Meu Pai, o Rev. Oscar Chaves (1912-1991)

Meu pai, o Rev. Oscar Chaves (nome completo), nasceu no Triângulo Mineiro, em Patrocínio, Minas Gerais, cerca de 140 km a leste de Uberlândia, no dia 11 de Outubro de 1912, filho de Carlos Gonçalves Chaves, comerciante, e Alvina Jacintha de Oliveira Chaves, do lar. Teve cinco irmãos que sobreviveram até a idade adulta — quatro homens e uma mulher, a caçula: Carlos, Raul, [Oscar], Mauro, Aldo, e Dulce.

Fui privilegiado de conhecer a minha avó e todos os meus tios. Só não conheci meu avô, que faleceu quando meu pai era pequeno.

Dos tios, Carlos Chaves, “O Professor”, maçom livre, tradutor profissional (alguns volumes de Sherlock Holmes), escritor (Aprenda Sozinho Ortografia, etc.), foi o que me marcou mais fortemente. Simpático, mas calado e taciturno, normalmente dizia aos se despedir: “Beneficia-los-ei com minha ausência…” Até hoje digo isso ao me despedir dos de casa, que o conheceram. Por um tempo, tive uma assinatura que imitava a sua, inconfundível, até com os três pontinhos. Tinha muito orgulho de dizer aos meus professores do Ginásio que meu tio havia traduzido As Aventuras de Sherlock Holmes para a Melhoramentos [1].

Meu pai nasceu em lar católico e cresceu como católico sincero, indo à igreja todos os domingos, acompanhando todas as procissões, especialmente as da Semana Santa. Quando ainda bem jovem, fez parte da Conferência de São Vicente de Paula, que naquele tempo só tinha pessoas de idade. Mais tarde, mas ainda quando jovem, começou a estudar o espiritismo de Allan Kardec e se tornou um católico-espírita. Freqüentou muitas sessões espíritas com sua mãe. Depois foi convidado para os cultos protestantes (crentes), tendo aceito vários convites.

Começou a ler livros de polêmicas religiosas do pastor presbiteriano Rev. Álvaro Reis com espíritas (Cartas a um Doutor Espírita) e abandonou as idéias espíritas. Depois devorou livros de controvérsias com padres católicos, escritos por diversos autores presbiterianos.

O que mais o esclareceu e o entusiasmou foi Mimetismo Católico, discussão entre o Rev. Álvaro Reis e o Dr. Carlos de Laet, grande líder católico. Chegou a ler esse livro oito vezes! Mas ainda não era “crente” e tinha vergonha de entrar na Igreja Evangélica. Só no final de 1932 veio a se converter. Para que isso acontecesse, teve de ir para uma outra cidade, Patos de Minas, MG, onde ficou cinco meses lecionando num pequeno colégio [2].

Em Patos se firmou no Evangelho e, voltando para Patrocínio, em Dezembro de 1932, fez, no dia 1º de Janeiro de 1933, sua profissão de fé na Igreja Presbiteriana, com o Rev. Dr. Eduardo Lane (em homenagem ao qual eu recebi meu nome). Em Fevereiro, um mês depois de professar, já fez sua primeira pregação no púlpito daquela igreja, a convite do pastor. Nessa data, 1/2/1933, o texto de seu primeiro sermão foi o do Evangelho Segundo João, cap. 5, vers. 40: “E não quereis vir a mim para terdes vida.”

Naquele mesmo ano desejou ir estudar para o ministério em São Paulo. Seu pastor, Dr. Lane, viu, porém, que ele estava muito “verde” e o fez esperar um ano. Em Fevereiro de 1934 foi para o Curso Universitário “José Manuel da Conceição”, em Jandira, onde estudou cinco anos (quando foi para o JMC já tinha o 3º Ginasial). Lá se formou em 1938, indo então para o Seminário de Campinas, onde concluiu o curso teológico em 1941.

Foi licenciado pregador do Evangelho em 26 de Janeiro de 1942 (segunda-feira), pelo então Presbitério de São Paulo, na Congregação Presbiterial “Betânia”, em Pinheiros, sob o pastorado do Rev. Avelino Boamorte. Seu sermão de prova versou sobre João 18:36: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos para que eu não fosse entregue aos Judeus. Mas agora o meu reino não é daqui”.

Licenciado, foi enviado para a remota cidade de Paracatu, MG, para trabalhar com a West Brazil Mission (um dos ramos missionários que os presbiterianos americanos tinham no Brasil), sendo o primeiro obreiro evangélico a residir naquela antiga cidade mineira.

De Paracatu veio para Campinas, em Julho de 1942, para se casar, no dia 3 (dia do meu casamento religioso com a Paloma, setenta anos depois…), com minha mãe, Edith de Campos, com quem ficou casado até o fim de sua vida. Minha mãe foi com ele para Paracatu, depois das núpcias. Minha mãe havia nascido em 7 de Agosto de 1924 na Fazenda Boa Vista, nos arredores de Campinas (do lado de onde fica a Bosch, hoje, na saída para Hortolândia, antiga Jacuba). Ela era filha de José de Campos e Angelina Claro Godoy de Campos. Teve uma única irmã, Alice, que sobrerviveu até a idade adulta — a minha tia favorita, em muitos aspectos minha segunda mãe.

No fim de 1942 meu pai foi convidado para ser missionário da Junta de Missões Nacionais (JMN) e, aceitando o convite, foi ordenado para o ministério pelo Presbitério de São Paulo, no dia 31 de Janeiro de 1943 (domingo, à noite), no templo da Igreja Cristã Reformada da Lapa, em São Paulo. Com ele foram ordenados Wilson de Castro Ferreira e Domício Pereira de Matos. Estavam presentes no culto os Revs. William Kerr, Avelino Boamorte, Mario Cerqueira Leite, Amantino Vassão, Miguel Rizzo (orador), Paulo Pernassetti, Júlio C. Nogueira, Jorge César Mota e o pastor da Igreja Cristã Reformada. Oficiaram como ministros assistentes os Revs. Zaqueu de Melo (que era irmão de uma cunhada sua, minha tia, Da. Maria de Melo Chaves, mulher do tio Carlos, autora de um livro sobre o Protestantismo brasileiro, Bandeirantes da Fé, traduzido para o francês como Pionniers de la Foi) e Moisés Aguiar. Seu sermão de ordenação versou sobre Filipenses 1:21: “Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é ganho”. A primeira parte desse versículo é, em grego, o moto do Instituto JMC: “‘emoì gàr tò zên Christós“.

Ordenado o meu pai, ele e minha mãe foram enviados para Lucélia, na Alta Paulista, onde meu pai fundou o trabalho presbiteriano, que nasceu na sala de visitas da casa deles (e, pouco depois, minha também). Ficaram ali dois anos (eu, menos de um ano e meio) deixando um terreno comprado, um grande salão construído e uma Escola Dominical com 127 alunos. Foi ali em Lucélia que nasci, na Rua Amazonas, s/nº, no dia 7 de setembro de 1943. Meu pai plantou muitas igrejas na Alta Paulista. Recentemente descobri que foi o fundador do trabalho Presbiteriano em Dracena, SP, que recentemente celebrou 70 anos — nasceu no mesmo ano que eu.

De Lucélia meus pais foram enviados pela JMN para Irati, no sul de Paraná (entre Ponta Grossa e Guarapuava), onde ficaram um ano, pois o trabalho era realizado entre luteranos, o que não era um campo propício para a Junta. (Hoje meu amigo e ex-professor, João Wilson Faustini, mora em Irati. Passamos perto de lá recentemente, quando voltávamos de Foz do Iguaçu, PR.

De Irati foram enviados para o norte do Paraná, região para a qual afluíam, naquela época, famílias vindas de toda a parte do país, aventureiros, criminosos fugidos da polícia, etc. Em Marialva fomos residir em uma casa de madeira, inacabada, pois era tremenda a escassez de moradias, devido ao alto número de famílias que chegavam todos os dias. Em Marialva já havia uma pequena Escola Dominical num pequenino salão de madeira, que era visitada pelo Rev. Wilson Lício, então pastor em Arapongas. PR. Foi comprado um harmônio, um terreno e construído um grande templo de madeira. Em três anos havia uma Escola Dominical com 173 alunos e um imponente coral com quase trinta coristas, com todos os coristas de uniforme (herança do JMC) — algo que revolucionou aquela pequenina cidade que, naquela época, era uma cidade estilo “velho Oeste”, com cenas de “bang-bang” na rua. Ali recebeu mais de 60 novos membros, a maioria vinda do romanismo e do espiritismo. O Rev. José Carlos Nogueira, quando visitou aquele campo, disse que Marialva era a “Antioquia do Paraná”.

Mas, depois de três anos, formado o trabalho em Marialva, meus pais foram enviados para Maringá, PR, para abrir ali o trabalho presbiteriano, pois a cidade, oficialmente criada em 1947, devia se tornar, como de fato se tornou, a mais importante cidade do Paraná a oeste de Londrina. Eu, e agora, o meu irmão Flávio, nascido em 20 de dezembro de 1946 (em Campinas), naturalmente, fomos juntos. Meus pais alugaram uma casa com um salão comercial na frente e, no salão, começou uma Escola Dominical com 18 alunos. Não havia luz elétrica, água encanada, calçamento. Ali meu pai teve um campo que, quando de sua saída, no início de 1952, se desdobrou em quatro outros. De jardineira da Viação Garcia, ou, por vezes, a cavalo, visitava Marialva, Mandaguari, Jandaia do Sul, Pirapó, Taquarussu, Peaberu, Campo Mourão, Paranavaí, Capelinha e outros lugarejos.

Depois de três anos em Maringá, viemos para São Paulo, porque estava passando da hora de eu entrar na escola. No final de 1951, quando a decisão foi tomada, eu já tinha mais de oito anos, sem estar na escola (embora soubesse ler e escrever bastante bem, fruto especialmente do trabalho de minha mãe.

Ao sair de Maringá, meu pai deixou lá dois bons lotes de terreno comprados, onde depois foi construído o atual templo, e uma Escola Dominical com 137 alunos.

A convite do Presbitério de São Paulo, ele assumiu, a partir de Março de 1952, o pastorado da Igreja Presbiteriana de Santo André — igreja recém organizada (o fora em 1951), com poucos recursos humanos e financeiros. A Escola Dominical, quando tinha 60 pessoas, estava animadíssima. O pequeno salão de cultos, construído na Rua 11 de Junho, 878, onde está hoje o Edifício de Educação Religiosa, poucas vezes se enchia. O campo era formado pela igreja de Santo André e as congregações de São Bernardo do Campo e do Parque das Nações, este, um bairro de Santo André.

Em 1982 (quando foram preparadas as notas biográficas que estou utilizando aqui, para comemorar os 40 anos de sua ordenação ao ministério), a Igreja Presbiteriana de Santo André tinha 600 membros adultos, uma Escola Dominical com 580 alunos, e um Conjunto Coral de 90 vozes. A Igreja de Santo André tinha, em 1982, cinco filhas já emancipadas e organizadas: as Igrejas Presbiterianas de São Bernardo do Campo, Parque das Nações, Utinga (também bairro de Santo André), Mauá e Ribeirão Pires, além de congregações em Jardim das Monções, Cidade São Jorge, e Vila Suiça, todas em Santo André. A Igreja de Santo André já tinha (também em 1982) uma “neta”, a Igreja Presbiteriana de Santo Alberto, criada pela Igreja do Parque das Nações.

Meu pai foi reeleito diversas vezes pastor da Igreja Presbiteriana de Santo André. Em outubro de 1976, depois de pastorear a igreja por 24 anos, foi reeleito, pela sétima e última vez, com 99,1% dos votos da assembléia, prova da estima que a igreja lhe tinha [3].

Em 1982 meu pai completou 70 anos de idade e foi jubilado (aposentado), por força das normas trabalhistas da Igreja Presbiteriana do Brasil. Permaneceu, entretanto, ajudando na Igreja, que passou a ser pastoreada pelo até então pastor auxiliar, Rev. Evandro Luiz da Silva, que havia sido meu colega no Instituto José Manuel da Conceição e no Seminário Presbiteriano de Campinas.

