Mobilidade, Redes Sociais e Escola

Ontem à noite (22/11/2012) tive o privilégio e o prazer de participar de um debate sobre “Mobilidade, Redes Sociais e Educação”, nas dependências da Editora Moderna, com transmissão pela Internet (som e vídeo) pela Moderna TV. Ele fez parte das atividades finais do WebCurrículo 2012 da PUC-SP, que são coordenados por Renata Aquino (que agora também faz parte do quadro de colaboradores da Moderna).

Moderado por Neli Mengalli, da Secretaria de Estado da Educação, o debate envolveu (no presencial) apenas minha amiga Alice Carraturi, hoje do Grupo ABC, e a mim. Mas muitos participaram do debate de forma virtual: MSN, Skype, chat, e-mail, etc.  

Vou tentar sistematizar, aqui e agora, o que disse, ontem, de forma não tão sistemática.

Embora não tenha tido nenhuma influência na escolha do tema, gostei bastante dele, porque me permitiu encaixar algumas pecinhas do quebra-cabeça “tecnologia e escola” que tem me desafiado por mais de 30 anos (desde 1980, quando asumi a direção da Faculdade de Educação da UNICAMP e comecei a me envolver nos projetos de uso dos computadores na aprendizagem, coordenados pelos Profs. Fernando Curado, do Instituto de Computação, e Raymond Paul Shepard, meu colega da Faculdade de Educação).

Há tempo que brinco com uma ideia: a de que as pessoas (e até as instituições) em geral são razoavelmente boas para detectar quais são seus inimigos. Uma pessoa casada que entre numa festa com seu cônjuge em geral é capaz de identificar, em pouco tempo, de maneira quase intuitiva, quem ali pode representar uma ameaça ao seu relacionamento. Um liberal identifica socialistas por pouquíssimos sinais – e, talvez, vice-versa. Trazendo essa reflexão para o assunto tema do debate, professores e escolas identificam com surpreendente eficiência quais são seus principais inimigos, especialmente quando a questão é tecnologia. E mobilidade e redes sociais claramenten estão entre esses inimigos.

É desnecessário insistir que, ao falar em mobilidade e redes sociais, estamos tratando de realidades que, hoje, existem por causa das tecnologias digitais, centradas no computador, que começaram a surgir a partir da invenção do ENIAC, apresentado ao mundo em Fevereiro de 1946.

Então vejamos.

I.  A MOBILIDADE

O que é mobilidade?

No sentido em que o termo nos interessa aqui, mobilidade não é, pura e simplesmente, a capacidade de se mover de um lugar para outro, ou de se locomover. Isso, até certo ponto, nossas pernas, em bom estado de funcionamento, já tornam possível — e as tecnologias de transporte, envolvendo a bicicleta, a moto, o carro, o ônibus, o metrô, o trem, o navio, o avião, estendem e ampliam essa capacidade. Outros animais, como o cavalo, também fazem isso.

Mobilidade, no sentido em que o termo nos interessa aqui, é a capacidade de fazer algo a partir de qualquer lugar (anywhere), em qualquer momento (anytime). Ou seja, a capacidade de fazer algo independente de onde estamos e da hora (ou do dia). No caso da educação, mobilidade é “lifelong, anytime, anywhere learning“: a possibilidade de aprender sempre, a qualquer hora, em qualquer lugar, ao longo da vida toda. Ou a educação ubíqua, da hora em que a gente nasce até o momento da nossa morte, amém.

Essa mobilidade hoje é viabilizada pelas tecnologias digitais móveis, em especial os smart phones, os tablets e os notebooks — equipamentos que são todos parentes muito próximos uns dos outros e do computador digital.

Num passado remoto (digamos por volta de 1950, quando entrei na escola, a televisão chegou ao Brasil e nossa seleção perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai em pleno Maracanã), nossa mobilidade (no sentido definido) era mínima.

Para fazer um telefonema de Santo André (onde eu morava) para Campinas (onde minha avó materna morava) minha mãe tinha de se dirigir à Central da Companhia Telefônica Brasileira – CBT (e só havia uma central em Santo André), pedir à telefonista que fizesse uma ligação para a casa da minha avó (que, mais bem de vida, porque meu tio trabalhava na CBT, tinha telefone em casa), e esperar – às vezes mais de duas horas. Não havia micro ondas, os circuitos eram poucos, quase nada era automático, e a qualidade da comunicação, uma vez estabelecida, péssima, cheia de ruídos esquisitos. Naquela época era inconcebível – inimaginável mesmo – que pudéssemos fazer um telefonema para qualquer lugar do mundo enquanto andávamos pela rua (ou, pior, enquanto dirigíamos um carro – mas eu nem sabia dirigir então: pouca gente tinha carro naqueles anos que antecederam o governo JK).

Com a expansão da rede de telefonia (meu tio, Anello Sanvido, teve participação nesse processo, instalando estações de micro ondas na serra do Japi, na região de Cabreúva), e a consequente popularização dos telefones fixos, conseguimos uma linha em casa e, então, podíamos chamar minha avó a partir de casa, sem precisar ir ao centro de Santo André. Mas, inicialmente, ainda precisávamos usar os serviços da telefonista. Depois surgiu a “discagem direta” e, ainda depois, a “discagem direta à distância”, o famoso DDD que, como sigla, ainda está conosco até hoje. O DDI, “discagem indireta internacional”, só veio muito depois.

