Crianças ou Adultos: Quem Está Desaparecendo?

Em 1982 Neil Postman escreveu um livro chamado The Disapperance of Childhood. A tentação é traduzir o título do livro como O Deparecimento da Infância. Mas Postman faz uma distinção importante entre infancy e childhood, que é difícil preservar em Português. Se infancy (que ele considera uma categoria biológica) é traduzido por infância, como traduzir childhood (que ele considera uma categoria sócio- cultural)?

Para esclarecer o que Postman tem em mente, a infancy é uma fase (biológica) da nossa vida que vai, basicamente, do nascimento até (segundo ele) por volta dos sete anos. Todos passam por essa fase. Em outras palavras, não há ninguém que não tenha tido infância (no sentido de infancy). A infância, nesse sentido, sempre existiu e é universal. A childhood, por sua vez, é outra coisa. Para começo de história, é uma criação sócio-cultural: algo inventado pela sociedade. Nas sociedades em que se procurou cria-la e implanta-la, ela se tornou uma fase que viria depois da infância (infancy) e antes que a criança (não mais o “infante“) se tornasse adulto. (A adolescência e a juventude também seriam invenções sócio-culturais do mesmo tipo, mas Postman considera a childhood como uma fase, social e cultural, não biológica, que vai basicamente dos sete aos dezessete anos – depois disso a pessoa passa a ser adulto (um adulto jovem, talvez, mas um adulto: uma pessoa “de maior”).

Segundo o Postman, a infância, agora entendida como childhood, não infancy, foi uma invenção relativamente recente. Antigamente (digamos, na Idade Média), as crianças, ao sair da infância (infancy), por volta dos sete anos, entravam logo na idade adulta. Eram vestidas como pequenos adultos (algo que em muitos casos acontecia até antes), esperava-se delas que se comportassem como adultos. Boa parte delas não ia à escola, porque esta inexistia: a escolarização universal é um fenômeno recente, que muitos em muitos lugares, até mesmo aqui no nosso “país do futuro”, é algo que está no futuro. Uma parte menor das crianças tinha uma escolarização mínima (eram funcionalmente alfabetizadas e recebiam os rudimentos da aritmética necessários para a vida prática). Muitas crianças (children, não infants) começavam trabalhar muito cedo: primeiro em casa e no negócio da família (campo, indústria artesanal ou comércio), ou mesmo fora, nas fábricas que surgiram na era industrial, por exemplo. O início da civilização industrial viu crianças muito novas trabalhando (não raro em serviços pesados e insalubres) na indústria. Hoje isso parece um escândalo absoluto – ou, como pretendem os esquerdistas, algo que só pode ser produto de um sistema econômico imoral como o capitalismo. Mas não: isso acontecia porque a infância (no sentido de childhood, um interregno entre infancy e adulthood) ainda não havia sido inventada. Ponto final. Também não era incomum que as crianças se casassem e tivessem seus próprios filhos logo depois de alcançar a puberdade (em alguns casos, especialmente de meninas, até impúberes se casavam). Nossas avós (de gente que tem mais ou menos a minha idade) se casavam ao redor dos treze anos. Novamente, isto se dava porque, ao sair da infância (infancy), a criança passava quase direto para a idade adulta. O ser humano se adultizava cedo. Como Dom Fulgêncio, a maior parte das pessoas, por um bom tempo, não teve infância (childhood).

Mas, a partir de um dado momento, se inventou a infância (no sentido de childhood). O termo “inventar” é usado deliberada e conscientemente por Postman – mesmo que a sociedade em que a childhood tenha sido inventada não estivesse plenamente consciente do processo e pudesse até achar que fosse natural (biológico).

A invenção e a rápida popularização do livro impresso (algo que o mundo deve a Gutenberg) tiveram seu papel (com perdão do trocadilho) no processo, podendo a imprensa ser considerada uma das causas remotas da invenção da infância (childhood). Mais que o livro, talvez, a invenção e a popularização da escola obrigatória (algo que o mundo deve à Reforma Protestante) tornaram necessário “inventar” uma fase em que o recém desinfantizado se preparasse para a vida adulta. Inicialmente, talvez quatro anos fossem suficientes. Depois, a fase se estendeu para seis, oito, nove, doze anos – trazendo o ex-infante para o limiar da juventude. Para muitos, a fase da infância (infancy) passou a ser vista como sendo a idade até os seis anos, a infância (childhood) a fase que vai dos sete aos onze anos, a fase da adolescência a fase que vai dos doze aos dezessete anos. Daí vem a idade adulta jovem (que, segundo a Organização Mundial da Saúde, vai dos dezoito até a beira dos trinta).

Enfim: criou-se para o ex-infante e futuro adulto um interregno, o que os tecnocratas chamam de um buffer, durante o qual ele deveria se preparar para as demandas da vida adulta.

O interessante do livro de Postman não é que ele foca o aparecimento (por invenção) da infância (childhood), mas seu desaparecimento (sua desinvenção) – algo que, segundo ele, talvez tenha começado por volta dos anos sessenta nos países desenvolvidos. As crianças (children) começaram a ser de novo consideradas como adultos – não mais porque precisavam trabalhar ou deviam se casar, mas porque passaram a reivindicar (o mais das vezes simplesmente tomar, com a anuência passiva dos adultos) direitos que até ali haviam pertencido exclusivamente aos adultos: vestir-se do jeito que quisessem (não mais como os adultos se vestiam, mas como elas, as interregnas, queriam); falar nome feio (profanity, em Inglês), fumar, beber, usar drogas, transar (casar não, transar, sim), envolver-se em causas políticas e culturais, manifestar-se, demonstrar, protestar, cometer crimes, brigar com a polícia, etc. E muitas simplesmente abandonavam a escola antes do tempo previsto. Em suma: quando Postman escreveu o livro, parecia que a infância (childhood), inventada a tão duras penas, estava simplesmente sumindo do mapa.

Estou lendo agora um livro de Diana West chamado The Death of the Grown-up. Como traduzir: A Morte do Adulto? O original poderia ter usado adult, mas usou grown-up, crescido… Enfim. A sugestão de West é que não foram as crianças (children) que desapareceram, mas, sim, os adultos que se criancizaram. Encolheram os adultos.

Não vou aqui discutir as evidências apresentadas por West. A referência ao livro dela fica como appetizer.

Em São Paulo, 10 de Março de 2014

A Relatividade da Importância que Damos a Certas Coisas…

Aposentei-me da UNICAMP em Dezembro de 2006. Já fez sete anos.

Só agora, quando estou arrumando meus livros e meus arquivos aqui no sítio, tive coragem de realmente dar adeus às besteiragens e bobageiras da vida acadêmica.

Já enchi umas dez caixas enormes com cópias de teses e dissertações de que fui banca; com certificados de participação em bancas de tese, dissertação e concurso, de orientação de tese e dissertação, de participação em eventos (congressos e assemelhados), de ministração de palestras, etc.

Alguns certificados são lindos, dá dó jogar fora… Fico imaginando que qualquer médico, dentista ou advogado (são os que pregam certificados na parede) ficaria contente de pregar os certificados, devidamente emoldurados, na parede de seu consultório/escritório e lhe cobrar 50 reais a mais na consulta em decorrência de cada certificado… (Flames > Nul)

Estou me sentido tão mais leve! Nunca mais — literalmente: nunca mais! — vou precisar disso.

Do meu curriculum vitae, ultimamente, venho retirando coisas. E olhem que nunca nem coloquei nele as palestras ministradas, as participações em banca, orientação, congressos e outros eventos, etc.

Assim, conforme fui ficando mais velho e gradativamente me desligando (primeiro espiritualmente, depois materialmente) do circo acadêmico, meu curriculum vitae veio diminuindo… Não porque eu deixasse de fazer coisas, mas porque deixei de as considerar importantes, por não precisar mais delas.

Ainda tenho umas manias das quais tenho dificuldade de me livrar.

Li ontem à noite, em uma biografia de C S Lewis (por Walter Hooper), que ele, ao acabar um artigo ou um livro, jogava os rascuhos, as versões pré-finais, etc., tudo fora. E que, uma vez que o artigo fosse publicado, jogava fora até a versão final. E não registrava, em nenhum lugar, os artigos e os livros que a escrevia. Nem guardava cópia do volume publicado. Foi só quando Walter Hooper (o biógrafo) foi contratado como seu secretário que ele, Hooper, começou a procurar e a listar tudo o que o mestre havia escrito.