Em um desses lamentáveis acontecimentos a que nem as pessoas mais bem intencionadas estão imunes, meu pai e o Rev. Evandro Luiz da Silva se desentenderam a tal ponto que, em 1986, meu pai e um grupo de membros da Igreja Presbiteriana de Santo André deixaram a igreja e formaram uma congregação que eventualmente se tornou a Segunda Igreja Presbiteriana de Santo André, hoje chamada Igreja Presbiteriana Maranatha de Santo André. Ali os membros que o acompanharam o declararam Pastor Emérito – corrigindo o que só pode ser qualificado de uma indelicadeza cometida pela Igreja que ele pastoreou durante mais de 30 anos, que não havia tomado a iniciativa de assim honrá-lo.

A Igreja Presbiteriana Maranatha tem, há bastante tempo, prédio próprio onde funcionam o templo e as instalações de Educação Religiosa.

Meu pai faleceu em 5 de março de 1991, no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, vitimado por câncer na próstata. Morreu um ano e pouco antes de poder comemorar o seu octagésimo aniversário, o Jubileu de Ouro de sua ordenação e as suas Bodas de Ouro com minha mãe. Foi velado no salão social de sua igreja [4].

Meu pai foi Presidente dos Presbitérios Paulistano e da Borda do Campo, tendo sido também Tesoureiro deste e do Sínodo que o congregava (Sínodo Santos-Borda do Campo). Foi Presidente da Junta de Missões Nacionais da Igreja Presbiteriana do Brasil e membro da Comissão de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil. Visitou uma vez os Estados Unidos, a convite do Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (presidido pelo arqui-conservador Rev. Carl MacIntyre), para assistir, como observador, a uma de suas grandes reuniões, em Atlantic City, New Jersey.

Ele foi convidado para ocupar vários cargos na administração da Igreja Presbiteriana do Brasil, e mesmo para ser professor de sua alma mater, o Seminário Presbiteriano de Campinas. Entretanto, sempre declinou dos convites, preferindo o trabalho na igreja local. Fez diversos trabalhos de evangelização pelo rádio, em duas emissoras de Santo André. Pregou em mais de cem cidades de treze Estados brasileiros.

Além de dedicado pastor e excelente homem de púlpito, meu pai era poeta e músico. Escreveu várias poesias e inúmeras letras de hino, tendo também composto a melodia de alguns. Tocava vários instrumentos, todos eles de ouvido: órgão (inclusive elétrico), piano, acordeon, flauta transversal, flauta doce, gaita, violão, cavaquinho, bandolim, e até mesmo serrote. Era bom pintor de telas em aquarela e guache – embora quase todas elas, e suas gravuras a lápis, exibissem o mesmo tema bucólico e campestre, pleno de por-de-sóis, montanhas, araucárias, palmeiras, e lagos com pequenos barcos a vela.

Mas o que gostava mesmo de fazer era escrever folhetos e artigos criticando os “erros” das outras igrejas. A Católica era seu alvo favorito. Mas as pentecostais também levavam muito chumbo. Era um crítico mestre das outras igrejas.

Meu relacionamento com ele não foi sempre fácil, em especial depois de eu haver decidido ir para o Seminário para me preparar para o ministério. Creio que essa minha decisão (tomada em 1960) elevou suas esperanças a meu respeito, levando-o a imaginar que eu um dia pudesse dar continuidade à sua obra. Quando ele percebeu que, teologicamente e no que diz respeito a política eclesiástica, nós caminhávamos em direções opostas, seu desapontamento foi grande – e o conflito inevitável. Mas esse assunto não cabe aqui neste artigo. Basta dizer que, na minha modesta opinião, mantida até hoje, meu pai, apesar de ser um excelente crítico das outras igrejas, foi bem menos crítico do que devia de sua própria. Foi isso que nos separou teológica e eclesiasticamente. (Vide mais, abaixo: “Ideias”).

A seguir vou apresentar algumas vinhetas da vida do meu pai – pequenos e não tão pequenos episódios que considero importantes ou interessantes.

O Noivado com Loyde Bonfim

Meu pai, quando estudante em Campinas (1939-1941), foi, o tempo quase todo, noivo de Loyde Bonfim, da Missão dos Índios Caiuá, que acabou se casando com um colega de meu pai, o Rev. Orlando Andrade. Nunca tive muitos detalhes do caso, até porque o assunto não era dos que minha mãe mais gostasse de ver discutidos em sua presença. Soube, porém, que o rompimento foi meio inesperado e, portanto, traumático, e que o noivado e casamento com minha mãe, logo depois, não foi muito bem visto nos círculos eclesiais. Pelo que soube, o Rev. Miguel Rizzo teria até mesmo se oposto à ordenação de meu pai em função do ocorrido. (O leitor verá que tive, portanto, por quem puxar, quando, futuramente, terminei alguns namoros e dois casamentos de forma meio abrupta e, para a outra parte, inesperada).

Anos depois, quando eu já era jovem e estudava no Seminário de Campinas, fiquei conhecendo Loyde Bonfim Andrade. Lembro-me de ter ficado surpreso quando ela me perguntou, de sopetão, se eu sabia que por pouco ela não havia sido minha mãe…

Seu aluno, Aharon Sapsezian

Aharon Sapsezian foi meu grande amigo dos meus 45 anos em diante – ou seja, nos últimos quase 25 anos, até sua morte, no ano passado.

Conheci-o pessoalmente em 1967, quando precisava de uma passagem aérea para os Estados Unidos (ida e volta), para poder usufruir uma bolsa de estudos de três anos que me concedera o Pittsburgh Theological Seminary. O Aharon – Rev. Aharon, para mim, naquela época – era, na ocasião, Secretário Executivo da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos. Mesmo sem me conhecer, apenas ouvindo minha história (havia sido expulso do Seminário Presbiteriano de Campinas, com mais de 7o colegas), arrumou, junto ao National Council of the Churches of Christ in the United States of America, a desejada bolsa.

Não o vi mais, nem ouvi falar dele, daquele momento até 1988, vinte e um anos depois, quando já era Professor Titular da UNICAMP, emprestado para dirigir o Centro de Informações de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde. Nessa qualidade, tive de ir até Genebra, para uma série de reuniões relacionadas a sistemas de informação de saúde, em especial os sistemas de notificação de moléstias contagiosas de notificação compulsória, a ser realizada na Organisation Mondiale de la Santé (OMS – ou World Health Organisation — WHO), que tem sede lá.

Nunca havia ido a Genebra, cidade que sempre figurou no meu imaginário por seu papel na tradição reformada (calvinista). Sabedor que meu amigo e colega na UNICAMP, Rubem Alves, ia com certa frequência lá, por suas ligações com o Centre Oecumenique (CO), sede do World Council of Churces (WCC). Perguntei a ele se conhecia alguém lá e ele indicou o Aharon – que trabalhava exatamente no WCC. Disse que só tinha visto o Aharon uma vez na vida, e ele me assegurou que eu seria muito bem vindo.

Em Genebra, liguei para o Aharon por volta das 10h da manhã do meu primeiro dia de trabalho, e ele me convidou para almoçar no apartamento dele já naquele dia. Ficamos melhores amigos à primeira vista. Voltei lá inúmeras vezes e via o Aharon quase todos os dias, todas as vezes.

Numa de nossas conversas, em 1988, ele espiculou sobre minha família, e falei de meu pai, que era de Patrocínio… Ele ficou sério de repente, matutando… E me disse: acho que seu pai foi meu professor de Caligrafia no Instituto Bíblico de Patrocínio, em 1933 (dez anos antes de eu, Eduardo Chaves, nascer). O pai do Aharon era um refugiado armênio, reformado (presbiteriano), mascate pelo interior de Minas, que fixou residência em Patrocínio para que os filhos pudessem frequentar a escola presbiteriana.

Naquele dia liguei para meu pai, já com 76 anos, e perguntei-lhe se se lembrava do Aharon. Disse que sim – e o provou dizendo o nome de sua irmã, Asniv, e de seu irmão (nome que me escapa agora).

Fiquei pasmo com a coincidência. Mas minha vida tem se caracterizado por inúmeros casos de coincidência parecidos como esse. Chamo-os de casos de provincidência – uma mistura de providência com coincidência.

Interesse por Michel Zévaco

Logo depois de nos mudarmos para Santo Andreé, em 1952, meu pai comecou a comprar uma série de livros de um autor francês chamado Michel Zévaco. Os primeiros livros da série se chamavam Os Pardaillan. Outros titulos incluiam Epopéia de Amor, Fausta, Pardaillan e Fausta, Fausta Vencida, O Pátio dos Milagre, A Ponte dos Suspiros, Amantes de Veneza, Nostradamus, O Capitan, Borgia, A Marquesa de Pompadour, João sem Medo, etc. Muitas das histórias giravam em torno do garboso Cavaleiro de Pardaillan e seu intrépido pai, mesmo quando o nome dele não figurava no título. Outras histórias não o tinham como personagem. A histórias todas se passavam na atraente e misteriosa França da segunda metade do século XVI. Sob influência de meu pai comecei a ler os livros e, como ele, apaixonei-me pelas histórias.

Um dia, em 1989, quando estava de novo em Genebra, na Suiça, prestando serviços para a Organização Mundial da Saúde, encontrei em uma livraria Fnac, em Les Halles, a série completa Les Pardaillan, de Michel Zévaco, em três densos volumes que, no total, perfazem quase quatro mil paginas [5]. Ao voltar a São Paulo, encontrei, meses depois, a obra, na Livraria Francesa, na Rua Barão de Itapetininga, 275. Não tive dúvidas: comprei-a, às vésperas do meu aniversário. (A data nos livros é 7 de Setembro de 1989 – mas como esse dia é feriado, imagino que tenha comprado os livros no dia anterior, e tenha colocado a data do meu aniversário para que ficasse registrado que os livros eram um presente que eu dava a mim mesmo).

A edição francesa contém um longo prefácio, de cerca de 140 paginas, escrito por Aline Demars, com o título “Michel Zévaco, Anarchiste de Plume et Romancier d’Épée”. Ali se informa que Zévaco nasceu em 1860 na Corsa e morreu em 1918, em Paris. A historiadora da literatura popular francesa explica que Les Pardaillan começou a ser publicado em Março de 1902, na forma de folhetim (“roman feuilleton”), com o título Par le Fer et par l’Amour.

Aline Demars informa que Zévaco foi um dos maiores sucessos literários do fim do século XIX e do início do século XX. Embora seu nome geralmente não conste dos compêndios de literatura francesa, por ter optado pele gênero “Literatura Popular”, publicada em folhetins, vários intelectuais importantes, entre eles Jean-Paul Sartre, admitiram ter sido fascinados pela obra de Zévaco quando eram crianças e adolescentes. Aqui no Brasil, como vim a saber oito anos depois, Darcy Ribeiro, em suas Confissões, menciona que Zévaco era uma de suas leituras favoritas quando criança e adolescente. Eu estava, portanto, em boa companhia… [6]

No mesmo dia em que comprei os livros em francês, ao voltar para o hotel, comecei a ler as histórias que havia lido 40 anos antes, agora no belíssimo francês do original. Em determinado momento, ao ler, numa das histórias de Zévaco, que o cavalo de Pardaillan se chamava Galaor, veio-me à memoria algo que aparentemente não me ocorrera quando eu lera os livros em português na década de 50: tive a nítida impressão de que, quando eu era menino, no Paraná, meu pai tivera um cavalo chamado Galaor.

Liguei para o meu pai, em Santo André, então já com 77 anos, e lhe perguntei se havia tido um dia um cavalo Galaor. Disse que sim. Perguntei-lhe a razao do nome, e a resposta foi a esperada: esse era o nome do cavalo de Pardaillan. Mas como seria isso possível, indaguei, se ele só veio a ler Zévaco quando veio para Santo André em 1952? Que nada, disse-me ele, em Santo André li tudo pela segunda vez. A primeira foi quando era menino, em Patrocínio. Os livros, continuou, eram vendidos naquela epoca na forma de foletim, um pequeno volume a cada poucos dias. Isso, nos anos 20 do século XX  [7].

