O Novo não é o Velho Disfarçado: Transformando a Educação e Desprivilegiando a Escola e o Ensino

Comecei a ler hoje um livro que comprei, também hoje, na Amazon, em formato e-book Kindle: Overschooled but Undereducated (Super-escolarizados mas Sub-educados), de John Abbott.

Não avancei muito na leitura – mas o que li me pareceu excelente. Vou ressaltar duas razões – e, a seguir, acrescentar um terceiro argumento.

Primeira Razão

John Abbott deixa claro que, na educação, precisamos de transformação, não de reforma — algo que eu venho dizendo há 12 anos, desde que li Education Epidemic, de David H. Hargreaves (livrinho publicado em 2003 e que está disponível gratuitamente na Internet, em formato .pdf: http://demos.co.uk/files/educationepidemic.pdf).

Nesse livrinho (menos de 80 páginas) de Hargreaves há um gráfico muito instrutivo, que transcrevo aqui, e que já usei em muitos artigos e apresentações (palestras):

Change and Innovation

A tese de David H. Hargreaves (defendida por outros autores, como a seguir mostrarei) é de que há dois tipos de mudança: reforma e transformação (mudança reformadora e mudança transformadora). E que o indicador que nos permite determinar se uma mudança (ou em um conjunto de mudanças) envolve reforma ou transformação é o grau de inovação presente nela (ou nele).

Não é difícil entender o gráfico — como, de resto, se verá.

Isso quer dizer que toda inovação envolve mudança, mas nem toda mudança contém, traz ou produz inovação – ou em que a quantidade de inovação é mínima.

Muitos autores convincentemente mostraram, em tempos recentes, a partir da obra seminal de Thomas S. Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), que há pelo menos duas modalidades de mudança:

  • Mudança Ordinária, ou mudança que tem lugar dentro de um paradigma estabelecido;
  • Mudança Extraordinária, ou mudança que leva à substituição do paradigma vigente.

No primeiro caso, geralmente temos mudanças pequenas, aos pedaços, incrementais, graduais — melhorias superficiais de um paradigma. As mudanças ou melhorias não questionam o paradigma: elas o dão por pressuposto. Quando elas têm que ver com a prática (e não com a teoria), essas mudanças e melhorias não se distanciam muito da forma convencional, quase universalmente aceita, de fazer as coisas.

No segundo caso, comumente lidamos com mudanças amplas, profundas, sistêmicas (holísticas), radicais, não raro abruptas, que levam à destruição de um paradigma estabelecido e à sua substituição por um outro. As mudanças aqui subvertem o paradigma estabelecido, posto que seu objetivo é substituí-lo por outro. Quando elas têm que ver com a prática (e não com a teoria), essas mudanças se distanciam significativamente da forma convencional, geralmente aceita, de fazer as coisas.

Se estendermos um pouco a analogia política (presente no título do livro de Kuhn), poderíamos dizer que a primeira modalidade de mudança é reformadora, enquanto a segunda é transformadora. Mudança reformadora é “mudança dentro do paradigma“. Mudança transformadora é “mudança de paradigma“. Mudança transformadora é algo equivalente, se não idêntico, a mudança revolucionária. É equivalente, também, se não idêntico, à recriação, refundação, ou reinvenção daquilo que é objeto da mudança.

Como já disse, o principal indicador que diferencia a mudança transformadora da mudança reformadora é o grau de inovação que ela representa em relação àquilo que é atualmente pensado ou feito. Inovação tem que ver com o que é novo. Seu grau pode ser mensurado comparando o que é novo na mudança, seja pensamento ou prática, com o pensamento e a prática atualmente vigentes. Quanto maior for o grau de inovação, tanto maior a distância do pensamento ou da prática atuais, e assim tanto maior a amplitude, a profundidade, a inclusividade, e a radicalidade da mudança.

Mas não nos esqueçamos de que o novo não é o velho disfarçado, simplesmente maquiado para ocultar os defeitos…

John Abbott não tem dúvida de que, na educação, hoje, precisamos de transformação, não de reforma.

Segunda Razão

John Abbott deixa claro que, na transformação que é necessária na educação hoje, devemos deixar para trás o binômio ensino e escola para focar no binômio aprendizagem e sociedade — algo que eu venho dizendo também há também 12 anos, desde que li The Fifth Discipline (A Quinta Disciplina), de Peter Senge. (Considero, aqui, e acredito que Abbott também considera, ensino e instrução como conceitos basicamente equivalentes).

Venho batendo nessa tecla há tempo. Se, em um processo de mudança, privilegiamos o pensamento e a prática existentes, a inovação será a primeira vítima: haverá pouco que é novo nas mudanças e o resultado final não será muito diferente das condições iniciais das quais se partiu.

Uma curta citação, oriunda de alguém que entende de mudanças, corrobora essa tese:

“A única maneira de mudar drasticamente o mundo é imaginando-o diferente do que ele é hoje. Se, no processo de mudança, fizermos uso demasiado da sabedoria e do conhecimento que nos trouxeram até aqui, terminaremos bem próximos de onde começamos. Se você quer obter resultados diferentes, comece olhando as coisas de novo, só que agora de uma perspectiva totalmente nova”.

A citação vem de Jay Allard, ex-Vice-Presidente da Microsoft (a linguagem foi um pouco alterada para ênfase, sem mudança do sentido; negritos foram acrescentados). Jay Allard foi o criador da linha Xbox/Kinect de plataforma de jogos da Microsoft – que transformou a nossa maneira de ver e de jogar o videogame. Se alguém entende de inovação é ele.

Os últimos setenta anos trouxeram ao nosso mundo mudança ampla, profunda, sistêmica (holística), radical, não raro abrupta e frequentemente não esperada. Essa mudança nos levou a nos distanciar das ideias e das práticas correntes em quase todas as áreas da vida — distanciar-nos o suficiente para que muitos autores importantes passassem a falar em uma nova Renascença, uma nova era, uma nova civilização.

É difícil imaginar que esse nível de mudança pudesse deixar de afetar, e afetar profundamente, a educação. Ele afetou a nossa forma de aceder à informação, de  trata-la, de distribuí-la, de coloca-la a bom uso. Ele afetou a nossa forma de nos comunicar uns com os outros, de interagir, de colaborar, de discutir, de debater. Ele mudou nossas maneiras de trabalhar, de nos divertir, de aprender (haja vista as possibilidades, ainda pouquíssimo exploradas, da educação a distância genuinamente interativa, da aprendizagem verdadeiramente colaborativa). Ele mudou, enfim, nossa maneira de viver. Esperamos ter acesso instantâneo à informação, esteja ela armazenada onde estiver e estejamos nós onde estivermos. Esperamos nos comunicar instantaneamente com qualquer lugar do mundo, estejamos nós onde estivermos. Fazemos parte de equipes em que os demais membros estão esparramados pelo mundo. Hoje temos amigos e familiares esparramados pelo globo. Aprendemos a qualquer momento (anytime), a partr de qualquer lugar (anywhere), no estlo e da forma que nos é mais conveniente (lendo, vendo vídeos, ouvindo clips, conversando, discutindo, debatendo. Nossas principais diversões seriam inconcebíveis sem a tecnologia recente.

No entanto, quando lemos ou ouvimos educadores falar de mudanças na educação, as mudanças são mínimas – na maior parte dos casos nem chegam a merecer o rótulo de reformas, quanto mais de transformações, mudanças revolucionárias, quebras de paradigmas.

