dia, por um amigo meu, que relatou o seguinte. Ele estava no sinal vermelho, numa avenida de duas pistas, esperando para cruzar uma outra avenida de duas pistas. O telefone tocou e ele atendeu. Ao fazer isso, se distraiu e não viu que o sinal havia ficado verde. O cara de trás buzinou — mas o do lado arrancou firme e… foi abalroado por um caminhão passando no vermelho e morreu. Se ele tivesse arrancado na hora, o caminhão o teria alcançado — e o carro dele protegeria o que de fato foi alcançado. O meu amigo dava graças a Deus por ter sido salvo — o telefonema que o distraiu, segundo ele, foi ato de Deus. Minha pergunta é: e o cara que morreu, por que não foi salvo? Foi azar, ou Deus decidiu que havia chegado a hora do outro? E se decidiu, por que deixa-lo morrer esmagado e não leva-lo de uma forma menos chocante…

Essas coisas são complicadas.

Acho que a gente pode ser grato, mesmo sem saber se foi Deus ou sorte (ou o oposto, se sentir azarado ou sacaneado, sem saber se foi o Maligno ou azar). Nesse caso, seria gratidão sem destinação precisa. Acho isso diferente de amar os outros, indistintamente, sem saber exatamente quem são, que valores têm, o que fazem, como vivem, etc. Amar parece exibir um objeto definido. Dar graças, não… Mas reconheço que o argumento é frágil. Estou explorando. Quem sabe vc me ajuda? E o Allan Ribeiro também…”

Complemento com uma discussão que tem pontos de contato. Alguns evangélicos insistem que o amor (não só o cristão, mas até mesmo o amor entre casais) deve ser incondicional. A incondicionalidade significa (ou melhor: significaria, no entender dos que assim pensam), que o amor não leva em conta as características — boas ou ruins — do ser amado. Os que pensam assim parecem achar que o amor é mais amor quando totalmente imerecido.

Detecto não só influências teológicas nesse pensamento, oriundas do uma teologia de fundo calvinístico, que afirma que o amor de Deus por nós não depende de nenhuma característica ou ação nossa, posto que somos “totalmente corrompidos” pelo pecado e incapazes de, deixados a nós mesmos, sem o auxílio da graça divina, fazer qualquer coisa que possa ser qualificada de boa. Deus, em sua soberania e majestade, escolhe uns para amar, sem que eles mereçam, e outros ele deixa ir pro brejo (merecidamente, pelas razões declinadas atrás).

Acho essa teologia complicada — apesar de me achar calvinisticamente eleito desde toda a eternidade… 🙂

Mas detecto também influências de Kant nesse pensamento — o que é compreensível, porque Kant era um cristão fiel e dedicado — apesar de, segundo a igreja, meio herético em alguns pontos (mas quem não é?). Segundo Kant, uma ação tem valor moral quando a realizamos apenas porque percebemos que é nosso dever realiza-la — mesmo que não tenhamos nenhum interesse em realiza-la e sua realização até nos prejudique, pessoalmente.

O exemplo de Kant chega a ser chocante. Se você vir duas pessoas se afogando, uma a pessoa que você mais ama, e a outra a pessoa que você mais detesta (seu inimigo mortal), salvar a pessoa que você ama seria uma ação totalmente destituída de valor moral, enquanto salvar seu inimigo teria enorme valor moral. Isso porque, amando a primeira pessoa, você está sendo egoísta, agindo segundo os seus interesses e inclinações, ao salvá-la. No segundo caso, porém, não tendo interesse e inclinação para salvar seu inimigo, se você o fizer só poderá ser por senso de dever — uma ação totalmente altruísta.

Acho isso uma bobagem. E volto a discutir o amor (retomando o gancho da conversa com o Vítor). Amar alguém que (a nosso ver) não tem características bastantes para merecer o nosso amor, acho uma imprudência. Amar alguém porque não tem essas características, acho uma imoralidade.

Amor incondicional, para mim, se existe em algum lugar, é, portanto, ou imprudente ou imoral, nunca um feito moral, muito menos um dever.

Amamos uma pessoa porque detectamos nela características (de qualquer tipo, e certo ou errado — isto é, porque achamos que ela tem essas características) que apreciamos, que valorizamos, que achamos louváveis e elogiáveis. Se ela vier a deixar de ter essas características, ou se descobrirmos que nunca teve (e nós estávamos errados em achar que tinha), deixamos de ama-la (e damos graças!) — ou, se não o fizermos, somos vítima de alguma patologia (ou, então, vítimas de um enorme azar, ou de algum demoninho bem maligno).

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013.

O que Será do meu FaceBook Quando eu Morrer?

Meu amigo Jarbas Novelino chamou minha atenção, hoje cedo, através do Facebook, para um artigo que anuncia a criação, em Israel, de algo, não virtual, infelizmente, que parece um Facebook dos Mortos. Ele fotografa lápides e cria um site onde, um perfil para cada lápide, elas são exibidas e os parentes podem deixar suas memórias e curtições para o finado.

Acho desnecessário — e meio mórbido — fotografar lápides físicas para criar os perfis em um site. Deveria ser possível, mediante a apresentação da certidão de óbido, já criar o perfil do recém-falecido (ou do falecido há tempo), com fotos e demais memorabílias.

Certamente fica mais barato. Talvez, não tão bonito: veja a foto.

Cemetery in Israel

Cemetery in Israel

Um acordo com o Mark Zuckerberg poderia até permitir que o perfil e timeline do aposentado da vida fosse transferido para o site — que poderia se tornar, por assim dizer, e com perdão do trocadilho de mau gosto, um arquivo morto do Facebook. Este teria a vantangem de poder dar uma depurada no seu sistema, eliminando os que já passaram desta para aquela. Afinal de contas, os estatísticos já preveem que em 2065 o Facebook terá mais perfis de mortos do que de vivos, dadas as curvas atuais (curvas de novos membros e de falecentes).

Sempre acho essas coisas fascinantes.

Uma rápida busca em meu blog identificou três ocasiões: duas muito perto uma da outra, em Agosto de 2006, outra no fim de 2011.

“O que Será dos meus Hard Disks?” (de 21/8/2006)

http://liberalspace.net/2006/08/21/o-que-sera-dos-meus-hard-disks/

Literatura, Cinema… Alienação? (25/8/2006)

http://liberalspace.net/2006/08/25/literatura-cinema-alienacao/

Que Será de Nossos Pertences Digitais quando Morrermos? (17/11/2011, 28/12/2011)

http://liberalspace.net/2011/12/28/que-ser-de-nossos-pertences-digitais-quando-morrermos/

Quem estiver a fim de enfrentar uma discussão meio mórbida, vá em frente.