Mas o telefone fixo, apesar de ter facilitado muito a nossa vida, não nos deu mobilidade no sentido em que o termo está sendo usado aqui. Esta só chegou com o telefone móvel, aquilo que em Portugal se chama de telemóvel e aqui se chama de celular. Com ele, podemos não só fazer telefonemas para qualquer lugar do mundo (inclusive para telefones fixos) a partir de qualquer lugar (anywhere) e a qualquer momento (anytime), como também podemos, usando sua versão dita “esperta” ou “inteligente” (smart), e também a partir de qualquer lugar e a qualquer hora, enviar e receber mensagens instantâneas de texto, até mesmo mesmo com fotos, aceder à Internet, nos orientar no espaço (através do GPS), consultar endereços, fazer anotações (que são imediatamente sincronizadas com nosso computador principal), saber que horas são (o celular substituiu os relógios de pulso), ser notificados de eventos (o celular substituiu as agendas e os relógios despertadores),  ouvir música (ou rádio), tirar fotos (que são imediatamente enviadas para as redes sociais), baixar filmes e assistir a eles, etc.

O celular é a tecnologia digital símbolo da mobilidade.

Com tantos recursos, não é de surpreender que a maioria das escolas proíba seus alunos de usa-los dentro delas — ou mesmo de traze-los para dentro delas. Como disse atrás, os professores e as escolas são rápidos e eficientes para identificar seus inimigos… (Mas mais sobre isso adiante).

II. AS REDES SOCIAIS

Ontem no debate alguém disse (como Jesus um dia disse acerca dos pobres) que “as redes sociais sempre as tivemos conosco”. Sem dúvida. A família é uma rede social, a comunidade outra, e assim vai. O fenômeno que interessa aqui são as redes sociais possibilitadas e viabilizadas pela tecnologia digital, que nos permitem entrar em contato com pessoas de qualquer lugar do mundo e interagir, conversar, dialogar, discutir e colaborar com elas — além, naturalmente, de trocar informações, fotos, vídeos, etc.. Combinadas com as tecnologias digitais móveis, podemos fazer isso a partir de qualquer lugar e a qualquer hora…

O FaceBook disponível em um smartphone potente, como o iPhone ou seus concorrentes que usam Android ou Windows, é o símbolo desse tipo de rede social.

Novamente, não é de surpreender que a maior parte das escolas proíba seus alunos de usar o FaceBook dentro da escola a partir de seus celulares — que em regra também são proibidos. Nos computadores da escola disponíveis para os alunos o FaceBook não raro está bloqueado. Como disse antes, os professores e as escolas são fantásticos em sua capacidade de identificar seus inimigos…. (Ainda falarei mais sobre isso adiante).

III. A ESCOLA

O tema de debate era, em última instância, a educação. Parece-me não haver dúvida de que a mobilidade e as redes sociais são aliadas poderosas de alguns tipos de educação — como, por exemplo, dos vários tipos de educação não-formal, que têm lugar  fora da escola, através das interações diversas que mantemos uns com os outros. Mas não era esse tipo de educação que os organizadores do debate tinham em mente: eles estavam pensando na educação formal, isto é, na educação escolar — vale dizer, na escola. Por isso, nesta seção vou falar apenas dela.

Parece-me que, hoje, as pessoas, em geral, inclusive os professores, quando estão fora da escola, dão grande valor à mobilidade e à interação que as redes sociais viabilizam e facilitam.

Afinal de contas, no Brasil há mais telefones celulares do que gente. A mobilidade é uma das expressões da nossa liberdade. Mais do que isso: ela nos garante um espaço de liberdade totalmente nosso, próprio, privado… Por isso muita gente protege seus celulares com senhas complicadas e não gosta que os outros metam o bedelho neles. (Muitos gostam de, de vez em quando, vasculhar os celulares de seus namorados, amantes e cônjuges, para verificar se, na liberdade privada que os celulares lhes proporcionam, eles não violaram seus compromissos afetivos, um telefonema, um torpedo, um e-mail sendo o registro da indiscrição…).

No tocante às redes sociais, nada menos do que um bilhão de pessoas (ou seja, cerca de 15% dos habitantes do mundo) tem uma conta ativa em apenas numa delas, o FaceBook: isto é, mantêm ali um perfil e uma linha do tempo que são regularmente atualizados com informações, check-ins, fotos, vídeos, clips de vários tipos, relatórios de jantares e viagens, declarações de amor, etc. As redes sociais estendem e ampliam os limites do nosso mundo. Há gente que se apaixona por uma pessoa que encontrou no FaceBook, que mora do outro lado do mundo, e que, muitas vezes, tem uma língua materna totalmente diferente e uma cultura que… Deus me livre! (Peço desculpas aos multiculturalistas e outros relativistas…).

A escola, em contraste, simplesmente não gosta dos celulares (mobilidade) e do FaceBook (redes sociais). Por isso os proíbe dentro da escola, com pleno apoio dos professores. As razões para esse fato são muito simples e fáceis de compreender. Passo a resumi-las em seguida.

a) A Escola, a Mobilidade, e a Liberdade

A escola talvez seja, em nossa sociedade, a instituição menos sensível ao nosso deseja e à nossa necessidade (hoje imperiosos) de mobilidade — e menos sensível ao nosso desejo e à nossa necessidade de liberdade.

Primeiro, a escola é obrigatória numa faixa etária que cada vez se torna mais ampla. No início, a escola não era obrigatória. Depois ficou obrigatória dos sete aos dez anos. Depois, dos sete aos quatorze. Hoje, aqui no Brasil, dos seis aos quatorze. Há gente já lutando para que a obrigatoriedade se estenda dos seis aos dezessete, abrangendo todo o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. E há quem lute pela obrigatoriedade da Educação Infantil.