Fiquei surpreso como fato de que um famoso autor popular francês, no início do século, tivesse seus folhetins semanais traduzidos para o português e que esses viessem a ser distribuídos até mesmo numa cidade pequena do então distante Triângulo Mineiro! E há muita gente que pensa que globalização é algo recente.

Seja lá como for, os Pardaillan, pai e filho, foram uma das poucas coisas acerca de que pai e filho estariam de acordo na esfera literária. Sempre estiveram.

Recentemente, meu sobrinho Vítor Chaves, ao comprar seu primeiro carro, batizou-o Galaor. Infelizmente eu não tive nada que pudesse ter batizado de Galaor. Quem sabe batize, retrospectivamente, meu Corolla de 12 anos de Galaor… Seria a segunda geração de Galaores na família, completada agora com o Galaor do Vítor…

Ideias

Teologicamente, meu pai era conservador, calvinista ortodoxo, tendente ao fundamentalismo. Politicamente, depois de ter tido algum interesse pelas ideias comunistas (menos o materialismo e ateismo), quando estava no Paraná, foi se movendo cada vez mais a direita, a ponto de admirar, dentre os Presidentes militares, Arthur da Costa e Silva mais do que qualquer outro. Na verdade orgulhava-se de parecer-se com Costa e Silva — algo que, pessoalmente, achava dificil de entender, ate porque o achava (a meu pai) muito mais bonito e simpático.

Gostava de controvérsias: escreveu inúmeros artigos contra católicos (tradicionais, progressistas e carismáticos), espiritas e adeptos de outras denominacoes evangelicas (batistas, pentecostais, Adventistas do Sétimo Dia, Testemunhas de Jeová, e até batistas e metodistas), criticando-os pela não aceitação da recta doctrina (ortodoxia) calvinista.

Dava enorme importancia à doutrina correta (ortodoxia) — mais do que à conduta correta, eu diria. O importante, para ele, era crer certo. A principal missão do pastor, para ele, era doutrinar as suas ovelhas. De certo modo assimilei dele essa visão de que religião, mais do que conduta correta (ética) ou comunhão entre os fieis (koinonia), era uma questão de aceitação de doutrinas (crença) e assentimento à sua presumida veracidade. Assim, quando vim a rejeitar as doutrinas, rejeitei ao mesmo tempo a religião, posto que não conseguia imaginar, naquela época, uma religião nao doutrinal. Quando comecei a rejeitar a doutrina, fui rejeitado pelo pastor e pai — ficamos cerca de dois anos sem conversar. A crença certa era mais imprtante até mesmo do que a comunhão familiar.

Hoje, felizmente, penso diferente. Foi essa mudança que me permitiu voltar para a igreja, 44 anos depois de ter saído dela.

A moralidade, para meu pai, era menos uma questão de agir, fazendo o bem, do que uma questão de não pecar, fazendo o que era errado. E o que era errado não era visto em termos de grandes questões (como, por exemplo, não cometer injustiças), mas em termos de “pequenos comportamentos”: não fumar, não beber, não dançar, não ir ao cinema aos domingos — até mesmo não ouvir a transmissão de jogos pelo rádio aos domingos!

Meu pai advertia as mulheres que vinham à igreja com blusa transparente ou saia curta. Num determinado momento proibiu que as mulheres viessem ao culto de calças compridas. Não fazia casamento de divorciados, negava comunhão aos que viviam juntos sem estarem casados, considerava o hossexualismo um pecado dos mais graves. Nisso tudo, entretanto, não estava sozinho dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil.

É isso. Quem sabe, por enquanto.

Em São Paulo, 29 de Outubro de 2013

NOTAS:

[1]      As informações que seguem acerca de meu pai, exceto onde assinalado, e até uma nova manifestação minha a esse respeito, na Nota 3, são basicamente autobiográficas, retiradas que foram de resumo dos principais fatos de sua vida preparado por ele próprio e destinado a uma publicação feita pela Igreja Presbiteriana de Santo André, quando ele comemorou 40 anos de ordenação ao ministério em 1982. Para tornar a leitura mais fácil, porém, relato em primeira pessoa, como se eu houvesse registrado as informações. Alguns fatos foram acrescentados ao relato biográfico com base em outras anotações, também de autoria dele, feitas em sua primeira Bíblia, ganha do Rev. Eduardo Lane como presente de Natal no ano de 1932, e que hoje está guardada sob minha responsabilidade.

[2]      Com data de 28 de fevereiro de 1931, quando ele tinha, portanto, 18 anos, meu pai transcreveu, em um caderno de capa dura, e em caprichada letra de imprensa, 39 páginas de um trecho sobre a “A Matança dos Protestantes, em Paris, no dia 24 de Agosto de 1572, Domingo, Dia de São Bartolomeu”, retirado do romance histórico de Michel Zévaco chamado “Epopéia d’Amor”. Depois de transcrever, escreveu, de próprio punho: “Não nos admira nada que tal coisa acontecesse, porque isso é o cumprimento da prophecia do Apocalypse, que, referindo-se à Egreja Romana (que mais tarde havia de apostatar), disse: ‘E não luzirá mais em ti a luz das lâmpadas, nem se ouvirá mais em ti a voz do esposo e da esposa, porque os teus mercadores eram príncipes da terra, porque nos teus ensinamentos erraram todas as gentes. E nella (na Egreja) foi achado o sangue dos prophetas, dos santos, e de todos os que foram mortos sobre a terra’ (Apocalypse 18:23,24). ‘E a mulher (a Egreja Romana) estava vestida de púrpura e de escarlata, adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas . . . e na sua fronte estava escripto este nome: Mistério! Babilônia, a Grande, a mãe da fornicação e das abominações da Terra. E a mulher achava-se embriagada com o sangue dos santos e das testemunhas de Jesus’ (Apocalypse 17:4,5,6). O castigo dessa egreja apóstata será grande, e, por isso, a todos dirige o Senhor este apêllo: ‘Sahi della, povo meu, para não serdes participantes dos seus delictos, e para não serdes comprehendidos nas suas pragas. Porque os seus peccados chegaram até os céus, e o Senhor se lembrou das suas iniqüidades’. (Apocalypse 18:4,5).” Fim da citação. Só 22 meses depois Oscar Chaves iria formalmente abraçar a Igreja Presbiteriana. Mas sua convicção acerca da Igreja Romana estava firmada bem antes disso, como demonstra não só a citação, mas o esforço necessário para transcrever a mão, em letra de imprensa, 39 páginas de um texto vibrante de denúncia das atrocidades cometidas pelos Católicos contra os Protestantes (Huguenotes) naquele Domingo de São Bartolomeu em Paris, no ano de 1572.

[3]      A partir daqui, acréscimo meu.

[4]      O Rev. Evandro, pelo que consta, continua seu trabalho de dividir igrejas – até mesmo no exterior.

[5]      Michel Zévaco, Les Pardaillan (Coleção Bouquins, Robert Laffont, Paris, 1988). Os dez livros que compõem essa coleção são, no original francês: Volume I (dois livros e meio): Les Pardaillan, L’Épopée d’Amour, La Fausta; Volume II (quatro livros e meio):La Fausta (suite), Fausta Vaincue, Pardaillan et Fausta, Les Amours du Chico; Volume III (quatro livros): Le Fils de Pardaillan (deux livres), La Fin de Pardaillan, La Fin de Fausta.

[6]      Descobri, também, em 1989, em conversa pessoal, quando participávamos do Comitê que fez propostas e recomendações acerca da criação da Universidade Tecnológica de São Paulo (apelidade na impressa de “Universidade da Zona Leste”), que Ubiratan D’Ambrósio, meu colega na UNICAMP, era também um grande admirador de Zévaco, cujos livros havia devorado quando criança e adolescente.

[7]      Tempos depois, ao vasculhar os papéis de meu pai, depois de sua morte, encontrei o caderno, já mencionado, em que ele transcreveu, em 1931, um trecho de Epopéia de Amor, sobre a matança dos protestantes na França no Domingo de São Bartolmeu, 24 de Agosto de 1572, como mencionado no texto.

A autobiografia como um processo de (re)construção do eu

Construímos nosso passado – e, John Locke estando certo, nossa identidade — a partir de fragmentos de lembranças perpetuados na memória – da mesma forma que o historiador constrói o passado a partir de fragmentos de evidência que o passado, ao não destruir, nos legou.

Se estou certo no meu post “Memória e Esperança”, nossa identidade também se constrói por aquilo que esperamos nos tornar – pelos nossos projetos de vida.

De um lado, nosso passado, de certo modo, nos condiciona – às vezes, nos condena. De outro lado, o futuro que desejamos alcançar nos puxa para a frente. Entre um e outro, construímos e reconnstruímos nosso eu, nossa identidade pessoal.

Já fiz algumas das seguintes perguntas…

Por que nos lembramos tão bem de algumas coisas, não raro distantes no tempo, e, às vezes, até desimportantes, e temos tanta dificuldade para lembrar outras, às vezes recentes e até mesmo importantes?

Por que traumas nos levam a perder a memória daquilo que os circundou? Quem passa por eles muitas vezes se lembra do que ocorreu antes, até determinado momento, e do que aconteceu depois, no momento em que, em regra, recobraram a consciência perdida.

Por que a memória é tão seletiva? Seria porque, inconscientemente, tentamos preservar apenas aquilo que se harmoniza com a identidade que queremos projetar, exibir ao mundo, com o nosso “eu público”,  nosso public self?

Seria verdade que tudo o que vimos, sentimos, pensamos está registrado na memória, mas que nosso poder de recuperação é limitado? Estaria mesmo o problema, não no nosso “banco de memórias”, o nosso  memory bank (tudo estaria gravado lá), mas com a nossa “máquina de recuperação”, a nossa retrieval machine? Poderia a hipnose, por exemplo, nos dar acesso a memórias que doutra forma ficariam para sempre inacessíveis, perdidas, como se não existissem? Existiriam outros métodos de “acesso direto à memória” (de direct memory access), sem precisar passar pelonosso  “sistema operacional” (nosso operating system) que tem uma máquina de recuperação (retrieval machine) com recursos muito limitados? Seriam as terapias psicanalíticas e as envolvendo hipnose, para não mencionar os métodos de reprogramação neurolíngüistica, formas aceitáveis de alterar aquilo de que nos lembramos e, assim, mudar nossa identidade e, conseqüentemente, nosso eu, nossa personalidade?

E se, no processo de escrever uma autobiografia, viermos a nos lembrar de coisas de que não nos lembrávamos, e a descobrir que algumas de nossas memórias eram inverídicas, estaremos nós mudando a nossa identidade no processo? Neste caso, a pessoa que termina de escrever a autobiografia não seria a mesma que começou a escrevê-la?

Caro leitor: não se desespere. Eu sou isso aí. Eu sou as coisas que aprendi a pensar e a fazer. Eu sou os problemas que um dia achei interessantes. Eu sou aquele que não consegue deixar de levantar essas questões que você bem pode achar idiotas.

Darcy Ribeiro, em suas Confissões, diz que, quando sua mãe estava morta, começou a cantar uma música de procissão, de que, em outras condições, nunca imaginaria que conseguisse lembrar: “Saiu de mim uma cantiga de procissão que eu não me lembraria nunca de que me lembrasse” (Confissões). A construção é canhestra: parece envolver a lembrança da lembrança, a memória da memória…

Darcy Ribeiro, na obra mencionada, também conta o caso de quando reencontrou um antigo diário e, ao lê-lo, percebeu quanta coisa havia acontecido em sua vida das quais não mais se lembrava, quanta coisa havia acontecido das quais as suas memórias atuais, quando confrontadas com o que dizia o diário, estavam totalmente equivocadas.

Doris Lessing também observa que, ao forçar a vinda para o consciente de memórias por muito tempo ilembradas, perguntava-se se realmente havia sido tão má — ou tão boa, ou tão ingênua — assim.