Acho que aos poucos estamos encontrando a chave para uma vida após a morte. Ela será uma vida “apenasmente” virtual, mas é melhor do que nada. Não vai exigir ressurreição, arrebatamento, nada. Uma mera transferência dos arquivos de um site para o outro.

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013

Now There is a Facebook for Dead People

By Christopher Mims @mims November 18, 2013

An Israeli entrepreneur has spent “hundreds of thousands of shekels” (tens of thousands of US dollars) to photograph and log 120,000 gravestones, in an effort to create a sort of Facebook/Wikipedia for the dead. It sounds ghoulish, but the project, Neshama, is intended to be the opposite: each page is to be a memorial to a particular deceased person, where family members can leave remembrances.

So far the site encompasses just five cemeteries, but the idea for the site seems eminently exportable. It’s unclear whether Shelly Furman Asa, the site’s founder, sought permission to take the photographs. But at least in the US, there is little to protect gravestones from being photographed, and similar sites like Find A Grave and BillionGraves already serve amateur genealogists in the US.

Facebook allows relatives to “memorialize” the profile of a deceased person, and cartoonists have calculated that Facebook could have more dead people than living by as early as 2065. Neshama’s differentiator is that Facebook has only existed since 2004, but people have been marking the site of their dead relatives for millennia.

Asa says digitization of more cemeteries is ongoing, and that eventually the site will make money by charging relatives to upload images and other tokens to their relatives’ pages.

http://qz.com/148560/now-theres-a-facebook-for-dead-people/

Corrupção e o Mensalão

Os artigos de Eliane Cantanhêde e de Carlos Heitor Cony na Folha de S. Paulo de hoje (19/11/2013) tocam em pontos importantes do Mensalão, em particular, e da questão da corrupção, em geral, que têm sido pouco discutidos na mídia e nas redes sociais. Vou apresentar esses pontos como foram deglutidos por mim.

Primeiro, a questão da corrupção. Acredito que haja uma distinção clara e importante entre corrupção e roubo/furto (mesmo que a corrupção, na maioria dos casos, envolva alguma forma de roubo/furto ou de apropriação indébita de dinheiro ou propriedade alheia).

A corrupção envolve o uso do poder público e do dinheiro público em benefício próprio (para que um indivíduo fique rico, como no caso dos fiscais da Prefeitura de São Paulo) ou de causas que não se identificam com o bem público (como cobrir dívidas de campanha de um candidato a cargo eletivo, estejam essas dívidas em nome de uma pessoa ou de um partido político, como no caso do Mensalão).

Não existe corrupção se não houver uma autoridade pública, eleita ou de carreira, usando indevidamente dinheiro público ou bens públicos. Usar um avião do governo para ir participar de uma atividade particular é corrupção. Mas quando um executivo ou funcionário de uma empresa privada usa o helicóptero da empresa para ir ver o Superbowl, não é corrupção. Quando um executivo privado desvia dinheiro da empresa para sua conta particular ou para algum outro destino que não era o previsto, temos roubo/furto, mas não há corrupção (embora haja roubo/furto). Não há corrupção, no sentido técnico, porque o dinheiro desviado não era público, não havia sido confiscado da população pela ameaça do uso da força, contra o desejo dela, como acontece com impostos e contribuições.

Não nos esqueçamos. Um agente privado pode fazer qualquer coisa que não lhe seja proibida. Um agente público não pode fazer qualquer coisa que não lhe seja proibida: ele só pode fazer aquilo que a lei o autoriza a fazer.

Segundo, no caso do Mensalão, temos a participação de agentes públicos e privados. José Dirceu e Marcos Valério, por exemplo. Um pegou uma pena de cerca de dez anos e o outro pegou uma pena quase cinco vezes maior. A população, em especial aquela contaminada pelo pensamento de esquerda, tende a achar que o principal culpado pela corrupção — o chamado corruptor ativo — é o agente privado. Afinal de contas, presume-se, é dele que sai o dinheiro que vai corromper o agente público. [Há uns gatos pingados do PT protestando a prisão do Dirceu e do Genoíno, que são políticos (ninguém liga pro Delúbio, que é um bobão). Mas ninguém protesta as prisões do Marcos Valério e seus sócios (com penas muito maiores), nem da Presidente do Banco Rural, etc.]

Mas a coisa raramente funciona desse jeito, corruptor privado, corrompido público. O representante de uma empresa que paga propina para um agente público para ganhar uma tomada de preços ou burlar uma concorrência paga porque sabe que vai recuperar esse dinheiro ganhando a tomada de preços ou concorrência — e vai recupera-lo através de dinheiro público. O dinheiro da empresa vai para o bolso do funcionário público, mas volta para a empresa na forma de dinheiro público. Tomemos o caso do José Genoíno, que assinou um pedido de empréstimo em favor do PT junto a um banco. O PT é uma entidade privada e o banco era privado. Que mal houve na transação? O mal estava no fato de que nem o PT nem o banco esperava que esse empréstimo fosse pago de volta — e, na realidade, ele nunca seria pago de volta ao banco pelo PT, porque o PT tinha conexões no governo que iriam conceder ao banco contratos ou outros tipos de favores que permitiria que o banco se ressarcisse do valor do empréstimo, com juros, correção monetária e uma confortável folga. A coisa era toda feita dentro de um “esquema” — que, segundo tudo indica, tinha em José Dirceu e Marcos Valério seus principais operadores ou coordenadores. O governo fazia aprovar uma legislação, e o banco se beneficiava. O Banco do Brasil fazia um contrato de publicidade com a empresa do Marcos Valério e esta nunca prestava o serviço — e parte do dinheiro ia para fazer os ajustes da contabilidade espúria. Um “Caixa Dois”, mas não um Caixa Dois dos partidos políticos: um Caixa Dois também do governo.

Terceiro, a distinção entre “corrupção ativa” e “corrupção passiva” é uma fantasia. A ocasião cria a corrupção (como cria o ladrão — e o corrupto é um ladrão: a vítima somos todos nós que pagamos impostos e dependemos do governo). A mente humana é criativa. Mas em nenhum caso se trata de estar um agente público fielmente exercendo sua função em seu gabinete e chegar um agente privado acenando com uma graninha privada para ganhar um favor. Os dois lados sabem que podem se ajudar (“uma mão lava a outra”) — e, o que é mais, sem que nenhuma das pessoas envolvidas ou nenhum dos lados no acordo gaste qualquer dinheiro que não seja público. “Estou precisando de uma grana para comprar um deputado ou ajudar um partido. Vamos fazer um acerto? Você faz um contrato de publicidade com o Banco do Brasil, que não precisa ser cumprido, e me devolve, por debaixo do pano, 80% do valor, ok? Os 20% são seus. Com os 80% eu resolvo o problema do deputado ou do partido e você teve um ‘lucro’ fácil”. Quem é ativo, no caso imaginado (mas não improvável)? Ou: “Você arruma um empréstimo para o PT pelo Banco Rural, o PT nunca paga, mas a gente cobre o prejuizo do banco através de contratos com sua empresa que nunca vão ser executados, ou conseguindo um benefício legal para o banco que representa um enorme benefício financeiro para o banco, às custas do erário público”. Quem é o corruptor ativo?