Além disso, o tempo de permanência diária na escola também tem aumentado. Quando eu frequentei a Escola Primária, no início da década de 50, eram três horas (das quais cerca de meia hora, no mínimo, se perdia com entrada, recreio e saída). Depois passou para quatro, para cinco… Há gente já lutando para que as crianças em idade escolar fiquem na escola nada menos do que o dia inteiro, em período integral — e que se reduza, na escola, o tempo que seria “desperdiçado”, isto é, ou passado fora da sala de aula ou, dentro da sala de aula, usado para qualquer outra coisa que não seja aula…

Mas isso não basta: há gente que acha que é preciso aumentar a quantidade dos dias letivos. Eles já foram 160, passaram para 180 e, depois, para 200, onde estão hoje… E há quem lute para que cheguem a 220, quem sabe 245 (para que a gente, segundo consta, ultrapasse o Japão…).

A escola está virando uma prisão com uma “sentença de doze anos” (título de um livro sobre a escola: The Twelve-Year Sentence) em que, diferentemente das prisões de regime aberto, as crianças só não vão dormir lá… E isso durante o período mais bonito de suas vidas, dos seis aos dezessete anos, em que elas estão no auge de sua energia, de sua curiosidade e de sua capacidade de aprender… Período em que poderiam estar fruindo a vida e, ao mesmo tempo,  aprendendo, fora da escola, uma enormidade de coisas que despertam sua curiosidade e o seu interesse e que lhes serão extremamente úteis no futuro!

E a escola acredita que os alunos, seus detentos, não têm absolutamente nada que contribuir para ela além de seus corpos e, espera ela, a atenção de suas mentes… Por isso não lhes dá nenhuma liberdade de decidir o que farão, uma vez dentro da escola, e o que aprenderão, durante seu tempo de confinamento…

A escola não admite nenhuma mobilidade e liberdade na aprendizagem de seus alunos. Se os alunos ficassem amarrados às carterias, com esparadrapo fechando suas bocas, muita escola acharia isso ótimo. (Muitos dirão que exagero aqui…). 

A escola determina que, para fazer o que ela quer que façamos e aprender o que ela deseja que aprendamos, saiamos de nossas casas, em horários às vezes madrugatícios, para ir até ela (da mesma forma que em 1950 tínhamos de sair de nossas casas para ir até a Central Telefônica para ligar para a avó), em horários rigidamente fixados (para alegria de muitos alunos, depois de dez minutos de atraso eles são proibidos de entrar). Quando o nosso tempo diário lá termina, somos colocados para fora (também para grande alívio dos alunos). Depois de passar um certo número de anos lá, também somos colocados para fora (graduamos ou somos jubilados, por exemplo).

Felizmente ninguém ainda inventou a moda de que, porque se admite, hoje, que a educação dura a vida inteira, a gente deva passar a vida inteira na escola…

E a escola não deixa os alunos, enquanto estão lá dentro, manter contato com o mundo exterior, com a vida que existe lá fora, através de seus celulares e das redes sociais.

b. A Escola, Estruturas Hierárquicas Piramidais e Redes Horizontais Flat

Se desconsiderarmos o Exército e a Igreja Católica, a escola (em especial a pública) talvez seja a estrutura organizacional mais hierárquica, numa forma piramidal, que temos no Brasil (quiçá no mundo): um ministro da Educação lá em cima; vinte e sete secretários estaduais da educação, um em cada unidade da Federação; diretores regionais (quase uma centena no Estado de São Paulo); diretores de escolas; professores. Paralelamente à cadeia de comando, propriamente dito, há órgãos ou pessoas com funções normativas ou de assessoria: um Conselho Nacional da Educação, vinte e sete Conselhos Estaduais da Educação, Conselhos Municipais da Educação (nem todos os municípios), e, dentro da escola, Coordenação Pedagógica (às vezes ramificada em várias).

Na sala de aula, o professor é a autoridade maior. Ali naquele pedaço do sistema ele manda.

Na extremidade, o aluno, que não apita nada sobre nada. Nem sobre que roupa ele usa para ir à escola nem sobre se pode ir ao banheiro da escola quando ele, digamos, está precisando (ou simplesmente querendo tomar um ar — num Congresso a gente muitas vezes sai da sala só para isso).

As redes são estruturas flat, achatadas, mais horizontais do que verticais. Embora uma rede social como o FaceBook tenha um comando, que define as características da rede e as normas para sua utilização, em princípio a participação na rede é livre: torna-se membro quem quer, e o membro escolhe ou aprova os seus contatos (chamados erroneamente de “amigos”) e interage com eles quando e como desejar. Há participantes que são muito seletivos em relação aos seus contatos, outros que são muito liberais, aceitando quase qualquer pessoa que queira participar de sua “rede pessoal de contatos”. Há participantes que postam muito e aqueles que raramente põe a cara na rede. Para cada postagem sua, você pode escolher quem vai recebe-la ou ve-la. Os relacionamentos são horizontais, não piramidais, não havendo cadeia de comando.

As redes sociais são, portanto, o oposto da escola, da mesma forma que a mobilidade também o é.

c. Enfim…

A mobilidade (através principalmente dos celulares) e as redes sociais (hoje usadas em boa parte através de celulares) estão aqui. Elas são nossa principal forma de contato com a tecnologia hoje em dia.

As escolas também estão aqui — e há bem mais tempo. Todos nós passamos por elas. Embora haja computadores (em geral desktops) na maior parte das escolas hoje, os celulares e as redes sociais ainda são em grande parte proibidos lá dentro.