A educação foi, e continua a ser, uma notável exceção entre as instituições que o século vinte herdou dos séculos anteriores. Embora seja inegável que tenha havido pequenas mudanças na forma de educar privilegiada nos últimos duzentos e cinquenta anos, mais ou menos, elas foram, em sua maior parte, superficiais e cosméticas, e frequentemente afetaram apenas um só ambiente ou canal da educação – a escola – e, dentro dela, em geral, apenas uma de suas dimensões: currículo, ou metodologia, ou forma de avaliação, ou tipo de tecnologia utilizada, ou os demais recursos empregados, ou o estilo de gestão, ou a relação com o mundo do trabalho, ou a relação com a comunidade do entorno, etc.

Pouquíssimos são os autores que se dedicam à educação que propuseram uma quebra de paradigma, uma mudança total na nossa forma de educar, que tirasse a escola, o currículo, o ensino, o professor, os materiais didáticos, as tecnologias, as provas e os exames, do foco principal de atenção.

No Brasil, o diploma legal que fixa diretrizes e bases para a educação nacional até que começa bem… O caput do artigo primeiro de nossa Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN) diz: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Ótimo. Deixaram de lado os meios de comunicação de massa, mas está ótimo assim. ENTRETANTO, o parágrafo primeiro entorna o caldo: “Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.” O que havia se aberto, inexplicavelmente se fecha.

Essa lei foi promulgada no finzinho de 1996, a cerca de quatro anos do Século 21. E não muda quase nada. Privilegia a educação escolar, negligencia os demais ambientes e canais da educação. Por privilegiar a escola, não pode deixar de privilegiar questões de currículo e metodologia, e, naturalmente, a figura do professor, a autoridade absoluta dentro da sala de aula escolar. Não contempla formas alternativas de educar (como, por exemplo, as envolvidas no mundo do trabalho ou nos ambientes comunitários). Quando a lei foi promulgada já fazia um quarto de século que Ivan Illich havia publicado Deschooling Society (Sociedade sem Escolas). E fazia um pouco mais que Paulo Freire, grande amigo e admirador de Ivan Illich (a admiração era mútua), havia escrito, em seu livro Pedagogia do Oprimido (escrito em 1968, mas publicado no Brasil em 1974), o seguinte (aqui resumido em frases retiradas de vários lugares do livro):

“Ninguém educa ninguém, mas tampouco alguém se educa sozinho. Nós nos educamos uns aos outros através de um diálogo permanente, mediatizado pelo mundo, em que usamos recursos que, na educação tradicional, eram propriedade exclusiva do professor em sala de aula. A educação, portanto, é um processo mútuo, mediado pelo mundo, em que seres não terminados, conscientes de sua incompletude, tentam se tornar mais plenamente humanos”.

Nada disso afetou a lei promulgada no apagar das luzes do Século 20. Não só se manteve o foco na escola, como a escola, em si, não foi significantemente modificada. Na realidade, a escola não foi transformada, no essencial, pela LDB-EN e pela enorme (e sobrevalorizada) discussão dos educadores em torno dela: ela continuou a ser basicamente a mesma instituição criada cerca de dois séculos e meio atrás, no auge da Civilização Industrial. 

John Abbott defende o curso de ação certo: ele deixa claro que, na transformação que é necessária na educação, devemos deixar para trás o binômio “ensino e escola” para focar no binômio “aprendizagem e sociedade”.

Terceiro Argumento

Mas, sobre isso, mais neste terceiro ponto, que acrescento, sob minha responsabilidade, e que foi retirado de outra linha de leituras, não de John Abbott. É preciso deixar claro também que, nessa transformação, devemos tirar o foco da informação e do conhecimento (da descrição e da explicação) dos fenômenos naturais e passa-lo para a sabedoria e os valores (vale dizer, para a reconstrução imaginativa) que regem a nossa vida em sociedade. Isso, a meu ver, quer dizer que precisamos mudar o foco das Ciências (especialmente das naturais) para as Humanidades. . . Venho dizendo isso há BEM mais de 12 anos — desde que li, em 1974, The Humanities and Humanistic Education, de James Louis Jarrett, publicado no ano anterior.

Concluindo e resumindo, estas são algumas das conclusões a que tenho chegado nos últimos anos… a partir desses postulados.

Primeira: a educação não será transformada se ficarmos preocupados apenas em mudar a escola – e, nela, apenas os professores. Sempre que se fala em transformar a educação se cai na vala comum de propor a mudança da escola e de fazer isso dando ênfase à formação do professor. Isso não funciona — todos nós sabemos, mas, de alguma maneira, continuamos fazendo a mesma coisa na esperança (totalmente irracional) de que, de repente, por milagre, os resultados serão diferentes.

Como disse alguém, “Insanidade é fazer a mesma coisa um dia após o outro e esperar que de repente apareçam resultados diferentes”. Essa frase é atribuída a muitas pessoas, inclusive Benjamin Franklin e Albert Einstein.

Segunda: como bem indica o caput do artigo primeiro da LDB-EN, a educação é um processo social que tem lugar em casa, na rua, na comunidade próxima, nas comunidades estendidas (virtuais) criadas pela tecnologia, através dos meios de comunicação, nos ambientes de lazer, nos ambientes de trabalho, na igreja, através dos jornais, revistas e livros que as pessoas leem, nos debates nas redes sociais. . . Se não conseguirmos mexer da forma desejada nesse mix de ambientes ou canais, a educação continuará a mesma.

Terceiro: o que precisamos fazer é reimaginar criativamente a sociedade, incluindo todas as instituições mencionadas. Só assim seremos capazes de reconstrui-la para que se torne um verdadeiro ambiente de aprendizagem ATIVA, interATIVA, colaborATIVA, significATIVA.

Tweaks”, “fine tunes”, “technofixes” da escola não vão nos levar mais perto disso. É desperdício de dinheiro — e do valioso tempo dos alunos.

Quarto: não adiante enfatizar competências “básicas” como leitura, escrita, matemática, vistas de um ângulo instrumental; nem, para jovens e adultos, o chamado STEM (science, technology, engineering and mathematics) — exceto para pessoas naturalmente interessados nessas coisas. É preciso privilegiar as Humanidades: a Filosofia, as Letras (do ângulo da Literatura), as demais Artes… atividades que ajudam a desenvolver a imaginação, a criatividade, a inovação. Que nos levam a pensar mais no “Por que não?” do que no “Por quê?”

Termino citando Jarret, em The Humanities and Humanistic Education:

“Na verdade, nem o Grego, nem o Romano de modo algum seria cúmplice da confusão moderna que identifica educação e escolaridade. Somos formados pela totalidade de nosso ambiente: segue-se que não temos a menor condição de não dedicar o maior cuidado a qualquer aspecto desse ambiente — arquitetônico, legal, cerimonial, erótico, qualquer que seja” [negrito acrescentado].

É isso.

Em São Paulo, 6 de Abril de 2014

Primavera à Vista: Abaixo os Xiitas e os Mercenários

O atual governo federal, pilotado pelo PT, tem sustentação de basicamente dois grupos: xiitas e mercenários.

Os Xiitas

Os xiitas são os “guerrilheiros” do governo (“guerrilheiros” no sentido figurado e, em alguns casos, não). Estão sempre ativos (por isso são chamados de “ativistas”), montando dossiês, inventando esquemas mirabolantes (“aloprados”), criando central de boatos, enchendo o saco dos outros, fora e dentro da Internet.