Fala-se muito, em alguns contextos, da pobreza do Genoíno. Continua, pelo que se relata, quase tão pobre quanto São Francisco. E daí? O corrupto não precisa embolsar o dinheiro (como tudo indica fez o João Paulo Cunha com os cinquentinha que a mulher dele tirou do banco). Basta fraudar o erário público, ainda que em benefício de seu partido apenas, ou mesmo de outros mais espertos do que ele.

Quarto, se a coisa funciona assim, por que a disproporção entre a pena de José Dirceu e a de Marcos Valério? As penas deveria ser bem mais equiparáveis.

Quinto, o Marcos Valério não tinha chefe: tinha sócios. Todos eles estão presos. Mas o José Dirceu tinha chefe. Por que o José Dirceu está preso e o chefe dele não?

Sexto, por que não se foi atrás do Lulla quando ele estava vulnerável? Por várias razões.

a) Porque alguém, talvez mais de um, assumiu responsabilidades no governo que permitiam que o Lulla, ainda que sem credibilidade alguma diante da parcela mais bem informada da nação, negasse saber do fato — alegando ter sido traído por pessoas de sua confiança (mas sem explicitar quem o teria traído — até hoje acho que o Lulla imagina que foi o Roberto Jefferson, porque este deu com a língua nos dentes).

Lembro-me do caso do Watergate em que há registros de que o Nixon, quando um subordinado ia lhe contar os detalhes de algum “mal feito”, impedia que ele o fizesse para que ele, Nixon, pudesse ter condições de negar que sabia, sem precisar mentir. O Nixon pelo menos tinha alguma vergonha na cara. Ele queria, na expressão dele, ter condições de “deniability” — “negabilidade”.

b) Porque nossos políticos de oposição são uns frouxos. Em vez de aproveitar a vulnerabilidade de Lulla e “go for the kill”, ficaram com medo de uma crise institucional ou mesmo de uma convulsão popular. Naquele quadro, teriam impedido Lulla de continuar a governar mais facilmente do que o Collor foi impedido.

c) Porque, passado o momento, o Lulla, que não tem nenhum medo ou vergonha de mentir, e que não precisa, portanto, buscar condições de negabilidade, simplesmente começou a mentir com a maior cara de pau — e os babacas acreditaram nele, e os não babacas vivos que não acreditavam mas acharam melhor fazer de conta, ficaram quietos, porque iriam se beneficiar mais adiante. E o momento de impedi-lo foi embora.

Sétimo, por que a Procuradoria Geral da República não indiciou o Lulla da mesma forma que indiciou o Dirceu? Por que considerou o Dirceu o Ali Babá, e não o Lulla? Também por medo. O Lulla tinha carisma e prestígio popular. Um indiciamento seu, ou o seu impeachment no Congresso, poderia gerar uma certa convulsão popular. Dirceu, apesar de sua força política, não tinha esse prestígio. O Lulla era “likable”. (Está rapidamente deixando de ser, exceto no povão). O Dirceu era “apenasmente” temido. Muita gente não gostava dele, porque ele era prepotente e grosso — e aproveitou o momento para lhe dar o troco. Roberto Jefferson, por exemplo.

Oitavo, como diz o Cony, em seu artigo, a quem beneficiava todo esse esquema? Beneficiava ao Lulla, que era o presidente da República e o presidente de honra do PT, ao Dirceu, que esperava suceder ao Lulla, e se nada tivesse dado errado seria o presidente do Brasil, e o PT, com seus presidentes, tesoureiros e secretários de ocasião — mais a raia miúda nos estados e municípios. Ou seja: beneficiava ao poder. (O secretário do PT da época se safou. O presidente e o tesoureiro sifu).

Nono, o Supremo Tribunal Federal foi mais longe do que todo mundo esperava pela coragem, pelo destemor, pela honradez e pelo brilhantismo de Joaquim Barbosa. Só por isso. Poderia ter ido mais longe e fisgado Lulla. Mas seria arriscado. Como poderia não ter ido tão longe, e os brasileiros compreenderiam.

Décimo, boa parte dos brasileiros não acha que a punição a Dirceu, Genoíno e Delúbio foi suficiente e acham que o Lulla se safou apenas por esperteza. Concordo com eles. Acho que o Lulla deveria estar preso com seus comparsas e as penas deles deveriam ser no mínimo igual à do Valério. E todo mundo deveria ter de repor os dinheiros desviados. Mas isso não quer dizer que a punição que foi aplicada, e a quem foi aplicada, não  vale nada e equivale a pizza. Acho que fomos mais longe do que jamais aconteceu. Mesmo no caso do Collor, a punição foi apenas política. Judicialmente, ele se livrou de todas: tem ficha limpa até hoje. (O Maluf só perdeu a dele recentemente — e ainda pode recorrer). E o Collor e o Maluf, para não falar no Sarney, são “amigos do rei”, hoje. Tudo farinha do mesmo saco.

Por fim, décimo primeiro: duvido que haja alguém que entre na política brasileira hoje sem esperar enriquecer — ilicitamente. É triste, mas é a verdade.

Raramente termino um artigo com onze pontos. Sempre encontro mais um para chegar a doze ou tiro um para ficar com dez. Mas hoje estou com o saco cheio e vou deixar com onze mesmo.

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013. Dia da Bandeira. A gente antigamente comemorava.

ELIANE CANTANHÊDE

Nem ódio nem adoração

BRASÍLIA – Foram 25 condenados pelo mensalão, 12 com mandado de prisão até ontem à noite, mas não se veem manifestantes contra e muito menos a favor da banqueira Kátia Rabello, do publicitário Marcos Valério nem da mera funcionária Simone Vasconcelos, atingidos por pesadas penas em regime fechado.

Também não se veem manifestantes gritando contra ou a favor de deputados e ex-deputados do PP, do PR nem do PTB, de quem nunca se esperou nada diferente de mensalões. A estes, a lei e o descaso.