Não consigo ter esse nível de desligamento. Guardo sempre as “trocentas” versões de tudo que escrevo. Em formato digital e impresso. Mas vou me esforçar para chegar lá.

Em Salto, 13 de Fevereiro de 2014

Um Círculo que se Fecha Depois de 40 Anos

Quarenta anos depois, alguns estudos meus, que no início pareciam sem relação uns com os outros, começam a se integrar.

Vim para a UNICAMP em 1974. Faz 40 anos este ano.

De início era para eu ir para o Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e lecionar História da Filosofia (com ênfase no Século 18, o do Iluminismo). Numa daquelas coisas que é difícil explicar – chance, providência? – houve uma reviravolta. Ao chegar na Universidade fui solicitado a ficar lotado, ainda que temporariamente, na Faculdade de Educação, que acabava de criar o seu curso de Pedagogia no final de 1973. Queriam que eu desse Filosofia da Educação no primeiro ano do curso que se iniciava.

Problema: eu nunca havia estudado Educação ou Pedagogia nem, muito menos, Filosofia da Educação. Havia feito meu Ph.D. em Filosofia, na Universidade de Pittsburgh (recebi o grau em 1972), mas meus interesses eram Metafísica, Epistemologia, Filosofia da Religião, Filosofia Política – com ênfase, como disse, na Filosofia do Iluminismo.

Mas, para encurtar a história, recém-chegado à UNICAMP, não tive como deixar de atender à solicitação. Fui a algumas livrarias em Campinas e São Paulo, comprei tudo o que pude achar sobre a educação, e fui estudar. Dei o curso – que acabou ficando meu (pelo menos a disciplina EP-130, Filosofia da Educação I), durante 32 anos.

Assim, acabei nunca indo para o Departamento de Filosofia. E acho que, para mim, no fim, foi bom (apesar de a Faculdade de Educação, com o tempo, ter se tornado verdadeiramente insuportável).

Ao longo de 1974 tive de escrever um projeto de pesquisa para efetivar a minha permanência no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP). O diretor da Faculdade de Educação me pressionou para escolher um tema relacionado à educação e não “apenasmente” filosófico (filosofia dita pura).

Dentre os livros que comprei para me preparar para o curso de Filosofia da Educação estava um livrinho, traduzido do Inglês, e publicado pela Zahar Editora, chamado Doutrinação e Educação (Indoctrination and Education). O autor era Ivan A. Snook, e o livro havia sido publicado em 1972, dois anos antes. Resolvi fazer meu projeto de pesquisa sobre o perigo da doutrinação na educação moral, política e religiosa. Na verdade, a pesquisa era uma exploração das possibilidades de uma educação não-doutrinadora na área da moral, da política e da religião. Trabalhei bastante no assunto, e escrevi algumas coisas até interessantes, embora nunca tenha publicado nada sobre o assunto. (Um artigo meu de 1979, “A Filosofia e a Análise de Conceitos Educacionais”, toca no assunto. Foi publicado num livro organizado por meu amigo Antonio Muniz de Rezende e publicado pela Vozes, com o o horrendo título de Uma Iniciação Teórica e Prática às Ciências da Educação. De vez em quando ainda vejo o livro em sebos — eu tenho perto de uma dezena de cópias, guardadas, desde 1979, ou compradas em sebos, quando estão por bom preço e em boas condições de conservação).

Meu interesse em doutrinação se esparramou para temas afins: reforma do pensamento (thought reform), reeducação, lavagem cerebral, formas não-racionais de influenciar a mente. Foi nesse época que assisti o filme Clockwork Orange (Laranja Mecânica).

Algum tempo depois fui contratado para fazer um trabalho para a Igreja da Unificação do Rev. Sun Myung Moon, que estava sendo atacada, lá fora e aqui no Brasil, por promover a lavagem cerebral dos seus membros. O meu trabalho na Educação e minha formação teológica me permitiram analisar se os procedimentos adotados pelos chamados moonies para conquistar e manter adeptos envolviam lavagem cerebral. Minha conclusão foi negativa. Exceto pela exigência de que os membros vivessem em comunidades, deixando suas famílias, os procedimentos adotados pela Igreja da Unificação me pareceram muito semelhantes a processos pelos quais eu havia passado em acampamentos religiosos quando adolescente – mormente no Acampamento Palavra da Vida (perto de Atibaia). Com o tempo, a Igreja da Unificação acabou se tornando uma igreja no mesmo plano que os Mórmons: aceitam o Velho e o Novo Testamentos, mas vão além.

Meus interesses na Educação foram se solidificando, mas, ao mesmo tempo, nunca deixei de ler e escrever sobre Filosofia Política. Em 1973, quando trabalhei por um ano no Pomona College, em Claremont, CA., tive o privilégio de ficar amigo de J. Charles King, professor de Filosofia Política, radical defensor da liberdade, interessado em Ayn Rand. (Depois de sair de Pomona Charles se tornou presidente do Liberty Fund). Um dia, enquanto almoçávamos, ele me perguntou se eu já havia lido Ayn Rand. Disse-lhe que não. Na verdade, nem sabia quem era ela. Ele me sugeriu que lesse Atlas Shrugged. Minha vida nunca mais foi a mesma, e desenvolvi, a partir daquele momento, um interesse que se tornou definitivo em Filosofia Política, em geral, nas ideias liberais e libertárias, em particular,  e, mais particularmente ainda, nas ideias de Ayn Rand.

Minhas leituras e as coisas que escrevi na área da Filosofia Política nunca se casaram, porém, com minha pesquisa sobre doutrinação e lavagem cerebral. Até agora.

Mas antes de falar nesse encaixe, uma outra coisa.

A partir de 2008 me interessei, agora por razões pessoais, pelo tema da Alienação Parental. A Alienação Parental acontece, em casos de separação de casais com crianças ou adolescentes, quando um dos genitores, em regra aquele que foi contra a separação, procura manipular o afeto dos filhos para que eles venham a deixar de amar, ou mesmo a odiar, e não tratar civilmente, o genitor que optou pelo término do casamento.

A Alienação Parental é algo tão violento que tem sido descrito por vários autores como uma tentativa de um genitor de, desejando mas não tendo coragem de assassinar o cônjuge que o abandonou, atingi-lo através do assassinato frio do amor que os filhos têm, mesmo pelo cônjuge que buscou a separação. Isso se dá, no início, através de afirmações de que a mamãe / o papai destruiu nossa família, agora tem outros interesses, abandonou vocês, etc. À medida que o processo evolui, pode-se chegar ao extremo de os filhos serem manipulados a tal ponto que afirmam não querer ver mais o outro genitor, chamar o genitor que se separou de traidor, adúltero, etc. A coisa fica feia. É como se o genitor abandonado falasse para o outro: “Você também vai ter de experimentar o que é perder o amor de alguém que lhe é importante”. Vingança, pura e simples. O cônjuge atingido inegavelmente sofre. Mas sofrem também os filhos.

Meu interesse no caso começou por uma razão prática mas logo me dei conta que estava tratando, mais uma vez, de algo muito parecido com reforma do pensamento e do afeto, lavagem cerebral, reeducação. . .

Além de tudo isso, a partir de 2009 gradualmente voltei a frequentar a igreja, que eu havia abandonado em por volta de 1970, quase quarenta anos antes. A participação na Escola Dominical reacendeu em mim o interesse na questão que era objeto de minha pesquisa de 1974-1976: pode haver uma formação religiosa genuinamente educacional, não doutrinadora, que respeita a liberdade e autonomia da criança, que não tenta impor-lhe um conjunto de crenças, valores e comportamentos, mas abre a sua mente para que ela, de um lado, entenda o fascínio que possuem para a humanidade as questões levantadas pelas religiões, mas, de outro lado, perceba que todas as respostas dadas a essas questões são, na melhor das hipóteses, incompletas, na hipótese do meio falhas, e na pior das hipóteses nocivas – e se posicione livre e autonomamente em relação à religião com pleno conhecimento de tudo isso?

Como é que todas essas questões se conectam e se amarram? Agora, parece-me, os liames estão evidentes.

Ultimamente, no Facebook, tenho me envolvido com várias discussões, especialmente com cristãos conservadores, alguns fundamentalistas, mesmo, sobre uma série de questões complicadas, muitas delas envolvendo a liberdade de expressão numa sociedade laica e pluralista, como é a brasileira.