É esse o quadro.

É bom que haja clareza sobre esse quadro: trata-se de uma batalha. Os professores e as escolas sabem disso. Sabem que, se a escola perder essa batalha, ela, apesar de sua ubiquidade, ficará com os dias contados. Pelo menos na forma em que hoje a conhecemos.

A maior parte dos professores e das escolas, embora saibam disso, não admitem publicamente que o sabem. Seu discurso público é de que é preciso admitir a tecnologia na escola “mas com calma e bom senso”. A virtude, dizem, está no meio: em deixar a tecnologia entrar na escola, mas no ritmo da escola e só até certo ponto, sendo direito e obrigação da escola regulamentar o seu uso para que ele não acabe por descaracterizar a escola.

Ana Teresa Ralston, ex-gerente de educação da Microsoft e diretora de tecnologia da Abril Educação, uma vez disse, numa discussão sobre tecnologia, redes sociais e a escola, que esta (a escola) tem uma estratégia terrivelmente eficiente: deixar que aquilo que inicialmente não é escola entre na escola, mas engolir o que é novo e diferente, digeri-lo, e regurgita-lo na forma de escola… Em outras palavras: a escola aparentemente não resiste, ela apenas domestica, remove as presas e as garras, amansa, torna o bicho inofensivo, incapaz de atacar…

Será que é disso que precisamos? De uma tecnologia domesticada e amansada? Ou será que precisamos de uma tecnologia que desafia e subverte, que sugere novos caminhos, que obriga a escola, esse resquício semi-fabril da Sociedade Industrial, a se reinventar?

IV. “HOW PEOPLE LEARN” (título de um livro: Como as Pessoas Aprendem)

A pressão cresce para que a sociedade como um todo se torne educativa em vez de simplesmente ampliar o raio de ação da escola: sociedade educativa e desescolarizada

Ivan Illich, em 1971, lançou o brado pela desescolarização da sociedade (Sociedade sem Escolas, talvez a maior crítica à institucionalização da educação em escolas) — em favor da ubiquidade de uma função educacional em todas a vida social…

Paulo Freire, amigo de Illich, nos alertou para o fato de que ninguém educa ninguém, mas tampouco alguém é capaz de se educar sozinho: todos nós nos educamos uns aos outros, disse ele, através da interação, da conversa, do diálogo, da discussão, com a mediatização do mundo (não da escola).

Pesquisadores altamente credenciados pesquisam e nos dizem “como as pessoas aprendem”. Em seu livro How People Learn John Bransford, hoje da Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos (que fica pertinho da Microsoft), nos mostra como crianças aprendem: não através do ensino, mas vendo os outros fazer coisas que lhes parecem interessantes, decidindo tentar fazer essas coisas, tentando, falhando, tentando de novo, recebendo apoio e ajuda, tentando de novo até conseguir, e, em alguns casos, até alcançar o nível de “alto desempenho” (high performance). “Ninguém educa ninguém”. Ninguém precisa nos ensinar a aprender (um contrassenso). Nascemos sabendo como aprender. E nascemos sabendo que precisamos dos outros para aprender. Mas não precisamos que nos ensinem: precisamos que nos ajudem, apoiem, instiguem, facilitem às vezes, problematizem outras vezes, que sejam nossos coaches, nossos mentores, quem sabe de vez em quando nossos conselheiros e orientadores… Mas a aprendizagem é nossa, bem nossa, só nossa, não podemos deixar que continuem tentando a rouba-la de nós.

Por que precisamos nos educar?

Precisamos nos educar porque (diferentemente de algumas outras espécies animais) nós, humanos, nascemos basicamente inacabados, incompletos, totalmente incapazes de fazer qualquer coisa, a não ser aprender… Se alguém não cuidar da gente, por algum tempo, não sobrevivemos. Enquanto cuidam de nós, nós cuidamos de aprender, com aqueles nos rodeiam.

Aprender não é assimilar ou absorver informações e conhecimentos que nos são repassados ou transmitidos pelas gerações mais velhas. Aprender é construir capacidades, tornar-se capaz de fazer coisas que antes não conseguíamos fazer. Aprender é, em outras palavras, desenvolver competências e habilidades – é nos desenvolver a nós mesmos, com a ajuda dos semelhantes.

E para que nos educamos?

Educamo-nos para que não nos tornemos parasitas permanentes, dependendo o tempo todo dos outros, sejam eles os pais, a família ou o governo. Educamo-nos para nos tornar, primeiro independentes, mas, em última instância, livremente interdependentes. Aprendemos para alcançar nossa realização (vale dizer, felicidade, ou eudaimonia, como diziam os gregos) como pessoas, como profissionais, como cidadãos.

O foco da educação é o futuro, não o passado.