Toda a comoção nacional, pró e contra, está concentrada em três réus: José Dirceu, apontado pela Procuradoria-Geral da República como o “chefe da quadrilha”, José Genoino, que caiu na besteira de assinar um documento e –ao contrário de uns e outros– sai dessa preso e sem ficar rico, e Delúbio Soares, o ex-tesoureiro petista, desses que apanha calado.

Por que os manifestantes, que desdenham da sorte dos demais, adoram ou odeiam esses três personagens? Porque eles são do PT, que foi heroico nas CPIs, dossiês e escândalos contra adversários –até no impeachment de um presidente–, mas aderiu às mesmas práticas para chegar ao poder e se agarrar a ele. Os três pagam pelo crime e pela hipocrisia.

A banqueira, o publicitário, a funcionária, os pepistas, os petebistas e os do PR não tinham assento no Palácio do Planalto, não eram do partido do presidente e não tinham a caneta. Se houve algum crime –e o Supremo diz que houve–, eles foram participantes, não mandantes. Logo, que as manifestações sejam mais justas e não seletivas. Ou se defendam todos os réus, ou se ataquem todos eles.

De toda forma, as penas devem ser para fazer justiça, não para aniquilar pessoas. As prisões são tenebrosas, os réus são muito visados e o Estado é responsável pela integridade física de cada um. Especialmente de Genoino, que acaba de passar por uma cirurgia cardíaca, está em regime semiaberto e tem direito, antes de mais nada, à vida.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/139576-nem-odio-nem-adoracao.shtml

CARLOS HEITOR CONY

A causa e o efeito

RIO DE JANEIRO – Pedindo vênia aos doutos ministros do Supremo Tribunal Federal que gastaram muito latim para julgar os réus do mensalão, vou gastar o meu pouco latim, que aprendi na lógica de Aristóteles em versão escolástica de Tomás de Aquino:

“Posita causa, positur effectus; variata causa, variatur effectus; sublata causa, tollitur effectus.” O latim é macarrônico demais, não precisaria de tradução, mas aí vai: pondo, variando ou eliminando a causa, põe-se, varia-se ou elimina-se o efeito.

O efeito, até agora, foi a prisão de alguns dos condenados do mensalão, mas a causa não foi a corrupção pessoal dos autores materiais dos diversos crimes cuja causa seria o fortalecimento do governo petista, que mantém uma perspectiva operacional de permanecer 20 anos no poder.

Resumindo: mais uma vez, a causa de tantos crimes foi o poder, o poder em si mesmo, autor intelectual de uma vasta rede de corrupção em diferentes níveis.

Pelo que se apurou nas infindáveis sessões do Supremo Tribunal Federal, chegou-se a um “capo di tutti i capi” na pessoa simpática e já histórica de José Dirceu, que ocupava a sala ao lado de outra sala, por sinal, mais poderosa e da qual emanava o combustível que mantinha a engrenagem funcionando.

Do ponto de vista jurídico, a justiça parece que foi feita, em que pesem pequenos ajustes nas penas e até mesmo na mecânica dos crimes.

Do ponto de vista filosófico, o “quid prodest” que foi a causa da corrupção generalizada, a Justiça chegou até onde podia chegar, funcionários de média ou grande importância, não ultrapassando os limites que poderiam gerar uma grave e até mesmo sangrenta crise institucional.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/139577-a-causa-e-o-efeito.shtml

Lideranças Petistas na Cadeia

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Neste dia foi expedido o mandado de prisão de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, três ex-diretores do PT.

Por causa de manobras jurídicas protelatórias, que podem até ser bem sucedidas, porque a composição do STF se alterou, desde que o julgamento começou, esses três condenados vão ficar em prisão aberta.

Se perderem os recursos que fazem no caso dos agravos infringentes, passarão a cumprir pena em prisão fechada.

Não é bem o que a maior parte dos brasileiros queria, mas já é alguma coisa.

A maior parte dos brasileiros queria penas mais longas e cumpridas totalmente em prisão fechada. E queria, naturalmente, a prisão do capo, Lulla da Silva.

Mas ele não perde por esperar.

De qualquer maneira, hoje é um dia a ser celebrado.

Em São Paulo, 15 de Novembro de 2013

Nós, os Liberais, e a Questão da Direita vs Esquerda – De Novo

[Resolvi divulgar parte de um trabalho que está claramente em andamento, porque me assusta a confusão reinante na mídia e mesmo na intelectualidade brasileira acerca da questão indicada no título].

Já escrevi várias vezes, em posts aqui neste blog, e em artigos publicados em meios mais convencionais, acerca da cada vez mais confusa questão da “Direita vs Esquerda”. Na verdade, escrevi alguns posts bem recentemente sobre o assunto aqui neste blog sobre o assunto.

Mas percebo, na leitura dos jornais, das revistas, do Facebook, de outros blogs, etc. que, em muitas mentes, a confusão conceitual é cada vez maior. Chega-se a ponto de negar que os conceitos de esquerda e direita ainda façam algum sentido. Por isso estou voltando à carga. Eu estou convicto de que esses conceitos ainda fazem muito sentido.

Tentarei, como sempre, ser “claro e distinto”, não necessariamente “conciso e sucinto”.

A meu ver, confundem-se, na questão da Direita vs Esquerda, pelo menos três oposições diferentes:

  • Liberalismo vs Socialismo
  • Anarquismo vs Totalitarismo
  • Conservadorismo vs Progressivismo

Vou discutir essas três oposições com o intuito de esclarecer a que está presente no título. Mas, antes, é preciso esclarecer dois conjuntos de conceitos. O primeiro aparece nessas três oposições. O segundo fica mais implícito do que explícito na discussão.

I. Conceitos Mais Amplos

1. Indivíduo, Sociedade, Estado, e Governo

A. O Indivíduo

No contexto da presente discussão, o conceito de indivíduo é, dentre os quatro, o mais fácil de entender. O que chamamos de indivíduo é o ser humano considerado do ponto de vista de sua unidade, pessoalidade, e unicidade.

O ser humano não vive só e isolado. Cada ser humano tem um pai e uma mãe e, portanto, já nasce em sociedade. Ainda que, no momento do nascimento, e mesmo depois, o pai possa estar ausente, o ser humano não nasce sem mãe. Mas o filho e a mãe são dois indivíduos – duas pessoas (duas unidades, duas entidades distintas), cada uma com características próprias (unicidade), isto é, cada uma com a sua individualidade. A mãe, por sua vez, teve mãe e pai, e assim por diante.

B. A Sociedade

O que chamamos de sociedade é o conjunto de indivíduos que vivem em um determinado lugar ou território, em um determinado momento, e que se reconhecem, de alguma forma, ainda que vaga, como parte de um todo.