Numa dessas discussões alguém sugeriu (mais ou menos) que o Grupo Porta dos Fundos, ao fazer seus vídeos irreverentes sobre algumas facetas do Cristianismo, teria uma agenda malévola e sinistra, qual fosse, controlar as mentes das crianças cristãs para que elas oportunamente viessem a rir de coisas sagradas e a ridicularizar a fé de seus pais, etc.  assim levando adiante a tarefa dos incréus de exterminar a religião cristã da face da Terra.

Em minha resposta sugeri que, se o problema fosse a tentativa de controlar a mente das crianças cristãs, a estratégia do Grupo Porta dos Fundos era bem menos eficaz do que a estratégia das Escolas Dominicais convencionais, etc. Tensoooo…

De repente, vi que a pesquisa de 1974-1976, a questão da doutrinação / lavagem cerebral, a acusação contra os moonies, a questão da Alienação Parental, meu interesse por uma filosofia da educação liberal, que respeita a liberdade e a autonomia da criança e do adolescente, e minha exploração da possibilidade de uma educação religiosa (ou moral, ou política) que evite a doutrinação e a lavagem cerebral, tudo isso estava relacionado.

Por isso, voltei a trabalhar no meu livro sobre o Liberalismo – mas, agora, com um foco nessas questões que podem ser classificadas e descritas como, no fundo, educacionais. A defesa da liberdade passa pelo direito de cada um, especialmente das crianças e adolescentes, de não terem sua mente controlada por vários tipos de adultos em casa, na escola dominical, na escola regular, na televisão, nos comerciais, etc.

O círculo começa a se fechar.

A questão é se eu fico dentro ou fora dele. . .

Em São Paulo, 5 de Fevereiro de 2014.

Indicados para o Oscar 2014

Melhor filme

Melhor diretor

Melhor atriz

Melhor ator

Melhor ator coadjuvante

Melhor atriz coadjuvante

Melhor canção original

Melhor roteiro adaptado

Melhor roteiro original

Melhor longa de animação

Melhor documentário em longa-metragem

  • The Act of Killing
  • Cutie and the Boxer
  • Dirty Wars
  • The Square
  • 20 Feet From Stardom

Melhor longa estrangeiro

  • The Broken Circle Breakdown
  • A Grande Beleza
  • A Caça
  • The Missing Picture
  • Omar

Melhor fotografia

Melhor figurino

Melhor documentário em curta-metragem

  • CaveDigger
  • Facing Fear
  • Karama Has No Walls
  • The Lady in Number 6: Music Saved My Life
  • Prison Terminal: The Last Days of Private Jack Hall

Melhor montagem

Melhor maquiagem e cabelo

Melhor trilha sonora

Melhor design de produção

Melhor animação em curta-metragem

  • Feral
  • Get a Horse!
  • Mr. Hublot
  • Possessions
  • Room on the Broom

Melhor curta-metragem

  • Aquel No Era Yo (That Wasn’t Me)
  • Avant Que De Tout Perdre (Just Before Losing Everything)
  • Helium
  • Pitääkö Mun Kaikki Hoitaa? (Do I Have to Take Care of Everything?)
  • The Voorman Problem

Melhor edição de som

Melhor mixagem de som

Melhores efeitos visuais

[Empréstimo de http://omelete.uol.com.br/oscar/cinema/oscar-2014-filmes-indicados/#.Utxe3WRpR-U]

Em São Paulo, 19 de Janeiro de 2014

Nominees for the Oscar 2014

Best picture 
“12 Years a Slave” 
“The Wolf of Wall Street” 
“Captain Phillips” 
“Her” 
“American Hustle” 
“Gravity” 
“Dallas Buyers Club” 
“Nebraska” 
“Philomena”

Best director 
Steve McQueen — “12 Years a Slave” 
David O. Russell — “American Hustle” 
Alfonso Cuaron — “Gravity” 
Alexander Payne — “Nebraska” 
Martin Scorsese — “The Wolf of Wall Street”

Best actor 
Bruce Dern — “Nebraska” 
Chiwetel Ejiofor — “12 Years a Slave” 
Matthew McConaughey — “Dallas Buyers Club” 
Leonardo DiCaprio — “The Wolf of Wall Street” 
Christian Bale — “American Hustle”

Best actress 
Amy Adams — “American Hustle” 
Cate Blanchett — “Blue Jasmine” 
Judi Dench — “Philomena” 
Sandra Bullock — “Gravity” 
Meryl Streep — “August: Osage County”

Best supporting actor 
Barkhad Abdi — “Captain Phillips” 
Bradley Cooper — “American Hustle” 
Jonah Hill — “The Wolf of Wall Street” 
Jared Leto — “Dallas Buyers Club” 
Michael Fassbender — “12 Years a Slave”

Best supporting actress 
Jennifer Lawrence — “American Hustle” 
Lupita Nyong’o — “12 Years a Slave” 
June Squibb — “Nebraska” 
Julia Roberts — “August: Osage County” 
Sally Hawkins — “Blue Jasmine”

Best original screenplay 
“American Hustle” — David O. Russell and Eric Warren Singer 
“Blue Jasmine” — Woody Allen 
“Her” — Spike Jonze 
“Nebraska” — Bob Nelson 
“Dallas Buyers Club” — Craig Borten and Melisa Wallack

Best adapted screenplay 
“12 Years a Slave” — John Ridley 
“Before Midnight” — Julie Delpy, Ethan Hawke and Richard Linklater
“The Wolf of Wall Street” — Terence Winter 
“Captain Phillips” — Billy Ray 
“Philomena” — Steve Coogan and Jeff Pope

Best animated feature 
“The Wind Rises” 
“Frozen” 
“Despicable Me 2” 
“Ernest & Celestine” 
“The Croods”

Best foreign feature 
“The Hunt” (Denmark) 
“The Broken Circle Breakdown” (Belgium) 
“The Great Beauty” (Italy) 
“Omar” (Palestinian territories) 
“The Missing Picture” (Cambodia)

Best music (original song) 
“Frozen”: “Let it Go” — Robert Lopez and Kristen Anderson-Lopez 
“Mandela: Long Walk to Freedom”: “Ordinary Love” — U2, Paul Hewson 
“Her”: “The Moon Song” — Karen O, Spike Jonze 
“Despicable Me 2”: “Happy” — Pharrell Williams 
“Alone Yet Not Alone”: “Alone Yet Not Alone” — Bruce Broughton, Dennis Spiegel

Best music (original score) 
“Gravity” — Steven Price 
“Philomena” — Alexandre Desplat 
“The Book Thief” — John Williams 
“Saving Mr. Banks” — Thomas Newman 
“Her” — William Butler and Owen Pallett

Best cinematography 
“Gravity” — Emmanuel Lubezki 
“Inside Llewyn Davis” — Bruno Delbonnel 
“Nebraska” — Phedon Papamichael 
“Prisoners” — Roger Deakins 
“The Grandmaster” — Phillippe Le Sourd

Best costume design 
“The Great Gatsby” — Catherine Martin 
“12 Years a Slave” — Patricia Norris 
“The Grandmaster” — William Chang Suk Ping 
“American Hustle” — Michael Wilkinson 
“The Invisible Woman” — Michael O’Connor

Best documentary feature 
“The Act of Killing” 
“20 Feet From Stardom” 
“The Square” 
“Cutie and the Boxer” 
“Dirty Wars”

Best film editing 
“Gravity” — Alfonso Cuaron, Mark Sanger 
“12 Years a Slave”– Joe Walker 
“Captain Phillips” — Christopher Rouse 
“American Hustle” — Jay Cassidy, Crispin Struthers and Alan Baumgarten 
“Dallas Buyers Club” — John Mac McMurphy and Martin Pensa

Best makeup and hairstyling 
“The Lone Ranger” — Joel Harlow and Gloria Pasqua-Casny 
“Jackass Presents: Bad Grandpa” — Stephen Prouty 
“Dallas Buyers Club” — Adruitha Lee and Robin Mathews

Best production design 
“12 Years a Slave” — Adam Stockhausen and Alice Baker 
“The Great Gatsby” — Catherine Martin and Beverley Dunn 
“American Hustle” — Judy Becker and Heather Loeffler 
“Gravity” — Andy Nicholson, Rosie Goodwin and Joanne Woollard 
“Her” — K.K. Barrett and Gene Serdena