Na sexta-feira, estava na sala de espera de uma Clínica Oftalmológica Especializada, e dois senhores conversavam sobre a Petrobrás, lastimando que o PT esteja acabando com a maior empresa brasileira, falando na compra da refinaria de Pasadena, comentando o prejuizo dos investidores que compraram ações da companhia, etc. Nisso um velhinho magrela (velhinho, para mim, é alguém que, na minha estimativa tem pelo menos uns cinco anos a mais do que eu: este aparentava ter mais de 75) se meteu na conversa para dizer que quem começou afundar a Petrobrás foi o Fernando Henrique, pois ele privatizou pelo menos 30% das ações, que agora estão nas mãos do capitalismo internacional, que, mesmo assim, a compra da refinaria de Pasadena tinha sido um bom negócio, que deu lucro, pois no preço estava incluído o estoque de petróleo, que foi vendido e trouxe receitas, que vale a pena investir na Petrobrás, principalmente agora que as ações estão baixas, etc. (O último argumento é até digno de consideração). Foi escorraçado pelos outros dois. Mandaram o velhinho cuidar da vida dele, pegar as economias que porventura tivesse e investir tudo em ação da Petrobrás, etc.

Na Internet, em especial no Facebook, os xiitas aparecem. No momento estão meio acuados, hesitam, mas vira e mexe dão a cara pra levar porrada. Ontem mesmo um comentou um post meu. Entrei no perfil do cara e ele lá nega que a Petrobrás tenha pago mais de 1 bilhão de dólares pela refinaria de Pasadena: diz que foi bem menos do que a metade disso – e que (repetindo o argumento do velhinho de sexta-feira) o preço ainda incluía insumos que foram vendidos e que trouxeram receita cujo valor deve ser abatido do preço. . .

Os xiitas parecem ser principalmente de dois tipos. Uns são iguais à “velhinha de Taubaté”, do Luís Fernando Veríssimo: acreditam em tudo que o governo e o partido lhes dizem. São fideístas. Creem até no absurdo. O velhinho da Clínica Oftalmológica me parece ser desse tipo. Outros são leninistas: acreditam que a verdade é irrelevante, e, portanto, são pragmáticos num sentido nojento: inventam mentiras, ou usam mentiras inventadas por terceiros, sabendo plenamente que são mentias, porque acreditam que o fim justifica os meios. Esses são os construtores de dossiês e os inventores das lorotas que as “velhinhas de Taubaté” engolem sem mastigar. O cara que comentou meu post no Facebook é desse tipo.

Nem todos os xiitas são petistas: há entre eles gente da “ala esquerda” do PSOL, do PCdoB, e de outros partidecos da extrema esquerda. Juntando todos, eles não teriam sido capazes de causar a destruição que os onze anos de governo chefiado pelo PT está causando. Para isso, o PT tem precisado e dependido também de mercenários.

Os Mercenários

Os mercenários são os que aderiram ao governo mediante um pagamento ajustado: dão-lhe apoio comprado, são gente a soldo. São os que se julgam espertos e que estão sempre “na situação”. O PMDB é a principal fonte deles, mas há vários outros partidecos, e alguns não tão “decos”, que se especializam no comércio de apoio ao governo.

Em geral vemos essa raça no Congresso, onde têm uma densidade razoável. O Congresso atual é governista – mas os presidentes do Senado e da Câmara são do PMDB. . .

Sem os mercenários, os petistas, apenas com seus aliados xiitas, não teriam, por si sós, sido capazes de aprovar muita coisa. Tudo o que foi feito contou com o apoio de gente que não é xiita, mas está disposta, por dinheiro ou algum outro interesse (poder, por exemplo, que no Brasil oportunamente se converte em dinheiro), a apoiar os guerrilheiros. O mensalão aconteceu por isso: de um lado havia os xiitas mais ilustrados, chefiados pelo José Dirceu, dispostos a comprar apoio, do outro mercenários dispostos a vender apoio. Não deu noutra coisa.

Mas há mercenários também na Mídia (inclusive aqui na Internet). Mas há uma diferença importante entre os mercenários no Congresso e os mercenários na Mídia. No Congresso, um voto é um voto. O deputado ou senador pode ser uma sumidade e o voto dele vale a mesma coisa que o voto dos 300 picaretas que o Lulla um dia criticou (que ele ainda não tinha o poder nas mãos e, portanto, não precisava dos picaretas). Na Mídia, uma opinião tem peso diferente da outra. Se você pagar um picareta para defender ou promover seus interesses na Mídia, o feitiço pode virar contra o feiticeiro: o efeito pode ser contrário ao desejado.

Por isso, acho que o Políbio Braga está certo no seu vídeo “O PT perdeu a guerra cibernética e não adiante espernear”, disponível no YouTube, no seguinte endereço:  https://www.youtube.com/watch?v=rRWzlySlUQc. Os xiitas do governo federal não são em número suficiente, nem têm capacidade suficiente, para preencher todos os espaços da Mídia defendendo e promovendo o governo com um mínimo de competência. O mais das vezes, fazem um papel ridículo. Isso está claro, hoje, mas ficou claro apenas recentemente: aqui na Mídia, em especial na Internet, e, dentro dela, claramente no Facebook, o PT e seus xiitas, e, por conseguinte, o governo federal, perderam a guerra. Perderam de longe muito longe.

Quando alguém publica no Facebook uma crítica ao governo e ao PT – e há milhares publicadas a cada dia – e vem, seja um xiita malcheiroso, seja ou um mercenário ensaboado, tentar contestar, ele é, como disse o Políbio, liminarmente escorraçado – virtualmente linchado. Descobrimos, no Facebook, que cada um de nós constrói, por esforço e talento, mas a duras penas, um grupo de pessoas que o seguem ou acompanham, porque gostam do que dizemos ou compartilhamos, ou concordam com o que normalmente escrevemos ou distribuímos. Usando os recursos de privacidade do Facebook, podemos dar uma sintonia fina ao grupo que nos segue ou acompanha, isolando-o dos xiitas e mercenários: queremos alcançar o maior número de pessoas, mas de pessoas “certas”, não de espíritos de porco que só nos seguem ou acompanham para atazanar, criticar, procurar usar a nossa influência, duramente alcançada, para distribuir o seu lixo. Nesse caso, bloqueamos a pessoa, ou (se são amigos fora da rede) a colocamos em uma lista de amigos restritos… Os que não sabem fazer isso muitas vezes desistem de manter sua conta no Facebook por causa da atazanação dos espíritos de porco.

Eu descobri, também a duras penas, que o meu perfil ou a minha linha do tempo, é meu, é propriedade privada: outras pessoas só publicam ali se eu deixo e o que eu deixo. Nem mesmo os meus amigos mais chegados, nem mesmo a minha mulher (que reclamou disso), têm acesso irrestrito e não-monitorado ao meu perfil ou à minha linha do tempo para publicar coisas de seu interesse.

Nem todo mundo quer ou sabe fazer isso. Assim, é possível entrar no perfil ou na linha do tempo de quem discorda de nós e atazana-los. Mas eu resolvi não fazer isso. Só escrevo no perfil aberto ou na linha do tempo não protegida dos outros para, se meus amigos, desejar-lhes um feliz aniversário, ou lhes dar parabéns por alguma coisa — nunca para brigar, contestar, encher o saco deles. (No passado já cheguei a fazer isso — mas mudei de ponto de vista e de modo de agir).