A sociedade tem instituições que poderíamos chamar de naturais, a principal das quais é a família. A família é uma instituição que surge e se mantém em decorrência da própria forma em que indivíduos se reproduzem e criam seus filhos. Por isso, chama-la de uma instituição natural não é despropositado.

Outras instituições são criadas na sociedade conforme se percebe sua necessidade ou utilidade.

C. O Estado

O que chamamos de estado  aparece quando uma sociedade resolve se organizar em uma entidade política, isto é, em comunidade (polis) que define seus interesses e objetivos e a forma de organizar-se para proteger seus interesses e alcançar seus objetivos .

Assim, na origem do estado está um pacto ou contrato social. Esse pacto ou contrato não precisa ser formulado explicitamente, colocado no papel, assinado por todos. Muitas vezes ele é tácito e é inferido apenas retrospectivamente.

Infere-se a existência de um estado quando uma sociedade começa criar um conjunto de mecanismos que, em princípio, permitem que ela se organize para proteger seus interesses e alcançar os seus objetivos.

Quando vistos da ótica do estado, os indivíduos passam a ser, além de indivíduos, também cidadãos, com certos direitos e deveres.

É bom  que se registre que muitos autores defendem a tese de que alguns direitos humanos são naturais, não positivos. Isto significa que haveria direitos que seriam reconhecidos mesmo numa sociedade pré-política. A disciplina acadêmica do chamado direito natural tem por objetivo estudar esses direitos humanos, em sua totalidade individuais, que pre-existiriam à criação do estado, e, portanto, à organização política da sociedade. O pacto ou contrato social mediante o qual se cria a sociedade política, pela constituição do estado, seria a ocasião, dentro dessa visão, em que os indivíduos, com vistas à proteção de seus direitos mais básicos, cedem ao estado alguns de seus direitos (como, por exemplo, o uso da força para defender e fazer valer os seus direitos). A constituição de um estado deveria, por sua vez, reconhecer aos cidadãos, de modo formal e explícito, o direito de ter direitos, fixando, numa “carta de direitos”, certos direitos (pelo menos os considerados naturais) como inalienáveis e imprescritíveis. Esses direitos nunca poderiam ser violados ou mesmo restringidos, nem pelo próprio estado, nem mesmo que o estado conte, para tanto, com o respaldo da maioria dos cidadãos.

Assim nasceu o Liberalismo.

D. O Governo

O que chamamos de governo é o conjunto de funções necessárias para que o estado seja administrado da forma desejada pelos cidadãos. Essas funções são, naturalmente, ocupadas por indivíduos-cidadãos.

E. Estado e Governo (uma digressão)

Muitas pessoas têm dificuldade para distinguir estado e governo. Por isso vou gastar um pouco de tempo procurando esclarecer a questão.

No Brasil, o chefe do estado e o chefe do governo são a mesma pessoa. Nossa forma de governo é presidencialista e, nela, o presidente chefia as duas coisas.

Mas para entender mais facilmente a diferença entre estado e governo, é bom olhar para contextos em que a chefia do estado e a chefia do governo não são exercidas pela mesma pessoa – ou em que há um chefe de estado para vários chefes de governo (como no Reino Unido).

Os países que se agrupam em torno da Inglaterra nos oferecem um bom exemplo – até porque o exemplo é, nesse caso, bem mais complicado do que sugerem as formulações com que termina o parágrafo anterior. Nesse conjunto de países temos uma forma de governo que pode ser rotulada de monarquia parlamentar. Hoje, a rainha (Elizabeth II) é a chefe do estado; o primeiro ministro, o chefe do governo.

Um inglês nunca confunde uma coisa com outra. Como cidadão, ele se considera súdito da rainha, nunca do primeiro ministro. O primeiro ministro é o chefe do partido, ou da coalisão de partidos, que vence as eleições para o parlamento. O cidadão inglês acredita dever lealdade à rainha, como chefe do estado, não ao primeiro ministro, como chefe do governo (mesmo que tenha votado para o partido do primeiro ministro – e nunca vote para escolher a rainha ou o rei).

Na realidade, a pessoa que conhecemos como a rainha da Inglaterra é chefe de um estado que não se chama Inglaterra nem se confunde com ela. Inglaterra é o nome de uma nação (que é ainda uma outra coisa) – que, juntamente com outras nações, pertence a um estado. (O termo “nação” tem certa ambiguidade: tanto pode designar uma sociedade que compartilha cultura (língua, religião, etc.), história e etnicidade ou descendência como pode designar um grupo de pessoas (independentemente de cultura, história ou etnia) que vive debaixo de um determinado estado ou sob determinado governo. Este segundo sentido é mais político. O primeiro é mais histórico-cultural. Às vezes os dois sentidos se sobrepõem e até mesmo se misturam.

A Inglaterra, o País de Gales (Wales) e a Escócia são três nações que habitam a mesma ilha: a Grã-Bretanha (Great Britain). Quando se fala em Grã-Bretanha está se referindo a uma unidade geográfica, não política.

Uma outra ilha muito próxima da Grã-Bretanha é a Irlanda, que também é habitada por duas nações: a (República da) Irlanda e a Irlanda do Norte.

A unidade política chamada Reino Unido (United Kingdom – UK), que na realidade hoje se chama Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland) compreende as nações da Inglaterra, País de Gales, Escócia  e Irlanda do Norte (e várias ilhazinhas próximas das ilhas da Grã-Bretanha e da Irlanda). É o Reino Unido que é o estado soberano e independente, do qual a rainha da Inglaterra é a chefe soberana.

As nações individuais que compõem o Reino Unido preservam certa soberania (distinta, em cada caso) – inclusive de governo. Cada qual, exceto a Inglaterra, tem governo próprio. Mas é o Reino Unido que faz parte das Nações Unidas (United Nations), da Comunidade Europeia (European Community), etc. Entretanto, indo na direção contrária, na Copa do Mundo de Futebol, o estado Reino Unido não tem participação. Quem participam (por tradição) são a Inglaterra, a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte, que competem até mesmo uns contra os outros. Parece confuso. Mas isso é porque a realidade é, de fato, complexa e há certa incoerência em permitir que um estado seja representado na Copa do Mundo por quatro de suas nações.

A Irlanda (República da Irlanda) já fez parte desse estado, como Irlanda do Sul. Hoje ela é um estado totalmente independente – na verdade, uma república, não uma monarquia, nem parte de uma. Discute-se, na Escócia, a conveniência de também aquela nação se tornar uma nação totalmente independente – quebrando a unidade política atual da ilha da Grã-Bretanha.