Best visual effects 
“Gravity” 
“The Hobbit: The Desolation of Smaug” 
“Star Trek Into Darkness” 
“Iron Man 3” 
“The Lone Ranger”

Best sound mixing 
“Gravity” 
“Captain Phillips” 
“Lone Survivor” 
“Inside Llewyn Davis” 
“The Hobbit: The Desolation of Smaug”

Best sound editing 
“Gravity” 
“All Is Lost” 
“Captain Phillips” 
“Lone Survivor” 
“The Hobbit: The Desolation of Smaug”

Best short film, live action 
“Aquel No Era Yo (That Wasn’t Me)” 
“Avant Que De Tout Perdre (Just Before Losing Everything)” 
“Helium” 
“Pitaako Mun Kaikki Hoitaa? (Do I Have to Take Care of Everything?)” 
“The Voorman Problem”

Best short film, animated 
“Feral” 
“Get a Horse!” 
“Mr. Hublot” 
“Possessions” 
“Room on the Broom”

Best documentary short 
“CaveDigger” 
“Facing Fear” 
“Karama Has No Walls” 
“The Lady in Number 6: Music Saved My Life” 
“Prison Terminal: The Last Days of Private Jack Hall”

[Borrowed from http://edition.cnn.com/2014/01/16/showbiz/2014-oscar-nominations-list/]

In São Paulo, Jan 19th, 2014

Relíquias de Tempos Digitais que (Felizmente) não Existem Mais

Os que me acompanham aqui no Facebook sabem que estou no processo de abrir umas ‘trocentas’ caixas de livros e papeis que, já faz quase três anos, estão enchendo até o teto um dos quartos (o maior, exceto pelo meu) aqui do sítio.

Com as novas estantes montadas, estamos começando a abrir as caixas. Este post, denominado “Relíquias”, registra coisas interessantes que vou descobrindo no processo e que mostram quão rapidamente o mundo mudou nos últimos — digamos — 30 anos. A história começa em 1983.

A seguir, três relíquias.

o O o

RELÍQUIA 1 (1983)

No domingo, 4 de Setembro de 1983, a Folha de S. Paulo publicou, em seu Terceiro Caderno, que então tratava de Generalidades, na fl. 27, um longo artigo que tinha o seguinte título: “Computador chega na redação da ‘Folha'”. O subtítulo ressalta: “Sistema permite rápido trabalho de edição”. Uma foto panorâmica, composta de três imagens, mostra alguns “monstros” (do ponto de vista de hoje) e tem a seguinte legenda: “À esquerda, sala central dos computadores; à direita, editoria geral; no alto, a Folha Ilustrada sendo editada”. Note-se que os computadores não estavam distribuídos pela redação: eles tinham uma “sala central”. Só a “editoria geral” tinha alguns terminais.

Vou transcrever apenas algumas partes da longa matéria. (O marketing da Folha pode não ser bom, mas ele sempre é extenso).

 o O o

“Há algumas semanas, uma pequena nota no Painel da ‘Folha’ vem pedindo desculpas pelos eventuais erros gráficos que têm aparecido no jornal. Mas eles se justificam. São resultado da fase inicial de implantação, entre nós pioneira, com similar apenas nos grandes jornais dos Estados Unidos, Europa e Japão: [sic; faltou algo aqui] um sistema de terminais de vídeo nas redações e oficina, responsável pela produção e edição de jornais, e que determinará, a curto prazo, a própria sobrevivência de empresas jornalísticas, na busca de um produto cada vez mais ágil, moderno e inteligente.

Com apenas dois meses de funcionamento experimental, 52% das matérias publicadas pela ‘Folha’ e 50% das matérias publicadas pela ‘Folha da Tarde’ são produzidas e editadas diretamente pelo novo sistema. A totalidade das reportagens produzidas pelos jornalistas da Agência Folhas, assim como artigos de colaboradores e críticos, é transmitida diretamente nos terminais de computadores.

. . .

Em dois meses, as sucursais da ‘Folha’ já estarão operando com terminais e remetendo, pelo telefone, os impulsos que serão captados diretamente pela central de computadores e distribuídos a todos os jornais da empresa.

. . .

“O sistema ‘Folha’ de terminais — afirma [o engenheiro Pedro Pincirolli Júnior, responsável por toda a área de produção da empresa Folha da Manhã S/A] veio trazer velocidade e autencididade [!] maior às informações, uma vez que nos permitiu eliminar etapas no processo industrial gráfico e, também, que o jornalista falasse diretamente com seu público leitor”.

o O o

Muita coisa curiosa aqui.

Primeiro, os erros são sempre devidos ao “sistema”, nunca a falhas cometidas pelos profissionais.

Segundo, embora o ano fosse 1983, e os microcomputadores já estivessem conosco há cerca de seis anos (apareceram em 1977), nenhuma menção deles. Fala-se apenas em terminais de um equipamento central. E, pelo que transparece, os terminais eram “terminais burros”, isto é, incapazes de realizar qualquer processamento localmente. O curioso é que a matéria, que foi feita sob o beneplácito de Caio Túlio Costa, um de dois Secretários da Redação da “Folha” e exatamente aquele designado como “responsável pela implantação dos terminais de vídeo na redação da ‘Folha'”, não parece ter nenhuma ideia de que os terminais de vídeo burros pudessem vir a ser substituídos, primeiro, por terminais inteligentes e, depois, por microcomputadores, e que o modelo computador-central e terminais poderia ser substituído por um sistema de redes locais de microcomputadores com capacidade plena de processamento local, interligadas e conectadas a vários computadores de maior porte, que armazenariam grandes bases de dados, e que, por sua vez, estariam ligadas a uma rede de maior alcance…

Terceiro, embora a Internet tivesse surgido em 1969, era, ainda, um brinquedo acadêmico-militar. Só as universidades americanas que prestavam serviços ao sistema militar tinham acesso a ela. Seriam necessários mais dez anos para que Al Gore, então (1993) Vice-Presidente de Bill Clinton, comprasse a briga que viria a tirar a Internet — não sem grandes resistências — do controle acadêmico-militar e coloca-la à disposição do universo empresarial e pessoal. Apesar de não “topar” o Al Gore, considero-me devedor à sua coragem por ter comprado essa briga e ajudado a criar, em 1993, nos Estados Unidos, a “Internet Comercial”. Da mesma forma, considero-me devedor a Sérgio Motta, o “Serjão”, Ministro das Comunicações de FHC, por ter comprado a mesma briga em relação à Embratel e ao Sistema Telebrás e criado a “Internet Comercial Brasileira”. Uma empresa de Campinas, a DGL-Net, foi o primeiro provedor de acesso à Internet Comercial Brasileira, até então controlada pelo Sistema Telebrás, via Embratel. Também não “topava” o “Serjão”, que sempre me pareceu um troglodita, mas considero-me devedor também a ele pelo que fez — algo que deve ter-lhe custado tanto stress que ele morreu logo depois de enfarte. (É verdade que o tamanho horizontalmente gigantesco dele deve ter contribuído).

Quarto, o texto fala em sobrevivência das empresas jornalísticas frente aos concorrentes, mas não vislumbra que a Internet seria seu maior concorrente e o “jornal virtual”, com suas informações instantâneas, que não precisam esperar pela edição diária do jornal convencional, o seu maior desafio. O texto não dá o menor sinal de que um dia o leitor poderia preferir ler as informações também diretamente na tela, sem precisar de um jornal impresso, ou até mesmo sem precisar de que um empresa jornalística compilasse as notícias e opiniões em um jornal virtual para ele.

Tudo isso, há 30 anos apenas. Quatro dias antes de eu completar os meus 40 anos.

 o O o

RELÍQUIA 2 (1988)

Em 1988 eu era Diretor do Centro de Informações e Informática (CIIS)  da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A Secretaria era totalmente dependente da PRODESP — Processamento de Dados do Estado de São Paulo, estatal que fazia todo o processamento de dados para o governo do estado e seu vários órgãos, da Administração Direta e da Administração Indireta.

A Secretaria da Saúde era ocupada pelo médico José Aristodemo Pinotti, o governador era Orestes Quércia, amigo pessoal de Pinotti, e a todo-poderosa Secretária Pessoal e Chefe de Gabinete do Governador era Ana Maria Tebar, amiga pessoal dos dois e de mim também. Dos quatro, só restamos ela e eu.