As pessoas têm memórias umas das outras. Às vezes essas memórias são negativas. Um dia, entretanto, algo acontece e as pessoas começam a ver os mesmos fatos sob uma outra luz – e as memórias se alteram. A negatividade das memórias iniciais talvez tenha feito a pessoa soterrar no subconsciente algumas memórias que possuissem uma “dissonância cognitiva” com as memórias privilegiadas — porque essas memórias colidiam com a imagem que queriam manter da outra pessoa. De repente, algo acontece, e torna-se possível abrir um canal com o passado que permite que as boas memórias fluam de novo. O passado se reconstrói. Será uma construção do passado mais fiel do que a anterior? Serão ambas legítimas, fotografias de diferentes momentos do nosso being-in-motion?

Por que tudo tem de ser tão complicado?

Faz 18 anos que tive a idéia de escrever minha autobiografia. Nunca imaginei escrever uma autobiografia muito amarrada, com antecedentes, começo, meio e… bem, o fim não seria eu a escrever. Imaginei assim uma série de auto-retratos escritos – Retratos de Mim Mesmo. Cada um revelaria um pouco de mim, o meu eu de uma certa perspectiva em um determinado momento. Imaginei que pudesse me tornar um van Gogh da escrita, cheio de auto-retratos.

A ideia foi surgindo naturalmente a partir do momento em que coloquei meu site pessoal na Internet, em Setembro de 1995. Naquele mês eu completei 52 anos. (Rousseau começou a preparar suas Confissões quando tinha 54 anos). Escrevi ali um primeiro esboço autobiográfico, e gradativamente fui acrescentanto material, revelando mais e mais de mim mesmo.

Em 19 de fevereiro de 1997, numa passagem escrita depois de ler alguns comentários que alguém fez sobre o meu site, afirmei:

“Que bom que você gostou do meu site particular. Há momentos em que acho que, no meu arremedo de autobiografia, acabei me despindo demais, fazendo quase que um strip tease da alma…  Se o resultado ficou de certa forma parecido comigo, deu certo. Mas seja lá qual for o resultado, eu gostei de tentar capturar em palavras um monte de coisas até aqui apenas vividas. Quem sabe ainda escrevo uma autobiografia pra valer, talvez apenas para consumo próprio?”

Interessante… Desde então meu “arremedo de autobiografia” já foi reescrito algumas vezes. Não só acrescentei coisas: por vezes, retirei coisas, mudei coisas que estavam escritas para que recebessem uma nova ênfase. Nesses dezoito anos, de 1995 para cá, me separei, divorciei, casei de novo, voltei para a igreja da qual me havia afastado, pensava eu definitivamente, em 1972.

Quando decidi escrever essa minha autobiografia aos pedaços iniciei uma busca por mim mesmo: buscava pedaços de mim mesmo perdidos por esse mundo afora. Muita gente fez parte do meu passado – todos aqueles com quem interagi. E eles podem se lembrar de incidentes de minha vida dos quais eu não mais me lembro – pedaços de mim mesmo que eu perdi. Quando encontramos pessoas com quem convivemos bastante (por exemplo, na escola), mas que não vemos há muito tempo, em geral tem lugar uma “hora da nostalgia”: um lembra algo que os demais já esqueceram, outro acrescenta um detalhe, ou o corrige…

Com minha decisão, minha interação com o meu passado alcançou níveis de obsessão. Cartas, diários, livros, artigos – não só meus, mas dos outros com os quais interagi – tudo isso passou a ser parte de uma busca interminável por pistas que pudesse vir a reacender uma nova trilha de memórias que me me viesse a me permitir encontrar pedaços de mim mesmo que eu já havia soterrado em meu inconsciente!

Minha decisão de investir no site do Instituto “José Manuel da Conceição”, onde estudei de 1961 a 1963, fez parte dessa busca. Tenho textos velhos, escritos a mão ou datilografados, fotografias pequenas, em branco e preto, em que é difícil reconhecer a face das pessoas. . .

Assim a vida passa, a gente fica mais velho, hopefully wiser, e fica mais interessado em avaliar o que passou antes – o que fui, o que sou, o que tenho ainda a chance de ser. Naquele momento, aos 52 anos, nunca imaginaria que pudesse vir a me casar de novo, a voltar a ser membro de uma igreja…

Normalmente, lembro-me apenas de pequenos trechos de minha vida. Com esforço, e a ajuda de outros, tento pegar uma agulha e alinhavar os pedaços soltos, na esperança de que eles se conectem em algo que pareça autobiografia. Por isso o meu interesse atual em reencontrar velhos amigos, reatar velhos contatos, amarrar as pontas dos fios que me ligam a pessoas que conheci faz muito tempo, para que os tecidos não desfiem mais do que já desfiaram pelo desgaste natural do tempo.

Dezoito anos depois, hoje, em 2013, a obsessão diminuiu um pouco. Mas não despareceu de todo. Tanto que estou aqui escrevendo esses artigos. Tanto que tenho me envolvido de cabeça na discussão das biografias não autorizadas.

Sei o quanto a nossa memória distorce os fatos, reconstrói lembranças. Pode até, como disse Mark Twain, construir memórias ex nihilo, construir um passado que nunca foi.

Por isso, sou totalmente a favor de biografias não autorizadas. Elas fornecem uma contrapartida necessária para aspectos fictícios do nosso eu.

Em São Paulo, 29 de Outubro de 2013

Memória e Esperança

No artigo anterior mencionei John Locke, que afirma que aquilo que fui – ou melhor, aquilo que me  lembro acerca do que fui – condiciona o que sou: é a chave de minha identidade pessoal.

(Rubem Alves, quando responde “Sou, porque fui”, à pergunta se ainda é protestante, parece concordar com essa tese lockeana. Eu próprio já me manifestei de acordo com essa ideia).

Aqui gostaria de sugerir uma visão diferente: aquilo que eu quero ser – em outras palavras: a minha esperança – me condiciona mais do que aquilo que eu fui, ou aquilo que eu me lembro acerca do que fui – em outras palavras, a minha memória.

Aquilo que eu quero ser – a minha esperança – é a minha memória projetada para o futuro, é a memória que eu vou querer ter daqui a algum tempo.

Consta que Ayrton Senna, antes das corridas, se concentrava correndo, em sua mente, a corrida que em poucos minutos iria correr na pista. Ele se via acelerando, ultrapassando adversários, ganhando a bandeirada de chegada. Era isso que o ajudava a fazer do que era, num momento, a sua esperança, no momento seguinte, a sua memória. Ele “remembered forward”.

A contrapartida de “forward remembering” é “backward hoping”. Há um samba, acho que interpretado pela Beth Carvalho, parece que chamado “Foi Mangueira que chegou”, que diz: “Nossos barracos são castelos na nossa imaginação”. Fico pensando se isso não é verdade também na nossa memória. Imaginamos castelos onde de fato só existiram barraquinhos. Se, um dia, alguma coisa precipitar o reconhecimento de que foi só um barraco, vamos rejeitar o fato para ficar com o castelo da esperança voltada para trás. Este é um exemplo de “backward hoping”. Projeta-se no passado aquilo que se deseja para o futuro.

Nós somos, portanto, não apenas o que fomos, mas, também, o que esperamos (porque queremos, desejamos) ser.

Memory and Hope”. Este é o título de um livro antigo (mais de quarenta anos?) de um dos mais importantes professores que eu tive, Dietrich Ritschl (neto do famoso teólogo Albrecht Ritschl, que viveu no século XIX). Tanto quanto eu saiba, foi ele que cunhou as expressões “forward remembering” e “backward hoping”.

Em São Paulo, 29 de Outubro de 2013

Memória, Verdade e Autobiografias

Se John Locke está certo, nossa identidade pessoal é inseparavelmente ligada às nossas memórias. Se temos amnésia completa, deixamos de ser quem éramos. Se (por algum milagre, divino ou científico) viermos a possuir um conjunto de memórias diferentes, passamos a ser uma outra pessoa.

Se é assim que a coisa se passa, é preciso levantar uma questão importante: somos, não o que realmente fomos, mas, sim, o que nos lembramos ter sido.

O problema está no fato de que, como todos bem sabemos, nossa memória está longe de ser perfeita. Na realidade, é grandemente falha. Não nos lembramos, freqüentemente, de coisas que acabaram de acontecer. Olhamos um número na lista telefônica e, ao começar discá-lo, já não nos lembramos mais dele inteiro. Não nos lembramos de onde colocamos coisas importantes. Esquecêmo-nos do aniversário e de datas importantes de pessoas que nos são caras. Esquecêmo-nos de compromissos importantes.

Além de falha, no sentido de que não nos lembramos de coisas que de fato aconteceram, nossa memória também é pouco confiável, no sentido de que freqüentemente nos lembramos de coisas que não aconteceram, ou que não foram bem assim como nos lembramos dela. Tanto é que, freqüentemente, juramos que algo aconteceu assim – até sermos convencidos de que estamos errados por evidência contrária. A psicanálise nos relata casos impressionantes de pessoas que, tendo reprimido a memória de um acontecimento traumático, criaram, por assim dizer, uma “memória substituta”, inverídicamas menos desagradável. Voltaire, numa frase célebre, dizia que nunca tinha contado nenhuma mentira, mas que havia inventado muitas verdades… E Mark Twain se orgulhava, na velhice, de ainda ter uma memória tão boa que se lembrava até de coisas que nunca haviam acontecido…

Isso quer dizer que tanto há coisas que de fato aconteceram, das quais não nos lembramos, como há coisas de que imaginamos nos lembrar que realmente não aconteceram, ou não aconteceram do jeito que acreditamos.

Esses fatos nos colocam diante de questões interessantes, em relação a autobiografias.

Primeiro, como é que eu sei que não estou me esquecendo de experiências importantes do meu passado, que, se lembradas, poderiam, de alguma forma redefinir minha identidade?

Doris Lessing, em sua autobiografia, discute o problema:

“Assim que você começa a escrever, a pergunta se interpõe, insistente: Por que motivo você se lembra disso e não daquilo? Por que se lembra mais dos detalhes de uma determinada semana, de um mês transcorrido há muitos anos, e, depois, negrume total, vazio? Como sabe que aquilo de que se lembra é mais importante do que aquilo de que não se lembra?” (Debaixo da Minha Pele: Primeiro Volume da Minha Autobiografia, até 1949, Companhia das Letras, São Paulo, 1997; original: Under My Skin: Volume One of my Autobiography, to 1949, 1994; tradução de Beth Vieira, pp. 21-22.)

Segundo, como é que eu sei que as coisas de que acredito me lembrar realmente ocorreram, ou ocorreram do jeito que eu me lembro? A possibilidade de que haja memórias inverídicas – ou porque honestamente nos lembramos mal ou errado do que aconteceu, ou porque intencionalmente falsificamos a memória, convencendo-nos a nós mesmos de que alguma coisa realmente aconteceu, ou aconteceu de um jeito, quando ela não aconteceu, ou não aconteceu daquele jeito – coloca em xeque nossas lembranças. Assim, a tentativa formal e deliberada de reconstruir o passado, usando as memórias de outras pessoas ou evidências externas, é uma forma de testar a veracidade daquilo de que nos lembramos, de examinar os fundamentos de nossa identidade pessoal. É verdade que, em casos de repressão, nos convencemos de que algo não aconteceu, ou não aconteceu de um determinado jeito, quando realmente aconteceu, ou aconteceu de modo diverso. Se os psicólogos estão certos, a repressão não fica totalmente impune: aquilo que foi reprimido reaparece de outras formas, causando problemas psicológicos de vários tipos.

Doris Lessing, como mencionado, discute o problema em sua autobiografia, e se diz comprometida a dizer a verdade, a apresentar um relato verdadeiro do que foi sua vida –pelo menos tão verdadeiro quanto ela possa aquilatar.

A questão da verdade na reconstrução de nosso passado é essencial, em especial no caso de autobiografias. Mas essa questão se desdobra em duas:

Primeiro, a questão da falsificação intencional do passado (por omissão, distorção, acréscimo). Doris Lessing critica especialmente Simone de Beauvoir, que, ao escrever suas memórias, declara explicitamente não ter a mínima intenção de dizer a verdade sobre alguns episódios. Se não ia nem tentar dizer a verdade, pergunta Lessing, qual o valor do exercício? Sua autobiografia seria ficção – e, portanto, não autobiografia, apenas um romance com alguns elos de ligação com a realidade não fictiva.