Assim, quando um xiita ou um mercenário tenta usar o meu perfil ou a minha linha do tempo, escorraço com ele — como manda o Políbio Braga. Mando para o espaço. Já fiz isso até com pessoas que eram minhas amigas fora do Facebook mas que não sabem usar o Facebook com um mínimo de respeito ao direito de propriedade dos outros.

Se não fizermos isso, toda vez que publicarmos algo negativo sobre o governo federal ou as suas estatais, alguém vai aparecer e tentar, no mínimo, mudar de assunto: “E a privatização das teles?” “E o mensalão mineiro?” “E as licitações do metrô paulista?”. Não conseguindo contra-argumentar no mérito, tentam mudar de assunto ou insinuar que o que foi feito é coisa que todo mundo faz. “Sou, mas quem não é?

Uma nota final, importante. Os mercenários não são ideologicamente leais ao governo federal: eles apenas o apoiam enquanto o apoio compensa. E, como bem disse Malcolm Gladwell, em seu fantástico livro The Tipping Point, cenários mudam, primeiro um pouquinho e gradualmente. Mas, de repente, gente, no caso da política brasileira, vê-se um monte de gente séria e importante, que um dia apoiou o governo do PT, deixar de apoia-lo e começar a critica-lo, como Hélio Bicudo, Ferreira Gullar, Fernando Gabeira. . . Aos poucos, a crítica ao governo cresce, ganha consistência. O governo ajuda, fazendo um monte de besteira, metendo a mão no dinheiro público como se fosse sua fortuna particular. Chega um momento em que os pratos da balança começam a mudar de posição e chega a hora esperada em que de fato mudam de posição: esse o “tipping point”.

Alcançado o tipping point a tendência é que a crítica se torna revolta e a oposição começa a se tornar avassaladora.

Coisas antes improváveis acontecem. A maioria dos estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina se rebelam contra a minoria de seus colegas que ocupam a reitoria. Avançam sobre eles, deixam-nos acuados. Sobem no mastro da bandeira e trocam a bandeira vermelha pela bandeira brasileira. Visitam a Reitora bunda mole e a pressionam a resistir. Mas ela se comporta como uma mercenária. . .

Não nos esqueçamos: a lealdade dos mercenários muda quando eles percebem que o cenário está mudando numa direção desfavorável a eles. Começam ficando meio em cima do muro, farejando o vento, e, conforme o caso, mudam de lado. Isso aconteceu em 1984-1985. O exemplo maior foi o José Sarney – que saltou de líder do partido de sustentação da ditadura militar para o primeiro presidente civil da “Nova República”. . . Não podemos confiar neles – mas sua mudança de lado indica que os dias da situação estão contados.

Acho que isso está acontecendo no Congresso agora. Antes de saltar do navio, os mercenários tentam aumentar seu preço o máximo possível — até o ponto em que (no caso) o PT não consegue mais pagar, porque os mercenários percebem que sua fonte de dinheiro vai se esgotar em menos de um ano: a roubalheira, a corrupção, o aparelhamento.

Quanto o PT precisa anunciar publicamente que está oferecendo um curso sobre “Ativismo na Internet” para a xiitada é porque a coisa está ficando feia para eles.

É nessa hora que nós, anti-petistas, nós, anti-corrupção, nós, defensores da liberdade, nós que não gostamos de mexer com política que ficamos com aquela sensação horrível de mãos sujas, devemos intensificar nossa ação. A balança está virando para o nosso lado: alcançamos o tipping point, aquele ponto em que a maré vira.

É verdade que temos um Inverno pela frente ainda antes de chegar à nossa Primavera. Mas ela está à vista.

Em São Paulo, 31 de Março de 2014.

O Chamado Marco Civil da Internet

Editorial da Folha de S. Paulo de hoje (19/3/2014) defende a aprovação do chamado Marco Civil da Internet.

SOU CONTRA a sua aprovação.

Por três razões — das quais a primeira e a terceira são mais importantes.

Primeira Razão:

Diz a Folha: “A favor do Marco Civil estão nada menos que o próprio governo federal e um sem-número de atores envolvidos com o ambiente virtual, como o Comitê Gestor da Internet no Brasil, comunidade acadêmica, ONGs, sindicatos e entidades internacionais.”… Só a listagem desse conjunto de instituições favoráveis ao dito marco me leva a ficar contra a aprovação dele. Nenhum outro argumento seria necessário.

Apesar de brigar muito com elas, confio muito mais nas empresas de telecomunicações do que no governo da DilmANTA e do PT. Afinal de contas, posso cancelar meu contrato com qualquer delas quando não estiver satisfeito. Não posso cancelar com igual facilidade minha condição de cidadão deste pobre país desgovernado pelo PT. Moral e intelectualmente já me considero APÁTRIDA.

A comunidade acadêmica, os sindicatos, as entidades internacionais e a maior parte das ONGs de encomenda, conheço muito bem e há tempos decidi passar longe delas.

O marco civil é apoiado pelo mesmo grupo que pede a “democratização” da mídia — e que entende a democratização como “controle social”.

Quando quem não criou nem produziu algo se propõe a controla-lo (ou a submete-lo a “controle social”, que é a mesma coisa), pode estar certo que tem esquerda por trás. A essência da esquerda hoje é tentar controlar a distribuição do dinheiro criado ou gerado por outros e confiscado pelo governo na forma de impostos e taxas.

Esse mesmo grupo tentou, há algum tempo, impedir a venda de armas, “uberhaupt”, aqui no Brasil — e perdeu feio. Não se conforma até hoje.

Segunda Razão:

Desconfio de gente que distribui adjetivos desnecessários, especialmente se esses adjetivos são “civil”, “social”, “público”, “progressista”, etc. Gente que chama as coisas de “civil”– sociedade civil, marco civil… Ou de social (justiça social, política social, e.g.). Ou de política (vontade política, e.g.). Ou de pública (política pública, e.g.). “Política pública” junta dois desses termos. Xô… Essa gente é tudo da mesma raça… Farejo o cheiro dela de longe.

Terceira Razão:

Diz o ditado americano: “If it ain’t broke, don’t fix it”. Se não está quebrado, não conserte. E evidentemente, a Internet não está quebrada para precisar de conserto, nem perdida pra precisar de marco.

LEAVE THE INTERNET ALONE, cambada.

Em São Paulo, 19 de Março de 2014.

A vergonha, a criança e o adulto (e os que a este e àquela se assemelham)

Segundo Neil Postman (The Disapperance of Childhood) uma das características que demarcam a idade adulta da infância é a vergonha (shame). O infante (criança até sete anos, por aí, não tem vergonha de trocar de roupa ou mesmo andar nu na frente dos outros, não tem vergonha de falar errado ou de dizer besteira, não tem vergonha de revelar os sentimentos, por mais embaraçosos que possam ser. . .  O adulto, por sua vez, tem.

Quando o adulto não sente vergonha daquilo que deveria envergonha-lo, demonstra imaturidade infantil – sem compartilhar a inocência da criança, porque já a perdeu.

O Genoíno me parece uma criança bobona. O Zé Dirceu, um simples malandro desavergonhado. Imaturo, mas não bobo.

Em São Paulo, em 17 de Março de 2014

Os nus que não têm de que se orgulhar. . .

Lembro-me de ter lido, acho que em um dos livros do Rubem Alves sobre religião (e ele tem vários – não escreve apenas sobre educação e para crianças) que a igreja, normalmente, perdoa com muito mais facilidade quem incorre em uma falha moral (cometendo um pecado sexual qualquer, por exemplo) do que quem incorre em uma falha intelectual (defendendo uma heresia qualquer, por exemplo).