Assim, eu estava, naquele momento, em situação especialmente favorável para começar, se não uma revolução, pelo menos uma revolta, dentro desse sistema.

Propus, em primeiro lugar, a compra, por licitação, (a) de três mini-computadores (na época tinham de ser equipamentos produzidos pela indústria nacional), para a sede, (b) de 300 microcomputadores para serem distribuídos pelos usuários centrais e pelos usuários remotos, nas regionais da Secretaria, e, por fim, (c) de 300 cópias de MS-DOS, de MS-Word, de MS-Excel, de MS-PowerPoint e de MS-Access.

Foi um rebu.

No tocante aos minicomputadores, o protesto foi de que a PRODESP detinha direito exclusivo de processar os dados dos órgãos estaduais. No tocante à compra dos microcomputadores, o mesmo argumento foi usado: em vez de microcomputadores, deveríamos aquirir terminais (burros) dos computadores da PRODESP. No tocante ao sofware da Microsoft, o protesto foi diferente. Além de se argumentar que não precisaríamos dele, porque estaríamos usando os terminais burros da PRODESP, argumentou-se que, mesmo que fosse autorizada a compra dos microcomputadores, deveríamos usar software nacional (como previa a legislação de “Reserva de Mercado para Empresas Genuinamente Nacionais), como, por exemplo, o sistema operacional SISNE, um processador de textos supostamente nacional, o Carta Certa, o Saci, uma planilha eletrônica também supostamente nacional, o gerenciador de base de dados supostamente nacional, Dialog (uma cópia deslavada de dBase II/III). Não havia, que me lembre, nenhum produto supostamente nacional que substituísse PowerPoint.

A briga ficou feia.

O Secretário Pinotti me apoiou e apelou ao Governador Quércia. Eu, nos bastidores, acionei Ana Maria Tebar. Quércia, que era um prodígio em termos de capacidade de lidar com assuntos complicados, decidiu criar o Conselho Estadual de Informática (CONEI), para reduzir o poder da PRODESP. Fui nomeado para ele (com outras pessoas amigas do Governador). A solicitação da Secretaria da Saúde foi submetida ao CONEI, que a aprovou.

Estava quebrado o monopólio da PRODESP dentro do Estado.

A SISCO ganhou a licitação para os minicomputadores, a Prológica para os microcomputadores, e a empresa que representava a Microsoft no Brasil (a Microsoft ainda não tinha subsidiária aqui) ganhou a licitação para o software.

Mas havia mais um problema.

Naquela época a Secretaria da Saúde tinha de coletar informações rotineiramente sobre vinte e seis moléstias de notificação compulsória — e tinha de encaminhar essas informações à World Health Organization – WHO (Organização Mundial da Saúde – OMS) em Genebra. Acho que ainda tem — e que o número de moléstias de notificação compulsória aumentou. As informações eram encaminhadas em papel pelo Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) — embora a WHO, através de sua divisão de Information Systems Support – ISS, dirigida por um ex-profissional da IBM, Dr. Salah Mandil, do Sudão, estivesse plenamente equipada para receber esses dados por telecomunicações.

Entrei em contato com Mandil, que logo se tornou meu amigo, e fiquei sabendo o que tínhamos de fazer para enviar os dados para a WHO por telecomunicações.

O problema, porém, não era do lado da WHO: era do nosso lado.

O governo brasileiro — já não mais o governo militar, mas o governo da chamada Nova Republica, presidido pelo José Sarney, não havia ainda conseguido revogar a “herança nefasta” do período militar.

O governo brasileiro tinha um departamento, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), chamado de TransBorder Data Flow (TBDF), que controlava o Fluxo de Dados Trans-Fronteiras. A SEI, na “Nova República”, estava vinculada ao MCT. Ou seja, o governo imaginava que era capaz de controlar cada bit que entrava no Brasil ou saía do Brasil. Assim, para enviar os relatórios mensais de moléstias infecciosas para a WHO em Geneva, tive de solicitar permissão ao Governo Federal. Fiz isso. Eis a resposta que recebi em 24//3/1988:

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“Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)

Conselho Nacional de Informática e Automação (CNIA)

Secretaria Especial de Informática (SEI)

Certificado SAE no. 028/88

A Secretaria Especial de Informática – SEI certifica que se pronunciou favoravelmente quanto ao estabelecimento de ligação internacional para comunicação de dados com as seguintes características básicas:

INTERESSADO: Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo

TIPO DE LIGAÇÃO: Uma ligação internacional, via nó internacional (RENPAC/INTERDATA), a 1200 bps

LOCALIDADES LIGADAS: São Paulo-SP e a Organização Mundial da Saúde em Genebra.

O presente certificado é expedido com base nas informações e dados constantes do Proc. SEI no. 51746/87-5 (374), e expira em 15/3/1991.

Brasília-DF, 24 de Março de 1988

Kival Chaves Weber, Secretário Executivo

Dorgival S. Brandão Júnior, Sub-Secretário de Atividades Estratégicas”

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Para obter esse aval, tive de me comprometer, através de “TERMO DE COMPROMISSO”, de 24/2/1988, a não usar o link com a WHO para outros fins, e de me declarar ciente de que, se o link fosse usado para outros fins, seria imediatamente cancelado.

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RELÍQUIA 3 (1993)

A revista Newsweek de 5/4/1993, vinte anos atrás, publicou, como matéria de capa, um artigo com o título “Wiring the World” (Cabeando o Mundo) [fls. 26 e seguintes]. Newsweek era publicada pelo conglomerado The Washington Post. A matéria procurava mostrar que o mundo estava sendo interligado, e que, dentro de pouco tempo, estaria todo interligado por fios e cabos.

Na semana seguinte, em 12/4/1993, a revista Business World, uma das principais concorrentes de Newsweek, publicou, como uma matéria de capa, um artigo com o título “Wireless World” (Mundo sem Fios). Business Week era publicada por McGraw-Hill Publications.

Business Week faturou. Demonstrou ter uma percepção mais precisa do que estava ocorrendo. O mundo de fato estava fincando interligado — mas a interligação se daria prioritariamente sem fios, via satélites.

É verdade que Newsweek acrescentou uma pequena matéria, nas fls. 32-33, a “Wireless Age” (A Era Sem Fios), mas a matéria criava no leitor a impressão de que o “wireless” seria a exceção, não a regra, e que se aplicaria unicamente aos telefones celulares, não aos computadores. Consequentemente, nenhum sinal dos “SmartPhones”, os telefones que são computadores e que operam basicamente sem fios, e que tenderiam, em termos de número, a suplantar os computadores interconectados, e conectados à Interenet, por fios e cabos.

E o ano era 1993 — o ano em que Al Gore daria sua inestimável contribuição à Revolução Digital.

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É isso. Por enquanto. É verdade que, olhando pelo retrovisor, é bem mais fácil. Mas quem sabe ainda acho mais relíquias.

Em Salto, 15 de Janeiro de 2014.

Liberdade e Tolerância

Tendo a crer que o ser humano, em regra, prefere o verdadeiro ao falso (a verdade ao erro), o certo ao errado, o bom ao mau, o belo ao feio.

O problema é que, em geral, não concordamos sobre o que é verdadeiro, certo, bom, e belo – e o que é falso, mau, errado e feio.

Em princípio, só temos nossa capacidade de observar, comparar, analisar, refletir, argumentar, criticar para formar nossas convicções acerca do verdadeiro, do certo, do bom, do belo – e seus opostos. A esse conjunto de capacidades muito cedo se deu o nome de razão (logos, ratio). A razão é nossa differentia specifica no reino animal. Somos animais como tantos outros. Por mais que alguns esnobes possam tentar crer doutra forma, somos gerados como qualquer macaco, numa conjunção carnal que, por mais prazerosa que seja, não deixa de ter muito que é feio, até mesmo ridículo. Como cachorros e gatos, não sobrevivemos se não nos alimentamos – basicamente da mesma forma que eles: enfiando comida goela abaixo. O pior é que, aquilo que entra no nosso sistema digestivo, tem de (em parte) sair. Assim, suamos, urinamos, defecamos, soltamos gases como qualquer cavalo. E assim vai. Só nossa razão (o conjunto de capacidades parcialmente listado atrás) nos diferencia dos outros animais. A razão é específica de seres humanos. Se nossas funções biológicas nos colocam firmemente no reino animal, nossas funções racionais nos fazem participar, ainda que parcialmente, do reino das realidades mentais – que inclui as realidades intelectuais, morais, estéticas e até mesmo espirituais, e, que, por isso, segundo alguns, nos assemelha, ainda que imperfeitamente, aos deuses.