Para saber o que precisamos aprender é preciso definir aonde queremos chegar com o nosso desenvolvimento. Essa definição, felizmente, não é necessariamente feita pela natureza (como no caso de algumas espécies animais) nem pelos outros (a menos que os deixemos fazer isso por nós): ela é feita em grande medida por nós. Cada um deve decidir por si próprio (o que não quer dizer que seja sem ajuda, apoio, orientação e aconselhamento) qual é o seu projeto de vida, o que quer fazer de sua vida, qual é o seu futuro…

A definição do que devemos aprender depende dessa decisão prévia. É verdade que há algumas competências e habilidades que, numa sociedade complexa e desenvolvida como a nossa, todos devem desenvolver: dominar a língua materna, em sua forma oral e escrita, comunicar-se efetivamente com os outros, argumentar, ser capaz de defender os próprios pontos de vista e as linhas de ação escolhidas e convencer os outros de que são, conforme o caso,  verdadeiros, bons, dignos, justos, belos, sustentáveis…

E é preciso reconhecer que somos diferentes uns dos outros. Por isso, devemos aprender coisas diferentes, e devemos aprende-las em ritmos e de maneiras diferentes…

A camisa de força da escola que quer que todos aprendam a mesma coisa, na mesma idade, do mesmo jeito, se um dia funcionou na era industrial em que os parâmetros eram a padronização e a massificação (padronizar para massificar), não vai mais funcionar numa sociedade em que as pessoas são livres, podem fazer o que querem, onde e quando quiserem, interagindo com seus semelhantes e respeitando seus iguais direitos. Hoje o foco é  a personalização da educação — e a tecnologia pode nos ajudar a alcançar escala nessa personalização (ou “customização”), sem precisar recorrer à padronização e à massificação.

Nesse quadro, ou a escola se reinventa, ou ela, sempre acostumada a devorar, digerir e domesticar os desafios, desta vez será engolida por eles. Da mesma forma que os tutores pessoais privados foram um dia por ela engolidos.

 

Em São Paulo, 23 de Novembro de 2012.

A América Latina e a Fórmula 1

A América Latina está mal na Formula 1. Tem só um GP, o do Brasil, o mesmo que a Oceania (que tem o GP da Australia). Mas compare-se o número de países e de habitantes nos dois blocos de países. (A AL por si não é um continente).

O Oriente Médio tem dois GP (Bahrain e Emirados Árabes Unidos).

As três Américas têm três GP (contando com o do Brasil, mais os dos Estados Unidos e do Canadá).

A Ásia tem seis GP.

E a Europa tem oito GPs.

A continuar a coisa nesse ritmo, logo o Oriente Médio ultrapassa as três Américas. E há chance de o Brasil perder o seu para o México, ou para a Argentina, ou para o Chile. Mesmo que fique no Brasil, SP pode perde-lo para o RJ.

TOTAL: 20 GP, como segue:

08/03 – GP da Austrália / Melbourne: Jenson Button

25/03 – GP da Malásia / Kuala Lumpur: Fernando Alonso

15/04 – GP da China / Xangai: Nico Rosberg

22/04 – GP do Bahrein / Manama: Sebastian Vettel

13/05 – GP da Espanha / Barcelona: Pastor Maldonado

27/05 – GP de Mônaco / Monte Carlo: Mark Webber

10/06 – GP do Canadá / Montreal: Lewis Hamilton

24/06 – GP da Europa / Valência: Fernando Alonso

08/07 – GP da Inglaterra / Silverstone: Mark Webber

22/07 – GP da Alemanha / Hockenheim: Fernando Alonso

29/07 – GP da Hungria / Budapeste: Lewis Hamilton

02/09 – GP da Bélgica / Francorchamps: Jenson Button

09/09 – GP da Itália / Monza: Lewis Hamilton

23/09 – GP de Cingapura / Cingapura: Sebastian Vettel

07/10 – GP do Japão / Suzuka: Sebastian Vettel

14/10 – GP da Coreia do Sul / Yeongam: Sebastian Vettel

28/10 – GP da Índia / Nova Déli: Sebastian Vettel

04/11 – GP dos Emirados / Abu Dhabi: Kimi Räikkönen

18/11 – GP dos Estados Unidos / Austin: ?

25/11 – GP do Brasil / São Paulo: ?

Em São Paulo, 18 de Novembro de 2012 (Dia do GP dos Estados Unidos)

Vagabundagem e Bagunça

Está bom… poderia ter dado a esse post o título de “Ócio e Indisciplina”. Mas fica esse título mais escrachado…

O que segue foi tirado de um post que publiquei no Facebook no dia 15/11/2012, Dia da Proclamação da República, feriadíssimo. Estava em casa, sozinho, e escrevi (com algumas pequenas alterações editoriais):

Aproveitando o feriado, hoje não pretendo fazer nada. Nada de útil, quero dizer. Só coisa inútil, mas prazerosa. Tipo beber um bom conhaque comendo um bom queijo… E/ou ficar batendo papo no Facebook… Ou lendo revistas, ou fuçando ora num livro, ora noutro…

Otium cum dignitate.

É preciso alcançar um nível razoável de auto-controle e auto-estima para conseguir voluntária e intencionalmente vagabundear, sem ter qualquer sentimento de culpa (algo especialmente difícil dadas as minhas profundas raizes calvinistas: sempre me ensinaram que uma pessoa desocupada é uma presa fácil para o Diabo).

Por outro lado, o Alípio Casali, que foi professor da minha mulher, Paloma Epprecht Machado Campos Chaves, um dia disse em aula, num lampejo de gênio filosófico, que a inteligência não prospera sem uma forte dose de vagabundagem.

Dias depois de ouvir isso, leio numa coluna do Gilberto Dimenstein algo parecido: a criatividade não prospera exceto em ambientes com uma forte dose de bagunça e desorganização…

É isso. Pensem sobre esses fatos (e não tenho dúvida de que são fatos).

Em São Paulo, 18 de Novembro de 2012

O Leilão da Virgindade: A Culpa é do Mercado?

O artigo de fundo da VEJA desta semana é: “Será que estamos virando uma sociedade em que tudo se compra? Ela vendeu a virgindade”.