Mais frequentemente, porém, autobiografias misturam fato e ficção. Em sua Introdução à edição das Confissões de Roussau na série “Wordsworth Classics of World Literature”, Derek Matravers coloca o dedo no essencial de uma autobiografia:

“The Confessions is autobiography, not fiction, and as such, it purports to describe what actually happened. In the main, Rousseau’s claim to veracity is supported by modern scholarly opinion. Ocasionally he has lapses of memory, and gets his dates wrong or misjudges the time he spent at some place or another. On other occasions . . . the suspicion is that the facts are deliberately bent in his favour. Overall, however, his reliability as a witness and the range of experiences on which he was able to draw give their own value to the memoirs, as Rousseau himself realised” (Rousseau, The Confessions, with an Introduction by Derek Matravers, Wordsworth Classics of World Literature, London, 1994, pp. vii-viii).

Vale a pena também citar as Confissões de Darcy Ribeiro. Ele, em parte por saber que estava no fim da vida, não se preocupou em fazer scholarship em sua autobiografia — isso é tarefa de biógrafo, disse ele, acrescentando:

”Este livro meu, ao contrário dos outros todos, cheios de datas e precisões, é um relato espontâneo. Recapitulo aqui, como me vem à cabeça, o que me sucedeu pela vida afora, desde o começo, sob o olhar de Fininha [a mãe], até agora, sozinho nesse mundo. Muito relato será, talvez, equivocado em alguma coisa. Acho melhor que seja assim, para que meu retrato do que fui e sou me saia tal como me lembro. Neguei-me, por isso, a castigar o texto com revisões críticas e pesquisa. Isso é tarefa de biógrafo. Se eu vier a ter algum, ele que se vire, sem me querer mal por isso” (Confissões [Companhia das Letras, São Paulo, 1997], p. 11).

Segundo, a questão mais difícil, a da falsificação inconsciente do passado. A psicologia e a experiência nos mostram que, com o passar do tempo vamos, insconscientemente, idealizando nosso passado: incidentes pequenos crescem de importância, porque nos projetam em uma luz mais favorável; outros incidentes, os mais desagradáveis, vão tendo sua importância reduzida, ou começam a ser visto sob outra luz; ainda outros, mais traumáticos, são, às vezes, eliminados inteiramente do quadro. Isso tudo acontece, o mais das vezes, sem que tenhamos a intenção de falsificar o passado, simplesmente porque mecanismos sutis operam em nossas mentes para eliminar dissonâncias (e, até certo ponto, manter nossa saúde mental e nossa sanidade). Não é à toa que existem tantos livros escritos sobre a temática do “autoengano”.

Quem está realmente preocupado com a verdade, há de querer descobrir, mesmo que tenhamos, como Lessing, a intenção de dizer a verdade, se esses mecanismos sutis não estão nos levando a nos enganar a nós mesmos.

Para terminar, e trazer essas elucubrações filosóficas para o presente…

Na entrevista do Roberto Carlos ao Fantástico no último domingo (27/10/2013) deu-me pena ver a inabilidade dele ao lidar com as perguntas (muito bem feitas, por sinal, mas com respeito). Disse que está escrevendo (na verdade, gravando material para) uma autobiografia, em que trata, até mesmo, do acidente que o obrigou a amputar parte da perna quando era criança. Ele disse algo mais ou menos assim (as palavras são minhas): Ninguém sabe o que eu passei e o que eu senti tão bem quanto eu, e eu vou falar sobre o assunto!”… Que ingenuidade. O artigo de Hélio Schwartsman na Folha de S. Paulo de hoje (29/10/2013) toca, a propósito da entrevista de Roberto Carlos, exatamente na questão da inconfiabilidade das autobiografias — nem sempre por maldade, mas porque as pessoas literalmente acabam por acreditar que coisas que não aconteceram de fato aconteceram, que coisas que aconteceram não aconteceram, ou não aconteceram como os outros se lembram delas, etc. Transcrevo abaixo o artigo do Hélio.

Como já mencionei, Simone de Beauvoir, disse, em seus relatos autobiográficos, que não tinha nenhum compromisso com a verdade. Poucos são tão francos e transparentes como ela (transparentes no sentido de admitirem ao público leitor que o que estão tentando passar por autobiografia não passa de ficção).

O Roberto certamente acredita que vai revelar a verdade sobre sua vida “como ela de fato ocorreu, sem interpretações, sem distorções, sem omissões, sem acréscimos”. “Wie es eigentlich gewesen ist“.

Em São Paulo, 29 de Outubro de 2013

o O o

Hélio Schwartsman, “Memórias” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/136226-memorias.shtml

“Roberto Carlos, o rei, que bloqueou na Justiça a circulação de um livro sobre a sua vida, agora diz que é a favor de biografias não autorizadas e informa que está escrevendo suas memórias. Qual das duas obras é mais confiável?

Obviamente, essa não é uma questão que possa ser respondida “a priori”, mas temos boas razões para desconfiar das autobiografias. E não porque candidatos a ídolo sejam todos mentirosos compulsivos. O problema é que nossas memórias, embora nos pareçam vívidas a ponto de as julgarmos uma espécie de fotografia do passado, são mais bem descritas como uma fantasia de nossas psiques.

O que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos a partir dos quais nossa mente reconstrói o episódio cada vez que nos lembramos dele. Esse processo é distorcido pelo que estamos sentindo ou pensando quando acionamos a memória. Algumas lembranças ficam estáveis por décadas, outras são sutilmente modificadas e há as que sofrem transformações profundas. Elas são indistinguíveis em nossas cabeças.

Essas mudanças não ocorrem ao sabor do acaso. A memória não evoluiu para promover a verdade, mas para nos fazer viver vidas melhores. Ela não deve ser uma alucinação tão tresloucada que nos leve a cometer erros fatais, mas, se as distorções forem no sentido de nos tornar mais seguros e confiantes, são mais do que bem-vindas. Nós nos lembramos muito mais daquilo com o que podemos viver do que daquilo que efetivamente vivemos.

A notável exceção são as pessoas clinicamente deprimidas, que fazem uma avaliação surpreendentemente realistas de si mesmas. Não se sabe se é a depressão que leva à percepção mais acurada ou se é a visão mais realista que provoca os pensamentos deprimentes. De todo modo, o excesso de realismo não é muito saudável.

Se você é um leitor em busca de verdades, só compre autobiografias de depressivos notórios.”

Discurso de Formatura – 1963

[Discurso de formatura, ao final do Segundo Ciclo do Ensino Secundário (Curso Clássico), hoje Ensino Médio, proferido por mim, no dia 30 de novembro de 1963, no Auditório Waddell, no Instituto “José Manuel da Conceição”, em Jandira, SP. Foi paraninfo, na ocasião, o Deputado Camilo Ashcar.

Lembrei-me desse discurso hoje à tarde quando pesquisava algumas coisas na Internet sobre o tema “Escola da Vida”. Recente registrei os domínios escoladavida.net e escoladavida.net.br. Ocorreu-me que no meu discurso de formatura havia feito menção desse tema. Quando encontrei e reli o discurso, achei que merecia ser transcrito aqui. Quando o escrevi tinha 20 anos. Comecei a escola tarde. Estava pronto para ir para o Seminário Presbiteriano de Campinas. O rapaz cheio de fé que saía do Conceição ia passar por várias crises intelectuais e espirituais em Campinas, e depois.

 o O o

Excelentíssimas autoridades presentes, senhoras e senhores, caros colegas:

Há meses, quando fomos escolhidos para aqui na frente representar o pensamento dos que ora se formam, começamos a pensar sobre o que diríamos. A primeira idéia que nos apareceu foi a de basear nossa fala em algum pensamento sábio e bem apresentado por alguém, pois discursos, geralmente, são iniciados assim. Começamos, então, a manusear Dicionários de Citações, Enciclopédias de Pensamentos e outras obras congêneres. Por incrível que pareça, porém, o dito pensamento, sábio e bonito, com que iniciaríamos nosso discurso nesta noite não apareceu.

Foi nessa ocasião, quando estávamos sem idéia de como principiar o nosso falar e sem idéias de como desenvolvê-lo, que nos lembramos do discurso do orador da turma dos formandos de 1961, ano em que aqui chegamos. Ele se baseou no primeiro versículo do Salmo 124: “Se não fôra o Senhor que esteve ao nosso lado…”. Ao lembrarmos disso, veio-nos a idéia de nos basearmos também na Bíblia para a nossa conversa de hoje. Enfim, não é a Bíblia a fonte da mais profunda sabedoria, a revelação divina ao homem? Certo dia, enquanto líamos a Palavra de Deus, notamos dois versículos de um Salmo e alguma coisa nos avisou: — “Aí está o discurso de formatura. Desenvolve isto”.

“Uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós faremos menção do nome do Senhor, nosso Deus.

Uns encurvam-se e caem, mas nós nos levantamos e estamos de pé”.

Estes são os versículos número sete e oito do vigésimo Salmo.

Quando Davi escreveu essas palavras, estava em guerra, sentia diante de si e de sua nação o rumor de povos inimigos que, poderosos na luta corporal, frente a frente, possuíam ainda a vantagem de contar com carros e cavalos na batalha. Mas, apesar disso, Davi confia no Senhor, Deus dele e nosso Deus, mais que nos carros e cavalos do inimigo. Davi, milhares de anos antes, já pensava como São Paulo:

“Se Deus é por nós, quem será contra nós?”

Este Salmo é dividido por alguns em duas partes: um canto de batalha seguido de um canto de vitória. E sempre será assim: batalha, aos nossos olhos, sempre estará relacionada com vitória. Nunca haverá verdadeira vitória sem batalha, apesar de existir muita batalha em que não há vitória. Mas, para aqueles que fazem menção do nome do Senhor, para aqueles que põem a confiança no Senhor dos Exércitos, batalha será sempre prenúncio de vitória. Acabamos de combater em mais um curso e hoje conseguimos a vitória. Mérito nosso? De modo algum, porque se o Senhor nosso Deus não estivesse ao nosso lado, nada disso teríamos conseguido.

Gostamos, porém, de provar aquilo que dizemos. Será que Davi tinha razão para colocar tão grande confiança em Deus, tinha razão para crer tão firmemente na vitória confiado apenas na ajuda e proteção divinas?

Os povos inimigos de Israel possuíam, como arma de guerra, carros puxados por cavalos e com foices nas rodas, carros esses que cortavam homens e ceifavam vidas como se corta a grama e se ceifa o trigo. Possuíam milhares de cavaleiros que, armados, poderiam pisotear e esmagar pobres israelitas para quem um simples escudo valeria de pouca coisa. Valeria a pena confiar em um Deus invisível, quando armamentos visíveis e palpáveis vinham prontos para destruir tudo?

Davi, contudo, tinha razões para dizer o que disse. Por quê?

PRIMEIRO: Porque a história do povo de Israel, no passado, provava que Deus realmente merece confiança.

Fôra Deus quem, com forte mão, tirara o povo da escravidão do Egito, e quando os egípcios, com carros e cavalos, vieram após eles, valeu mais a confiança em Deus, que sobre os perseguidores fechou o Mar Vermelho. CARROS — apodreceram no fundo do mar; CAVALOS — matou-os a água; HOMENS — jazeram mortos, boiando na superfície do mar. E DEUS? — DEUS GUIAVA SEU POVO (Êxodo 14).

Outra vez os Filisteus reuniram-se para atacar os israelitas e estes temeram. Samuel, porém, orou a Deus e ofereceu sacrifícios e “o Senhor trovejou com tão grande trovoada aquele dia que aterrou os filisteus, que fugiram, perseguidos pelos homens de Israel” (I Samuel 7).

SEGUNDO: Davi, porém, podia afirmar o que afirmou, não só pela experiência do passado, mas pela sua própria experiência.

Desde cedo ele experimentara a mão de Deus o ajudando, desde cedo aprendera confiar em Deus. Menino ainda matara um urso e um leão. Rapazote, dispõe-se a enfrentar o gigante Golias que estava para Davi na mesma proporção que um exército de carros e cavalos para um sem esses recursos. — “Não podes ir contra ele”, disse o rei Saul, “pois és moço, inexperiente, e ele é homem velho, experimentado na guerra”. Davi, com custo convenceu o rei de que poderia sair contra o gigante. O rei pôs nele, então, uma armadura. Davi tentou andar e disse: — “Nunca experimentei isso e não consigo andar”, e, tirando tudo aquilo, pegou a sua funda, enfrentou e venceu o terror de Israel (I Samuel 17).