Em suma: só temos nossa razão para descobrir o que é verdadeiro, certo, bom e belo. Se o ser humano foi criado por Deus, como acreditam alguns (entre eles os judeus e cristãos), Deus o criou assim, como um animal racional. Seu corpo foi feito de barro: mas sua razão (mente, alma, espírito) lhe foi soprada pelo próprio Deus.

Algumas pessoas tendem a acreditar que, ao lado da razão, temos também a revelação como fonte para aquilo que consideramos verdadeiro, certo, bom, belo. A revelação, segundo Tomás de Aquino, complementa (sem nunca contradizer) aquilo que a razão nos permite descobrir. Segundo ele, há verdades (etc.) secundum rationem (as que nós próprios descobrimos) e verdades (etc.) supra rationem (aquelas que nos são reveladas). Ou seja, além das verdades (etc.) descobertas pela nossa razão podemos contar com outras cuja descoberta está além da capacidade da razão – mas que são compatíveis com a razão. Isto é: a revelação nos dá verdades (etc.), nunca falsidades (que seriam contra rationem).

No entanto, há dois problemas sérios com essa famosa proposta (que até alguém eminentemente racional como John Locke aceitou).

Primeiro, só temos nossa razão para determinar se alguma verdade é racional ou suprarracional (sem ser contrarracional). Cito um exemplo simples. Aristóteles, talvez o ser mais racional que já pisou nesta terra, e mestre intelectual de Tomás de Aquino, acreditava que o mundo é eterno – não tem princípio nem fim. Logo, não foi criado. Judeus e cristãos acreditam, porém, com base no livro de Gênesis, que ambos aceitam como revelado, que o mundo foi criado por Deus num determinado momento ex nihilo – ou seja, a partir do nada, isto é, sem envolver combinação de materiais pré-existentes. Segundo um, o mundo físico não tem nem princípio nem fim. O outro acredita que o mundo físico teve princípio (e terá fim). As duas teses não podem ser verdadeiras: pelo menos uma delas tem de ser falsa. Qual? Não temos nenhuma outra forma, além de nossa razão, para decidir essa questão, porque a revelação não se autentica a si mesma. Precisamos usar nossa razão para avaliar sua alegada origem.

Segundo, há várias supostas revelações que competem umas com as outras e, não raro, se contradizem. Segundo os cristãos, com base no Novo Testamento, Jesus é o Cristo, isto é, o messias que havia sido prometido a Israel. Os judeus negam isso – e ainda aguardam o messias. E ambos afirmam se basear (em parte) no Antigo Testamento. Os muçulmanos acreditam que Maomé ocupa, em parte, o lugar que Jesus Cristo ocupa no cristianismo (que eles acreditam ser de profeta, e não de messias). Como avaliar as reivindicações contrárias, e mesmo contraditórias, das supostas revelações? Não temos nenhuma outra forma, além de nossa razão, para decidir essa questão.

O argumento mais persuasivo a favor da liberdade de opinião e da tolerância que eu conheço eu encontrei em On Liberty (Sobre a Liberdade), de John Stuart Mill. Usei-o pela primeira vez em 1966, quando fui censurado como redator-chefe do jornal acadêmico O CAOS em Revista, órgão oficial, naquela época, do Centro Acadêmico Oito de Setembro, do corpo discente do Seminário Presbiteriano de Campinas. Eis parte do Editorial do segundo número do jornal, publicado depois do empastelamento do primeiro:

“É conscientes desta verdade que levantamos a nossa voz em protesto contra a estreiteza de mente de alguns dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil para os quais até opinião é delito, para os quais a livre expressão do pensamento é causa suficiente para expurgo! Como é mais fácil lutar para manter as liberdades que já temos do que lutar para reconquistar as liberdades perdidas, ‘ O CAOS em Revista ‘ se dispõe, em suas páginas, a dar livre expressão ao pensamento dos alunos. O número presente é exemplo disto.

Não podemos permitir que nos tolham a liberdade de ter os nossos próprios pensamentos e o livre direito de expressa-los. É esta a base da democracia. É esta a base do regime presbiteriano. Em sua obra Utilitarianism, Liberty and Representative Government (New York: Dutton, 1910, p.79) John Stuart Mill faz notar, com toda razão, que silenciar a expressão de uma opinião é roubar a raça humana, tanto a geração presente como a posterior, sendo ainda mais prejudicados os que discordam do que os que mantêm a opinião, pois, se a opinião é correta, aqueles que dela discordam estão perdendo a oportunidade de trocar o erro pela verdade, e, se é errada, os dela discordantes perdem o grande benefício de adquirir uma percepção mais clara e mais viva da verdade, proveniente de sua colisão com o erro.

Se as ideias que temos expressado e, esperarmos, continuaremos a expressar através deste jornal não são verdadeiras e são perniciosas, não vingarão, pois a melhor maneira de destruir uma ideia falsa é expô-la! Quem estiver com a verdade não precisa temer ideias, por mais estapafúrdias que sejam, pois terão com que refuta-las, através de um franco diálogo. Aqueles que se creem portadores de ideias verdadeiras, se querem mantê-las, devem torná-las continuamente relevantes, e não impedir que novas ideias apareçam e sejam disseminadas.

Aquilo que tem sido considerado como delito, isto é, a apresentação de ideias que não se harmonizam inteiramente com os padrões oficiais, o delito de opinião, é um crime que devemos praticar diariamente, sob quaisquer riscos. Se deixarmos de ser ‘criminosos’  neste campo, estaremos roubando as gerações passadas que lutaram, até o sangue, para obter as liberdades de que somos herdeiros, a geração presente que estará tendo sua voz sufocada e reprimida, e a geração futura que sentirá que uma geração deixou de realizar o seu papel na história!

Neste espírito e com este alvo é que ‘ O CAOS em Revista ‘  sai, exatamente um mês depois do empastelamento do primeiro, em seu segundo número.”

Liberdade para dizer apenas aquilo que todos aceitam e consideram verdadeiro, certo, bom e belo não é liberdade. A liberdade envolve o direito de contestar, e até mesmo ridicularizar (“escarnecer”, “vilipendiar”), aquilo que todos aceitam, ou a maioria aceita, como verdadeiro, certo, bom e belo – ou mesmo como sagrado.

O art. 208 de nosso Código Penal tem uma parte que, no meu entender, contradiz o direito à liberdade de expressão protegido pela Constituição. Esse artigo define os supostos “crimes contra o sentimento religioso”, sub-definidos como os crimes de “ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”. Eis o que diz o solitário artigo:

“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.”

Concordo que “impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso” pode e deve ser considerado um crime – e que se há emprego de violência nesse impedimento ou nessa perturbação, a gravidade do crime aumenta.

No entanto, criminalizar o ato de “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa” é ir longe demais. Até uma piada sobre pastor, padre, ou rabino contada publicamente pode ser incluída nessa definição de crime. Lembram-se da piada sobre o pastor, o padre e o rabino que estavam discutindo como dividir as ofertas dos fieis entre o trabalho de Deus e as necessidades deles próprios? É uma piada antiga, em que pastor ainda usava chapéu e padre, batina. O pastor disse que jogava todas as ofertas para cima e as aparava com o chapéu: o que caísse no chapéu era dele, pastor. O padre disse que jogava todas as ofertas para cima e as aparava com a saia da batina: o que caísse na batina era dele, padre. O rabino disse que jogava todas as ofertas para cima: o que Deus apanhasse era dele, Deus. Contar essa piada em público poderia ser interpretado como crime de escarnecimento – pelo menos contra o rabino.

Criminalizar o “vilipêndio” público de “ato ou objeto de culto religioso” também é ir longe demais. Chutar uma imagem da Virgem Maria na TV, como uma vez fez um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, é um ato idiota, de profundo mau gosto, e, num país constituído predominantemente de devotos da virgem, contraproducente (em relação aos interesses de quem o comete). Mas não me parece ser crime. Imagens não têm direitos: só pessoas os possuem. Dizer que os direitos dos devotos estão sendo violados neste caso é um exagero. Em países de grande tradição democrática, como os Estados Unidos, nem queimar a bandeira do país é, hoje, considerado crime. Quebrar uma imagem ou queimar uma Bíblia (ou o Livro dos Mórmons, ou o Princípio Divino, da Igreja da Unificação Rev. Moon) o seria, no Brasil dos ultrassensíveis.