A capa tem uma moça puxando para baixo um lado da calcinha e mostrando, na virilha, um código de barras… Criativo!  Embora a foto na capa mostre apenas do pescoço até os joelhos da moça, dentro se vê que a foto é, de fato, da catarinense que colocou a virgindade em leilão (e, aparentemente, arrecadou cerca de um milhão e quinhentos mil reais pela cessão de algo que a maioria das mulheres dá de graça).

Dentro, a VEJA dedica vários artigos ao assunto, sob o título, em letras garrafais vermelhas. “NEM TUDO SE COMPRA”.

A estrela da matéria é o filósofo de Harvard Michael Sandel, que escreveu um livro O que o Dinheiro não Compra, em que procura prescrever uma ética para o mercado. Segundo ele (em entrevista à VEJA), casos como de Ingrid Megliorini (a que leiloou a  virgindade) se classificam como “aplicação da lógica do mercado” fora do mercado, isto é, em áreas da sociedade que não fazem (ou não deveriam fazer, não fica claro) parte do mercado. 

A VEJA perguntou: “Em seu livro, o senhor faz uma distinção entre economia de mercado e uma sociedade de mercado. Qual a diferença?”

A resposta dele me parece fraca:

“A economia de mercado é uma ferramenta valiosa e efetiva para organizar a atividade produtiva. Trouxe prosperidade e riqueza para diversas sociedades ao redor do mundo.”

Arre, até aí tudo bem, exceto, talvez, pelo termo “diversas”… Gostaria que Sandel me desse exemplos de sociedades que se tornaram prósperas e ricas sem a economia de mercado. Se não fornecer, continuo a presumir que as sociedades só se tornam prósperas e ricas à medida que adotam a economia de mercado.

Mas o pior está por vir.

“Uma sociedade de mercado, no entanto, é diferente. Nem tudo está à venda. É um modo de vida no qual o pensamento econômico invade esferas a que ele não pertence”.

O problema está no “pensamento econômico” – isto é, no liberalismo econômico – ou no interesse econômico das pessoas?

A tese do liberalismo econômico é que as pessoas devem ser livres para vender ou trocar  o que quer que seja que, sendo de sua propriedade, queiram vender ou trocar. E que devem ser livres para, tendo meios (recursos financeiros ou bens e serviços), comprar ou receber em troca o que quer que seja que desejam ou que lhes agrada.

Uma observação importante sobre o artigo da VEJA. O surpreendente não é, como sugere a capa e o título, que haja quem compre o direito de disvirginar uma pessoa – ou que haja quem compre o voto de um deputado ou senador. O surpreendente é que haja quem queira vender essas coisas… Se alguém está disposto a vender alguma coisa, qualquer que seja, e é flexível no preço e nas condições de venda, cedo ou tarde aparece quem queira comprar aquela coisa. O problema está na venda, não na compra.

De igual maneira, o título do livro de Sandel é mal posto. Não deveria ser “o que o dinheiro não compra”, porque o dinheiro compra qualquer coisa que esteja à venda. Seu livro estaria na direção certa se o título fosse: O que não se deve vender…

O liberalismo econômico defende a liberdade das pessoas para vender ou trocar o que quiserem e para comprar ou obter em troca o que quiserem.

Mas também defende a tese de que as pessoas devem ter princípios morais e não se dispor a vender (ou trocar) determinadas coisas, ainda que sejam legitimamente suas: sua honra, sua opinião, seu voto, seu apoio político…

As coisas citadas (honra, opinião, voto, apoio político) são, na perspectiva moral do liberalismo, coisas que não se devem vender (nem trocar) nunca. A virgindade, nessa linha, talvez não seja algo que deva ser vendido, devendo ser guardada ou dada  de graça a quem faça por merece-la. Mas vender a virgindade me parece algo muito menos grave do que vender honra, opinião ou voto. Afinal da contas, diariamente vemos gente vendendo acesso sexual ao seu corpo (mesmo que não seja um corpo sexualmente virgem) sem que muita gente se escandalize com o fato ou por ele culpe o capitalismo ou a economia de mercado. (Afinal, a prostituição, ou a venda por alguém do direito de outra pessoa aceder sexualmente ao seu corpo, existe desde que o mundo é mundo, há milhares e milhares de anos, muito antes do aparecimento do capitalismo e da economia de mercado).

O problema não está no “pensamento econômico”, no capitalismo, no liberalismo econômico. O liberalismo defende a liberdade das pessoas para dispor do que é seu da forma que preferirem. Ponto final.

O problema está no código moral das pessoas. Se alguém está disposto a vender a mãe ou o filho, a virgindade, o acesso sexual ao seu corpo, ou um órgão vital de seu corpo, o problema não está no sistema que viabiliza a transação, mas nas pessoas que fazem uso desse sistema.

Qual seria o remédio?

Acabar com o capitalismo com pretendem nossos esquerdistas de plantão? Esta é a solução socialista.

Limitar a esfera de atuação do mercado, como pretende Sandel, determinando, por lei, que algumas coisas não podem ser vendidas, trocadas, compradas ou adquiridas por troca? Esta a solução social democrata.

Ou educar as pessoas na área de valores para que aprendam a respeitar certas coisas, que são suas, sim, mas que não deveriam, por razões morais, ser vendidas ou trocadas – porque, afinal, não têm preço, como diz o bordão de um comercial? Esta a solução liberal.

Eu não tenho dúvida alguma quanto ao remédio certo.