Outras nações-estado, como Canada, Australia, Nova Zelândia, Barbados, e inúmeras outras, cinquenta e três no total, todas elas, exceto duas, ex-membros do Império Britânico (British Empire), não fazem parte do reino-estado da Grã-Bretanha, mas fazem parte da Comunidade das Nações (Commonwealth of Nations), antigamente chamada de Comunidade Britânica (British Commonwealth). A rainha da Inglaterra, que é a chefe de estado do Reino Unido, ocupa também a posição de Chefe da Comunidade das Nações, que é uma função ainda mais ornamental do que a posição de chefe de estado do Reino Unido. Assim, as nações-estado que fazem parte da Comunidade das Nações também reconhecem a rainha da Inglaterra como, de certo modo, sua chefe de estado – embora as nações não façam parte do estado Reino Unido.

2. Filosofia Política e Ideologia

O que se denomina Filosofia Política é o estudo – normativo, não descritivo – da melhor forma de viver no âmbito da sociedade e do estado – isto é, de organizar a vida social e política, respeitando os direitos dos indivíduos (naturais ou positivos).

Assim, a Filosofia Política é parte integrante do ramo da Filosofia denominado Ética. Ela lida com valores – valores morais e valores “prudenciais”.

A primeira grande tarefa da Filosofia Política é definir quais são os direitos individuais (e se eles são naturais ou positivos). Também é tarefa sua decidir se grupos de indivíduos, ou a sociedade como um todo, são titulares de direitos (os chamados direitos sociais), ou se direitos humanos inerem essencialmente aos indivíduos.

A segunda grande tarefa da Filosofia Política é definir como os direitos individuais devem ser protegidos vis-à-vis as ações de outros indivíduos, de grupos de indivíduos, da sociedade como um todo, e, em particular, do próprio estado e seu governo. Também é tarefa da Filosofia Político, caso se tenha concluído que grupos de indivíduos ou a própria sociedade como um todo podem ser titulares de direitos, como os direitos individuais se compatibilizam com os direitos sociais.

A terceira grande tarefa da Filosofia Política é definir quais são os sistemas e as formas de governo  preferíveis, e por quê: monarquia vs república, parlamentarismo ou absolutismo (monarquista ou presidencialista), etc.

O termo “Ideologia” é, hoje em dia, bastante discutido, havendo várias formas de entende-lo. Não vou me enveredar por essa discussão. Aqui neste texto vou considerar como ideologia o conjunto de princípios e valores que se agregam para fornecer uma resposta coerente a essas várias perguntas.

A Filosofia Política se distingue da Ciência Política, que é uma disciplina descritiva, não normativa.

II. As Três Oposições

Finalmente chegamos às três oposições.

1. Liberalismo vs Socialismo

Do início da era moderna pra cá, as duas principais respostas (parciais) ao conjunto de perguntas formuladas na seção I.2 são o Liberalismo e o Socialismo – aquele bem mais antigo, reportando ao início da Idade Moderna. O Socialismo vicejou basicamente no século XIX, sob a influência, em retrospectiva, principalmente de Karl Marx, mas tem raízes no século XVIII e vertentes não-marxistas no século XIX.

A. O Liberalismo

Diferentemente do Anarquismo que (como se verá) defende a viabilidade de uma sociedade não organizada politicamente, e, portanto, sem estado e sem governo, o Liberalismo, por uma série de razões, considera uma sociedade anárquica inviável e, por isso, reconhece e defende a necessidade da organização política da sociedade – isto é, da constituição do estado e da criação do governo.

Mas o Liberalismo quase que faz esse reconhecimento e essa defesa de forma meio envergonhada – como se o estado fosse um mal necessário. Embora alguns autores liberais enfatizem que o estado, em si, é um bem, e não um mal necessário, muitos liberais, especialmente os mais radicais, só admitem a existência legítima do estado porque reconhecem a inviabilidade do anarquismo.

Liberais, em geral, não vêm o ser humano como naturalmente generoso, bom, solidário, altruísta. Se ele fosse tudo isso, argumentam, o Anarquismo seria viável e preferível ao Liberalismo. O ser humano, para os liberais, é, em sua essência, o oposto de tudo isso. Como bem reconheceu Adam Smith, um dos pais do Liberalismo, o ser humano se preocupa, tipicamente, mais com sua unha encravada do que com o sofrimento ou mesmo a morte de milhões de desconhecidos em locais distantes. Assim, uma sociedade anárquica, para os Liberais, será uma luta constante de todos contra todos. Não funciona: termina em caos total. É por isso que o estado é necessário.

Mas, reconhecem os Liberais, o estado vai ser comandado por seres humanos – e os homens que se dispõem a comandar o estado não são nem um pouco melhores do que os demais. Muito pelo contrário: não raro são muito piores.

É por isso que, no Liberalismo, o Estado, embora um bem necessário, precisa:

  1. possuir apenas funções essenciais, e estas claramente definidas, ficando proibido de exorbita-las;
  2. contemplar mecanismos internos que monitorem e controlem o exercício de suas funções e coíbam imediata e severamente qualquer extrapolação delas;
  3. contemplar mecanismos externos que possibilitem e facilitem a fiscalização e cobrança do Estado e, se for o caso, a destituição dos governantes – por mecanismos institucionais previstos (impeachment, recall) ou até mesmo pelo uso da força, se for necessário emprega-la.

Para o Liberalismo, estado / governo existem para garantir os direitos, a liberdade e a segurança dos indivíduos, criando um arcabouço jurídico, militar e policial que proteja os cidadãos em suas pessoas e em suas propriedades, a fim de que, sem interferências indevidas de terceiros, cada um deles possa buscar sua felicidade, como bem a entenda.

Quanto aos direitos humanos que o Liberalismo reconhece, é preciso registrar, desde o início, que o Liberalismo só reconhece os direitos individuais, os chamados direitos sociais não passando, para o liberal, de uma ficção mais recente (inventada pelos franceses). Os únicos direitos que legitimamente existem são os direitos individuais.