Em geral isso se dá porque quem comete um pecado sexual via de regra reconhece que o que fez é errado e não se nega a pedir perdão a Deus (e, no caso da Igreja Católica, ao padre, em confissão). Ao reconhecer o erro e pedir perdão, o pecador reafirma sua aceitação da moral religiosa (e, no caso da Igreja Católica, reconhece a autoridade da igreja que procura impor essa moralidade).

O herege, por outro lado, em geral está convicto de que ele está certo – e de que a ortodoxia está errada. Por conseguinte, não reconhece a verdade que a ortodoxia proclama (nem a autoridade da igreja ao tentar impo-la). Ao fazer isso, contrapõe à humildade do pecador confesso, que não raro se declara o pior dos pecadores, o orgulho daquele que se considera superior, que considera sua visão das coisas melhor do que a visão oficial.

Talvez seja por isso que a Igreja Católica, que já queimou tanto herege irrecalcitrante (e, por vezes, herege em relação a filigranas), tenha tanta dificuldade para entregar à justiça dita comum o padre pedófilo que confessa sua “fraqueza”. Afinal de contas, a carne é reconhecidamente fraca – o pior pecado é o pecado do espírito. . .

Curiosamente, um dos maiores apologetas do Cristianismo Protestante no século XX, C. S. Lewis, chegou a uma conclusão semelhante em seu livro Mere Christianity (Cristianismo Puro e Simples, ou A Razão do Cristianismo, em tradução anterior, em Português). Ao discutir a “Moral Sexual”, no capítulo  5 do livro, que faz parte da seção “A Conduta Cristã”, diz o seguinte:

“Para encerrar, apesar de eu ter falado bastante a respeito de sexo, quero deixar tão claro quanto possível que o centro da moralidade cristã não está aí. Se alguém pensa que os cristãos consideram a falta de castidade o vício supremo, essa pessoa está redondamente enganada.  Os pecados da carne são maus, mas, dos pecados, são os menos graves. Todos os pecados mais terríveis são de natureza puramente espiritual: o prazer de provar que o próximo está errado, de tiranizar, de tratar os outros com desdém e superioridade, de estragar o prazer, de difamar. São os prazeres do poder e do ódio. Isso porque existem duas coisas dentro de mim que competem com o ser humano em que devo tentar me tornar. São elas o ser animal e o ser diabólico. O diabólico é o pior dos dois. É por isso que um moralista frio e pretensamente virtuoso que vai regularmente à igreja pode estar bem mais perto do inferno que uma prostituta. É claro, porém, que é melhor não ser nenhum dos dois” [pp. 135-136 da nova edição].

Em parêntese, porque também sou tradutor, aproveito para colocar o texto da edição anterior:

“Finalmente, embora tivesse que falar um pouco extensamente sobre o sexo, desejo deixar o mais claro possível que o centro da moral cristã não está aqui. Se alguém pensar que os cristãos consideram a falta de castidade o vício supremo, está inteiramente errado. Os pecados da carne são maus, mas são os menos maus de todos os pecados. Todos os piores pecados são puramente espirituais: o prazer de provar que o outro está errado; o prazer de desempenhar o papel de mandão, de protetor arrogante, de desmancha-prazeres ou de linguarudo; os prazeres do poder e do ódio. Porque há duas cousas que devo procurar transformar-me. São o eu animal e o eu diabólico. O eu diabólico é o pior dos dois. Essa é a razão por que um homem pretensioso, frio e farisaico, que vai regularmente à igreja, pode estar muito mais perto do inferno do que uma prostituta. Mas, naturalmente, é melhor não ser nenhuma dessas cousas”.

Por que volto a essa questão, que já mencionei e discuti em mais de um lugar neste blog?

Porque estava pensando. . .

O político que faz algum malfeito, ainda que pequeno (usa o carro oficial ou o avião da FAB para fins particulares, recebe diárias indevidas, aceita um “presentinho de uma empresa cujo destino pode influenciar, etc.), mas esconde o fato, porque, no fundo, reconhece que isso é errado e sente vergonha, está num patamar moral mais elevado do que o político que reconhece que fez tudo isso, mas finca o pé, nega que isso seja errado, ou, se fica difícil argumentar que a conduta é impoluta, diz “fiz, mas quem não faz?”, negando-se a reconhecer que é pior do que os outros – e achando-se até melhor do que o “político pecador arrependido”, que tenta a todo custo esconder seus pecadilhos (e outros maiores)?

É possível fazer comparações entre graus de falha moral ou de pecaminosidade? A Bïblia parece sugerir que sim (vide a parábola do Fariseu e do Publicano). C. S. Lewis diz com todas as letras que sim: “Os pecados da carne são maus, mas são os menos maus de todos os pecados”.

Tendo a concordar. . .

O corrupto descarado, do tipo Genoíno, que não nega o que fez (assinar o contrato), mas nega que o que fez é errado, e por isso, levanta o punho orgulhosamente em desafio aos seres humanos menores que o condenam, é, na minha forma de entender, mais condenável moralmente (“pior pecador”) do que aquele que diz: “Errei, foi num momento de fraqueza, estou arrependido, peço perdão”.

Minhas simpatias estão totalmente com Whittaker Chambers, não com Alger Hiss. Acho que a Justiça americana acertou em não indiciar o primeiro e colocar o segundo na cadeia. Acho que a Justiça brasileira não devia ter indiciado, julgado e condenado Roberto Jefferson. Ele, além de nos ter feito um favor, reconheceu que errou – e tentou se penitenciar mostrando que os reis do PT estavam nus (e, em sua nudez, nada tinham de que se orgulhar).

Em São Paulo, 17 de Março de 2014.

No Brasil não há Liberalismo: Há Autoritarismo de Esquerda e de Direita

Vale a pena ler o artigo de Luiz Felipe Pondé na Folha de S. Paulo de hoje (17/3/2014) sobre a ausência de uma verdadeira cultura de liberdade no Brasil. Transcrevo-o abaixo, na íntegra.

O argumento, a meu ver irrespondível, de Pondé é de que, no Brasil, falta uma cultura de liberdade, vale dizer, uma cultura liberal. O autoritarismo antiliberal viceja à esquerda e à direita.

O discurso e a prática contrários à tradição liberal se sustenta, hoje, principalmente na defesa do Politicamente Correto, dos “fobismos”. Da mesma forma que os homossexuais acusam de homofóbico (e querem colocar na cadeia) quem diz, como Silas Malafaia, que o homossexualismo é pecado, é erro moral no qual as pessoas indulgem consciente e voluntariamente, e, por isso, é reversível ou “curável”, como qualquer outro erro moral, os cristãos fundamentalistas, à la Malafaia, acusam de cristianofóbico o vídeo do Porta dos Fundos que lida irreventemente, com Jesus e com o Cristianismo. Agindo como os gays e seus simpatizantes em relação aos Malafaias da vida, querem colocar detrás das grades o Fábio Porchat, do Porta dos Fundos. Dizem-se ofendidos com o papo inventado de Jesus, na cruz, ou com a bronca de José com a gravidez virginal de Maria.

O Brasil não precisa trocar de autoritarismo, simplesmente substituir o autoritarismo de esquerda por um de direita. Ambos dão ânsia de vômito. Precisamos de uma cultura de liberdade, de uma cultura que dê a cada um uma casca mais grossa que o impeça de se ofender com qualquer piada ou brincadeira — ou com qualquer crítica, feita de forma séria ou jocosa.