Em São Paulo, 18 de novembro de 2012

Toffler’s The Third Wave

I am rereading Alvin Toffler’s The Third Wave. This fantastic book was published in 1980. My copy was bought two years later. In 1983, when I was still Dean of the School of Education at UNICAMP, I taught an undergraduate seminar on the book (against the protest of the Educational Sociology Department that claimed I couldn’t teach that, since the book was Sociology and I didn’t have a degree in So…

ciology… The real reason was that the book was subservient to Marxist ideology and showed that Soviet Russia was basically an industrial — Second Wave — country when the US was quickly moving ahead into the Third Wave). Most students thought that the book was an exercise in futurology only. Today, almost 30 years later, as I reread the book, I see that guy wrote about the future as most people write about the past: with clarity and full conviction. Most amazingly, things have turned out basically as he predicted they would. Really unbelievable.

In São Paulo, on the 18th of November of 2012

A Violência em São Paulo

Uma sociedade em que a gente passa tanto tempo se cuidando e protegendo para não se tornar vítima da violência, e em que a gente gasta tanto tempo, na mídia e em conversas particulares, discutindo o que fazer para se sentir e efetivamente estar mais seguro não pode ser uma sociedade viável. Espero que não cheguemos ao ponto em que Bogotá um dia chegou, em que policiais ou agentes de segurança tinham de colocar espelhos embaixo do seu carro e cães farejadores dentro antes de permitir que você entrasse no estacionamento de um prédio, ou em que sua pasta, sua bolsa ou sua sacola eram fiscalizadas quando você entrava num shopping…

Deus nos livre desses extremos, mas a coisa aqui em SP não está fácil e pode caminhar para essas medidas absolutamente insuportáveis.

Precisamos rever algumas teses que se tornaram “ideias pétreas”: Primeiro, a da idade em que as pessoas se tornam penalmente responsáveis – a chamada maioridade penal. Segundo, e relacionado, a ideia de que aquilo que um menor de idade do ponto de vista penal, qualquer que seja essa idade, some de sua ficha, como se nunca tivesse acontecido, e ele passa a ter ficha limpa e pode até se candidatar a ser vereador, deputado, senador, prefeito, governador e presidente. Terceiro, rever a questão da prisão perpétua e mesmo da pena de morte. Quarto, rever as regras que regem nossas prisões e torna-las mais estritas, acabando com visitas íntimas e outras regalias que são maneiras de manter os presos ligados à sociedade e, de dentro da prisão, gerir sua rede de subalternos. E assim vai.

Quem viola o direito à liberdade e demais direitos humanos dos outros não pode ter seu direito à liberdade e demais direitos humanos respeitados.

Quem viola o direito à vida dos outros não pode ter seu direito à vida respeitado.

Anteontem abriram caminho no trânsito a bala aqui em SP e mataram uma criança que estava no colo da mãe dentro de um carro atingido.

Como se argumenta no fantástico filme argentino (melhor filme no Oscar de dois anos atrás), El Secreto de sus Ojos, pena de morte para um cara desses É MUITO POUCO.

Em São Paulo, 18 de Novembro de 2012.

Ainda Windows 8

Depois da postagem anterior houve uma evolução… Recebi um e-mail da Microsoft me dizendo do erro no preço que foi amplamente anunciado na imprensa: era pra ser R$ 69,98 e não R$ 84,98 – R$ 15,00 de diferença.

Por causa do erro, e para se penitenciar, a Microsoft me informou que estava creditando em meu cartão de crédito a importância total que eu havia pago, e que, portanto, a minha cópia do Windows 8 Pro ficava como presente da empresa, com um pedido de desculpas e com o desejo que eu desfrutasse plenamente o produto – algo que estou fazendo.

Coisa rara hoje em dia essa atitude. Minha admiração pela empresa e por seu fundador aumentam com um gesto desses.

Em São Paulo, 18 de Novembro de 2012.

Windows 8

Hoje instalei Windows 8 na minha (potente) máquina Dell, que estava meio abandonada. Baixei do site da Microsoft, à meia-noite de hoje, por R$ 83,98, a versão Pro. Instalei, mantendo todos os dados, configurações e software, e está funcionando perfeito.

A interface é diferente e, por isso, vou levar algum tempo até me adaptar. Mas é possível acessar uma tela parecida com o Desktop do Windows 7 e das versões anteriores.

Continuarei a dar algum feedback aqui.

Não tenho escrito aqui com tanta frequência porque adotei o Facebook como minha principal plataforma de interação com o mundo virtual.

Quem preferir interagir comigo lá, por favor acesse:

http://www.facebook.com/eduardo.chaves

(Minha conta antiga do Facebook ainda existe, mas está lotada, por isso não posso aceitar mais amigos lá. Mas há muito material interessante lá:

http://www.facebook.com/chaves

Obrigado.

Eduardo Chaves (Em 26 de Outubro de 2012)

Em Favor da Dúvida

Fuçando numa Livraria Saraiva em São Paulo ontem (3/5/2012) à noitinha, encontrei um livro cujo título me fascinou: Em Favor da Dúvida: Como Ter Convicções Sem se Tornar um Fanático (Editora Campus, 28,60 na Amazon BR). (O original é In Praise of Doubt, Em Louvor da Dúvida). Os autores são Peter Berger e Anton Zijderveld.

A tese principal do livro é de que a maior contribuição da modernidade para com a civilização não é a secularização, mas a pluralização da sociedade.

Os autores fazem uma análise fascinante da pluralidade: uma situação em que todos convivem em paz cívica e interagem significativamente uns com os outros.