Certa vez Davi tomou na guerra mil cavalos de carros e sete mil cavaleiros. De outra vez feriu sete mil cavalos de carros dos siros e suas tropas eram constituídas apenas de infantaria, porque Deus havia proibido aos reis de Israel a multiplicação de cavalos (I Crônicas 18 e 19). Não tinham cavalos nem carros, porque Deus os proibira, mas tinham o Deus de todos os exércitos e de todas as milícias como Comandante.

Tinha, portanto, Davi, então rei de Israel, razão vinda da experiência quando dizia: “Uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós faremos menção do nome do Senhor, nosso Deus.”

Mas poderemos nós, formandos de 1963, também dizer isso? Temos nós razões? Como Davi, temo-as de sobra. De fato aprendemos que a confiança em Deus é milhares de vezes mais valiosa que a confiança em homens e em coisas terrenas. As fontes terrenas de confiança são várias, mas ao mesmo tempo mostram, pela sua inconstância, pelo seu poder limitado, pela sua breve duração, que são falhas, que em um momento ou outro nos podem faltar.

Mas, dizíamos, aprendemos a confiar em Deus pelas mesmas razões que Davi aprendeu.

PRIMEIRO: Porque a experiência daqueles que por aqui já passaram, daqueles que nesta casa um dia já “queimaram suas pestanas”, nos ensinou que compensa confiar em Deus, mesmo quando as coisas parecem ir de mal a pior.

Um pastor contava, certa vez, no Acampamento “Palavra da Vida”, a sua experiência. Estudava ele aqui, estava passando por dificuldades financeiras e não ia bem nos estudos. Estava quase desanimado de estudar, mas continuava porque recebia uma bolsa de uma igreja pobre que cobria apenas suas necessidades para com o estudo. Nessa situação, recebeu uma carta da dita igreja dizendo que, infelizmente, em virtude da situação lá não ser boa, não poderia mais dar-lhe a bolsa. Ia desistir de estudar, mas, antes, em conversa com um dos dirigentes, recebeu uma palavra de exortação para confiar em Deus. Foi para o seu quarto, orou, e na leitura da Escritura Sagrada encontrou a resposta de Deus para o seu problema: Ei-la, em Atos capítulo vinte e seis, versículo dezesseis: “Mas levanta-te, põe-te sobre os teus pés, porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda”. Aquilo renovou-lhe as forças e o ânimo. O então rapaz decidiu que Deus realmente merece confiança e hoje é um dos eficientes pastores de nossa igreja.

Poderíamos citar outros exemplos, mas cremos que muitos aqui conhecem fatos similares, e são esses fatos, do passado, que nos fazem dizer como o salmista.

Mas não é só.

SEGUNDO: A nossa própria experiência também nos autoriza a dizer: “Faremos menção do nome do Senhor, nosso Deus”.

A nossa vida aqui é uma vida de confiança e de fé em Deus somente. Quantas vezes já temos sentido a mão de Deus nos trazer o auxílio de que necessitávamos, no momento exato. Na hora oportuna Ele vem e atende as nossas orações, Ele vem e ajuda. Essas experiências, materiais, são superficialíssimas, porém, se as compararmos com as profundas e espirituais demonstrações de ajuda divina em nossas vidas. Muitas vezes o estudante se desanima, quer pela dificuldade nos estudos, quer pelos anos que ainda tem por vencer, e nessas horas fica abatido, acabrunhado, sem saber o que fazer, derrotado por “carros e cavalos”. Mas quando se lembra de que se deve fazer menção do nome do Senhor, e faz isso, sente a mão divina levantá-lo, erguê-lo, soerguê-lo e colocá-lo num lugar onde ele jamais esperaria estar. Esses fatos são de nossa experiência, da experiência de cada um dos colegas.

Temos, por isso, razões para repetir as palavras do grande rei Davi, o homem “segundo o coração de Deus”. Fatos que o autorizaram a dizer aquilo no passado autorizam-nos, da mesma maneira, a dizer o mesmo neste dia em que nos alegramos pela conquista desta vitória. Foi uma vitória que se seguiu a um combate, duro, na verdade, difícil de ser combatido, pois realizou-se em campos de batalha ásperos, pedregulhosos, ressequidos, com armas que muitas vezes não foram as melhores, mas tínhamos e ainda temos o Senhor dos exércitos como Comandante. E qual a conseqüência de confiar nEle, de tê-lO como supremo General de nossas lutas e batalhas? É o próprio Davi quem a dá, continuando o seu Salmo: “Uns encurvam-se e caem, mas nós nos levantamos e estamos de pé”. Enquanto os que confiam em carros e cavalos “encurvam-se e caem”, eis-nos de pé, alegres, triunfantes, vitoriosos. A confiança em Deus é de fato bem recompensada. Não há melhor recompensa para aquele que luta que a vitória, e esta Deus nos concede nesta noite, por nEle havermos posto a nossa confiança.

o O o

Não poderíamos, entretanto, ir embora, trilhar outros caminhas, seguir novos rumos, sem deixar aqui uma palavrinha sobre o “Conceição”, o nosso querido “Conceição”, que nos marcou profundamente, que deixou assinalada a vida e a personalidadede cada um de nós. Façamos isto.

Há alguns meses, quando em um trabalho com um grupo em São João da Boa Vista, externamos lá nossa opinião sobre o “Jota” baseando-nos em uma quadra de poeta patrício, desconhecido da maioria, que vive em Americana: Antonio Zoppi. Diz ele, em uma simples quadra:

“Sapiência não se esmola,
deve ser adquirida:
na doce vida da escola
ou na acre escola da vida”.

Palavras sábias essas, e que servem para ilustrar e provar qual é a missão do JMC. Diríamos que o “Conceição” é o lugar adequado para jovens adquirirem, ou começarem a adquirir, o que o poeta chama de “sapiência”, ou seja, sabedoria que orienta a prática. No “Conceição” reúnem-se a doce vida de escola e a escola acre da vida.

É uma vida de escola porque o “Jota” é, como os outros, um colégio onde se aprendem as disciplinas acadêmicas básicas e fundamentais. Talvez só deva ressaltar o nível mais alto que o aluno deve alcançar para ser aprovado. No restante, o colégio é semelhante aos outros.

O queremos frisar, porém, é que o JMC é uma escola da vida, muitas vezes acre e difícil, onde muitos não conseguem permanecer. O ambiente, aqui, às vezes, é completamente diverso daquele que um calouro esperaria e ele sofre o impacto. Mas, passado o primeiro choque (que, muitas vezes, não é, infelizmente, ultrapassado, pois há calouros que chegam numa tarde e na manhã seguinte se vão, dizendo que não se acostumariam), o aluno sente que vai se modificando, vai tomando partidos, tirando opiniões próprias — coisas que antes não ousava fazer. Aos poucos, dando algumas “burradas” e pagando por elas o caro preço de uma impiedosa caçoada, o aluno vai se formando, vai aprendendo, na escola da vida, a tornar-se Homem. Ele que em casa nunca pensava em arrumar sua cama, agora arruma-a e bem. Ele agora limpa seu quarto, lava e passa sua roupa. Ele, que muitas vezes era um sucesso um sua cidadezinha natal, vê-se aqui completamente ofuscado por outros, já mais orientados e de maior experiência, e então sofre grande decepção. Mas esta lhe ensina que ele deve esforçar-se mais para ser alguém melhor, e, assim, ele vai sendo lapidado. Com o tempo, torna-se um “Manuelino”, na verdadeira acepção da palavra.

O aluno que saiu de casa acha no “Conceição”, na maior parte das vezes, a vida difícil e áspera, mas a vida onde ele se encontra a si mesmo, onde desabrocha, desenvolve-se e demonstra o que poderá tornar-se.

Para os que saem de um lar o “Jota” é a vida independente e livre. Para aqueles, porém, que cedo perderam pais e família e viveram sem nunca encontrar o aconchego familiar, o “Conceição” é lar e os Manuelinos, família. Parece paradoxo, mas é verdade. Quantos, sem lares, acharam aqui o lar que lhes faltava, encontraram aqui os irmãos que a vida negou ou a morte levou. O “Conceição” é a escola acre da vida, mas pode ser também o lar que porventura tenha faltado a alguém.

O “Conceição” tem, aproveitando a imagem de um de nossos professores, a missão de lapidar a pedra bruta e sem brilho que muitas vezes aqui chega. Então, ela começa a tomar forma, ganha brilho e aparece aos olhos do mundo como uma pedra preciosa. A outrora pedra bruta fica irreconhecível.

Deveríamos, neste instante, agradecer a pais, professores, igrejas, e todos quantos nos ajudaram, mas deixaríamos pessoas de fora. Agradecemos, então, a Deus, que nos trouxe aqui e fez com que tantos nos ajudassem. Agradecemos a Deus por tudo e pedimos que Ele abençoe a todos que, de uma maneira ou de outra, nos ajudaram. Ele recompensará cada um pelo que nos fez.

Nós, que no início não encontrávamos idéias para iniciar e desenvolver nosso discurso, acabamos falando demais. Não faz mal, porém, pois é a última vez que falamos como Manuelino e o ouvinte querido não levará em conta se nos estendemos muito. O culpado disso é este lugar inspirador e mesmo romântico que é o “Conceição”. Quando começamos a falar, é difícil parar.

Chegamos ao fim de nossa etapa no “Conceição”. Alguns, do Primeiro Ciclo, voltarão para fazer o Clássico, mas nós que não voltaremos mais já sentimos em nós a ternura da saudade. Quantas vezes dissemos que não víamos a hora de chegar o fim do ano. Mas, quando o fim do ano chega e nos vai levar embora, sentimo-nos como o lenhador que, cansado na floresta, invocara a morte. Quando esta chegou, ele, arrependido e assustado, pediu apenas que ela o ajudasse a pôr nas costas o feixe de lenha. Invocamos o fim de ano e ele chegou — e ficamos acabrunhados, desejando encontrar uma desculpa para adiá-lo um pouco.

Amanhã, muitos de nós tomarão o trem para nunca mais voltar ao “Conceição” querido, como Manuelinos. Muitos voltarão, sim, mas como EX-Manuelinos, coisas do passado, nunca mais como Manuelinos. Hoje, nesta condição, ouviremos pela última vez a sinfonia dos sapos e dos grilos cantando, inspirados pelo céu do “Conceição”. Algum dia, no futuro, voltaremos aqui, e quantas recordações então nos virão à mente. O “Jota” será diferente, mas nos fará lembrar do de agora e teremos orgulho em termos sido Manuelinos.

Adeus, “Conceição”, praza aos céus que continues a ser o que tens sido, de maneira cada vez melhor. Adeus tudo isto que foi parte da gente durante tanto tempo.

Amanhã será um novo dia, e com ele começará uma nova etapa, uma nova vida, e é mister que trabalhemos.

AVANTE POIS.

JMC, Novembro de 1963.

Transcrito aqui em 24  de Outubro de 2013.

Heróis Discretos

El Héroe Discreto

Excelente e delicioso novo livro de Mario Vargas Llosa: El Héroe Discreto (O Herói Discreto, em Português [Editora Alfaguara, Rio de Janeiro, 2013], com magnífica tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman).

Vargas, Prêmio Nobel de Literatura de 2010 (o tempo passa rápido!), e aproximando-se dos 80 (nasceu em 1936), como é o caso de seus principais heróis no livro, continua a surpreender com uma prosa leve, um estilo narrativo gostoso, que faz uso fiel e generoso, nos diálogos, da linguagem do povo, inclusive com belíssimos palavrões (oportunamente ditos e aptamente traduzidos, é bom que se registre). . .

O principal herói discreto, Felícito Yanaqué, é um homem já de certa idade, magro, baixo, que veio de ambiente muito pobre, mas herdou do pai um exemplo valente: o do homem que trabalha o tempo todo e nunca se curva diante dos outros: o homem que não se deixa pisar. . . Ele construiu, com seu esforço, e com enorme retidão de conduta (na esfera pública — na esfera privada certamente haverá quem critique seu comportamento), uma pequena empresa de transportes (cargas e passageiros), que é seu orgulho — e que ele acha que deve unicamente ao exemplo e ao conselho do pai, a quem literalmente venera.