Eis o texto do Pondé — a quem deveríamos estar todos agradecidos.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/156742-the-clash.shtml

LUIZ FELIPE PONDÉ

The Clash

O Brasil não tem uma cultura de liberdade. É um país autoritário à direita e à esquerda.

Volto ao tema do humor porque a questão continua a preocupar e acho que o que aconteceu com o grupo Porta do Fundos não pode acontecer. O humor não pode ser considerado “falta de respeito”. Humor não é caso de polícia.

Quando o vocabulário público toma esse viés, estamos às portas da censura. Mas quem normalmente gritou contra a censura na ditadura são os mesmos que agora são os verdadeiros responsáveis por esta infelicidade.

Vemos “ex-guerrilheiros da liberdade” agora pregando a censura em nome do culto das “vítimas sociais”. Claro que quase toda a moçada que diz que era guerrilheira da liberdade no tempo da ditadura era de fato tão autoritária quanto os militares. Mas ninguém pode dizer isso, porque é “feio”. Este é um “adendo” a ser feito à comissão da verdade.

Mas o problema não foi criado pelos cristãos ou pela polícia ofendida. Foi criado por toda uma “trupe” que abraçou a causa do politicamente correto no Brasil. Agora, aguentemos.

Como determinar se mostrar Jesus batendo papo na cruz com o soldado romano que vai pregar suas mãos não é “falta de respeito” se aceitamos de partida a ideia de que “falta de respeito” ou “incitação ao preconceito” podem ser associados ao humor? Como dizer que um cristão está errado em afirmar que uma piada desta “incita a população descrente a ridicularizar cristãos”?

Portanto, devemos responsabilizar aqueles que começaram com essa cultura de censura travestida de “discurso do respeito”.

Liberdade de expressão implica riscos. E não se responde a liberdade que nos incomoda pedindo R$ 1 milhão por insulto. Mas o Brasil está virando uma ditadura light e só não vê quem não quer. Os ignorantes ainda não perceberam que a destruição da liberdade é muito mais eficaz quando é levada a cabo pela “cultura” e não pelas armas. Foi isso que os “totalitários do bem” perceberam e estão pondo em prática.

Mas o próprio sistema legislativo e jurídico brasileiro (seja por contar com oportunistas de plantão, seja por contar com idealistas totalitários –não conheço um idealista que não acabe sendo totalitário…) criou as condições de possibilidade pra eliminarmos a liberdade de expressão no Brasil.

O politicamente correto é uma cultura descarada do medo e não uma preocupação com a justiça. O Brasil não tem cultura de liberdade. É autoritário à esquerda e à direita.

Muita gente que agora está indignada com a tentativa de alguns cristãos de processar o grupo em questão é, em parte, o tipo de gente que inventou a cultura da demonização do humor. Que provém do veneno que criaram.

Podemos esperar mais dos cristãos de fato “praticantes”, pois eles são organizados, têm grana e filhos aos montes. Não vai parar aí. São uma cultura combativa que derrubou o império romano.

Em 1992, o cientista político Samuel P. Huntington fez uma conferencia no American Enterprise Institute, depois ampliada e publicada na revista “Foreign Affairs” em 1993, com o título “The Clash of Civilizations” (O Conflito das Civilizações). Algumas semanas atrás, o colega J.P. Coutinho citou este texto em sua coluna aqui na “Ilustrada”.

Pois bem, a playboizada politicamente correta adora xingar Huntington dizendo que seu texto é “preconceituoso”. Mas qualquer um que leia seu texto, guardando a distância devida (1992-1993), perceberá que sim, de lá pra cá, os conflitos são cada vez mais culturais. E o “clash” não é só entre grandes sistemas civilizacionais (como é o foco de Huntington), mas entre culturas locais.

O conflito atual entre russos e ocidentais, na realidade muito antigo, marca a diferença entre práticas centradas na ideia de etnia misturada com interesses pragmáticos contra práticas centradas na ideia de interesses pragmáticos sem opções étnicas.

O autor fala de países rasgados entre culturas conflitantes. O Brasil hoje é um país rasgado entre uma cultura liberal, centrada no indivíduo e na valorização da autonomia e autorresponsabilidade, e uma autoritária, centrada no “coletivo” e no culto do ressentimento e da dependência.

ponde.folha@uol.com.br

Texto escrito e texto transcrito em 17 de Março de 2014

O Virtual

Em seu livro The Disappearance of Childhood Neil Postman observa que a invenção da prensa impressora, com a consequente popularização do livro impresso, afetou a sociedade mais profundamente, e em mais aspectos, do que normalmente imaginamos.

Uma das mudanças que ele assinala é aquela produzida pela invenção de gêneros literários individualistas, intimistas mesmo, como o relato de experiências pessoais (viagens e outros tipos de vivência), ou o relato de histórias totalmente fictivas, inventadas apenas para entreter o leitor…

O ato de escrever esse tipo de relato, de um lado, e o ato de le-lo, de outro, são, como sublinha Postman, extremamente anti-sociais. O autor em geral escreve sozinho. Para faze-lo, requer de seu ambiente social, em geral, apenas solidão e sossego. O leitor, por seu lado, também em geral lê sozinho. Dispensa, ao ler, a companhia de outras pessoas, ou, se obrigado a ler em companhia, prefere que a companhia fique, tanto quanto possível, calada… Cria-se, assim, uma espécie de conspiração entre autor e leitor, que faz com que ambos mergulhem em sua interioridade gerando ali um espaço psicológico em que a vida mental do indivíduo é tudo que interessa. Há gente que, quando imersa nesse exercício, se esquece de comer ou mesmo de dormir: literalmente não vê o tempo passar na realidade, propriamente dita.

Mesmo quando não baseada em fatos totalmente inventados (pouca ficção o é), a literatura gera uma realidade virtual, um mundo habitado pelo autor e seus leitores, que acaba se tornando tão importante quanto, quando não mais importante que, a realidade propriamente dita em que eles são obrigados a viver. Se esta realidade “real” tem aspectos desagradáveis, a literatura permite que autor e leitores mergulhem na realidade virtual, fugindo daquela… Quando bem sucedida a iniciativa, a realidade virtual criada pela literatura invade a realidade “real” e acaba por, até certo ponto, se confundir com ela. Cartas são recebidas até hoje em 21-B Baker Streeet, a residência de Sherlock Holmes em Londres. Harry Potter e Narnia são tão reais para muito adolescente quanto Justin Bieber e a Disneylândia o são para outros — e a Disneylândia, embora criada num certo lugar físico (Pasadena, CA, EUA), é habitada por réplicas de gente virtual como Mickey, Minie, Donald, seu Tio Patinhas, seus sobrinhos, etc.

Por que nos preocupar com os aspectos mais recalcitrantes da realidade propriamente dita se a gente pode mergulhar num mundo virtual mais hospitaleiro ou mesmo criar a própria realidade virtual com apenas imaginação e talento — a partir de um espaço isolado?

Hoje a tecnologia amplifica assustadoramente a realidade virtual.

Como usar esses mundos virtuais para que as novas gerações aprendam o que precisam saber para viver vidas bem sucedidas no século 21 — no plano virtual e não virtual? Como podem os espaços virtuais individualizados se tornar ambientes eficazes para a aprendizagem colaborativa? Como podem os espaços das redes virtuais se tornar educativos, mesmo quando os espaços da realidade “dura” em que vivemos em regra não o são?

Em São Paulo, 15 de Março de 2014.