Eles traçam a evolução de um modelo de civilização constituída por grupos de consenso cognitivo e normativo que, entretanto, ou viviam em conflito uns com os outros, ou coexistiam em paz, mas sem interação significativa (como as castas indianas, que convivem até pacificamente mas sem “comensalidade e conúbio”: os membros de um grupo não podem nem sequer comer juntos, quanto mais se casarem uns com os outros) para o modelo de civilização moderno, plural.

Com a urbanização, que aproximou os grupos fisicamente, a proliferação da educação escolar (que ajuda as pessoas a refletir sobre sua herança cultural e a dos outros), os meios de comunicação de massa, que revelam outras formas de pensar, outros valores, outras maneiras de viver, e, por fim, a globalização, que reduziu o tempo que se leva para ir de um espaço ao outro, a pluralidade, no sentido definido, surgiu — e, apesar de eventuais recuos, progride.

A pluralidade, em um espaço globalizado, produz a “contaminação cognitiva e normativa”: se pessoas de grupos diferentes convivem em paz e interagem, elas vão dialogar e discutir umas com as outras, e, com o tempo, podem (talvez devam) influenciar os modos de pensar, os valores e as formas de agir umas das outras. À medida que isso acontece, o outro deixa de parecer estranho — quanto mais nocivo, perverso, insano. Lentamente surge a dúvida: quem sabe se os outros não estão certos, e eu errado? Com esse modo de pensar, mesmo que não se abandonem os modos de pensar, os valores e as formas de agir de antes, sua aceitação sem questionamentos é abalada…  De uma situação em que parecíamos destinados a crer, valorizar e agir de um certo jeito, passamos a acreditar que temos escolha, que temos liberdade de pensar, de escolher nossos valores, de viver como nos aprouver…

Esse é apenas o começo do livro. Vale a pena ler. Recomendo. Principalmente para aqueles que têm dificuldade em entender como os outros podem pensar, adotar valores, e se comportar de forma tão diferente, e, aparentemente, tão sem sentido…

Fundamentalistas em geral provavelmente nem chegarão perto do livro… a menos que já tenham sido picados pela mosca azul da dúvida!

Em São Paulo, 4 de Maio de 2012

Marcelinho

Estou escrevendo no dia 6 de Abril.

Em 2005, no dia de hoje (exatamente sete anos atrás, portanto), eu estava em Panama City, numa reunião de L’Alianza por la Educación, o segmento latinoamericano do programa global da Microsoft Partners in Learning.

Pelo então MSN (hoje Windows Live) Messenger eu acompanhava a evolução da gestação de minha filha mais nova, Patrícia, que estava para dar à luz o seu segundo filho. Quem me informava era a Fernanda, tia dela.

Nascimentos são (ou deveriam ser) coisas corriqueiras. Mas a preocupação, no meu caso, era maior do que o normal porque menos de dois anos antes ela havia perdido seu primogênito, Guilherme, que nasceu com problemas em 9 de Setembro de 2003 e morreu logo depois, no dia 15, dia em que completaria uma semana. No dia em que o Guilherme nasceu eu estava em Amsterdam, numa reunião do segmento europeu do mesmo programa da Microsoft…

Felizmente, a Fernanda me informou de que que o Marcelo havia nascido — e que estava bem. Logo depois recebi uma foto dele. Achei lindo. (Olhando à foto hoje, da perspectiva de quem viu o que ele se tornou, sou forçado a reconhecer que aquela foto, tirada pelo pai dele, logo depois do nascimento, está longe de ser a melhor foto do menino. Mas…

Lembro-me como se fosse hoje a emoção que senti ao saber que tudo havia ido da melhor forma possível.

Ao final da reunião saí à rua e comprei uma cópia do jornal Panamá América daquele dia. No dia seguinte, comprei a cópia do mesmo jornal do dia 7 e também uma cópia do The Miami Herald – International Edition. Fiz isso para que o Marcelinho um dia pudesse ficar sabendo o que estava acontecendo no mundo no dia em que ele nasceu. Estou com esses três exemplares dos jornais aqui comigo, no sítio, em Salto, agora… Encontrei-os, fuçando nas minhas coisas antigas — as minhas relíquias, como eu as chamo. Sou cheio delas. Os jornais estão amarelados, mais inteiros. Quando o Marcelinho crescer mais um pouco, e, talvez, souber apreciar o gesto, dou as cópias para ele.

Hoje, comemoro o sétimo aniversário dele mais uma vez longe dele.

Há dias, ele caiu na escola e quebrou dois dentinhos da frente. Felizmente, ainda de leite. Como o pai e a mãe são dentistas, creio que está em boas mãos, nesse aspecto.

Antigamente, o sétimo aniversário parecia indicar que uma fase da vida estava se completando: a infância, propriamente dita, em que a gente simplesmente brincava e curtia a vida, sem maiores obrigações. Depois dos sete, a gente tinha de ir para a escola e começava uma infância diferente, já cheia de obrigações chatas.

Hoje em dia, as crianças já vão para a escola muito mais cedo — até com dois anos. A infância, propriamente dita, vai se encurtando… Eles nem sentem falta dela, porque nunca a conheceram, como eu a conheci: tive a ventura de só ir para escola aos oito anos e meio…

Deixo esse registro aqui como minha homenagem a um menino lindo, inteligente, carinhoso, de boa índole, que é o único de meus netos que carrega meu sobrenome: Marcelo Chaves de Moraes Salles. Nome de gente importante, como diria meu pai, bisavô dele.

Marcelinho, um beijo do vô. Amo você, querido.

Em Salto, 6 de Abril de 2012.
(postado apenas em 8 de Abril por ter tido problemas com a Internet nos dias anteriores)