Para esclarecer esse posicionamento, é preciso rapidamente resumir quais são os direitos individuais que o Liberalismo reconhece. Os direitos individuais demarcam, ou limitam, a liberdade do indíduo. Eles são os seguintes:

  • Direito à integridade da pessoa (ou direito à vida e à segurança da pessoa), isto é, o direito que tem o indivíduo de não ter sua vida e sua segurança colocadas em risco por terceiros);
  • Direito à expressão do pensamento, do modo de ser, do estilo de vida, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de dizer o que pensa, de viver como acha mais interessante ou satisfatório, e de fazer o queira, e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a dizer o que não pense, a viver como não deseje, e a fazer o que não queira;
  • Direito à locomoção, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de ir e vir, dentro ou para fora do território em que viva, para onde ou de onde quer que seja, e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a ficar onde não deseja ficar ou a se locomover para onde não deseja ir e, por fim, de não ser levado, contra sua vontade, para onde não deseja estar;
  • Direito à associação, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido de formar associações com qualquer pessoa que se disponha a participar da associação e de excluir da associação quem nela não for, por qualquer razão, desejado, e de não ser obrigado a participar de qualquer associação ou a aceitar, em associações sob seu controle, quem quer que seja;
  • Direito à ação em busca da felicidade, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de procurar ser feliz da forma que bem entenda, fazendo, para tanto, o que deseja fazer ou o que lhe interessa, satisfaz e faz feliz e, naturalmente, de não ser obrigado por terceiros a procurar ser feliz de uma maneira particular;
  • Direito à propriedade, isto é, o direito que tem o indivíduo de não ser impedido por terceiros de produzir qualquer bem ou de adquirir qualquer bem que esteja a venda, para cuja produção ou aquisição tenha recursos, de não ser obrigado por terceiros a produzir ou adquirir qualquer bem, nem a trocar ou vender os bens que já possui, ou a deles se separar contra a sua vontade (incluindo por desapropriação, furto ou roubo), de não ser privado de seus bens e de seus rendimentos, através de impostos, exceto para finalidades e através de processos para os quais deu seu explícito consentimento.

Note-se que todos esses direitos são negativos. A única obrigação que eles impõem a terceiros é a de não interferir, não impedir, não coagir, não forçar, não obrigar. Isso é: a única obrigação que eles impõem a terceiros é a de não se meter. Essa obrigação não tem uma face financeira: ninguém é obrigado a meter a mão no bolso para garantir que essa obrigação seja respeitada.

A oposição do Liberalismo aos chamados direitos sociais é que eles não são negativos: eles impõem a terceiros, o mais das vezes contra a sua vontade, obrigações que eles não assumiram. O suposto direito à educação presume que alguém tenha a obrigação de prover educação aos que a exigirem; o suposto direito à saúde presume que alguém tenha a obrigação de prover saúde aos que a exigirem; o suposto direito ao trabalho presume que alguém tenha a obrigação de prover trabalho aos que o exigirem; o suposto direito à habitação presume que alguém tenha a obrigação de prover habitação a quem a exija; o suposto direito ao transporte presume que alguém tenha a obrigação de prover transporte à população que exigir fazer uso dele; e assim vai.

Como ninguém se dispõe a voluntariamente prover todas essas coisas a outrem, de forma generalizada e indiscriminada, os defensores dos direitos sociais buscam atribuir esse dever ao estado, que tem poder de coerção (ou coação) e pode extrair, pela força, através de impostos, recursos de uns que venham a custear o atendimento de supostos direitos sociais de outros.

Isso rompe o princípio mais valioso do Liberalismo: o de que todos devem ser livres e igualmente livres. Nesse sentido, a sociedade, o estado, o governo, a lei não devem instituir privilégios para uns, em detrimento dos outros. Todos devem ser iguais perante a lei. Os direitos devem ser os mesmos para todos.

A noção de justiça que está por trás do Liberalismo é:  “suum cuique“, “to each his own” ou “to each what he deserves”, “jedem das seine”, “a cada um o seu”, “a cada um o que lhe cabe”, “a cada um o que fez por merecer”, “a cada um aquilo a que fez jus”.

B. O Socialismo

Assim chegamos ao Socialismo.

O Liberalismo tem conexão, até etimológica, com a liberdade. Se o Socialismo tivesse uma conexão etimológica com o conceito que de fato o caracteriza, deveria se chamar Igualitarismo, não Socialismo. Sua ênfase está na igualdade.

A igualdade que o Socialismo defende não é a igualdade de liberdade ou de direitos, a igualdade perante a lei, mas, sim, a igualdade material – ou, no mínimo, nas formas mais brandas (“cor-de-rosa”) do Socialismo, a igualdade de oportunidades. Segundo o Socialismo, desigualdades são inerentemente injustas e, portanto, devem ser combatidas.

A noção de justiça que está por trás do Socialismo é a chamada “justiça redistributiva”: tirar de quem tem, ou pode produzir, para dar a quem precisa. “De cada um, conforme a sua habilidade, e a cada um, conforme a sua necessidade”.

Os supostos direitos sociais, que os Socialistas acreditam ser tão justificáveis quanto os individuais, ou mesmo mais justificáveis, impõem obrigações a terceiros, que vão necessariamente colidir com os seus direitos individuais, em especial com o direito à propriedade dos bens e da remuneração. E, quando colidirem, tanto pior para os direitos individuais, acreditam os Socialistas. Se alguém precisa de educação, saúde, transporte, alimentação, etc., o direito à propriedade é desconsiderado, porque, afirmam, a propriedade privada só é defensável se cumprir a sua “função social”.

Segundo os Liberais, essa suposta função social da propriedade é pura invencionice socialista, que acabou ganhando o status de norma constitucional na Constituição Brasileira.

Para o Socialismo, o estado / governo existe para promover a igualdade e combater as desigualdades, para promover o bem estar (material, social, cultural, etc.) das pessoas e dos grupos sociais. Ou, como dizem os políticos, para cuidar do povo (principalmente do povo mais pobre – o não tão pobre, supõe-se, tem condições de cuidar de si próprio.

Quando se adota essa visão, o estado / governo começa a querer fazer o bem (dar “trocentas” bolsas a torto e a direito, pagas pelos que não são seus recipientes), cuidar dos desvalidos e incapazes, respeitar os direitos de quem não respeita direito de ninguém, etc.

A própria ênfase que o Liberalismo dá à segurança fica relegada, no Socialismo, a um plano secundário. Quando algum estado / governo tenta coibir a violência de forma mais eficaz, os socialistas protestam, chamam a polícia de fascistóide, aplaudem quando um policial é ferido ou morto, etc. O estado / governo que os socialistas querem é o que faz o bem, não o que pune o mal.

2. Anarquismo vs Totalitarismo

A. O Anarquismo

O Liberalismo deseja um estado mínimo. O Socialismo, em suas versões mais extremadas, um estado máximo, cheio de atribuições e funções.

Como já vimos, se radicalizarmos o Liberalismo,  chegamos ao Anarquismo – que é uma situação em que o estado se tornou tão mínimo que deixou de existir. Consequente, também não há governo. As pessoas resolvem suas diferenças e desavenças através de mecanismos “ad hoc” (como a arbitração privada).

Se radicalizarmos o Socialismo, porém, chegamos ao Totalitarismo – que é uma situação em que o estado, por assumir tantas atribuições e funções, acaba por controlar a totalidade da vida: nada escapa dos seus tentáculos. Os estados comunistas são invariavelmente totalitários.