Por isso tudo, quando recebe uma carta anônima, aparentemente da máfia local, pedindo que ele pague 500 dólares por mês para obter proteção, ele se recusa a pagar e denuncia o caso à polícia. Continua a recusar, mesmo quando as ameaças aumentam e, em duas instâncias, se concretizam: primeiro, com um incêndio que destrói parte da sede de sua transportadora; segundo, com o sequestro de sua amante, Mabel, a quem verdadeiramente amava (“amada amante”). [A história obscura de seu casamento, forçado, e as suspeitas de que o filho mais velho não era de fato seu fazem com que o leitor tenha simpatia pelo caso do velho Felícito com a jovem e atraente Mabelita, mais de 30 anos mais jovem].

Mesmo diante desses desafios todos, Yanaqué não se curva. Torna-se um herói na cidade de Piúra, no Peru (onde Vargas Llosa morou quando criança). Mas se mantém sempre discreto. Quando todo o seu universo desaba, ele tem sua “dark night of the soul”, passa pelo seu “vale da sombra da morte”, mas reúne forças para, no dia seguinte, ir trabalhar como de costume (“comme d’habitude”), enfrentando os jornalistas e outros curiosos com um simples “nada a declarar”.

O segundo herói, Ismael Carrera, também é velho — mais velho que Felícito: passa dos 80 anos. Este é rico — dono de uma seguradora. Mora em Lima, não em Piúra. Tem dois filhos gêmeos — dois playboyzinhos vagabundos — e ficou viúvo há pouco tempo.

Quando enviuvou, cansado das estripulias dos filhos, retirou-os da empresa e, adiantadamente, “deu a eles a parte da herança que lhes cabia” (como na parábola do Filho Pródigo, com a diferença, porém, de que, no caso de Carrera, por iniciativa própria). Estes pegaram a bolada, certos de que o pai, com mais de 80 anos, logo morreria e lhes deixaria todo o resto.

Quanto a Carrera, e como às vezes acontece quando você acha que finalmente arrumou todas as suas coisas e vai começar a viver, teve um enfarte que o deixou entre a vida e a morte no por vários dias no hospital. Enquanto agonizava, porém, ouviu uma conversa dos filhos, que pensavam que estivesse desacordado, que deixava claro que eles não viam a hora de o pai ir para debaixo da terra para poderem pegar o resto da herança. “Eles me salvaram da morte”, conta ele depois, porque, ao ouvir a conversa dos filhos, imbuiu-se de uma vontade enorme de viver para se vingar deles. Essa vontade de viver e se vingar fez com que ele se recuperasse — e se tornasse um dos heróis discretos de Vargas Llosa. Como Yanaqué e seu pai, alguém que não se deixa pisar.

Sua vingança é relativamente simples, mas improvável. Sem que ninguém soubesse (a não ser seu advogado, seu motorista e seu mão direita na empresa, don Rigoberto, personagem que aparece em outros livros de Vargas Llosa, e que acaba também sendo um terceiro herói discreto, mas em posição mais baixa na hierarquia), casa-se com sua empregada-arrumadeira-governanta, cerca de 50 anos mais nova, linda, mas nem de longe “una blanquita”, e se manda para a Europa – deixando os filhos a estrebuchar de raiva — para desfrutar a mulher recente e jovem com a ajuda da fortuna amealhada ao longo de várias décadas .

A vingança ao final dá certo – bem, em termos. Mas não vou fornecer “spoilers”.

Don Rigoberto, o terceiro herói, este mais discreto ainda, é o principal assessor de Ismael Carrera – e, com o motorista, sua testemunha de casamento. Está para se aposentar quando o patrão faz o que lhe parece a loucura de se casar de novo — e justo com quem… Don Rigoberto vê o casamento do patrão, e o seu envolvimento inevitável nos processos judiciais que se seguem, atrapalharem seus planos de se aposentar e curtir a vida, com seus livros de arte, seus CDs de música clássica, sua paixão pela quietude e pelo sossego – ao lado de sua fogosa mulher e de seu filho bem-dotado (intelectual e espiritualmente — nem tudo é sexo nos romances de Vargas Llosa…).

No final da história, os heróis cruzam caminho, e, a despeito das porradas levadas da vida, e que inevitavelmente deixaram suas marcas, todos – bem, quase todos – sobrevivem e se põem a caminho da Itália, para uma celebração. Não diria que Felícito tenha se esquecido de Mabel — mas decidiu se contentar com Gertrudis, sua mulher, que, é bom que se diga, foi garota de programa, tendo como cafetina a própria mãe.

Na Europa, porque, afinal de contas, ninguém é de ferro… Não só de Peru vive o homem.

Em Tempo: Acho que Vargas Llosa qualifica de discretos os seus heróis neste livro porque eles não buscam notoriedade: ela lhes vem em decorrência de sua conduta fora da curva.

Em São Paulo, 21 de Outubro de 2013

O Direito à Privacidade impede que alguém fale ou escreva sobre a pessoa?

Eis o que diz a Constituição Federal do Brasil de 1988:

Art. 5º, X. “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”1

Eis o que diz o Código Civil Brasileiro:

Art. 20. “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, SE lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”3

Assim, o Direito à Privacidade tem duas faces:

De um lado, é o direito de não ser importunado por terceiros – por vendedores promovendo produtos, entrevistadores querendo conversar, fotógrafos querendo um flagrante, etc..

De outro lado, é o direito de não ter publicadas ou divulgadas a seu respeito informações que atinjam sua honra, boa fama e respeitabilidade.

Nada impede o exercício de direito, igualmente legítimo, de terceiros falarem ou escreverem (como numa biografia) sobre uma pessoa ou de meios de comunicação divulgarem informações sobre ela que não atinjam sua honra, boa fama ou respeitabilidade.

Se o que se diz ou escreve, publicamente, é falso e prejudicial, cabe processo de CALÚNIA; se, embora verdadeiro, é algo que prejudica a pessoa e que não tem interesse público, cabe processo de DIFAMAÇÃO; se, sem imputar fatos, falsos ou verdadeiros, se usam termos fortes e pesados ao se referir a alguém, cabe proceso de INJÚRIA.

A calúnia (art. 138 do Código Penal) é a imputação FALSA de FATO CRIMINOSO a alguém. Se, processado, o acusado prova que aquilo que imputou ao autor do processo é verdadeiro, ele é inocentado.

A difamação (art. 139 do Código Penal) é a imputação de FATO DESONROSO ou FATO OFENSIVO À REPUTAÇÃO de alguém. Ao contrário da calúnia, aqui não há necessidade de que os fatos sejam falsos. Se alguém afirma que uma pessoa se prostitui, e é processado por ela por difamação, não basta provar que ela de fato se prostitui: tem de provar que a informação é relevante a algum interesse público.

A injúria (art. 140 do Código Penal) é qualquer ofensa à dignidade de alguém. Na injúria, ao contrário das hipóteses anteriores, NÃO SE IMPUTA UM FATO, MAS SE EMITE UMA OPINIÃO. É caracterizada principalmente pelo uso de palavras fortes ou pesadas: ladrão, prostituta, idiota e, muitas vezes por expressões de baixo calão. Ressalte-se ainda que a injúria terá a pena aumentada se praticada com elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem.

Vide o site ABUSAR.ORG – http://www.abusar.org/manual_de_sobrevivencia_na_selva.html, em que há um artigo de em que se esclarecem algumas dessas coisas: “Os tipos de responsabilidade jurídica”.

Se há todos esses mecanismos jurídicos para proteger a honra, por que tentar censurar partes, ou mesmo proibir na íntegra a publicação, de uma biografia?

O problema é o item final da cláusula citada do Código Civil Brasileiro: “ou se se destinarem a fins comerciais”. . . De onde veio isso?

Em São Paulo, 16 de Outubro de 2013

O que é “ser de direita” no Brasil de hoje?

Há, hoje, uma confusão generalizada sobre o que é “ser de direita” no Brasil. A mídia, que deveria esclarecer a população, ajuda a confundir. Embora a confusão envolva, também, o conceito de “ser de esquerda” (que é a “contrapartida”), ela é mais visível no conceito de “ser de direita”.

A Folha de S. Paulo está numa campanha para mostrar que a posição ideológica do eleitor, isto é, se ele é de esquerda ou de direita, não afeta significativamente sua intenção de voto e, oportunamente, o seu voto.

Mas na análise do que é “ser de direita”, há uma confusão generalizada. O que o jornal entende por “ser de direita” tem muito mais que ver com “ser conservador” do que com “ser liberal” (no sentido clássico do termo – não no sentido americano do termo). Isso ficou evidente num infográfico intitulado “Valores Ideológicos”, criado pelo Datafolha, que eu transcrevo aqui.

Infografico Esquerda Direita

Não vou analisar esse infográfico na íntegra, mas o restante deste artigo é relevante para sua análise.

Minha tese é que a Folha (Datafolha) confunde (ou mistura, ou não distingue) conservadores e liberais ao caracterizar o que é “ser de direita” no Brasil de hoje.

Uma pessoa conservadora é uma pessoa que procura conservar as tradições culturais e as instituições, preservar as coisas como elas “sempre foram”, em vez de propor mudanças. Essa pessoa tende a ser, por exemplo, conservadora também na religião, que é uma manifestação cultural – e na moral, que em geral é afetada pela visão religiosa.

Assim, uma pessoa conservadora tende a ser contra o aborto, a eutanásia, o divórcio, a liberdade sexual (em especial o sexo sem casamento ou pré-marital), o casamento homossexual, a liberação das drogas, etc.

Uma pessoa liberal (no sentido clássico, não no americano, em que o social-democrata, à la Kenedy e FHC é chamado de liberal) é uma pessoa que procura aumentar ao máximo o espaço de liberdade de indivíduo vis-à-vis a interferência da sociedade e, especialmente, do estado (governo).

Assim, numa sociedade conservadora, com um estado (governo) conservador, que promove a agenda conservadora, o liberal é, em geral, um revolucionário.

Pois tomemos as questões ético-religiosas contra as quais o conservador se manifesta, e que acabei de listar: o liberal é, em regra, favorável a todas elas: aborto, eutanásia, liberdade sexual (em especial o sexo sem casamento ou pré-marital), o casamento homossexual, a liberação das drogas – e por uma razão simples: elas envolvem o uso da liberdade das pessoas, que devem ter o direito de decidir essas coisas por sí próprias, sem pressão social e, especialmente, do estado (governo). (Pessoas, no caso, seria desnecessário ressaltar, capazes de escolher, decidir e assumir a responsabilidade pela escolha e pela decisão. Crianças e incapazes não qualificam).

Para o liberal, o espaço de liberdade do indivíduo deve ser aumentado ao máximo, e, por conseguinte, o espaço de coação da sociedade e do estado (governo) deve ser reduzido ao mínimo.

O que significa “ser de direita”, nesse contexto?

Nos Estados Unidos, onde essa confusão teve início, e de onde foi importada para o Brasil, houve, quando da eleição do Presidente Reagan, uma coalisão de conservadores e liberais para colocar na presidência uma pessoa que era, do ponto de vista cultural e religioso, conservador, mas do ponto de vista político e econômico, liberal.

A campanha de Reagan foi centrada na ideia de que o estado (governo) é parte do problema, não da solução, e que esta se encontra, portanto, em menos governo. Coerentemente, Reagan defendeu a tese de que o estado (governo) deve legislar menos, deve arrecadar menos impostos (de indivíduos e de empresas), deve reduzir seus programas sociais (que obrigam, pela via da taxação, os mais ricos a financiar a desocupação e a preguiça, que facilitam (pelo apoio econômico às mães solteiras, em grande número adolescentes) o desregramento sexual (o sexo entre quem não doutra forma não teria condições de lidar com as possíveis consequências de seus atos), etc. E Reagan era religioso, temente a Deus, e anticomunista. Ganhou fácil, com o apoio dos liberais e dos conservadores (inclusive dos conservadores ultra-religiosos, vale dizer, lá, cristãos).