A Fé, a Esperança e o Amor

O autor da Carta aos Hebreus [Paulo, ou qualquer outro, não faz diferença] afirma, em celebrada passagem, que “a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem ” (Hebreus 11:1).

Concordo, em parte – e, mesmo assim, mais ou menos.

Concordo que a fé tenha que ver com estados de coisas que se esperam – mais do que isso, que se desejam [ardentemente] – mas cuja realidade (ou facticidade) nossos meios de percepção não são capazes de confirmar. [Paul Tillich, em Dynamics of Faith, prefere falar em estados de coisas que consideramos tão importantes que os identificamos como nosso “interesse maior” (ultimate concern).]

A fé, portanto, tem que ver, acima de tudo, com a esperança [– com a esperança revestida de desejo que contém nosso interesse maior. O objeto da fé não é qualquer coisa…]

Mas a fé, no meu modo de ver, e aqui discordo do autor do trecho bíblico, não tem que ver com certeza e convicção. O lugar da fé na vida das pessoas (seu Sitz im Leben) não é o terreno em que se cultiva a certeza (como na matemática) ou mesmo a convicção baseada na evidência (como na ciência empírica): é o terreno difícil e pantanoso da dúvida. Longe de ser incompatível com a dúvida, a fé só nasce em terreno que a dúvida preparou e cultivou.

A fé é a esperança de que determinado estado de coisa venha a acontecer, ainda que não tenhamos certeza de que de ele vá, ou até mesmo possa, acontecer, ainda que não tenhamos convicção alicerçada em evidência — ou mesmo quando a evidência, em vez de confirmar nossa esperança, pareça apontar na direção contrária.

A esperança que alicerça a fé tem de ser suficientemente forte para sustenta-la. Ela tem de ser uma esperança fundamentada no desejo – desejo que, por sua vez, é alimentado pelo amor. [O amor é a dimensão que se relaciona com o “interesse último” (ultimate concern) de Tillich.] O amor, o desejo, a esperança precisam ser suficientemente fortes para nos levar à ação. Uma ação que, sem ignorar a dúvida, prossegue como se a dúvida não estivesse lá – da mesma forma que o combatente, ainda que ferido, continua a lutar, como se não estivesse. A ação decorre da fé. . .

Mal comparando, talvez, usemos uma analogia.

Você ama alguém. Realmente ama. E, naturalmente, espera e deseja que esse alguém corresponda ao seu amor. Mas não tem certeza, não tem evidência “clara, distinta e inequívoca” de que o seu amor seja correspondido. Mas se o amor é suficientemente forte para sustentar uma esperança também forte, você age – age como se o amor que você espera e deseja estivesse de fato no outro coração. Se não agir, você provavelmente nunca irá descobrir. É só agindo, “como se“, que você vai poder descobrir. Você poderá descobrir, quando tudo vier a ser revelado, e você vier a conhecer a outra pessoa como se conhece a si próprio, que sua fé e sua esperança não foram em vão, e que o seu amor era, na realidade, correspondido. [Essa é a coragem da fé, de que fala Tillich.]

Ou, então, pode descobrir que não era. Esse é o risco da fé. A fé não só nasce da dúvida: ela sempre envolve risco.

É o amor [traduzido como interesse último] que nos dá coragem e que faz com que o risco da fé compense.

Em São Paulo, 15 de Março de 2014 [com pequenos acréscimos, colocados em colchetes, feitos em 17/3/2014].

POST SCRIPTUM de 17/3/2014:

Descontando um elemento de tietagem natural, meu sobrinho, Vitor Chaves, doutorando em Ciências da Religião na UMESP (Rudge Ramos), comentou na minha página no Facebook:

“Lindo texto, Tio! Fez-me pensar em Paul Tillich: o dúvida não é o oposto da fé, ela é parte integrante da fé que reconhece no mistério a dimensão existencial da vida. O oposto da fé é a idolatria, pois absolutisa as coisas finitas e passageiras.”

Perguntei a ele em que livro Tillich diz isso e ele me indicou Dynamics of Faith, que eu não só possuo como já li (em priscas eras). Fui consultar o livro, que estava na prateleira na frente do meu nariz…

Na Seção 5 (Faith and Doubt) do Capítulo I (What Faith is), Tillich de fato diz uma série de coisas muito interessantes que corroboram e estendem o que escrevi. Vou voltar a discutir essa questão.

Olhando agora para trás, e não para frente, encontrei dois posts deste blog em que já discuti a questão da fé:

Epistemologia da Fé – 1: http://liberalspace.net/2010/05/29/epistemologia-da-fe-1/

Epistemologia da Fé – 2: http://liberalspace.net/2010/05/31/epistemologia-da-fe-2/

O leitor interessado poderá achar a discussão interessante.

No segundo desses textos eu me engajo em discussão de novo com o Vitor Chaves e com minha mulher, Paloma Epprecht e Machado de Campos Chaves.

E constato que já havia trazido à baila (sem que me lembrasse quando escrevi este post) a questão da “fé, esperança e amor”.

Post Scriptum acrescentado em 17 de Março de 2014.

Infantes e Crianças

Há três dias escrevi aqui um post com o título: “Crianças ou Adultos: Quem Está Desaparecendo?” (http://liberalspace.net/2014/03/10/criancas-ou-adultos-quem-esta-desaparecendo/). Minha atenção foi chamada para esse tópico por dois livros (que, segundo tudo indica, vou mencionar bastante nos próximos tempos):

Neil Postman, The Disapperance of Childhood

Diana West, The Death of the Grown-up

Conforme assinalei no post anterior, até o final da Idade Média (segundo Postman, até a invenção da prensa impressora por volta de 1450), não existia o que ele chama de criança (child) – que, para ele, é um conceito sociológico. Existia o infante (infant).

O infant (o ser humano até os sete anos), nesse período (até o início da Idade Moderna), não tinha direitos. Só passavam a ter (alguns poucos) direitos depois de se tornaem adultos (algo que se dava por volta dos sete anos). Certamente não tinham direito à educação, como hoje o entendemos. Cresciam analfabetas (como, de resto, também eram os adultos, em sua absoluta maioria). Aprendiam alguma coisa (em geral prática) vivendo no seio da família e da comunidade. Não tinham direito à saúde. Na realidade, não tinham nem mesmo direito à vida, posto que a prática de infanticídio era generalizada (e, em muitos lugares, vista como um direito dos pais: teve um filho de que não gostou, ou porque já tem demais, ou porque é defeituoso, ou porque é do sexo errado, mata – algo que acontece até hoje em alguns países presumivelmente civilizados em outros aspectos).

A propósito da “idade mágica” de sete anos, quando, em nossas sociedades modernas de algumas décadas atrás, os infantes começavam a frequentar a escola, tornando-se, não adultos, como na Idade Media, mas crianças (algo que continuariam sendo até os dezessete anos, por aí, ou seja, enquanto eram “de menor”), Postman assinala que a Igreja Católica Medieval considerava que, aos sete anos, o infante virava adulto, porque se tornava, mais ou menos nessa idade, plenamente capaz de discernir entre verdade e falsidade, entre bem e mal, entre certo e errado. Por isso, podia fazer sua “confirmação” (a confirmação era do batismo, em geral ocorrido quando o infante era bem novinho, para que ele não corresse o risco de “morrer pagão”), trabalhar, e até mesmo se casar – ou, pelo menos, ser “comprometido” em casamento, esperando para “consuma-lo” até que se tornasse púbere, porque, afinal de contas, o casamento era vista como tendo a finalidade precípua de propagar a espécie de forma não pecaminosa.