B. O Totalitarismo

O Socialismo, portanto, frequentemente descamba para o Totalitarismo, mesmo no caso de Socialismos não radicais ou não totais. Não é preciso falar de Cuba ou da Coreia do Norte. É possível ver isso aqui mesmo no Brasil. O estado brasileiro / aparelhado pelo Socialismo tupiniquim do Lullo-Petismo, tenta controlar a imprensa livre; tenta restringir o direito de escritores (biógrafos, por exemplo); impede as pessoas de criticar modos de vida de que discordam, rotulando-os de “homofóbicos”, um crime de discriminação; obriga clubes privados a aceitar membros que eles não querem aceitar; proíbe os cidadãos de cortar árvores até mesmo dentro de suas propriedades – e, ao mesmo tempo, não combate a violência, o vandalismo, o crime, deixando a população apavorada e pronta para exigir mais intervenção governamental na sociedade. . .

Vários restrições que o pensamento socializante nos impõe não são nem percebidas como interferências nos nossos direitos. Por que devem nossos filhos obrigatoriamente frequentar a escola em determinado período de suas vidas?  Por que não podemos dirigir nossos automóveis em determinados dias (numa cidade como São Paulo)? Por que não podemos fumar em ambientes fechados, como clubes e restaurantes, se houver espaços para que o fumo não incomode os que não gostam dele? Por que uma pessoa tem herdeiros “necessários”, não podendo dispor livremente da totalidade de seus bens? Por que eu preciso pagar quatro vezes mais por um bem, por causa de impostos de importação, apenas para que o governo proteja industriais amigos seus em troca de contribuições (legais ou propinadas) para o partido?

3. Conservadorismo vs Progressivismo

A. O Conservadorismo

Conservador é aquele que preza as ideias, os valores, as tradições, os usos, os costumes – e, por conseguinte, se opõe a tentativa de muda-los – sejam quais forem esses valores, essas tradições, esses usos, esses costumes.

Conservadores não gostam de mudar de ideias, de pontos de vista. Raramente mudam de religião ou preferência política. Conservadores se opõem a mudanças nos valores sexuais, nos usos e costumes. Os que defendem o princípio do “eu escolhi / decidi esperar” até o casamento para só então manter relações sexuais com a pessoa que amam, são conservadores na área sexual. Homens conservadores se opõem à emancipação feminina, à mulher que é livre para escolher se vai ou não ter filhos, à mulher que privilegia a carreira dela tanto quanto a (ou mesmo em vez da) do marido, ao namoro mais livre das filhas. Pessoas conservadoras em geral são religiosas, recatadas no falar, pouco arrojadas no vestir. Pessoas conservadoras não gostam de mudanças que possam perturbar seu estilo de vida, como imigração em larga escala, mesmo migração interna em quantidade. E assim vai.

B. O Progressivismo

Pessoas progressivistas são o oposto dos conservadores. Gostam de mudanças, em si e nos outros.

Não é preciso discorrer mais sobre isso.

III. A Direita e a Esquerda

Os que se consideram “de Esquerda” em geral se enxergam como socialistas, antitotalitários e progressivistas. E consideram os que não são de sua tribo como “de Direita”, presumindo que sejam liberais, conservadores e amantes do autoritarismo e mesmo do totalitarismo.

Há uma enorme quantidade de confusão e engano nisso.

Vimos atrás, na discussão do Liberalismo, do Anarquismo e do Totalitarismo, que o Liberalismo, se radicalizado, chega ao Anarquismo, nunca ao Totalitarismo.

As considerações feitas demostram que é impossível para o Liberalismo se tornar totalitário. O Liberalismo defende o máximo de liberdade para o indivíduo e o mínimo de atribuições e funções para o estado / governo. Como pode um estado liberal se tornar totalitário?

Para o Liberalismo, as restrições à liberdade individual mais perigosas são aquelas oriundas de ações do estado / governo. Para o Liberalismo, como bem disse Ronald Reagan, o estado é parte do problema, não da solução, e o risco do Totalitarismo sempre beira aqueles que vêm o estado como parte da solução, não do problema, e, por isso, querem mais estado, mais interferência ou participação do estado na vida dos indivíduos… Perguntem a um liberal se ele acha certo o estado / governo nos proibir de comer comidas gordurosas, nos obrigar a comer apenas o que é saudável… A resposta será um acachapante “NÃO”. Agora perguntem a um socialista (ou simpatizante – um “socializante”) se ele acha corretas essas tentativas do estado / governo interferir em nossas vidas. A resposta será um “SIM” entusiasmado.

Foi a União Soviética Socialista/Comunista que, por um tempo, fez um pacto com a Alamanha Socialista/Nazista, foi o comunista Stalin que se associou ao fascista Hitler, nunca os Estados Unidos ou a Inglaterra, Roosevelt e Churchill, países e pessoas de tradição liberal (embora Roosevelt, em muitas áreas, nem tanto).

Liberais não são conservadores. Criticam tradições que conspiram contra a liberdade ou que impedem a livre busca do desenvolvimento humano e da realização dos indivíduos.

Mas liberais reconhecem que o ótimo é frequentemente o inimigo do bom, que a busca da perfeição frequentemente leva ao seu oposto. Criticam os socialistas porque, ao se oporem à liberdade na defesa da igualdade, acabam ficando sem nenhum dos dois.

Liberais não são necessariamente religiosos, embora estejam livres para sê-lo. E, quando são, raramente são adeptos de religiões conservadoras e fundamentalistas, que tentam controlar a vida e a mente das pessoas, que tentam ditar para as pessoas o que elas devem fazer e pensar.

Estados / governos totalitários, ou com inspiração ou tendência totalitária, procuram controlar a conduta e o pensamento das pessoas, são seduzidos pela ideia de controlar a imprensa livre para torna-la – mirabile dictum! – mais democrática!!!

Nenhum dos atuais defensores de autorização prévia, pelos biografados, para as suas biografias é liberal. Roberto Carlos é um católico conservador; Chico um cubista-fidelista; Caetano um desvairado.

É verdade que, em ocasiões, como na coligação que elegeu Ronald Reagan nos Estados Unidos, liberais e conservadores se uniram para derrotar os socialistas do Partido Democrata, que se considera liberal (o maior misnomer da história, aquele partido se chamar liberal). E há pessoas, como Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino que são liberais e conservadores. Mas o Liberalismo, em si, não é conservador. E o Socialismo cubano, por exemplo, o é.

Por isso, nós, os liberais, precisamos, antes de tudo, desmascarar essa tentativa da Esquerda de demonizar os liberais, colocando-os numa mesma categoria com totalitários e conservadores.

Em São Paulo, 2 de Novembro de 2013; revisado em 23 de Maio de 2016.