Recentemente um vídeo de Natal do grupo Porta dos Fundos, disponível no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=2VEI_tn090c), causou frisson entre alguns evangélicos.

Eis o que diz um post irado no Facebook:

“Para os cristãos que estão apoiando a dessacralização da pessoa de Jesus Cristo no último vídeo de Natal do Grupo humorístico Porta dos Fundos, leiam alguns trechos dessa cloaca:

‘O cara é Deus. Se ele quisesse ele te engravidava’ [personagem que representa o anjo Gabriel falando com o personagem que representa José] (02:11)

‘Querido, relaxa, que o pessoal acredita em qualquer coisa… vai por mim’ [personagem que representa Deus falando com o personagem que representa José] (02:34)

No contexto da crucifixão, o soldado que vai crucificar Cristo diz:

‘Olha só Jesus, eu tô perdendo a minha paciência com você. Tá aqui me dando o maior trabalho. Cê acha que eu sô o quê, suas nêga?’

Amados, chamar isso de humor e não se indignar, eu puxo a descarga!!!”

Longe de mim negar que cristãos tenham o direito de se indignar com o teor do vídeo e de (simbolicamente) joga-lo na privada e puxar a descarga. Eles têm até mesmo o direito de iniciar uma campanha contra o referido grupo, recomendando a outros cristãos que não assistam às suas produções (em vídeo ou presencialmente). O problema é outro.

O primeiro comentário ao post transcrito disse:

“Absurdo total! Temos que denunciar esse vídeo!!!”

O autor do post comentou:

“Denunciei à Polícia Federal por violar o Artigo 208 do Código Penal”.

Novamente: como o art. 208 do CP existe e está em vigência, não nego o direito de que seja invocado por quem quer que seja.

O que me causou surpresa foi o seguinte. Quem denunciou o vídeo do Porta dos Fundos à Polícia Federal por violação do art. 208 do CP é contra o Projeto de Lei Complementar 122, em trâmite no Senado Federal, que define como crime de homofobia determinadas manifestações contra os homossexuais.

Segundo a interpretação comumente dada ao texto dessa PLC por evangélicos fundamentalistas (ou mesmo apenas conservadores), o Projeto de Lei criminalizaria o pastor que criticasse a opção homossexual por considerar o homossexualismo pecado ou por alegar que a Bíblia o condena; ou o psicólogo que considerasse o homossexualismo uma doença passível de cura pela psicoterapia; ou mesmo o homem comum que considerasse o homossexualismo uma sem-vergonhice. Isso, segundo eles, seria uma violação indevida da liberdade de expressão (ou do direito à livre expressão do pensamento) de pastores, psicólogos ou mesmo das pessoas comuns, leigas em teologia ou psicologia, liberdade essa garantida pela Constituição, nossa lei maior, que, portanto, se sobrepõe ao referido Projeto de Lei Complementar (e, aqui entre nós, também ao Código Penal).

Se os evangélicos se opõem a esse Projeto de Lei, por violar direitos de livre expressão, não podem, por coerência, ainda que a lei atual o permita, conclamar a polícia e a justiça a aplicarem o art. 208 do CP contra o grupo Porta dos Fundos por causa de seu vídeo.

Na realidade, nas passagens citadas do vídeo, não há escarnecimento ou vilipêndio de ninguém, em particular – certamente de ninguém que esteja vivo e resida aqui no Brasil. Há, sim, uma certa gozação com certas passagens do Novo Testamento – em especial, a história do nascimento virginal de Jesus. Convenhamos: alguns dos principais teólogos protestantes do Século 20, como Karl Barth e Rudolf Bultmann, não acreditavam no nascimento virginal de Jesus. Em outras palavras, para eles, José era o pai, de fato, de Jesus. A Bíblia relata que o próprio José, como qualquer homem em circunstâncias semelhantes, teve reservas em relação à história quando a ouviu – sendo necessário que um anjo viesse convence-lo de que tudo estava bem. O vídeo do Porta dos Fundos, diferentemente dos teólogos protestantes mencionados, não nega o nascimento virginal: chega a afirmar que Deus, se quisesse, poderia ter engravidado até o próprio José. O problema é que fez isso num tom jocoso, que indica que seus autores quiseram ridicularizar a história. Mas e daí? Isso pode ser de mau gosto, mas não consigo imaginar que ser considerado crime em uma sociedade liberal, em que as pessoas são livres para acreditar ou acreditar no que bem quiserem. Protestantes contam histórias de padres e coroinhas, de “mulheres do padre”, etc., sem acreditar que estão correndo o risco de serem presos e indiciados por crime de escarnecimento da fé alheia ou do ofício religioso alheio. Na minha opinião, não estão.

É isso.

Em Salto, 28 de Dezembro de 2013

Respeitar a liberdade alheia não é fácil

Evangélicos, especialmente os mais conservadores, liderados por Silas Malafaia, têm procurado impedir a aprovação do chamado PLC 122/2006 (Projeto de Lei Complementar).

A Wikipedia descreve assim esse PLC:

“O projeto de lei tem por objetivo criminalizar a homofobia no país e encontra-se na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal do Brasil, sob relatoria da Senadora Marta Suplicy (PT -SP). É considerado por importantes juristas, entre eles dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como constitucional. A aprovação imediata de alguma legislação específica para a criminalização da homofobia é apontada como “urgentemente” necessária no país por alguns especialistas. Para algumas entidades cristãs (católicas e protestantes), o projeto fere a liberdade religiosa e de expressão, por prever cadeia (até 5 anos) para quem criticar publicamente a homossexualidade, seja qual for a razão.”

Como esclarece a Wikipedia, o PLC, ao criminalizar, prima facie, a “homofobia”, corre o risco de (na falta de uma definição precisa e estreita de homofobia) criminalizar comportamentos que são críticos da “orientação sexual homossexual”, sem serem realmente “fóbicos” em relação a ela. O pastor que, do púlpito, manifesta seu ponto de vista de que o homossexualismo é condenado pela Bíblia como pecado, ou o psicoterapeuta que considera o homossexualismo uma doença que pode ser curada, ou simplesmente aqueles, leigos na teologia e na psicologia, que consideram o homossexualismo um comportamento moralmente errado (talvez porque “antinatural” – outro termo de definição complicada – ou por qualquer outro critério), todos esses poderiam vir a ser indiciados e mesmo condenados pelo crime de homofobia, em algumas versões da projetada lei.

Como liberal da velha guarda e mesmo anarquista libertário que sou, defensor da liberdade de opinião, e opositor radical de qualquer medida que possa resultar em algo classificável como “delito de opinião”, quero deixar claro que não concordo com nenhuma proposta que possa criminalizar as condutas descritas no parágrafo (do pastor, do psicólogo, ou do leigo). Nesse aspecto, estou do lado dos “religiosos” que se opõem ao  PLC em questão.

Qual não foi minha surpresa, entretanto, ao ver evangélicos que se opõem a esse PLC, pelas razões indicadas, denunciar à Polícia Federal, como violação do Art. 209 do Código Penal, um vídeo de Natal do Grupo Porta dos Fundos (http://www.youtube.com/watch?v=2VEI_tn090c).

Eis o que diz um post irado no Facebook:

“Para os cristãos que estão apoiando a dessacralização da pessoa de Jesus Cristo no último vídeo de Natal do Grupo humorístico Porta dos Fundos, leiam alguns trechos dessa cloaca:

‘O cara é Deus. Se ele quisesse ele te engravidava’ [personagem que representa o anjo Gabriel falando com o personagem que representa José] (02:11)

‘Querido, relaxa, que o pessoal acredita em qualquer coisa… vai por mim’ [personagem que representa Deus falando com o personagem que representa José] (02:34)

No contexto da crucifixão, o soldado que vai crucificar Cristo diz:

‘Olha só Jesus, eu tô perdendo a minha paciência com você. Tá aqui me dando o maior trabalho. Cê acha que eu sô o quê, suas nêga?’

Amados, chamar isso de humor e não se indignar, eu puxo a descarga!!!”