Hoje, a criança de sete a dezessete anos (e mesmo as mais novas) têm todo tipo de direito, que não vou discutir aqui, exceto em um caso. Até o direito de matar impunemente a ex-namorada aos dezessete anos, onze meses e vinte e oito dias, como plenamente noticiado nos jornais impressos e televisionados do dia de ontem, 12/3/2014).

Fiquem tranquilos que não vou discutir a questão da menoridade penal (que eu acredito que não deveria existir). Vou discutir outra coisa, a saber:

Se a criança, especialmente nessa faixa de sete a dezessete anos, é sujeita e portadora de direitos, inclusive alguns bem sofisticados, tem ela o direito de se recusar a frequentar a (isto é, uma, qualquer) escola? Eu acho que deveria ter. Concordo plenamente com a Igreja Católica que a criança de sete anos, pelo menos a de hoje, já tem condições de discernir entre verdadeiro e falso, bom e mau, bem e mal, certo e errado. A Igreja Católica, pelo que me consta, faz confirmação de crianças dessa idade. Igrejas Protestantes fazem profissão de fé ou promovem o batismo “nas águas” (batismo por imersão, reservado a adultos) de crianças dessa idade (um um pouquinho mais). Nosso governo bolivariano está vacinando meninas de onze anos contra uma moléstia sexualmente transmissível e dizendo a elas que, além da vacina, não devem se esquecer de que devem usar camisinha na hora de transar.

Ora, se aos doze anos (vamos ficar aqui, para ninguém se invocar com os sete) a criança já pode escolher se vai namorar ou não, se vai transar ou não,  e optar por ir para o céu (e não para o inferno), submetendo-se a confirmação, profissão de fé, batismo “nas águas”, por que não pode decidir se vai para uma escola para obter sua educação, ou se vai se educar por aí, umas com as outras, “em comunhão” (como dizia Paulo Freire), com a mediação (ou mediatização, na linguagem dele) do mundo – ou se vai se educar em casa, num regime de home education?

Todos os defensores dos direitos das crianças lhes negam esse direito básico de decidir como vai se educar. Se a criança em idade escolar (que vai, a partir de 2016, ser de quatro a dezessete anos) for flagrada não matriculada numa escola, os pais estão ferrados – ainda que sejam professores renomados tentando educar seus filhos em casa.

Acho isso um absurdo. (Como acho um absurdo não mandar para a cadeira elétrica o sujeitinho que matou a ex-namorada – e filmou o assassinato – dois dias antes de completar dezoito anos.

Está tudo errado.

Em São Paulo, 13 de Março de 2014.

A Função do Escritor

Cerca de  dois anos e meio atrás (no dia 13/7/2011) escrevi um post aqui com o título de “50 Anos de Carreira” (http://liberalspace.net/2011/07/13/50-anos-de-carreira/). Indiquei que estava comemorando, naquele ano de 2011, 50 anos de minha carreira como Escritor, pois foi naquele ano, em que fazia o primeiro ano do meu Curso Secundário Clássico, que comecei a escrever – primeiro ensaios para as disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Portuguesa, e Literatura Brasileira. Depois, outras coisas.

Hoje (13/3/2014), enquanto lia um livro fantástico (Neil Postman, The Disappearance of Childhood), topei com uma passagem interessante. Passo a contextualiza-la, antes de cita-la.

Indica Postman, na p.21 da edição de 1994 em paperback, que antes da invenção da prensa impressora, no século 15, “o conceito de escritor, no sentido em que usamos o termo hoje, não existia”. À primeira vista essa afirmação soa estranha, porque faz certo sentido imaginar que o conceito de escritor exista desde que foi inventada a escrita – não desde que foi inventada a prensa impressora (possivelmente por Guttenberg). A tese de Postman é de que o texto (no sentido convencional, de “texto escrito” – expressão que vai sempre me soar pleonástica) certamente surgiu com a escrita, mas um texto qualquer não tinha um só dono, alguém que um dia se sentou e o escreveu (como eu estou fazendo com este texto), mas vários donos ou proprietários – e de diferentes tipos. Para ilustrar ele cita uma curiosa passagem de São Boaventura, escrita no século13. Ele descreve quatro tipos de donos ou proprietários de um texto :

“Um homem pode escrever as palavras de outros, nada acrescentando ou alterando, em cujo caso nós o chamamos de ‘escriba’.  . . .  Outro homem pode escrever também as palavras de outros, mas acrescentando-lhes palavras que não são criadas por ele, em cujo caso nós o chamamos de ‘compilador’.   . . . Ainda um terceiro homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas deixando que as palavras dos outros ocupem o lugar principal, em cujo caso nós o  denominamos ‘comentarista’.   .  . .   E, por fim, um quarto homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas atribuindo o lugar principal às suas, deixando que as palavras dos outros sirvam apenas de reforço ou confirmação. Neste último caso, reconhecemos esse quarto homem como ‘autor’  . . .” (Postman cita apud Elizabeth Eisenstein, The Printing Press as an Agent of Change, 1979).

Aquele que São Boaventura chama de autor é o que hoje chamamos de escritor (writer). Ele escreve palavras suas, que ele mesmo criou e compôs, ainda que se sirva, para fins de reforço ou comprovação, de palavras de outros, que ocupam um papel claramente secundário.

(Parêntese: alunos de Pós-Graduação em processo de escrever dissertação ou tese deveriam atentar para esse fato sublinhado por São Boaventura, oito séculos atrás por aí: o autor de uma dissertação ou tese não é um mero comentarista sobre as palavras de outros, nem, muito menos, um mero compilador de pontos de vista alheios. A maioria absoluta dos trabalhos acadêmicos que leio, mesmo em se tratando de teses de doutorado, parecem mais comentários ou mesmo compilações do que verdadeiros trabalhos de autoria. Fim do parêntese.)

Quando os textos eram manuscritos, eles em geral eram compostos, originalmente, por alguém que falava (ou mesmo ditava) e por alguém que transcrevia o que o outro dizia (o chamado escriba ou amanuense – o amanuense é, literalmente, o que empresta a mão para o outro escrever. . .). Se o texto composto era reproduzido (duplicado ou multiplicado), havia necessidade de um copista. Tanto o escriba como o copista, é forçoso reconhecer, frequentemente metiam o nariz onde não deviam e acrescentavam suas próprias palavras ao texto, ou deixavam palavras de fora, ou alteravam o que estavam transcrevendo ou copiando. Quem já trabalhou com crítica literária do Velho ou do Novo Testamento conhece bem o padrão de interpolações, omissões e alterações.

Foi apenas com a invenção da prensa impressora que foram criados mecanismos de composição, impressão e reprodução de textos que submetiam os textos a certo tipo de controle. Foi só aí que foi criada a figura do escritor como o autor, dono ou proprietário do texto impresso, titular, até mesmo, de “direitos autorais” e “direitos de cópia” (copyright).

Em 2011, quando minha “Fan Page” Eduardo Chaves foi criada no Facebook  (por minha mulher, é bom que fique permanentemente registrado), eu, já aposentado da UNICAMP, coloquei minha função ou profissão principal como sendo escritor. Devo mais essa a Gutenberg.

A propósito, minha “Fan Page” se encontra no endereço:

http://www.facebook.com/educhv/

Agradeço a visita e, se for do seu agrado, a “curtição” (like). Este texto está indo para lá, via meu blog Liberal Space, que se encontra no endereço:

http://liberalspace.net/

Em São Paulo, 13 de Março de 2014