Ainda sobre questões específicas.

Nos Estados Unidos, o porte de armas é defendido por conservadores e por liberais. Por conservadores, porque na sociedade americana sempre cada um pode ter e carregar sua arma para se defender. Por liberais, porque ter e portar uma arma são comportamentos que fazem parte dos direitos do indivíduo viver como lhe aprouver (caçando no fim de semana, por exemplo, como o faz meu genro), e, inclusive, de defender-se. Esta é mais uma questão em que conservadorismo e liberalismo concordam, nos Estados Unidos.

A chamada idade penal também une conservadores e liberais, tanto nos Estados Unidos como aqui no Brasil. Do ponto de vista do conservador e do liberal, quem comete um crime, e é consciente do que está fazendo, deve ser punido – e a consciência de que é moralmente errado e legalmente criminoso roubar, atentar contra a segurança, integridade e a vida da pessoa surge muito cedo na sociedade de hoje. (Um conservador e um liberal acham um absurdo chamar de “criança” um criminoso frio de 17 anos e meio que assassina para roubar).

Passemos para o Brasil.

A esquerda (que inclui comunistas, socialistas, “progressistas” em geral) anda a promover a ideia de que “a direita” está crescendo no Brasil – e que isso é um problema sério. Também acho que esteja crescendo – mas, como liberal clássico, quase anarquista-libertário, e, portanto, anti-esquerdista, acho isso benéfico.

Apóia-se a esquerda, ao dizer isso, no crescimento, entre outras coisas, dos chamados “evangélicos”, que são cristãos não-católicos de viés conservador, fundamentalista mesmo. (Distingo-os dos protestantes históricos: luteranos, presbiterianos, etc.). Esses evangélicos são, em geral, contra o aborto, a eutanásia, a liberação sexual (“eu decidi esperar” é um mantra), o divórcio, a sanção às uniões homossexuais que é (segundo eles) expressa pela permissão de que se casem, o uso e a liberação das drogas (por vezes até do cigarro e do álcool), etc.

Em questões como a pobreza, os evangélicos tendem a atribuir suas causas aos valores, às atitudes e às condutas dos indivíduos, não a fatores sociais, sendo, por isso, hesitantes em apoiar tanto gasto estatal (governamental) na implementação de programas sociais (as “bolsas”) que, segundo eles, reforça valores, atitudes e condutas que impedem o indivíduo de buscar a mudança e a melhoria de sua vida. Concordo com eles, nessa questão.

Um dos grandes malefícios advindos da ditadura militar instaurada com o golpe de 1964 no Brasil foi fazer boa parte da população brasileira ver o governo militar como “de direita”, porque anticomunista e porque a “esquerda”o combateu, até mesmo recorrendo ao terrorismo.

Conservadores em geral apoiaram o governo militar, porque queriam salvar a “tradição, família e propriedade” – tendência que gerou a famigerada TFP (pela qual não tenho a menor simpatia, apesar de ser favorável ao direito de propriedade, de nada ter contra a família (casei três vezes!), e de sr favorável a umas poucas tradições (e contrário a muitas outras). Acreditavam os conservadores  estar defendendo, entre outras coisas, a religião cristã ao apoiar os militares contra o perigo do comunismo ateu.

Liberais, por seu turno, certamente também não viam o comunismo com bons olhos – embora não por ele propor o ateísmo. Liberais eram (e são) anticomunistas porque o comunismo socializava tudo, acabava com a iniciativa privada na área econômica, cerceava a liberdade individual, advocava a “reeducação” (doutrinação até com lavagem cerebral) das pessoas, etc. Nenhum amante da liberdade vê essas coisas com bons olhos. Como era evidente, para eles (e para quem estivesse disposto a ver e ouvir), durante o governo de João Goulart, que o Brasil caminhava nessa direção, os liberais, em regra, apoiaram o golpe militar, como um remédio drástico contra a comunistização do Brasil. (Liberais clássicos sempre defenderam direito de a população remover da chefia da nação um líder tirano, que estivesse desrespeitando os direitos das pessoas – e o direito de fazer isso até mesmo pela violência, o chamado “tiranicídio”).

Quando o governo instituído pelo golpe militar de 1964 se revelou uma ditadura, violenta e estatizante (nunca se criou tanta “brás” no Brasil quanto durante o governo militar), que torturava e matava, e censurava os meios de comunicação, fechando ou domesticando o Congresso para se perpetuar no poder, perdeu o apoio dos liberais. Uns perceberam o que acontecia mais cedo, outros mais tarde, mas oportunamente todos perceberam.

A esquerda, porém, conseguiu convencer as pessoas, e a mídia, de que conservadores e liberais eram todos a mesma coisa, “a direita”, e que esta havia apoiado a ditadura e, depois de finda esta, “tinham saudade da ditadura”.

Assim, mais um resultado nefasto do regime militar foi o fato de que boa parte das pessoas passou a ver a esquerda, que nunca foi contra ditaduras, em si, até porque desejava a implantação aqui de uma ditadura à la Cuba (que lá se perpetua até hoje), mas era contra a ditadura anticomunista dos militares, como o “lado do bem”, e a direita como o “lado do mal”.

Desde então, desapareceu, no Brasil, na área política, o espaço à direita do centro: até a social democracia foi rotulada “de direita”. Deixou de haver candidatos conservadores viáveis para cargos executivos (para os legislativos os evangélicos conseguiram eleger vários) e os liberais sumiram do mapa, meio amedrontados de serem rotulados “de direita”, de defensores da ditadura, de golpistas, de entreguistas, etc.

Os liberais, hoje, estão perdendo esse medo. Alguns liberais, como Olavo Carvalho, Reinaldo de Azevedo, Rodrigo Constantino, também são conservadores (cultural e religiosamente). Outros, não. Advocados de Ayn Rand e Ludwig von Mises proliferam no Brasil.

Assim, a esquerda, juntando os conservadores (entre os quais os evangélicos) e os liberais, vê “a direita” crescer. E, nesse sentido, está crescendo mesmo. E isso é bom – especialmente se conseguir acabar com o monopólio hegemônico da esquerda. (A esquerda, que é o “pensamento único” no Brasil, conseguiu convencer as pessoas que o liberalismo é o “pensamento único”. George Orwell entendia bem dessa “novilíngua (newspeak), que rebatiza as coisas com o nome oposto daquilo que são. A Alemanha Comunista era “democrática”; a Alemanha Ocidental era apenas “federal”).

Como, nas pesquisas de intenção de voto, os candidatos a presidente propostos aos eleitores brasileiros são Dilma, Marina, Eduardo Campos, Aécio Neves, José Serra, nenhum dos quais é conservador ou liberal, os eleitores acabam escolhendo um deles – e a “brilhante” Folha de S. Paulo, carregada  de colunistas de esquerda, afirma que o voto foi “desideologizado”, porque até eleitores que seriam “de direita” votam em políticos da esquerda.

(Que opção? Quando até a “Santíssima Trindade” do Maluf, do Sarney e do Collor se esquerdizaram, bandeando-se para os lados do PT e vivem abraçados com o Lulla, e, no caso do Maluf, com o Haddad…).

Em São Paulo, 15 de Outubro de 2013

A Livraria Saraiva é incompetente: Eis a Prova

Eis a transcrição do atendimento (???) online da LIVRARIA SARAIVA hoje cedo. Registro que me conectei às 10:00 e só fui atendido (???) pela Ana Paula às 10:19, quase vinte minutos depois. Mais de 25 minutos depois, ela me desligou o chat na cara, sem me atender.

Transcrevo a partir deste URL: http://chat.livrariasaraiva.com.br/voswebchatserver/lite?time=1380116702851#

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Ana Paula
Bem vindo ao atendimento da Saraiva.

10:19:35
Por favor anote o número do protocolo: 18768387

10:21:02
Eduardo Chaves
Comprei ontem três livros (três cópias do mesmo livro, de minha autoria) e paguei frete especial que me garantia que a compra seria entregue até ontem às 22h — porque precisava de um dos livros ontem. NÃO CHEGARAM. O prazo não foi 24 h. FOI ATË ÀS 22h DO DIA!!!

10:21:59
Pedido 33077446

10:22:40
Estou esperando aparecer alguém… aqui e no telefone. Aqui esperei vários minutos até conseguir entrar. . .

10:23:35
Alô… Ana Paula???

10:24:37
Ana Paula
Por favor aguarde um momento.

10:25:12
Eduardo Chaves
OK… Estou fazendo exatamente isso…

10:26:02
Ana Paula
Bom dia, senhor Eduardo. Por favor, confirme o nome completo do titular da compra. [Pode? ela já tem o número do pedido e eu só entro no chat porque sou cadastrado no site]

10:26:53
Eduardo Chaves
Eduardo Chaves

10:28:11
Ana Paula
Aguarde um momento por gentileza, enquanto verifico.

10:28:11
Eduardo Chaves
Prazo de entrega: “Até as 22h da data do pedido”.

10:28:25
Ana Paula
Aguarde um momento por gentileza.

10:29:10
Eduardo Chaves
Paguei 13,73 de entrega para que os livros me fossem entregues ONTEM até às 22h. Não foram. Quero os livros hoje e a restituição dos 13,73 reais que paguei, por vocês não terem cumprido o que prometeram…

10:31:10
Continuo gentilmente aguardando…

10:33:24
Já estou conectado neste chat HÁ DEZ MINUTOS e nada de resposta. . .

10:33:25
Ana Paula
Por favor aguarde um momento.

10:33:59
Eduardo Chaves
Corrijo: 14 minutos.

10:34:40
Ana Paula
Mais um momento por gentileza.

10:35:45
Eduardo Chaves
Você deveria estar atendendo só a mim. Um cliente de cada vez. Eu esperei quase 20 minutos até você me atender e estou esperando já há mais de 15 desde que abriu a janela de atendimento.

10:37:23
Ana Paula
Mais um momento por gentileza.

10:39:02
Eduardo Chaves
Seu supervisor está monitorando este atendimento? Seu gerente de atendimento online sabe quanto tempo você leva para dar uma resposta simples a um cliente? JÁ FAZ 20 MINUTOS QUE A JANELA DE ATENDIMENTO ABRIU E EU SÓ OUVI VOCÊ PEDIR PARA EU AGUARDAR…

10:39:37
Avise os seus superiores de que, se vocês estão precisando de um gerente competente de atendimento online, eu tenho um nome a sugerir. É um grande amigo meu, especializado em Call Centers e assemelhados.

10:42:09
Ana Paula
Compreendo, senhor Eduardo. Porém, estou solicitando um momento, pois como o senhor mesmo está ciente, atendo mais de um cliente, ao mesmo tempo, com solicitações diferentes. Estou abrindo uma ocorrência para o setor responsável averiguar o ocorrido. A Saraiva retornará o contato com um posicionamento.

10:42:52
Eduardo Chaves
Embora não pareça, Ana Paula, até incompetência deve ter algum limite. Você deveria ter sido informada disso. . .

10:43:09
Ana Paula
Posso ajudar em algo mais? [Algo MAIS? No que ela me ajudou???]

10:43:39
Eduardo Chaves
Se vocês não entregaram meus livros no prazo prometido, como posso acreditar que a Saraiva vai retornar atendendo ao meu pedido de esclarecimento???

10:44:20
QUERO FALAR COM SEU SUPERVISOR, IMEDIATAMENTE. POR FAVOR, COLOQUE-O NA LINHA.

10:45:02
Ana Paula
A Saraiva agradece o seu contato.

Atendimento Encerrado

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Liguei na Portaria do prédio ontem às 22h, 23h, 0h. Os livros não haviam chegado.

Liguei hoje cedo, às 8h, 9h, 10h. Os livros não haviam chegado.

Liguei agora às 11h. Chegaram. A Ana Paula não sabia.

Mas a Saraiva ainda me deve a restituição de 13,73 reais: o prazo era ONTEM, mesmo dia do pedido, às 22h. A entrega seria gratuita a menos que eu optasse por entrega NO MESMO DIA DO PEDIDO.

Em São Paulo, 25 de Setembro de 2013, às 11h10.