O primeiro comentário ao post disse:

“Absurdo total! Temos que denunciar esse vídeo!!!”

O autor do post comentou:

“Denunciei à Polícia Federal por violar o Artigo 208 do Código Penal”.

Alguém mais conciliador comentou:

“Creio que todo cristão verdadeiro se indigna com tamanho ultraje. O ponto de divergência é quanto aos meios de exteriorizar essa indignação — se recorrendo aos tribunais ou se deixando apenas ao juízo de Deus.”

Mais ou menos a essa altura eu entrei na discussão, argumentando (o texto aqui acrescenta uma coisinha ou outra em relação ao que publiquei no Facebook):

“Se [o vídeo] é humor ou não, xxx, não vem ao caso. E não nego que cristãos tenham o direito de, em assistindo ao vídeo, se indignar — ou, melhor ainda, o direito de, sabendo do que se trata, nem assistir, ignorar.

Mas o que você pretende denunciando o vídeo à Polícia Federal? Que a Polícia Federal vá lá, prenda os caras e feche o ganha-pão deles? E que a Justiça os condene a um ano de prisão (conforme prevê o  art. 208 do CP) “pelo delito de opinião”?

Por favor, meu amigo…

Parece-me que você, que tanto critica o gayzismo (que, na forma, mesmo que não na substância, é uma forma de religião que quer criminalizar quem critica os gays), está agindo da mesma forma: querendo criminalizar manifestações de opinião de gente que não concorda com suas crenças e conm suas sensibilidades.

Você acha crime fazer piada ou brincadeira com Jesus Cristo? Então você nunca colocou os pés dentro de um seminário teológico. . .

Não veja os videos dos caras. Ignore-os. Critique-os. Mas denuncia-los à Polícia Federal por violação do Art 208 do CP é abusar de uma lei burra.

Impedir a realização de culto religioso não tenho dúvida que é crime. Mas fazer brincadeira, humor ou gozação com crenças religiosas próprias ou dos outros é algo até comum — e, em grande medida, inofensivo. Tentar criminalizar esse comportamento é ir longe demais. Vou começar uma campanha pela modificação do artigo 208 do Código Penal — termos como ‘escarnecer,’ ‘vilependiar’ não comportam definição precisa. Ao ler o referido artigo do CP parece que estou lendo São Paulo nos seus piores momentos.

É esta a minha contribuição ao diálogo às 4h da manhã.”

Exigir que respeitem a nossa liberdade de opinião, a nossa sensibilidade, os nossos valores, é fácil.

Duro é respeitar igual liberdade dos outros, que discordam de nós, que tem diferente sensibilidade, que tem valores diferentes.

Em Salto, 28 de Dezembro de 2013

Religião e Educação, Igreja e Escola: Como Impedir a Inovação

Quando comecei a seriamente estudar Teologia, nos idos de 1964, dois livros (e, por conseguinte, dois autores) mexeram profundamente comigo: Rudolf Bultmann e John A. T. Robinson. O primeiro, através de um ensaio chamado “O Novo Testamento e a Mitologia” [“Neues Testament und Mythologie”], publicado, no original em Alemão, numa coleção de artigos chamada Kerygma und Mythos (vol. 1). O segundo, através de um livrinho aparentemente despretensioso, chamado, na tradução do original em Inglês, Honestos para com Deus [Honest to God]. Talvez o título mais adequado desse livrinho devesse ter sido: Honestos Para Com Nós Mesmos Acerca de Deus. Pelo menos foi assim que eu o li.

Isso foi lá atrás — já lá vão quase 50 anos.

Mexendo nos meus livros ontem à noite, encontrei um livro sobre John A. T. Robinson (que, por sinal, era bispo da Igreja Anglicana) que é prefaciado pelo próprio bispo. Nesse prefácio ele faz uma citação de Harvey Cox (cujo livro A Cidade Secular [Secular City] também li mais ou menos na mesma época) que se ajustou como uma luva a coisas que venho pensando acerca da educação.

Não vou citar a passagem de Cox verbatim. Vou apenas transcrever aquilo que entrou no meu sangue e foi absorvido pelo meu corpo — vale dizer, no caso, abandonando a metáfora, aquilo que ficou em minha mente.

As coisas que dizemos (observou Cox) refletem, muito mais do que imaginamos, o lugar institucional em que nos encontramos e a função que exercemos nessa instituição. Aquilo que se escreve sobre o Cristianismo e a Igreja é, em sua imensa maioria, de autoria de teólogos profissionais que também são pastores. Consequentemente, é difícil imaginar, nesses escritos, uma vida cristã sem igreja e sem pastores. O que é escrito reflete o lugar institucional dos autores (dentro da igreja) e a função que nela exercem (pastores). Seria “suicídio” institucional e profissional postular um Cristianismo que se vive fora da igreja (“no mundo”) e sem a tutelagem (ou mediação) dos pastores.

Aplicando a mesma ótica à educação e aos que escrevem sobre a educação, que, em sua imensa maioria, são professores, é difícil imaginar, nesses escritos, uma educação sem escolas e sem professores. O que é escrito reflete o lugar institucional dos autores (dentro da escola) e a função que nela exercem (professores). Seria “suicídio” institucional e profissional postular uma educação que se obtém fora da escola (“na vida social”) e sem a tutelagem (ou mediação) dos professores — algo como o que propõe Ivan Illich (que era padre, não professor).

A conclusão é que, se queremos realmente revolucionar a educação, encontrar um novo — na verdade, inovador — paradigma que prescinde dos componentes do modelo atual (escolas, professores, ensino, metodologia de ensino, livro didático ou sistema de ensino, etc.), precisaremos recorrer a autores que não vivem dentro da escola, como professores, ou que não vivem da escola (vendendo serviços e produtos para a escola ou para os professores). Mesmo sem se dar conta conscientemente do fato, esse pessoal está “vendido” ao paradigma atual da educação: não consegue imaginar um paradigma diferente, porque este representaria o seu “suicídio” institucional e profissional.

Alguém conhece alguma grande editora de livros didáticos e/ou sistemas de ensino que defenda um paradigma educacional não focado em professores e no ensino (e, consequentemente, na escola)? Esse pessoal ganha uma fábula de dinheiro produzindo e vendendo livro didático e/ou sistema de ensino.

Alguém conhece algum autor “best seller” de livros didáticos (em Língua Portuguesa e Matemática, principalmente) que defenda o fim do uso do livro didático na educação?

Alguém já viu algum professor que defenda uma educação sem professores?

Alguém conhece alguma empresa ou ONG que vende formação de professores que defenda uma educação sem professores, “peer-to-peer“, genuinamente colaborativa no plano horizontal ou lateral?

Alguém já viu um dono de escola, dessas que são uma mina de dinheiro, propor uma educação sem escolas, em rede, pela Internet?

Alguém já viu um “top gun” de sindicato de professores defender uma educação sem professores?

Pois é. Não existe. Essas empresas, essas ONG, esses sindicatos e essas pessoas sabem de onde vem o seu dinheiro e ninguém é doido de defender uma visão da educação que ponha fim às tetas em que mama.

Assim, há um conluio tácito entre editoras de livros didáticos ou sistemas de ensino, autores de livros didáticos ou sistemas de ensino, professores, lideranças de sindicatos de professores, empresas e ONGs envolvidas em consultoria educacional e formação de professores, donos de escolas, gestores de sistemas educacionais, para manter o atual paradigma educacional centrado em escolas, professores, ensino, metodologia de ensino, materiais didáticos ou sistemas de ensino, sindicatos de professores, donos de escolas.

Quando alguém diz que esse paradigma educacional vai mal, o que é proposto? Não um paradigma educacional diferente, mas mais do mesmo: ampliação do número de dias letivos, extensão do dia letivo para período integral, redução do tempo gasto fora da sala de aula, redução do tempo gasto como qualquer coisa que não seja ensino dentro da sala de aula, redução do número de alunos na sala de aula, contratação de mais professores, pagamento melhor para os professores, mais e melhor formação de professores, colocação de auxiliares didáticos dentro da sala de aula, correção da defasagem idade-série entre os alunos, melhores e mais abrangentes sistemas de avaliação, etc.

É realmente de desanimar para aqueles que acreditam que uma nova e inovadora educação é possível. . .

Em São Paulo, 14 de Dezembro de 2013